Movies, Music

Me Chama Que Eu Vou

Documentário revive a trajetória do furacão “cigano” Sidney Magal, que varreu a música brasileira a partir do final dos anos 1970

Texto por Abonico Smith

Foto: Vitrine Filme/Divulgação

No final dos anos 1970 um furacão varreu a música verdadeiramente popular brasileira. Não houve como passar incólume. Muita gente gostava, adorava, não tirava os olhos da televisão quando ele aparecia nos programas de auditório. O mais importante: sabia cantar a letra todinha, assoviava a melodia. Todo dia, o tempo inteiro. E não eram só mulheres. Muitos homens também. E claro, muitas crianças. Afinal, não tinha como não se apaixonar por aquela figura esguia de fartos cabelos negros encaracolados dançando e rebolando sem paridade em nosso país e cantando letras imageticamente fortes, extrapolativamente sensuais.

Argentino que havia sido artista de rock nos anos 1960, Roberto Livi estava no Brasil na condição de empresário de artistas e produtor fonográfico. Sua missão mais importante era descobrir novos artistas para projetar suas carreiras e fazê-los vender muitos discos e shows. Foi assim com nomes como Alcione e Peninha, por exemplo . Com Sidney Magalhães também. Aliás, Magal, rebatizado sem a metade do sobrenome oficial desde que voltara de uma viagem pela Europa para tentar a carreira artística cantando e dançando nos seus vinte e poucos anos. O shape de Sidney Magal já existia antes mesmo de Livi descobri-lo. Fazia sucesso na noite, soltando o vozeirão no palco de uma churrascaria na Barra da Tijuca, já com o mesmo figurino exótico (couro, correntes grossas, cabelão, peito nu, preto como cor dominante) utilizado quando passou a gravar discos. Aliás, Magal desde sempre foi um artista não apenas para ser ouvido, mas principalmente para ser visto. 

Recém-estreado em circuito nacional, Me Chama Que Eu Vou (Brasil, 2022 – Vitrine Filmes) disseca o personagem Sidney Magal através da ótica e dos comentários de seu criador Magalhães. É aquele documentário básico e clássico, cronologicamente linear, que vai da gestação da carreira em seus momentos prévios aos tempos de hoje, passando, claro, pelo apogeu, decadência, redescoberta e renascimento artístico. Bom para quem não conhece direito a sua história, mas também curioso para quem acompanhou tudo isso em tempo real no decorrer das décadas. Prato cheio aliás, é o tratamento dado pela mídia durante os três primeiros álbuns. Além de algumas imagens da época, o crème de la crème são as entrevistas para TV e sobretudo as revistas de fofoca e semanários jornalísticos. Mesmo que aparecendo de maneira fugaz na tela, as páginas diagramadas com textos, fotos e manchetes são uma delicia de serem lidas. Nestas cenas são reveladas todo o fascínio com o qual a imprensa tratava aquela persona rebolativa que pervertia a MPB. A elite o tachava de brega. Os mais preconceituosos não conseguiam compreender que aquela figura já havia sido criada antes mesmo do lançamento do primeiro disco. Muita gente o considerava uma estrela fabricada pela indústria fonográfica, um “cigano de araque, fabricado até o pescoço” (como cantava Rita Lee, de pura pirraça, na segunda versão da letra da não menos debochada canção “Arrombou a Festa”, no qual espinafrava os nomes mais importantes da música nacional da época). Uma das reportagens até dava a receita para se “fabricar” um ídolo.

O que poderia jogar contra o documentário dirigido por Joana Mariani acaba, entretanto, sendo o maior trunfo dele. O filho do cantor, um dos entrevistados, também assina a obra como coprodutor-executivo. Mas também não se pode dizer que Me Chama que Eu Vou seja um filme chapa-branca. Mesmo porque, fora a polêmica sociológica do início de carreira, Sidney Magalhães nunca foi uma figura de fato polêmica. Nunca precisou esconder na de sua vida, nem mesmo protagonizou escândalos pessoais de qualquer tipo. Por isso mesmo nunca foi necessário Mariani sequer pensar em qualquer outra narrativa para o doc. Magal ainda ajuda por ser uma pessoa extremamente organizada, sobretudo no que tange ao arquivo de itens sobre a sua trajetória artística. Ele, sempre que pode, guarda até hoje recortes, cartazes, fotos. Se todo este material enriqueceu muito o material apresentado na edição final (inclusive coisas pré-estouro nacional nas rádios e TVs) dá para ficar imaginando todo o resto que ficou de fora da montagem.

