Live action de clássica animação da Disney traz 52 minutos adicionais, novas canções e Halle Bailey impressionando como Ariel
Texto por Carolina Genez
Foto: Disney/Divulgação
Ariel é a filha caçula do Rei Tritão, governante dos sete mares. Por ser a mais nova, a pequena sereia vive sob regras extremamente restritas que em principal a proíbem de ir até a superfície e interagir com os humanos. Curiosa, magoada pelo pai e determinada a conhecer o mundo acima da água, ela é seduzida pelas promessas da bruxa Úrsula, que oferece pernas em troca da voz da garota.
A primeira adaptação do conto de Hans Christian Andersen produzida pela Disney em 1989 teve um grande peso dentro da empresa, sendo responsável por salvar o departamento de animações do Mickey Mouse, que estava passando por um período difícil depois de fracassos comerciais entre os anos 1970 e 1980. Com uma princesa muito carismática e músicas animadas, o longa abriu portas para outras produções como A Bela e a Fera e O Rei Leão e chegou inclusive a ser indicado a três estatuetas do Oscar, levando duas para casa. Por causa da relevância e da qualidade do seu antecessor, as expectativas em cima do live action anunciado para chegar aos cinemas em 2023 estavam altas.
Eis que estreia nesta semana a nova versão de A Pequena Sereia (EUA, 2023 – Disney), agora com atores. O roteiro de ambos os filmes são bem similares, contando inclusive com alguns mesmos diálogos. Porém, com 52 minutos adicionais, o live action consegue acrescentar momentos e músicas, alem de desenvolver melhor cada um dos personagens de uma maneira que melhora e complementa a história mas ainda mantém a essência que o desenho trouxe para a narrativa. Essas mudanças foram aprovadas não só pelos fãs da animação como também pela atriz Jodi Benson, que deu a voz à princesa Ariel no longa de 1989.
O filme de 2023 abre com uma citação do próprio Hans Christian Andersen (“Uma sereia não tem lágrimas, assim ela sofre muito mais”), que fica com o espectador do começo até o final, principalmente nas cenas mais dramáticas. As novas músicas também se destacam ao longo da história, sendo acrescentadas de maneira orgânica e trazendo muito para dentro da narrativa. A trilha sonora original foi escrita por Alan Menken. Já para o live action, o compositor recebeu a ajuda do talentosíssimo Lin Manuel-Miranda.
Outra das mudanças positivas foi o melhor desenvolvimento da personalidade de Eric. Aquele de 1989, comparado com os príncipes encantados das outras princesas da Disney, tinha bastante personalidade mas não o suficiente para os dias de hoje. Agora Eric não só ganha uma música para chamar de sua, como também somos apresentados aos seus sonhos e vontades, similares às de Ariel (louco para explorar o mundo embora sua mãe queira que ele fique na proteção de seu palácio). Esse acréscimo, apesar de simples, permite com que os espectadores também se conectem com o personagem e faz com que o amor entre os dois personagens seja mágico porém mais natural.
O romance dentro do filme também foi bem desenvolvido com esses minutos adicionais. Na animação isso já fora bem executado – apesar da intensidade de amor à primeira vista, por ter cedido sua voz, Eric não reconhece Ariel e assim acaba se apaixonando “novamente” pela garota de maneira gradual ao longo da história. No live action o foco na relação é grande, com diversas cenas em que os personagens percebem o quanto têm em comum e aproveitam a companhia um do outro – o que torna a narrativa ainda mais envolvente, também pela química dos atores.
Por falar em romance, durante o longa em diversos momentos é colocada de maneira clara a independência de Ariel, algo muito questionado ao longo dos anos. A princesa sempre quis conhecer a superfície e Eric e sua paixão foi apenas mais um motivo a mais. Dentro do filme, além de “Part Of Your World”, que já expressa as vontades da garota, a nova canção “For The First Time” mostra com perfeição a personalidade da sereia curiosa, determinada, querendo conhecer o novo mundo mas ainda assim assustada com as novidades. E tudo isso na voz potente de Halle Bailey.
A atriz e cantora aqui entrega uma performance digna de longos aplausos, encarnando perfeitamente como Ariel e sendo o verdadeiro destaque dentro do filme. Bailey dá vida a uma protagonista muito corajosa e apaixonante, com muito da essência daquela de 1989, mas construindo a personagem à sua maneira. Desta maneira, impressiona e cativa desde o primeiro momento. E a voz potente da atriz engrandece todas as músicas do filme, desde aquelas que canta solo até as que acompanha em segundo plano. Halle também impressiona pela expressão corporal e performance nas cenas em que Ariel fica sem voz.
