Music

Lollapalooza Brasil 2022 – ao vivo

Oito motivos para celebrar o retorno do festival cantando os versos “olê olê olá! Lolla! Lolla!”

Planet Hemp

Textos por Abonico Smith

Fotos: Lolla BR/Camila Cara/Divulgação

Enfim, a música está definitivamente de volta aos palcos no Brasil. E os festivais de música também. Depois de dois anos de muito isolamento, distanciamento e congelamento de eventos artísticos provocados pela pandemia, com os números em queda e o gradativo relaxamento das regras sociais, a grade de grandes eventos pode ser retomada em 2022. No terreno da música pop, tudo começou no último final de semana, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, com os quatro palcos e três dias do Lollapalooza Brasil, que, entre 25 e 27 de março, retomou um pouco daquela programação que estava sendo esperada para 2020, mas com várias alterações sendo feitas a cada cancelamento, até mesmo nas últimas semanas com a desistência de duas bandas internacionais por conta de gente diagnosticada com a covid-19. Surpresas que se prolongaram até a véspera do domingo, com o mundo sendo pego de surpresa pela notícia da inesperada morte de Taylor Hawkins, o carismático baterista do Foo Fighters, o último dos três headliners, horas antes de um show em outro festival na Colômbia.

Mondo Bacana lista oito motivos que vão fazer você se lembrar para sempre desta edição um tanto confusa e atabalhoada mas extremamente importante para ajudar a recolocar os grandes festivais e eventos musicais no eixo em território brasileiro.

Wombats

Este trio liverpludiano de nome de marsupial australiano e carreira sólida no circuito indie rock europeu merecia ter sorte melhor em sua primeira vinda (tardia, já que a discografia aponta cinco trabalhos em 15 anos) ao Brasil. Mal havia começado seu set e do nada veio um toró danado, com muitos raios e ventos, o que forçou a organização a cancelar tudo imediatamente e evacuar palco e plateia pelo risco de acidentes próximos a instalações metálicas. Foram só cinco músicas, mas o suficiente para ver que o vocalista Matthew Murphy e seus comparsas tinham muita lenha para queimar naquela tarde de sexta-feira. Misturando guitarras e grooves e com hits poderosos como “Moving To New York” e “Techno Fan”, lá do início da carreira, estrategicamente colocados no pontapé inicial para incendiar tudo. Só que aí veio o inesperado. A chuvarada veio impiedosamente para apagar todo o fogo da banda. Pelo menos restou a suspeita de que ano que vem eles deverão estar de volta por aí para compensar o “pocket show forçado”.

Strokes

Muita gente pode achar sem sentido a escalação do Strokes como headliner de um grande festival, justificando que o quinteto nova-iorquino está longe de seu auge criativo. Pura bobagem! Se bandas como Red Hot Chili Peppers e Guns N’Roses vivem desembarcando aqui no Brasil com o mesmo status, porque a trupe de Julian Casablancas não poderia também? OK, as vendagens podem não ter sido tão grandiosas se comparadas a estes nomes, mas a importância e a significância para tal ponto. Afinal, ajudaram a consolidar uma nova linguagem do rock, tão suja e underground quanto seus antecessores que consolidaram o punk e o alternativo no subsolo norte-americano. E, bem, musicalmente continuam muito bons. Simples, direto ao ponto, sem firulas (até mesmo nos solos). Julian Casablancas continua cantando cinicamente desanimado, como um “tô nem aí para nada”, agarrado no pedestal, de óculos escuros e na maior pose antipopstar. Aliás o foda-se desta vez estendeu-se também à escolha do repertório. O grupo ousou ao eliminar escolhas óbvias para festivais como de hits (como “Someday” e sobretudo “Last Nite”), pegar lados B dos dois primeiros álbuns (“Under Control”, “Trying Your Luck”, “Take It Or Leave It”, “New York City Cops”) e bancar um terço do set list (cinco de quinze) com faixas do álbum mais recente, lançado logo depois do lockdown mundial provocado pelo decreto da pandemia. Gran finale da primeira noite!