O trabalho de Mariani é bastante elucidativo ao jogar luz para os espectadores compreender algo que talvez muitos deles não saibam: a diferença tamanha entre o que são os dois Sidneys. Enquanto o Magal é espalhafatoso, sensual e ousado, o Magalhães é quieto, família e até certo ponto conservador nos costumes (inclusive os musicais). Aliás, o gosto pelas canções mais tradicionais (bossa nova, sobretudo) veio de casa. Tia tocando piano, mãe apaixonada por canto (a ponto de se lançar na carreira depois da fama do filho, aproveitando inclusive para usar o pseudônimo dele), primo dos mais festejados pelas artes brasileiras. Para quem não sabe: o tal primo era ninguém menos que o poetinha Vinicius de Moraes, letrista de algumas das principais canções em língua portuguesa.

Só que Vinícius nunca compôs uma letra para Sidney gravar, mesmo porque o garoto mais novo nunca ficou insistindo nisso. Nem precisaria mesmo. Com versos afiados (e quentes, muito quentes!) como os da polca “Sandra Rosa Madalena, a Cigana” e a meio rumba meio disco “Meu Sangue Ferve Por Você” , não há como não cantar junto com Magal e suas reboladas. Outras versões em nosso idioma também são poderosas. O rock “Tenho” veio importada do repertório do famoso cantor argentino Sandro Anderle (1968), também com estilo visual cigano e principal referência de Livi ao trabalhar com Magal. De outro portenho, o cantor de boleros Cacho Castaña, o produtor trouxe outra disco music, “Se Te Agarro Com Outro Te Mato”, seu primeiro compacto, lançado em 1977, com direito até a guitarra turbinada por um discreto porém não menos poderoso e psicodélico pedal fuzz.

O que o documentário não fala (infelizmente, porque seria uma informação mais completa e não desmereceria de maneira nenhuma a carreira do carioca) é que o grosso dos hits dos anos dourados de Magal são compostos por versões. “Meu Sangue Ferve Por Você”, no caso, é versão de uma versão. A original é francesa e teve duas letras e gravações em 1973: uma em inglês, pelo artista Sunshine, sob o nome de “Melody Lady”; a outra, em francês, por Sheila (que anos depois viria a apostar na disco music como Sheila B Devotion), chamada “Mélancolie”. O argentino Sabú pegou a mesma base sonora e levou a canção para o espanhol, agora como “Oh Cuanto Te Amo”. Deste sucesso veio a ideia para a letra “quente” de Magal. Também de Buenos Aires veio mais um rock, “Amante Latino”, gravada com o andamento um pouco mais desacelerado por Rabito em 1974.

A segunda parte do trabalho de Joana foca na ruptura da parceira entre Magal e Livi e a espiral descendente na qual seu trabalho caiu logo no começo dos anos 1980. Curiosamente, tudo surgiu do esgotamento da fórmula da imagem forjada de cigano. A letra “Sandra Rosa Madalena”, idealizada por Livi, pode ter forjado a imagem de Magal, que tinha apenas um fiapo de ascendência cigana lá pelo lado de uma tataravó, e catapultado o artista ao estrelato, mas também fora a maldição da qual ele tentou se livrar. Por diferenças pessoais e profissionais rompeu os laços com seu produtor e lançou-se na música romântica, incentivado pela gravadora, com outro look, de gomalina e cabelos presos com rabo de cavalo. Lançou vários discos mas nenhuma música nova fez sucesso. Na época em que Magal mais tentou sair do personagem e passar a ser ele mesmo – inclusive se casando e tendo filhos, contra a vontade de seu até então mentor de bastidores, que considerava ser o suicídio de um ídolo abrir o jogo da vida pessoal para seus fãs. Aí que entra uma fase interessante do filme, com Magalhães refletindo sobre os efeitos colaterais da mudança e os atos para a sua reinvenção, mudando-se para a Bahia e atuando como ator de novelas e cantor de teatro musical, inclusive sendo convidado e dirigido por Bibi Ferreira. Até a reviravolta provocada pela chegada da febre da lambada, o sucesso de “Me Chama Que Eu Vou” com tema de abertura da novela da Globo (em um período em que isso ainda representava um bilhete premiado de loteria para um artista da música) e a consequente redescoberta do cantor pelas geração MTV Brasil. Todo este período de ostracismo e redenção, sob a análise do próprio Sidney (mais uma boa dose de sentimentalismo familiar) funciona contra a tentadora queda para uma possível glorificação do astro de um documentário.