Assim como no primeiro filme, os coadjuvantes também não ficam para trás. Aqui a temida Úrsula é vivida pela carismática Melissa McCarthy, que traz uma performance exagerada (num bom sentido) e extremamente debochada. Sua atuação bem teatral fica perfeita para a personagem. Já os amigos de Ariel estão muito afiados, apesar de realistas demais. Linguado (Jacob Tremblay) é extremamente fiel a Ariel e traz divertidos momentos principalmente no começo do filme. Já Sebastião (o talentoso Daveed Diggs) é o braço-direito do rei Tritão e ajuda a princesa a sair de sua enrascada trazendo uma maravilhosa performance da música “Under The Sea”. Por fim, a dublagem de Sabichão acaba incomodando um pouco pela voz da atriz Awkwafina ser extremamente reconhecível. Ainda assim, traz engraçados momentos e recebe uma música só sua, “The Scuttlebutt”, com traços reconhecíveis das obras de Lin Manuel-Miranda.
A Pequena Sereia também ganha muito com os avanços tecnológicos e transporta os espectadores para um mundo mágico, tanto embaixo da água quanto na superfície. Sob o mar tudo é muito colorido e quase viciante de se olhar por causa de diversas criaturas e cenários maravilhosos. O CGI e a maneira natural como Ariel se movimenta também impressionam. Já em terra temos a chance de explorar mais do castelo e da cidade de Eric, ambos também recheados de cores e objetos interessantes. Isso faz entender ainda mais a curiosidade de Ariel.
Apaixonante, satisfatório e divertido, o novo filme consegue emplacar como uma das melhores adaptações feitas pela Disney nessa leva de live actions. Prende os espectadores do começo até o fim, melhorando a narrativa de 1989 e apresentando uma ótima performance de Halle Bailey.
Como instigar o diálogo e a reflexão em um ambiente de sororidade dentro de comunidade que incentiva a masculinidade tóxica
Texto por Taís Zago
Foto: Universal Pictures/Divulgação
Em 2010, uma série de 151 estupros e abusos sexuais chocou o mundo em um assentamento menonita chamado Manitoba, na Bolívia. Os crimes foram cometidos por um grupo de nove homens, no qual a maioria era composta por integrantes da comunidade. Eles borrifavam pelas janelas das casas um spray narcótico à base de beladona e que servia de anestésico para animais antes da castração. Por deixarem as vítimas e suas famílias inconscientes e com perda de memória, seus crimes foram acobertados por algum tempo… até que dois desses homens foram pegos no ato. Após julgamento e prisão, a maioria deles ainda cumpre pena em um presidio perto da cidade de Santa Cruz.
Tendo essa ocorrência como base, a escritora canadense Miriam Toews, que também cresceu entre menonitas, escreveu seu romance parcialmente ficcional, Women Talking, publicado em 2018. Toews queria, por meio de seu livro, dar voz às mulheres da comunidade menonita, as quais quase sempre são silenciadas pelos homens que comandam a religião. No romance, a autora deixa em aberto a localização da comunidade e não expõe diretamente os crimes cometidos. Também dá a palavra para as mulheres e abre uma grande discussão sobre machismo, patriarcado e abuso.
Os menonitas são um movimento do cristianismo evangélico que surgiu na Alemanha do século 16, seu nome tem como origem o teólogo Menno Simons (1496-1561). Com o passar do tempo, a religião originou agrupamentos rurais fechados ao redor do mundo, onde se prega uma forma frugal de existência, longe de tecnologias, ciência e completamente dominada pelos homens. Algo bastante parecido com os amish, que formam umoutro grupo também originário do protestantismo alemão. Mais alguém por aí pensou em O Conto da Aia? Pois saibam que vocês não estão sozinhos: a escritora Margaret Atwood teceu enormes elogios à obra de Mirian Toews.