Emicida

Há muito tempo que, em se tratando de peso e atitude, o rap é o novo rock aqui no Brasil. Depois de uma série de discos acachapantes, Emicida veio para este Lollapalooza disposto a provar que, sim, pelo menos em se tratando de festivais de música a revolução pode ser televisionada em nosso país. AmarElo, o show, é uma porrada na cara, um soco no estômago, um tapa do Will Smith em todos os sentidos. Banda afiada, com duas guitarras poderosas, baixista-maestro, percussão dando peso às batidas do DJ. Com versos de forte conteúdo racial, social, político e (por quê não?) de relacionamentos pessoais – a ponto de levar a um festival pop o pastor Henrique Vieira para mandar um sermão contagiante no final com “Principia”. Antes, porém, uma trinca matadora com participações especiais: Rael em “Levanta e Anda”, Drik Barbosa em “Luz” e Majur em “AmarElo”(aquela na qual o sample com o refrão gravado originalmente na voz de Belchor vira transe coletivo).

Miley Cyrus

Às vésperas de completar 30 anos de idade, a ex-Hannah Montana libertou-se de todas as amarras imagéticas que ainda poderiam estar assombrando seus trabalhos anteriores. Sonoramente, lançou-se fundo no rock, com muitas timbragens e elementos oitentistas sem abandonar a veia pop dos arranjos. Visualmente, toda de preto e cabelo platinado no melhor estilo femme fatale eternizado por Madonna também nos anos 1980. De quebra, ainda chamou a amiga Anitta ao palco para celebrar “a brasileira número um mundial do Spotify” e mandar – rebolando bastante, claro – um feat do novo hit dela “Boys Don’t Cry”. Só que nem tudo é perfeito. Para os millennials, Miley pde ser o máximo, impactante, de causar arrepios. Só que quem tem mais idade e já viu muito mais coisa no rock’n’roll sabe que tudo nao passa de um pastiche. Bem produzido mas um pastiche. Rola um déjà-vu atrás do outro, com lembranças que vão de Bon Jovi a… Madonna! Isso sem falar no amontoado de covers sem sentido (já que ela é uma headliner com carreira já longa e consolidada) que deformam Pixies (“Where Is My Mind?”), Blondie (“Heart Of Glass”) e Nancy Sinatra (“Bang Bang”). Ah, sim, teve toda a encenação do choro pela morte do grande amigo pessoal Taylor Hawkins no meio do show (quando ela cantou “Angles Like You” sentada em uma cadeira agarrada a uma bolsa de grife da qual tirou um lencinho para enxugar as lágrimas sem borrar o make). Por falar em grife, o que dizer do enorme casaco de inverno verde que ela teve de vestir e cantar por uns dois minutos usando durante a primeira música. Contratos de parceira publicitária? Muito rock’n’roll isso, né? No telão ao fundo, a frase “sell out to sell out”(em bom português, “vender-se para se vender”). Pose dez, atitude duvidosa no fim das contas. Será que é disso que o mundo necessita mesmo?

Idles

Já faz alguns anos que as terras britânicas vem exportando ao mundo uma série de novas bandas excitantes. Muitas delas, inclusive, com inspiração clara nos bons sons alternativos norte-americanos dos anos 1990. O Idles é um destes exemplos. Formado na cidade de Bristol, o quinteto vem concebendo álbuns maravilhosos em série (foram quatro desde 2017) e é nos concertos em grande escala que vem fazendo sua fama expandir ainda mais. Se a sonoridade já era brutal em pequenos espaços, quando o palco ganha proporções gigantescas – como é o caso dos festivais a céu aberto – parece que a banda também se agiganta com facilidade extrema. Aqui no Brasil, tocando pela primeira vez, não foi diferente. Com um pezinho naquela mistura entre o punk rock, o hardcore e o industrial e lembrando bandas clássicas de selos como Touch and Go (de Chicago) e Alternative Tentacles (criado por Jello Biafra em San Francisco). O quinteto insano jorrou em pouco menos de uma hora treze músicas praticamente coladas uma na outra – com claro destaque para o segundo álbum, Joy As An Act Of Resistance, de onde vieram sete delas). Ao vivo, parece que cada músico dispara para um lugar separado, tanto nas notas musicais como na performance cênica individual. A somatória desta coisa toda aparentemente difusa acaba atordoando, formando um conjunto monolítico com altos graus de ironia e sarcasmo – nas danças ora patéticas ora intensas dos músicos, na verborragia cuspida pelo vocalista Joe Talbot, na pancadaria rítmica da e bateria, nas distorções e microfonias incessantes formadas por toneladas de pedais ligados ao baixo e às duas guitarras. Nunca um fim de tarde de domingo soou tão longe de ser modorrento.