Me Chama Que Eu Vou, o doc, não só informa aquele que não conhece direito a trajetória do ídolo. Gráfica e ritmicamente dinâmico, sobretudo na fase inicial da fama, diverte todo mundo. Como uma apresentação do “falso” cigano, seja em um show completo ou apenas em um número em antigos programas de auditório na TV. Aliás mais do que produto da mera mente comercial de Livi ou resultado do puro instinto daquele jovem que cresceu banhado em arte e só queria fazer da vida o ato de cantar e dançar, Sidney Magal é fruto daqueles tempos de recente formação de redes nacionais de televisão, proporcionadas pela possibilidade cada vez mais barata de transmissões via satélite (leia-se anos 1970 em diante). Sorte de quem faz audiovisual e de quem gosta de ver documentários.

Books, Comics, Series, TV

The Sandman

Cultuada graphic novel de Neil Gaiman é transformada em série para o streaming pelas mãos de seu próprio criador

Texto por Taís Zago

Foto: Netflix/Divulgação

Considerada “inadaptável’’, The Sandman (Reino Unido, 2022) , o carro-chefe das produções de Neil Gaiman para a DC Comics/Vertigo, ficou guardada na gaveta e nos desejos de fãs, roteiristas e diretores de cinema e TV por quase três décadas. Ninguém parecia querer assumir o risco de desfigurar uma das grandes obras-primas do universo sombrio das graphic novels. Então, eis que o próprio Gaiman resolveu arregaçar as mangas e tomar para si a tarefa árdua de transformar o mundo fantástico e mitológico de seu Morpheus em uma série para o canal de streaming Netflix. 

A obra de base em questão é extensa: são 13 volumes, sendo um para cada arco da história, onde foram agrupadas as 75 edições de Sandman. O mundo do senhor dos sonhos de Gaiman é multifacetado e multidimensional. Nele não faltam representações oníricas, filosóficas, religiosas, reflexivas e referências culturais da época em que foram publicados os quadrinhos originais – entre janeiro de 1989 e março de 1996. Posteriormente se juntaram a essa lista uma edição especial e alguns contos também publicados pelo Vertigo, o selo “adulto” da DC. O estrondoso sucesso de The Sandman, que elevou Gaiman ao olimpo dos autores do gênero, também fez com que até hoje ainda sejam (re)publicadas compilações, algumas bastante luxuosas, da coleção. A base de admiradores deo artista só aumentou com o passar dos anos. 

A primeira temporada teve a difícil tarefa de sintetizar em apenas dez episódios os dois primeiros volumes compilados da saga, os quais reúnem as 16 primeiras edições da HQ, chamados Prelúdios e Noturnos Casa de Bonecas. Talvez aqui já comece a dificuldade para os não iniciados na obra do autor, pois engloba uma grande diversidade de temas, personagens, épocas e tramas relacionadas. Porém, bem antes de se aventurar nessa sua nova empreitada televisiva, Gaiman viu algumas de suas publicações virarem filmes, uns menos e outros mais bem sucedidos, como foi o caso da animação Coraline, de 2009, baseada no livro de mesmo nome. Mas foi somente há cinco anos, com American Gods, que Neil se rendeu às possibilidades de produção, longa duração e liberdade de criação que os grandões do streaming podem oferecer. Satisfeito com o resultado e o sucesso de público, ele voltou a emplacar mais um hit com Good Omens, de 2019. Ambas as séries estão disponíveis no canal Amazon Prime.

Para o papel de Morpheus em The Sandman foi escalado o ator britânico Tom Sturridge, conhecido pela série Sweetbitter (2019) e filmes como Velvet Buzzsaw (2019). Tom recebeu críticas pelo seu trabalho, inclusive diretamente de Gaiman que pediu para que ele fosse “menos Batman” na sua entrega. Não é uma atuação perfeita, admito, mas é o mais próximo que já vi do personagem dos quadrinhos – lembrando que já houve outra tentativa em representar o papel, como no curta Sandman: 24 Hour Diner (2017), onde o mestre dos sonhos recebe um tratamento caricato e pouco convincente, em parte pela péssima qualidade do resultado na procura por mimetizar a imagem dos quadrinhos. Isso não ocorre com Tom. Naturalmente magro e pálido, sua figura esguia foi reforçada com a ajuda de filtros, seus cabelos são desalinhados sem parecerem uma peruca exagerada, seus olhos não são representados como duas bolinhas de gude de turmalina negra. O Sandman de Gaiman foi inspirado no músico Robert Smith, vocalista do Cure:  tem um estilo claramente gótico e um temperamento depressivo, desconectado e entediado, típico de rockstars. Tom representa isso e vai além. Ainda consegue incluir um pouco mais de dor nos gestos, de dúvida nas atitudes e de humildade diante do que não compreende. O Sandman dos quadrinhos é torturado por sua quase total incompreensão do significado de humanidade. Um ser superior que constrói e destrói universos, mas que começa a perceber qual a real dinâmica de poder em sua existência. 