Com esse material em mãos, a atriz, diretora e roteirista Sarah Polley chamou um grupo estelar de atrizes mulheres para fazer exatamente o que o título diz: falar. Sarah roteirizou e dirigiu, enquanto Frances McDormand produziu e atuou em um modesto papel como a conformada Scarface Janz. O cenário é praticamente um só – o celeiro da comunidade, um ambiente soturno, sombrio, úmido e pouco acolhedor. Após a ocorrência dos abusos, as mulheres resolvem se reunir e decidir o que fazer dali para frente, enquanto os homens da comunidade haviam se ausentado, para justamente ir pagar as fianças dos estupradores. Caiu, deste modo, a última gota d’água em um barril transbordando abusos e agressões. Após uma votação dentre os presentes, duas das três soluções ofertadas (seguir como antes ou enfrentar ou fugir) acabaram empatando (ficar e enfrentar os homens ou fugir). Para decidir esse impasse foram selecionadas oito mulheres das famílias mais importantes da comunidade, entre elas Ona (Rooney Mara), Salome (Claire Foy), Mariche (Jessie Buckley), Agata (Judith Ivey) e Greta (Sheila McCarthy). Por serem praticamente iletradas, essas mulheres convocaram August (Ben Whishaw) – um filho pródigo da comunicada que havia sido excomungado e que retornara para servir como professor dos meninos menonitas – para escrever a ata do encontro e fazer o registro que seria entregue aos homens quando voltassem da cidade.
Entre Mulheres (Women Talking, EUA/Canadá, 2022 – Universal Pictures) tem a dinâmica de uma peça de teatro: apenas uma locação, figurinos modestos e diálogos que beiram monólogos na penumbra. Com essa configuração fica complicado prender a atenção do espectador fora do palco e da proximidade que temos na dramaturgia teatral. Mas Sarah e o sensacional elenco conseguem esse feito. Women Talking é uma roda de discussão sobre todos os temas que afligem mulheres oprimidas ao redor do mundo. Somos expostos aqui a uma miríade de sentimentos que brotam dessas mulheres – medo, raiva, ira, rancor, culpa, arrependimento, negação, impotência, tristeza e mágoa. Cada uma tem sua história de sofrimento derivada da dominação masculina e da ausência de voz – enquanto uma lida com uma brutal violência doméstica, outra sofre as consequências de uma gravidez indesejada como fruto do estupro e outra encara após a violência à sua transexualidade. Estamos diante de todo o leque de difíceis temas discutidos pelo feminismo desde seu surgimento. Aqui isso se espelha dentro de uma sociedade paralela que simplesmente ignorou as mudanças dos tempos ao seu redor. Os menonitas, não raramente, são nômades, mudam de lugar conforme suas exigências arcaicas são questionadas pelas autoridades locais ou pela opinião pública. Esse tipo de dinâmica favorece a invisibilidade feminina e reforça as relações de codependência entre homens e mulheres.
Sarah Polley abre o filmecom a frase “What follows is an act of female imagination” (O que vem a seguir é fruto de imaginação feminina, em português). É a síntese do exercício que Polley e Toews fizeram em suas respectivas obras: ambas ofereceram um microfone para os prováveis e necessários pensamentos que nunca tomaram forma concreta após a violência real sofrida pelas menonitas na Bolívia, assim como em várias outras culturas e grupos onde a masculinidade tóxica e a insegurança masculina forçam, ainda hoje, milhões de mulheres em uma caixinha com quase nenhuma autonomia onde são mantidas pequenas e “inofensivas”. Um adestramento monstruoso como forma de garantia da manutenção do poder patriarcal. Portanto, talvez o maior legado de Women Talking seja exatamente o de instigar o dialogo e a reflexão em um ambiente de sororidade.
A vida suburbana de um professor universitário, sua família nada convencional e o medo da morte nos anos 1980
Texto por Leonardo Andreiko
Foito: Netflix/Divulgação
Muito presente no cenário do cinema americano das últimas duas décadas, o diretor Noah Baumbach construiu sua carreira dedicando-se ao olhar cotidiano, à bagunça das interações contemporâneas e todo o emaranhado psicológico-social que acompanha a condição da vida na contemporaneidade. Com atenção especial aos artistas em conflitos para além da arte – como em Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe (2017), Enquanto Somos Jovens (2014) e História de um Casamento (2019) –, tem uma trajetória de colaborações com nomes como Wes Anderson, Adam Driver e, principalmente, a esposa Greta Gerwig, que é atriz e também diretora.
Após a aclamação de História de um Casamento nos circuitos comercial e de festivais, Baumbach arrisca uma mudança de rumos: ainda de mãos dadas com Gerwig e Adam Driver, volta-se para a adaptação de um romance de Don DeLillo sobre o professor universitário Jack (Driver), sua esposa Babette (Gerwig) e o medo da morte escrito nos anos 1980. Neste filme, o casal tem quatro filhos, cada um com sua exacerbada personalidade, e Jack é um notório hitlerólogo, um dos mais proeminentes estudiosos do líder nazista na América do Norte.
