Inimaginável dobradinha eletrônica proporcionada pelo C6 Fest entra para a memória dos shows internacionais no Rio de Janeiro
Kraftwerk
Texto e fotos por Fabio Soares
Vez por outra, novos festivais de música vêm à tona no Brasil com diferentes nomenclaturas. Nada, porém, apaga o fato de que poucas majors do entretenimento detém o controle de grandes eventos, monopolizando a contratação de nomes consagrados, elevando seus cachês à enésima potência e dificultando ao máximo a vida de produtores independentes de shows.
Sendo assim, quando o C6 Fest foi anunciado imaginou-se que seria mais um tentáculo de uma grande corporação do entretenimento. Entretanto, a divulgação de que membros de sua curadoria também montaram line-ups dos extintos Free Jazz e Tim Festival trouxe um alento para entusiastas. Com datas praticamente simultâneas entre São Paulo e Rio de Janeiro, foi justamente o 18 de maio da capital fluminense que chamou a atenção.
Juntos, dois mastodontes da música eletrônica tocariam na mesma noite em solo carioca: Kraftwerk e Underworld. Porém, nem o apelo da presença de ambos na mesma noite pareceu balançar os corações do público carioca. Encalharam os ingressos, o que forçou a direção do festival a oferecê-los pela metade do preço.
Mesmo com a promoção, o Vivo Rio (casa de shows localizada no Parque do Flamengo) não lotou. Quinze minutos antes do início da apresentação do Kraftwerk, notáveis eram os “clarões” na plateia. E com apenas cinco minutos de atraso, o fundador e único membro original do grupo de Dūsseldorf, Ralf Hūtter, e seus atuais escudeiros Fritz Hilpert, Henning Schmitz e Falk Grieffenhagen iniciaram a viagem audiovisual que é a marca registrada de toda gig do conglomerado alemão.
O medley de “Numbers” e “Computer World” deu início aos trabalhos e. como já era esperado, as projeções nos três telões (um no palco e dois laterais) deixavam bem claro a intenção do grupo em ressaltar que TUDO começou com eles. Que é deles a transição analógico/digital na música pop. Que partiu deles a ignição do primeiro transistor em um sintetizador.
Em “Spacelab”, um afago na Cidade Maravilhosa: imagens do Google Earth mostravam o Rio de Janeiro a partir do espaço para, a seguir, um disco voador sobrevoar o Pão de Açúcar e literalmente pousar na porta do Vivo Rio.
Historicamente, a iluminação em led nas vestimentas dos “homens-robô” sempre foram uma espécie de elemento vivo das apresentações. Destaque para “The Man Machine”, com uma iluminação vermelha que totalmente preencheu o ambiente.
Em “Autobahn”, a eterna autoestrada germânica convidou o público a uma viagem no tempo. Sozinho nos vocais, Ralf Hūtter (do alto de seus 76 anos de idade) permanecia econômico em sua performance, com gestuais curtos a comandar os quase invisíveis sintetizadores do bólido alemão sonoro, cuja imagem e funcionamento exerce um histórico segredo tal qual a fórmula da Coca-Cola.
Misteriosamente posicionado no meio do set list, o hino mundial “The Model” pôs a casa inteira para dançar. A satisfação no semblante de Hūtter era evidente. Mais de quarenta anos depois, a inconfundível “cama” de teclados ainda faz um estrago dos grandes. Estrago este, aliás, que foi seguido por uma versão de quase dez minutos de “Trans-Europe Express”, a saga ferroviária e sonora que não perde sua beleza mesmo também após quase meio século de seu lançamento.
Na sequência, um verdadeiro PANDEMÔNIO foi instalado no recinto com a execução de “The Robots”. A imagem de “homens-robô” com camisas vermelhas e gravatas negras segue sendo um atemporal ícone pop capaz de ditar moda, ditar ritmo, ditar tudo.
Um grande momento que anestesiou a plateia para o tão esperado epílogo com a dobradinha arrasa-quarteirão “Boing Boom Tschak” e “Musique Non Stop”. Este foi um daqueles momentos inesquecíveis com o grave dos sintetizadores refletindo nas paredes do ambiente e voltando no peito dos presentes com um peso inacreditável. No fim, ver Ralf Hūtter ser ovacionado pela plateia foi o momento mais emocionante da noite, fechando com chave de ouro uma noite de celebração à pedra fundamental da música eletrônica no terreno pop.