Libertines

Depois do Idles, no mesmo palco principal do Lolla vieram os Libertines, atração praticamente acertada de última hora, já que duas semanas antes do festival o Jane’s Addiction cancelou a vinda por conta de casos de covid em sua equipe. E, olha, nunca uma escolha poderia ter sido tão acertada e oportuna quanto esta. Afinal, lá atrás, quando estiveram pela primeira vez no país também em um grande festival, a banda estava no seu auge mas se encontrava temporariamente sem um de seus frontmen, o guitarrista e vocalista Pete Doherty estava temporariamente afastado de suas funções em virtude de uma sentença judicial que o levou à cadeia. E Carl Bârat sem Pete é como Piu-Piu sem Frajola, Buchecha sem Claudinho. Agora, Pete e Carl ficaram lado a lado, alternando-se nos vocais no típico repertório “banda de bar” que fez a fama do quarteto lá na primeira metade dos anos 2000 – o set list contou com treze faixas extraídas dos dois primeiros e mais famosos álbuns. Com a poderosa ajuda do experiente baterista Gary Powell (que, dez anos mais velho que os dois e negro, ainda insere com extrema competência elementos de jazzblues e soul nos arranjos). Tudo bem que a idade já começa a pesar nos ombros. Com 43 anos de idade, não são mais aqueles likely lads que promoviam performances anárquicas em pequenos palcos nas gigs em Londres e arredores. Pelo menos estão vivos e esperneando, sempre prontos para mandar clássicos do indie rock do século 21 como “What Became Of The Likely Lads”, “What Katie Did”, “Boys In The Band”, “Time For Heroes” e “Can’t Stand Me Now”. Sorte nossa, mesmo que muita gente mais jovem que estava in loco no Lolla não tenha dado a mínima por achar que rock é o que menos importa na música de um festival.