Estruturado em três partes, Ruído Branco (White Noise, EUA/Reino Unido, 2022 – Netflix) toma para si a estrutura episódica de sua contraparte literária. Se em “Waves & Radiation” nossa atenção é voltada para a vida suburbana dessa família e os entraves institucionais da faculdade em que Jack trabalha, “The Airborne Toxic Event” nos leva à alegoria anunciada da gestão de grandes eventos de risco à vida, figurada no vazamento de um gás tóxico sucedido pela desinformação, a confusão e ineficiência estatais e, no fim, o caos generalizado que parece ilustrar o conflito de intenções de todo o longa-metragem. Depois, “Dylarama” conclui a obra com a culminação de temas trabalhados nas duas partes anteriores: a saber, um mistério farmacológico e o conflito moral do “matar ou morrer”. Melhor dizendo, do “matar e morrer”.
Ainda que signatário dessa estrutura tripartite, que permite Baumbach a empregar diferentes tons para cada seção e operá-las como contos distintos, o fio da meada do mistério de Babette, que apresenta falta de memória e outros comportamentos estranhos em virtude do misterioso comprimido Dylar, confunde a estrutura narrativa do longa (afinal, esta é uma história ou são três?) e torna empacadas as diferentes idas e vindas sem rumo aparente.
Não é, contudo, isento das características que compõem o estilo de Baumbach, boas ou más. Seu comentário sobre a vida acadêmica, repleta de picuinhas e insignificâncias, ecoa aquelas muitas tiradas sarcásticas com a classe artística, que dão à sua obra, ao mesmo tempo, uma dimensão ácida e outra enfadonha, em que a pretensão das personagens se volta sobre o próprio filme. A caracterização ingênua e colorida que dá a seus personagens e locações desenvolve um oitentismo suburbano que é, assim como nas parcerias de Baumbach e Wes Anderson, levemente onírico e de um surrealismo contido na aparência de normalidade.
Está nessa dimensão da obra, inserida principalmente na primeira parte do filme, a camada mais divertida de Ruído Branco. Em uma hilária cena em que, tecendo comparações entre Hitler e Elvis Presley, Jack e seu colega Murray (Don Cheadle) estrelam um dramático bate-e-volta a fim de transferir a influência do protagonista para o recém-chegado professor, a espetacularização da tragédia se soma à presença constante do banal nas interações universitárias para formar um retrato preciso, ainda que superficial, da especialização acadêmica.
Mas a faca é de dois gumes. A mesma superficialidade que colore a obra com seus tons pasteis ilustra a má gestão de um discurso, no fim, tão banal quanto aquele que busca espezinhar. E talvez por não se levar a sério, Ruído Branco não nos impele a sentir as sérias consequências presentes em seu arco narrativo. Se o medo da morte está presente ao longo de todo o filme, seja por contradição ou na camada do “claramente implícito”, esse temor se faz ausente nas seções em que a vida suburbana é substituída pelas estruturas do cinema de ação.
Embora murche em algumas de suas intenções e brilhe mais onde Noah Baumbach já está muito bem acostumado a trabalhar, Ruído Branco é uma interessante experiência, ainda que inconstante. Uma visão otimista de sua forma confusa pode ser a seguinte: mesmo que esse não seja um de seus melhores filmes, é animador ver o diretor aspirar frentes distintas em seu cinema e, principalmente, receber a devida liberdade orçamentária para isso.
Harry Styles encabeça elenco de triângulo amoroso que enfrenta o tabu dos relacionamentos gays que havia até 1967 no Reino Unido
Texto por Taís Zago
Foto: Amazon Prime/Divulgação
Filme dirigido por Michael Grandage, Meu Policial (My Policeman, Reino Unido/EUA, 2022 – Amazon Prime) é baseado no romance de Bethan Roberts publicado em 2012, que, por sua vez, foi, fortemente influenciado pela história real do relacionamento de 40 anos entre o autor britânico EM Forster e um policial casado chamado Robert Buckingham. O triângulo amoroso entre Forster, Buckingham e sua esposa May, uma enfermeira, inspirou tanto a obra de Roberts que fica difícil separar a realidade da ficção. Pessoalmente, acho que o certo seria até mesmo categorizar a obra como semibiográfica – claro que sem tirar o mérito criativo de Roberts no processo. O roteiro ficou a cargo de Ron Nyswaner, que, assim como Grandage, tem uma forte queda por dramas de época.
Em O Mestre dos Gênios (2016), Grandage já havia abordado o tema dos tabus sociais britânicos em torno de relações homossexuais. Até 1967, a homossexualidade era considerada crime no Reino Unido: os grupos LGBT+ eram alvo de verdadeiras caças às bruxas, com penas de prisão severas e desproporcionais, além de assédio, ataques violentos e maus tratos mesmo sob a tutela do Estado.