Underworld
De forma não surpreendente, muita gente foi embora após o término da apresentação do Kraftwerk, deixando (literalmente) a pista livre para o Underworld. Na estrada há 44 anos, o duo galês já começou a apresentação com a arrasa-quarteirão “Juanita 2022”, lançada no ano homônimo. A iluminação ora etérea ora caótica reforçada por muita fumaça cenográfica deu ao Vivo Rio o tom de balada já esperado. E a dupla Rick Smith/Karl Hyde mostrou um entrosamento digno de amigos do tempo do colégio: o primeiro, envolto a um arsenal tecnológico, poderia muito bem deitar eternamente no berço esplêndido de suas programações prévias mas, ao contrário, acelerou, diminuiu, acelerou e diminuiu novamente o ritmo para a performance arrasadora de Hyde. Aos 66 anos, o frontman dançou e pulou muito. Só faltou plantar bananeira no palco.
O set list? MA-TA-DOR! “Two Months Off”, “Push Upstairs”, “Jumbo”. O Vivo Rio ia à loucura a cada explosão sonora que era acionada pelo DJ do duo. A cada faixa, Hyde dançava em lados distintos do stage, convidando os presentes a fazer o mesmo. Em “King of Snake”, soltou: “estar no Brasil é um sonho e no Rio, ainda mais!”.
O recém-lançado single “And The Colour Red” talvez tenha sido o momento menos incensado de uma apresentação impecável. No fim, o clássico secular “Born Slippy”, imortalizado na primeira versão da película Trainspotting deu números finais a um repertório de uma hora e dez minutos hipnotizantes e imortalizados na memória de quem os viu.
Por fim, o saldo foi inesquecível. Por ser patrocinado por um banco, o C6 Fest pouco se abalará pelo prejuízo causado pelos ingressos encalhados em sua edição carioca. Por outro lado, a ficha só caiu depois: em qual outra cidade do mundo seria possível assistir (na mesma noite) uma apresentação com Kraftwerk e Underworld na sequência? Obrigado, Rio! Nos lembraremos deste 18 de maio por muito tempo.
Set list: “Numbers/Compuetr World”, “Spacelab”, “The Man Machine”, “Autobahn”, “Computer Love”, “The Model”, “Tour de France 1983/Prologue/Tour de France Étape 1/Chronos/Tour de France Étape 2”, “Trans-Europe Express/Metal On Metal/Abzug”, “The Robots”, “Planet Of Visions” e “Boing Boom Tschak/Musique Non Stop”.
Set list Underworld: “Juanita 2022”, “Two Months Off”, “Push Upstairs”, “Jumbo”, “Dark & Long (Dark Train)”, “King Of Snake”, “Rez/Cowgirl”, “And The Colour Red” e “Born Slippy .NUXX”
Reencarnação da banda de Wayne Hussey mostra em Curitiba como se pode lidar com maestria com o envelhecimento no mundo do rock
Mission
Texto por Abonico Smith
Fotos: iaskara
Saber envelhecer dentro do rock’n’roll é uma arte. Afinal, este é um universo que cobra alto o preço do passar dos anos. A voz muda, o corpo muda, os pensamentos mudam, as vontades mudam, o jeito de ser muda. Fica praticamente impossível querer reeditar algum tempo de glória que ficou reservado lá atrás, às lembranças do passado. Fã que é fã, entretanto, vai querer sempre reviver algo através da memória afetiva disparada por letras, melodias e riffs. Se não for por streaming ou disco, certamente quer aproveitar a chance de estar frente a frente com o artista para ouvir as mesmas músicas que volta e meia entram em seus ouvidos. Muitos estão ali querendo um elo vicioso com uma pessoa ou conjunto de pessoas que quase sempre não existem mais. O que chega a ser duro para muita gente: o de presenciar um arista veterano já bem diferente daquele que toca seu coração. Por isso é necessário sempre se reinventar do lado de cima do palco e, por outro lado, saber aceitar a evolução natural das coisas.
Com o Mission, este diálogo entre banda e plateia se mostrou algo bem fluido e resolvido na última noite de 26 de outubro. O quarteto britânico esteve em Curitiba, na Ópera de Arame, em uma de suas paradas de sua recente turnê de seis datas pelo Brasil. Como o vocalista e guitarrista Wayne Hussey mora há muito tempo no país, ele deu uma privilegiada à terra de sua esposa durante a nova ressurreição da banda que o consagrou durante a segunda metade dos anos 1980. De quebra, trouxe consigo duas importantes peças daquela formação clássica: o baixista e cofundador Craig Adams e o guitarrista Simon Hinkler. Portanto, 75% daquele Mission que a maior parte dos fãs conheceu e passou a admirar.
Só que é impossível parar os ponteiros do relógio e 1986, o ano do lançamento do primeiro álbum, vai ficando cada vez mais para trás no calendário. Os cabelos brancos aparecem (para os escudeiros Adams e Hinkler, a solução foi raspar toda a careca), o peso vai aumentando e aquele gás todo da juventude se dissipa. Tampouco não há mais como ficar sustentando os personagens mezzo hippiesmezzo góticos de outrora, de cabelos compridos e cheios de lenços, maquiagem, bijuterias e figurino vistoso. O grupo não está muito mais cênico, também na performance de palco. Também, já tendo ultrapassado a casa dos 60 anos, não tem mais como se comportar como aquele eterno moleque tipo Peter Pan.