Mano Brown

O rap é o novo rock

Perto da meia-noite de sexta para sábado (horário de Brasília) chega a notícia bombástica: horas antes de se apresentar em um festival na Colômbia, o baterista do Foo Fighters Taylor Hawkins morre no hotel. Mais um problema – e que problemão – de última hora para a escalação do festival: como resolver em questão de menos de dois dias a substituição da banda para encerrar a programação do palco principal no domingo? A solução estava bem perto e, de certa forma, vinda de um lado inesperado para muita gente: ela respondia por Emicida. Admirador da banda de Dave Grohl, assim como a guitarrista de sua banda, Michele Cordeiro, ele recorreu a um punhado de amigos rappers e resolveu prontamente o problema de logística: montou um show tão longo quanto, juntando um monte de artista que nas últimas três décadas ajudou a cristalizar o hip hop como um dos gêneros musicais mais populares do país. Deste jeito, o concerto improvisado – anunciado como uma homenagem a Taylor Hawkins sem, contudo, prender-se ao modelo chato de tributo de execução das principais músicas gravadas pelo homenageado – foi dividido em duas partes. Na primeira, os DJs Nyack e KL Jay deram o suporte soltando as bases para nomes como Emicida, Rael, Criolo, Bivolt, Drik Barbosa, Djonga, Ice Blue e Mano Brown mandarem algumas das principais composições de suas carreiras (…). A metralhadora verborrágica da turma revelou-se tudo aquilo que anda em falta nas bandas mais tradicionais de rock: sagacidade, rebeldia e periculosidade intelectual. Na segunda, os DJs e MCs individuais cederam o palco ao Planet Hemp, que veio do Rio de Janeiro para mostrar que a produção do festival cometeu um grande erro ao não escalá-lo. Com a banda afiadíssima e misturando hardcore, psicodelia, samba e jazz ao canto falado de Marcelo D2 e BNegão, o PH é uma das poucas bandas brasileiras de rock realmente avassaladoras ao vivo hoje em dia. Peso, contundência e, claro, aquela chama capaz de nunca se apagar. Tanto uma metade quanto a outra pode ser definida como uma oportunidade para celebrar o amor, a música e a possibilidade de se estar junto àquelas pessoas que amamos. E não bastasse esses lados A e B do novo concerto, houve ainda um “prefácio” tocante com Michele e Mônica Agena dedilhando lentamente suas guitarras e tornando “My Hero” ainda mais emocionante. No fim, depois do Planet Hemp, mais uma homenagem direta a Hawkins. O Ego Kill Talent, banda brasileira escalada para abrir a última turnê brasileira do FF em 2018, encerrou as atividades com duas músicas: uma autoral mais “Everlong”, a primeira cover tocada pelo quinteto durante toda a sua trajetória de shows. Se em um primeiro momento tudo parecia triste, perdido e arrasado para o encerramento de domingo do Lolla, depois dessa turma toda ninguém mais teve dúvida de que valeu muito a pena ter ido ao Autódromo ou ficar vendo pela TV toda aquela competente gambiarra improvisada horas antes.