Meu Policial começa em uma Brighton dos anos 1990, com a chegada de Patrick (Rupert Everett) à casa de seus amigos Marion (Gina McKee) e Tom (Linus Roache). Patrick se recupera de um AVC que o deixou praticamente incomunicável e sem autonomia. Por isso, Marion decide assumir os cuidados com sua saúde, aparentemente, a contragosto de Tom. O clima entre os três não poderia ser mais gélido e protocolar. Tom nem sequer aparece para receber Patrick: ele passa seus dias fora de casa passeando com o cachorro na praia. Ao ler antigos diários de Patrick, Marion começa a relembrar o passado doloroso que envolve os três. É nessa hora que voltamos no tempo para 1957, quando Patrick conhece Tom e Tom se envolve com ele e com Marion, criando um triângulo amoroso cheio de mentiras e ressentimentos.
O jovem Tom é interpretado por Harry Styles, em sua segunda atuação em 2022 como protagonista. O papel de Marion é incorporado por Emma Corrin e David Dawson faz o jovem Patrick. Corrin e Dawson são espetaculares, mesmo nos pequenos detalhes de suas atuações – um olhar, um gesto, uma lágrima nos comunicam mundos inteiros de sentimentos encapsulados pelas palavras. Isso, novamente, não favorece Styles. Apesar de sua aparente entrega a esse papel, o cantor pop ainda não consegue atingir o nível de excelência dos seus coprotagonistas.
Harry já estreia em papeis importantes no cinema rodeado de excelentes atores, produções milionárias e um assédio midiático contínuo. Para ser possível se sobressair nessas circunstâncias, teria de ser um talento nato, muito acima da média. Não é o que ocorre. Principalmente nas cenas com mais diálogos, a sua inexperiência fica evidente, e, por fim, acaba prejudicando o resultado final. Corrin, entretanto, é excepcional como Marion. Sentimos na personagem todo o desgosto, o recalque e o sofrimento de quem não desiste de lutar por uma batalha perdida. Dawson, por sua vez, entrega um Patrick comovente, resignado aos limites do seu amor proibido por Tom.
Visualmente opulento, Meu Policial peca na montagem. Os flashbacks frequentes entre os anos 1950 e 1990 acabam por se tornar um banho de água fria. Quando começamos a nos envolver de verdade no drama do passado, o “presente” dos personagens surge nos inundando com uma monotonia desnecessária. Enquanto em 1958 o trio vive intensamente, em 1990 as cenas se repetem – Tom passeia na praia, Marion fuma olhando pela janela e Patrick segue imóvel (por questões óbvias). Bastaria apenas iniciar e encerrar o filme com os desdobramentos do presente e deixar todo o miolo para o drama do passado, para que a dinâmica mudasse completamente e a monotonia fosse em boa parte espantada dessa produção.
Outra questão muito levantada pela crítica e pelo público (principalmente LGBTQIA+) é a necessidade, de mais uma vez, contar a história macabra dos maus tratos, preconceitos e finais trágicos dos relacionamentos amorosos homossexuais de outrora. Um assunto já bastante abordado em diversas produções das últimas décadas. Por outro lado, me pergunto: existem limites para relembrarmos o passado como um cautionarytale daquilo que não queremos que se repita no presente ou no futuro? Pessoalmente, acho que não.
A questão aqui, entretanto, seria mais a qualidade do resultado do que a repetição do tema. Meu Policial falha, principalmente com Styles, no quesito credibilidade e profundidade, mas acerta no objetivo de nos levar a refletir, mais uma vez, sobre injustiça e preconceito. Por fim, vale acrescentar: o triângulo real de Forster, Buckingham e May não teve um final tão trágico quanto o das suas representações nesta película.
>> Leia aqui a resenha de Não se Preocupe, Querida, o outro filme protagonizado por Harry Styles em 2022
>> Leia aqui oito motivos para não perder um dos concertos da turnê de Harry Styles, que passa pelo Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba) neste início de dezembro
Oito motivos para não perder um dos dez concertos da turnê de 40 anos de carreira, que trará de volta os sete integrantes da formação clássica
Texto por Abonico Smith
Foto: Bob Wolfenson/Divulgação
Já dizia o velho provérbio: onde há fumaça, há fogo. Depois de algumas pistas deixadas na internet que colocaram os fãs alvoroçados sobre a possível realização de um antigo sonho, eis que tudo vem à tona oficialmente e agora como verdade: sim, os Titãs voltarão a reunir em um mesmo palco a sua formação clássica, com o retorno de quatro integrantes que deixaram a banda ao longo dos últimos trinta anos. Vale lembrar ainda que haverá, nesses shows, uma homenagem ao oitavo membro da trupe, Marcelo Fromer, falecido em 2001.