Assim como seus irmãos, os “Perpétuos” (The Endless, no original em inglês), ele compartilha da letra D como inicial: ele é Dream, o Sonho. Os outros se chamam Death, Despair, Desire, Dellirium, Destiny e Destruction. Nessa primeira temporada, conhecemos apenas Death, muito bem incorporada pela atriz Kirby Howell-Baptiste (de Killing Eve), e os gêmeos Despair e Desire, esse último brilhantemente interpretado por Mason Alexander Park (de Cowboy Bebop). Outras muitas criaturas míticas e personagens surgem representadas pelo estrelato hollywoodiano, como Gwendoline Christie (de Game Of Thrones) no papel de Lucifer; Boyd Holbrook (In The Shadow Of The Moon) como Corinthian; o corvo Matthew, feito pelo comediante Patton Oswalt; Stephen Fry, sensacional como Gilbert; Mark Hamill (o eterno Luke Skywalker de Star Wars) como Mervyn Pumpkinhead; ou David Thewlis (Zack Snyder: Justice League) como John Dee. Menção honrosa aqui vai para o multitalentoso John Cameron Mitchell (Hedwig and the Angry Inch), no papel do dono de pensão/drag queen Hal Carter, que nos presenteia com um show de performance nos seus números musicais.

 Neil Gaiman acompanhou a produção com olhos de águia. Envolveu-se em todas as etapas, quer fosse como criador, roteirista ou produtor. E isso é bastante perceptível na fidelidade das representações e dos diálogos. Por vários momentos me vi gritando de contentamento, falando com a TV ou aplaudindo (de pé!). Episódios como 24/7, o quinto da temporada, foram adaptados quase que exatamente como eu tinha em mente. Aos poucos o medo de que uma paixão fosse destruída se dissipa conforme avançamos nos capítulos. Gaiman protegeu a sua visão até onde teve poder para tanto, e conseguiu isso sem abdicar de um aumento da representatividade no elenco como a contratação do artista não-binárie Mason Alexander Park para o papel de Desire e a inclusão de atores pretos e pardos como Sandra James-Young no papel de Unity Kinkaid e Vanesu Samunyai como Rose Walker. 

Gaiman também alterou para o feminino personagens que eram, até então, masculinos – Vivienne Acheampong (The Witches) assumiu como Lucienne e Jenna Coleman (The Serpent) como Johanna Constantine. Na obra original, o braço-direito de Morpheus era o bibliotecário Lucien, uma espécie de conselheiro e voz da consciência de seu chefe. Na série, Vivienne incorpora perfeitamente o papel e ainda dá a ele um pouco de sabedoria maternal (uma acertada decisão!). Infelizmente, o mesmo não ocorre com o papel dado a Jenna. Por questões legais, o personagem John Constantine não foi autorizado a fazer parte da série. Como peça fundamental da trama, não poderia ser omitido. A solução encontrada por Gaiman foi, portanto, criar um novo personagem, desta vez feminino. Mas o resultado da decisão ficou muito aquém das expectativas. John Constantine não é apenas um coadjuvante em The Sandman, ele tem seu próprio universo nos quadrinhos Hellblazer (DC Comics/Vertigo), criado por outro gigante da arte sequencial, Alan Moore. Jenna Coleman não conseguiu arranhar nem a superfície de Constantine com sua interpretação, que pouco se difere do trabalho que fez em Victoria, sobre a rainha inglesa. John é uma alma perdida, ora conman ora altruísta. Sua marca registrada é o constante sarcasmo por meio de um humor cáustico e tremendamente autodepreciativo. Constantine está além dos códigos morais ou aspectos pequeno-burgueses da vida em sociedade. Fuma vários maços de cigarro por dia, usa drogas e é alcoólatra. É um punk bruxo que usa sempre o mesmo trenchcoat encardido, dorme onde consegue um pouso e que viaja entre planos e entre lençóis. É um andarilho dos mundos sobrenaturais. Um niilista nato. A Johanna de Coleman mais parece uma colegial ao estilo Sabrina, é uma punk de butique. 