#ForaBolsonaro

Sabe aquele tiro que sai pela culatra? Pois foi bem o que aconteceu neste Lollapalooza. Na sexta-feira, um fã deu a Pabllo Vittar uma bandeira com a cara e o nome de Lula e ela saiu correndo com o objeto, tremulando-o ao vento, em disparada pelo corredor que separa uma metade da outra do público. A foto saiu estampada em todos os portais de notícias. Em outro palco, a cantora galesa Marina Diamandis mandou, em alto e bom português, um “#ForaBolsonaro”. Os Strokes saíram do palco usando o microfone para falar a mesma coisa. Foi o que bastou para Jair Bolsonaro ficar nervosinho e, disfarçando sob a assinatura de seu novo partido, pedir judicialmente a reativaçãoo da censura a artistas, proibindo-os de expressar suas opiniões travestidas de, segundo suas palavras, “campanha para presidente antes do período determinado pela lei”. Só que ele pode e sempre faz isso. E o pior: o mesmo ministro do TSE Raul Araújo que endossou o pedido e faz voltar a valer a censura neste país foi aquele que, semanas antes negara pedido de retirada de outdoors irregulares fazendo campanha para Bolsonaro em uma cidade de Mato Grosso do Sul. Mas de nada adiantou esse passo rumo ao retrocesso. Depois de sábado, quando a notícia estourou pelos bastidores, foi um tal de “cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu” (como disse Lulu Santos ao adentrar o palco do Fresno para uma participação especial). No mesmo dia, Silva puxou o coro do incentivo para que jovens entre 16 e 18 anos (faixa etária para a qual o voto é facultativo) tirassem seu título de eleitor para poderem ir às urnas em outubro próximo. O grupo gaúcho também mandou um #ForaBolsonaro no telão. Logo depois, Gloria Groove entrou com uma blusa semelhante a um uniforme de time de futebol, tendo escrito atrás seu nome e o número 13. Emicida, tanto no sábado quanto no domingo, reforçou que o amor vale mais que o ódio e também mandou a hashtag mais famosa destes últimos quatro anos no país. Criolo não disse nada, apenas vestiu uma camiseta com a urna eletrônica na frente, mais um título de eleitor atrás. Bivolt demonstrou toda a sua insatsifação com o atual desgoverno federal no rap freestyle. Mas, claro, a maior vociferação contra a absurda ação autocrata veio de Marcelo D2. “Não, hoje #EleNão. Hoje #EleNão vai fazer a narrativa. A gente vai fazer a narrativa. Isso aqui é sobre amor. É sobre Taylor Hawkins. Sobre Chorão. Sobre Chico Science. Sobre Sabotage. Sobre Speedfreaks e Skunk.”, mandou logo ao entrar com o Planet Hemp, lembrando os nomes de amigos e ídolos já falecidos, sendo os dois últimos um ex-colaborador e um dos fundadores do PH. Aí mandou a letra de “Banditismo Por Uma Questão de Classe”, manifesto antinarrativa de direita da Nação Zumbi. Depois emendou “Distopia”, música inédita “sobre esperança” com base jazzy que estará no disco da banda que será lançado do próximo semestre. O refrão trazia um jogo de palavras hipnótico (“Desobedeço o obedeça/ Obedeço o desobedeça”) enquanto o telão repetia outra parte da letra (“Repense Reflita Resista Recuse”). Em “Dig Dig Dig” reviveu o canto de Zumbi eternizado por Jorge Ben (“Zumbi é o Senhor das Guerras/ Zumbi é o Senhor das Demandas/ Quando Zumbi chega/ É Zumbi é quem manda”). Antes de “queimar tudo até a últimaponta”, aproveitou para xingar diretamente Bolsonaro. Depois, lembrou que a musica “Zerovinteum”, há quase trinta anos, já falava sobre o problema das milícias no Rio de Janeiro – e ainda atestou estarem presentes sempre os assassinados Marielle e Anderson. Também levou um improvável hino do Ratos de Porão ao palco do grande festival mainstream com a cover de “Crise Geral” e antecipou a execução de “Contexto” dizedo que de nada adianta acreditar em um salvador da pátria e só fazer algo ao ir lá votar no dia da eleição. Ah, sim: não deixou de entoar a famosa musiquinha adaptando-a para homenagear o festival: “olê olê olá! Lolla, Lolla!”. Os artistas sambaram bonito em cima da cara do “é melhor Jair embora de uma vez”. Em tempo: o festival não foi notificado pela justiça porque o pedido de censura foi tão incompetente que nenhum dos dois CNPJs informados ali batiam com os responsáveis pelo evento. Em tempo 2: na segunda-feira, quando não adiantava mais nada porque tudo já acabara no domingo, Araújo suspendeu as manifestações políticas no Lolla afirmando que o texto da solicitação do PL o havia induzido a erro. A emenda ficou, de vez, pior que o soneto…

Movies, News, TV

Oscar 2019

Oito motivos para você não se esquecer da cerimônia de entrega dos prêmios Academy Awards deste ano

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Reprodução

Queen

Muita gente pode ter se perguntado: o que diabos o Queen faria lá no palco do Dolby Theatre em Los Angeles na cerimônia do Oscar em 2019? Afinal, até então, o privilégio para a apresentação de números musicais ao vivo era dado somente às canções originais concorrentes na categoria. A dúvida se desfez logo após a primeira batida da noite deste 24 de fevereiro, dando abertura à festa. Sob o comando de Roger Taylor, o “tum-tum-tá” típico de “Will We Rock” colocou de pé as estrelas de Hollywood e todos os especialistas nos bastidores da sétima arte. Logo depois viriam Adam Lambert na voz e Brian May no matador solo de guitarra que conclui o arranjo. Era o Queen (ou o que sobrou dele; ou, para muitos, apenas um cover oficial da própria banda) abrindo alas para Bohemian Rhapsody brilhar na noite faturando o mais alto número de prêmios para um único filme (quatro, no total, incluindo o de ator para Rami Malek, no papel de Freedie Mercury). Logo em seguida, o trio Taylor-May-Lambert emendou a balada “We Are The Champions”, que, originalmente também vem na sequência de “We Will Rock You”, no álbum News Of The World). Jogo ganho. Não só in locomas também ao redor do mundo inteiro. Já que o Oscar quis fazer desta noite uma aposta mais popular e chamativa, conseguiu logo de cara. De quebra, o filme sobre Mercury e Queen ainda uniu novamente a dupla de Quanto Mais Idiota Melhor (Mike Myers e Dana Carvey, eternamente populares pela cena em que seus personagens batem cabeça no carro ao som da parte mais pesada de “Bohemian Rhapsody”) para fazer o anúncio do videoclipe que apresentava a obra como uma das indicadas ao prêmio máximo da noite.