Não é definitivo nem duradouro este reencontro, claro. Isso será parte de uma turnê que celebra os 40 anos de trajetória deste grande ícone do rock brasileiro. O evento ganhou o nome de Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora. Ao todo serão dez datas entre abril e junho de 2023. As cidades que receberão o show especial serão, pela ordem, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza, Brasília, Curitiba, São Paulo. A pré-venda dos ingressos começa hoje para quem fez cadastro no site oficial da tour. A venda para os outros compradores tem início no próximo dia 22. Informações sobre preços, locais e cadastro você tem ao clicar aqui. Mais para a frente, ainda haverá a disponibilização de particularidades aos fãs, como peças oficiais de merchandising, NFT e até um grupo de Telegram.
Por tudo isso, o Mondo Bacana elenca oito motivos para você não perder de jeito nenhum uma destas dez apresentações dos agora todos 60+. E não titubeie se você nunca teve a sorte de ver a banda “inteira” de uma só vez – já o autor deste texto foi agraciado por esta oportunidade várias vezes pela TV e in loco entre os anos de 1984 e 1992. Esta poderá ser a última reunião dos sete músicos que escreveram o nome dos Titãs na história o rock nacional.
Pós-punk Rio-São Paulo
O começo da década de 1980 foi de uma efervescência mágica nas praias cariocas e nos inferninhos subterrâneos das ruas da cidade de São Paulo. Eram os anos em que a ditadura militar se esfacelava e se arrastava moribunda no Brasil e, talvez por isso mesmo, toda uma cultura jovem se formava nos grandes centros urbanos. Ainda plenamente insatisfeitos com o cotidiano e sua consequente relação com a sociedade tupiniquim que ainda não parecia querer lhes dar muita atenção, esses jovens procuravam falar, gritar, espernear. No Rio de Janeiro, a verborragia e atitude criativa dos vinte e poucos anos se estendia das praias à lona do Circo Voador e às ondas da rádio Fluminense FM, que botava no ar toscas gravações de fitas cassete de novas bandas e cantores (Blitz, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, Lobão, Sangue da Cidade), ainda longe de qualquer espaço no mainstream artístico nacional. Já em São Paulo, a coisa acontecia no circuito de boates alternativas como Napalm, Rose Bom Bom, Madame Satã e Carbono 14. A estética traduzia para o português muito do que acontecia no eixo anglo-americano em sonoridades, figurinos e penteados. Enquanto esse underground fervilhava de representatividade nos quadrinhos e tiras de jornal criados por cartunistas como Glauco, Laerte e sobretudo Angeli, bandas como Titãs, Gang 90 e Absurdettes, Ira!, Magazine, Mercenárias, Fellini, Akira S e as Garotas que Erraram, Patife Band, Voluntários da Pátria, Inocentes, Violeta de Outono e Ultraje a Rigor (mais agregados que volta e meia vinham de Brasília, como Plebe Rude, Legião Urbana e Capital Inicial) começavam todo um culto e burburinho ao redor de apresentações ao vivo e gravações em cassete da turma. Lojas como a Baratos Afins, cultuado ponto de encontro de apaixonados por música e colecionadores de discos que circulavam pelas grande galerias do centro paulistano, viravam selos e passavam a transformar, aos poucos, essa cena em realidade fonográfica. Comunicadores como Kid Vinil e Serginho Groisman (mais programas musicaisda TV Cultura e constantes matérias dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo) promoviam também todo um oba-oba em torno desses artistas e sonoridades ainda estranhas para os ouvidos da grande massa.
Performance de palco
Os Titãs começaram com nove pessoas, aglutinando gente que vinha de trabalhos anteriores, como a Banda Performática do artista plástico Aguilar, o Trio Mamão e a banda de ritmos caribenhos Sossega Leão. Quando assinaram contrato com a gravadora Warner e passaram a se apresentar em programas de emissoras de TV paulistas (Cultura, SBT Band) em 1984, fecharam a formação em oito. Era, ainda assim, muita gente para dividir um mesmo palco. Alguns praticavam revezamento de instrumentos. Os dois guitarristas (Marcelo Fromer e Tony Bellotto) e o baixista (Nando Reis, na maior parte do repertório) inventavam coreografias sincronizadas para este subgrupo. Já os três backing vocals de cada música (Branco Mello, Arnaldo Antunes e uma terceira posição que trazia às vezes Nando, Paulo Miklos e Sergio Britto) chamavam a atenção com coreografias esquisitas e individualizadas: Branco se esbaldava no pogo, Arnaldo encantava pelos passos robóticos, Paulo já chamava a atenção pelas caretas e gestos que reforçavam sua aura de esquisito. A esbórnia em cena era tamanha que trazia todo um novo significado para aquela leitura rock’n’rollcult de canções de alma brega (“Sonífera Ilha”, “Toda Cor”). Também havia traços de ska e do reggae jamaicano (“Querem Meu Sangue”, “Marvin”) e um pequeno eco de poesia marginal/tropicalista (“Go Back”).