O tratamento visual dado é quase sempre bastante convincente, levando em conta a atualização dos fatos e tecnologias para o ano 2022 e o imenso budget do projeto. Aqui deixo registrada uma pequena crítica ao abuso de CGI onde outras soluções mais “analógicas” talvez surtissem melhor resultado. Não perdendo de vista, claro, a imensa dificuldade técnica de transpor o mundo fantástico dos sonhos, muitas vezes lisérgico e abstrato, que define os quadrinhos. Apesar disso, o resultado é satisfatório e não deve decepcionar os fãs. Outro ponto de crítica seria a eventual heterogeneidade da temporada, mas nesse ponto é importante lembrar que ela engloba dois arcos distintos da narrativa e em cada arco ainda existem jornadas diferentes, que, à primeira vista, parecem não estar conectadas. A ideia, a princípio, é que venham outras temporadas da série para que possamos ligar alguns pontos no grande quebra-cabeça que aqui foi criado.

The Sandman é uma série feita com amor e sob medida para os fãs da obra de Neil Gaiman. Seria impossível omitir esse fato, o que não exclui de forma alguma o alcance para um público muito maior. O único pré-requisito exigido aqui é permitir-se sonhar.

Movies

Sidney Poitier

Ator mostrou em Hollywood que um negro poderia ganhar um Oscar e interpretar papeis antes dedicados somente aos brancos

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Fotos: Reprodução

Morreu no último dia 6 de janeiro, aos 94 anos, Sidney Poitier. Quem deu a informação foi o vice-primeiro ministro das Bahamas, Chester Cooper, em sua conta no Twitter.

A família do ator emigrou das Bahamas para os Estados Unidos nos anos 1920 e o pequeno Sidney nasceu na Flórida, em Miami, no dia 20 de fevereiro de 1927. Nos anos 1960, Poitier ficou conhecido como o primeiro ator negro a ganhar um Oscar, no caso, pelo filme Uma Voz Nas Sombras (1964). O público, no entanto, há de se lembrar dele como o professor de Ao Mestre, Com Carinho (1967), cuja canção-tema, “To Sir, With Love”, interpretada pela cantora britânica Lulu, transformou-se num dos grandes sucessos da música pop no final da década de 1960.

Graças aos seus papéis, o público pôde ver que negros podiam ser médicos (O Ódio É Cego, 1950), engenheiros,  professores (Ao Mestre, Com Carinho – foto abaixo), ou mesmo policiais (No Calor da Noite, 1967). Em Adivinhe Quem Vem Para Jantar, também de 1967, ele interpreta o noivo de uma jovem burguesa branca que o apresenta a seus pais, um casal de intelectuais que se acreditam ter a mente aberta.

Tenho, no entanto, duas lembranças nítidas de Sidney Poitier. A primeira é quando ele aparece na tela em O Chacal, de 1997, no qual Bruce Willis é um terrorista internacional e Richard Gere é um prisioneiro irlanês, ex-atirador do IRA, que vai ajudar a força policial americana a deter o bandido. Poitier é um agente da CIA e dá as caras, mandando prender e mandando soltar. É uma rara aparição do homem num filme mediano, mas daqueles que se iluminam quando o sujeito está em cena.

A outra lembrança é emocionante e tem Denzel Washington como participante principal. Em 2003, ele fora aclamado com o Oscar de melhor ator em Dia de Treinamento, tornando-se o segundo ator negro a vencer o prêmio. Talvez por uma das mais felizes coincidências da história do prêmio, Sidney Poitier havia sido homenageado na mesma cerimônia, recebendo uma estatueta pela importância da carreira, dada a ele por… Denzel Washington. Quando veio a hora da entrega do prêmio de Denzel, anunciado por Julia Roberts, a transmissão voltou-se para Sidney, que estava vibrando com o resultado. Washington lhe agradeceu, falou da sua importância para ele mesmo, de como o inspirou e do quanto ele estava orgulhoso por receber a honra na mesma noite que o Mestre.

Momentos emocionantes de um gigante que se vai e que, mais do que tudo, rompeu preconceitos e cravou seu nome na história das artes. E dos direitos civis.