Heróis e vilões

Muito de falou nas últimas semanas sobre quem poderia ser o apresentador oficial do Oscar. Contudo, nenhum ator ou comediante acabou fechando contrato para o papel de âncora. A Academia, então, anunciou que as aberturas dos envelopes seriam feitas por “heróis e vilões do cinema”. Contudo, quem esperava que alguém pudesse surgiu caracterizado com uniformes, roupas, cabelos e maquiagens típicas dos personagens encarnados nas telas, errou redondamente. Por conta de direitos autorais, isso não foi realizado. Entraram, sim, atrizes e atores vestidos formalmente (com exceção da dupla Melissa McCarthy e Bryan Tyree Henry, que partiram de vez pro escracho misturando exageros e símbolos referentes aos longas A Favorita e Pantera Negra). A “Rainha Anne” de Melissa estava com dezenas de coelhos adornando uma capa de cauda longuíssima, por exemplo. Um dos poucos momentos de humor debochado da noite. Valeu a pena.

Lady Gaga e Bradley Cooper

Já era prevista a vitória de “Shallow” como a canção original da temporada cinematográfica. Contudo, o número musical protagonizado pela dupla de atores de Nasce Uma Estrela foi comovente. A balada poderosa – que entre seus compositores, além da Gaga, tem o DJ e produtor Mark Ronson (responsável por muitos discos de primeira, entre eles Back To Black, de Amy Winehouse) e o guitarrista Anthony Rossomando (cujo currículo traz serviços prestados a excelentes bandas indie como Libertines e Dirty Pretty Things) – começou com um playback instrumental na medida para Gaga e Cooper soltarem o gogó de forma franca, sincera e emocional. De quebra, a cantora e atriz ainda tocou piano na parte final do arranjo. Como diz o Faustão, quem sabe faz ao vivo.

Spike Lee

Justiça foi feita a um dos diretores e roteiristas mais importantes do novo cinema autoral norte-americano das últimas décadas. Infiltrado na Klan, uma das obras mais interessantes desta temporada, concorria nas categorias filme, direção e roteiro adaptado. Pode ter perdido nas duas primeiras, mas pelo menos abocanhou uma “consolação de luxo” por contra a história do policial negro que consegue, do modo mais absurdo e inteligente possível, ser aceito nos quadros da organização fascista e racista que tocava o terror nos estados do Sul dos Estados Unidos até bem pouco tempo atrás. Vestido de chofer com a cor violeta dando o tom dos pés ao quepe, ele chegou no palco pulando no colo do apresentador Samuel L Jackson e ainda fez um belo discurso cheio de conteúdo sóciopolítico.

Olivia Colman

Quem também brilhou no discurso foi a atriz britânica Olivia Colman. Ou melhor, no não-discurso. Visivelmente transtornada de emoção e surpresa por ter superado “a favorita” (não dá para escapar do trocadilho infame!) Glenn Close na categoria, ela não sabia se falava, chorava, gaguejava ou mandava beijos para as concorrentes superadas. Com a estatueta na mão, protagonizou informalmente um dos mais espontâneos e engraçados momentos da cerimônia. De quebra quase se pôs de joelhos aos pés de Lady Gaga, que, sentada na fila da frente, retribuiu o carinho também de forma histriônica. E convenhamos: o trabalho de Colman como a Rainha Anne da A Favorita está espetacular. E nem é pela transformação física, de ter ganhado quinze quilos a mais para fazer o papel.