Televisão
Mal o primeiro álbum, homônimo, abria espaço na mídia e trazia uma pequena popularidade aos Titãs, eles já entraram em estúdio para o segundo álbum, agora sob a produção de Lulu Santos, nome escolhido pelos próprios músicos para conseguir fugir da sonoridade pós-punk das bandas da época. E em menos de um ano depois da estreia, o álbum Televisão chegava às lojas revestindo a alma brega do início da banda com um pouco mais de agressividade nos arranjos e nos vocais. A faixa-título era um libelo contra a programação idiotizante das emissoras de TV da época e, ao mesmo tempo, tornou-se um trunfo sarcástico para eles próprios frequentarem programas de auditório da telinha (Hebe, Chacrinha, Bolinha, Raul Gil, Barros de Alencar) e esfregarem na cara dos espectadores toda aquela passividade sem muito questionamento ou inteligência à qual estavam expostos nas camás, sofás e poltronas de sua casa. Além deste grande hit, o disco proveu outros sucessos menores como “Insensível” e o hardcore “Massacre”. Curiosamente duas faixas deste repertório passaram completamente em branco nesta época e somente se transformaram em hits na década seguinte, depois que o grupo se rendeu à moda dos acústicos da MTV Brasil: “Pra Dizer Adeus” e “Não Vou Me Adaptar”.
Cabeça Dinossauro
Alguns indícios já vinham de Televisão, mas o grupo lançou em 1986 seu grande disco de explosão, visceralidade e revolta depois que dois integrantes (Tony e Arnaldo) foram presos em novembro de 1985, sob a acusação de porte e tráfico de heroína. Liminha, que já assinara a supervisão do disco anterior, agora tomou as rédeas da produção destas 13 faixas que traziam o Titãs se esbaldando feito pintos no lixo no território do punk rock. Em uma tacada só, detonavam instituições (“Igreja”, “Família”, “Polícia”). Previam as criaturas odiosas que sairiam dos esgotos décadas depois para tomar conta do noticiário e da política nacional (“Bichos Escrotos”). Vociferavam contra a elite (“Porrada”), as melodias bonitinhas (“AAUU”), a violência do capitalismo selvagem ( “Homem Primata”) e a do Estado contra seu povo (“Estado Violência”). E, segundo o exemplo da obra anterior, apontavam para um futuro próximo da banda na última faixa – “O Que” partia de uma poesia visual-concretista de Arnaldo para brincar com a sonoridade eletrônica que se acentuaria nos dois álbuns vindouros. Com o passar dos anos, Cabeça Dinossauro apenas confirmou sua condição de clássico, um dos maiores trabalhos do rock brasileiro em todos os tempos.
Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas
Em 1987, depois do avassalador sucesso do acesso de fúria de Cabeça Dinossauro, os Titãs – de novo sob a batuta de Liminha – passaram a flertar mais com a eletrônica e os grooves do funk. Ao mesmo tempo, carregava as letras de protestos contra a situação sócio-econômica de um país que prometia um futuro promissor ao deixar para trás a ditadura militar mas ainda rastejava para dar melhores condições a seu povo. Por isso, além da faixa-título, “Comida”, “Desordem”, “Lugar Nenhum”, “Armas Para Lutar”, “Mentiras” e “Nome aos Bois” definem o lado panfletário do discurso, que ainda traz reflexões sobre excessos pessoais (“Diversão”) e polarizações (“Corações e Mentes”). Em tempo: nesses últimos anos o carregamento de bichos escrotos que pipocou aos quatro cantos do Brasil e do mundo já faz urgente uma necessidade da banda fazer uma versão 2.0 de “Nome aos Bois”.
Õ Blésq Blõm
Prevendo o diálogo com as sonoridades regionais brasileiras que daria o tom ao rock nacional da década seguinte, os Titãs, lançaram outro clássico supremo de sua discografia em 1989, também produzido por Liminha. Assumindo cada vez mais a paixão pelas programações, “Miséria” abre o trabalho logo após a vinheta com um breve sample dos repentistas Mauro e Quitéria. A capa, uma colagem gráfica assinada por Arnaldo, voltava a levar a banda ao território punk. Faixas como “Flores”, “32 Dentes e “O Pulso” (uma lista que intercala doenças e situações doentias que servia, justamente como indica o título, para ratificar toda e qualquer forma de vida) ainda mantinham um pezinho do rock, mas outras como “Deus e o Diabo” e “O Camelo e o Dromedário” reafirmavam o crescimento de um novo Titãs, cada vez mais imerso em experimentações, sintetizadores e batidas eletrônicas. Em tempo: o título veio de uma expressão cantada pelo casal pernambucano em uma língua inexistente, que misturava sonoridades do português com as de outros idiomas. O que, esteticamente, combinava demais com o momento sonoro do octeto.
Muito além da banda
Já faz alguns anos que os Titãs hoje tem a formação reduzida a três integrantes originais (Sergio, Branco e Tony). Pouco a pouco, os demais foram deixando o grupo. Arnaldo foi o primeiro, em dezembro de 1992, a optar por seguir uma carreira solo na qual pudesse conciliar a música com projetos literários e de artes gráficas. Entre 1994 e 1995, durante um período de hibernação da banda para descanso das relações pessoais, alguns dos integrantes fundaram o selo alternativo Banguela ao lado dos saudosos produtores Carlos Eduardo Miranda e Vagner Garcia, revelando nomes como Raimundos, mundo livre s/a, Little Quail and the Mad Birds e Maskavo. Paulo e Nando, neste período, também se lançaram “solo em paralelo”. O baixista se separou de vez do coletivo em 2002, dando início a uma cultuada carreira de cantautor, inclusive regravando sucessos seus na voz de sua amiga recém-falecida Cassia Eller. Em 2010, o baterista Charles Gavin, que já tinha dado bons passos no ramo de pesquisador e produtor musical e estava sofrendo sintomas de pânico e depressão, não aguentou mais a vida na estrada e pendurou as baquetas titânicas. Seis anos depois, Paulo partiu de vez, agora para se equilibrar entre as facetas de cantor solo e ator no cinema e televisão. Os três que ficaram, entretanto, também fizeram bons trabalhos longe da marca Titãs. Sergio e Branco, naquela parada de meados dos 1990, criaram o grupo de pós-punk Kleiderman. O primeiro também chegou a lançar discos solo depois disso. O segundo apostou as fichas na criação de trilhas sonoras para peças teatrais e programas de TV. Já Tony abraçou outra grande paixão, a literatura. Já publicou 12 livros, sendo quatro do detetive Bellini (dois transformados em filme para o cinema). Sua mais recente obra, Dom, também se transformou em série de dramaturgia para o streaming, com roteiro também assinado pelo autor.
Marcelo Fromer
Aluno de violão de Luiz Tatit (professor, linguista e músico do grupo Rumo) na adolescência, apaixonado por gastronomia (publicou o livro Você Tem Fome de Quê? em 1999) e torcedor fervoroso do São Paulo (a loucura apor futebol levou-o ao posto de comentarista do canal esportivo SporTV durante a Copa do Mundo de 1998, frilas de cronista do jornal Folha de S. Paulo e uma biografia inacabada do ex-centroavante Casagrande), Fromer morreu aos 39 anos, no dia 13 de junho de 2001, após ser atropelado por um motoqueiro nos Jardins, em São Paulo. A banda, recém-contratada pelo selo Abril Music, braço fonográfico da Editora Abril que pouco durou no mercado mas teve atuação intensa e lançou discos de nomes como Los Hermanos, Ira!, Capital Inicial, CPM 22, Erasmo Carlos, Inocentes, Ultraje a Rigor, mundo livre s/a, Marina Lima, Rita Lee, Gal Costa, Alceu Valença e Marcelo Nova), estava prestes a começar a gravar as 16 faixas que sairiam no álbum A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana. Abalado pelo trágico acontecimento, o grupo chegou a cogitar encerrar suas atividades. Se isso realmente acontecesse, não sairiam mais clássicos para o repertório dos Titãs como “Epitáfio”, “Isso” e a música-título. Detalhe: este foi o último disco de estúdio do grupo produzido por Jack Endino (Nirvana Soundgarden, Mudhoney), que já havia feito com os brasileiros Titanomaquia (1993), Domingo (1995) e Volume Dois (1998).