Pantera Negra

Antes de começar a cerimônia, o filme já havia quebrado uma escrita e entrado na História: foi a primeira produção baseada em um super-herói dos quadrinhos a concorrer à premiação máxima da noite. Se o drama com elenco negro e vivido quase que inteiramente na África (no fictício país de Wakanda) não foi agraciado como o melhor longa-metragem da noite, pelo menos saiu com três importantes prêmios técnicos: trilha sonora, figurinos e design de produção (categoria antigamente chamada direção de arte). Sinal de que uma produção caprichada nicho do grandioso público nerd pode, sim, rimar arte com altas bilheterias.

Alfonso Cuarón

Produtor, diretor, roteirista, fotógrafo. Alfonso Cuarón foi praticamente um faz-tudo nas funções mais importantes de Roma. Seu trabalho competentíssimo – e carregado de emoção e lembranças de sua vida na infância – garantiu a ele um excesso de bagagem para a volta para casa: faturou três estatuetas na noite, referentes às categorias filme em língua não inglesa, cinematografia e direção. Não levou a de melhor filme, é bem verdade, embora merecesse também. Entretanto, ninguém pode sair reclamando da falta de reconhecimento de seu múltiplo talento. Muito menos o México, o país onde nasceu. Afinal, a dinastia mexicana de direção no Oscar continua nas mãos de Cuarón, Iñarritú e Del Toro, vencedores dos prêmios nas últimas cinco edições.

Green Book

Como era de esperar, o filme mais mediano – e agradável à maioria das pessoas – foi agraciado com o prêmio principal da noite. Tocando de modo light na questão do racismo (a história se passa no início dos anos 1960, quando a luta pelos direitos civis nos EUA ainda não estava em momento explosivo e tenso) e também passando superficialmente por outros temos polêmicos, incluindo a homossexualidade, Green Book (esqueça o subtítulo pavoroso que o filme ganhou de sua distribuidora no Brasil) favoreceu-se do critério de votação dos membros da Academia. Vale lembrar que desde 2010, quando o número de concorrentes a melhor filme passou de cinco para até dez (são sempre oito ou nove, dependendo do coeficiente de corte na listagem apurada para o anúncio das indicações), todo votante precisa numerar esta lista de um a oito ou nove, segundo sua preferência pessoal. Portanto, aquela produção que fica ali no meio, entre segundo e quarto, justamente por ter o menor índice de rejeição, acaba sendo projetada no cômputo geral dos pesos e levando a estatueta. Foi o que aconteceu agora à história do branco bronco italiano de Nova Jersey que, por necessidade, durante algumas semanas do ano de 1962, trabalha como motorista de um renomado músico de jazz de Nova Yordurante uma turnê por cidades racistas ao sul dos Estados Unidos – e, ao fim da convivência cheia de diferenças culturais e ideológicas, um acaba sendo modificado pelo outro. Nada mais água com açúcar para agradar à maioria das pessoas. E, de quebra, Green Book faturou outros dois prêmios importantes da noite: roteiro original e ator coadjuvante (Mahershala Ali). Pode não ter sido o mais premiado na noite, mas saiu do Oscar 2019 como o principal filme da temporada pela importância das categorias.

VEJA OS GANHADORES DE CADA CATEGORIA

Filme: Green Book: O Guia

Direção: Alfonso Cuarón (Roma)

Atriz: Olivia Colman (A Favorita)

Ator: Rami Malek (Bohemian Rhapsody)

Canção original: “Shallow” (Nasce Uma Estrela)

Trilha Sonora: Pantera Negra

Roteiro adaptado: Infiltrado na Klan

Roteiro original: Green Book: O Guia

Curta-metragem de ficção: Skin

Efeitos visuais: O Primeiro Homem

Documentário em curta-metragem: Period. End Of Sentence

Animação em curta-metragem: Bao

Animação: Homem-Aranha no Aranhaverso

Ator coadjuvante: Mahershala Ali (Green Book: O Guia)

Montagem: Bohemian Rhapsody

Filme em Língua não inglesa: Roma

Mixagem de som: Bohemian Rhapsody

Edição de som: Bohemian Rhapsody

Fotografia: Roma

Design de produção: Pantera Negra