O Mission hoje é muito mais focado na música e tão somente na música. É subir ao palco, pegar os instrumentos e tocar. Sem muita variação, o que confere ao repertório uma veia muito mais punk por conta da crueza impressa aos arranjos, mesmo ainda ornamentados pelos dedilhados e tessituras psicodélicas traçadas pelos dedos de Hinkler. Wayne, por exemplo, empunha sua famosa guitarra de doze cordas do início do fim, o que dá aquela encorpada nas harmonias. Craig, dono de incríveis linhas de baixo, segura com maestria os backings, mesmo na hora dos timbres mais agudos, como os do miolo de “Severina”. E o novo baterista, da metade da idade do resto, senta a mão nas baquetas, conferindo mais peso e pungência a clássicos como “Wasteland”, “Deliverance” e “Like a Child Again”.
Pena que não deu para conferir como ficou a versão 2022 de “Tower Of Strength”. O hit, no disco carregado daquela percussão enevoada de tons zeppelinianos, foi o protagonista do momento “vergonha alheia da noite”. Programado para encerrar o set list, a música foi cortada abruptamente quando a plateia curitibana, louca para ir embora do local porque já havia passado da meia-noite e todos ali corriam o risco de virar abóbora, debandou-se em massa quando o primeiro bis se encerrou ao som de “The Crystal Ocean”. Não adiantou nada dar a deixa de manter as luzes apagadas, esperando a banda tomar uns goles de água na coxia para entregar a canção derradeira.
O Mission de 2022 também não parece nada preocupar em só se alimentar apenas do passado distante. Claro que o grosso do repertório vem de seus primeiros álbuns, mas também há espaço para pérolas não muito conhecidas por quem não é fã hardcore, gravadas em discos mais recentes. “Met-Amor-Phosis”, “Within The Deepest Darkness (Fearful) e “Grotesque” representam bem a verve autoral de Hussey pós-fama, todas elas exemplares de que poderiam ter feito bem mais sucesso caso tivessem sido compostas no tempo em que os videoclipes ainda impulsionavam e muito a popularidade de uma canção. Por outro lado, o grupo também não se prende somente a peças mais conhecidas. Para equilibrar ainda mais o repertório, aparecem raridades como “Naked and Savage” e a cover de “Like a Hurricane” (hora em que o vocalista dá um pseudoesporro nos fãs por estes não saberem cantar a letra do clássico de Neil Young).
Hussey, que cerca de década e meia atrás já havia passado por Curitiba para se apresentar sozinho no palco e cantando uma série de músicas de outros autores das quais sempre gostou, voltou a abrir a gavetinha de seu lado intérprete neste show da Ópera de Arame. No meio de “Swoon”, meteu um trecho de “Heroes”, de David Bowie. Já “Wasteland” foi bastante estendida graças à inserção de “Light My Fire”, dos Doors, e “Marian”, do Sisters Of Mercy. Detalhe (e também uma private joke): o autor desta música não é só Andrew Eldritch; ela é uma parceria com o próprio Hussey, que junto com Craig Adams fora integrante das “irmãs da misericórdia” até a gravação do álbum de estreia (First and Last and Always, de 1985).
Michael Aston’s Gene Loves Jezebel
Se o Mission fez uma apresentação sóbria e cativante do início ao fim, infelizmente, o mesmo não pode ser dito da banda de abertura, a parte norte-americana que usa o nome de Gene Loves Jezebel e está sob a liderança o cofundador Michael Aston (explicando: desde que os irmãos gêmeos Michael e Jay Aston brigaram feio, existem dois GLJ em ação pelo mundo e gravando discos). Primeiro porque o vocalista era uma piada no palco. No melhor e no pior sentido. No melhor: com o bom humor sempre nos píncaros, ele não se furta a fazer palhaçadas, se jogar no chão, rastejar, fingir-se de morto, ir brindar junto ao público, fazer caretas. Diversão garantida. Só que também, muito provavelmente por conta de uma conta alta de abusos, estava completamente sem voz em Curitiba, muitas vezes jogando refrão pra galera e fazendo os fãs do gargarejo suprirem a falta de gogó. Também contou contra justamente a falta de performance junto à banda. Pareciam dois segmentos distintos e desconectados, cada um fazendo o seu e juntando somente no casamento entre base instrumental e melodia.
Também foi desfavorável o fato do set list contar somente com dois hits poderosos (“Desire” e “The Motion of Love”) e estes justamente serem programados para encerrar o show na sequência. Para muita gente ali que desconhecia o todo da carreira do GLJ, ter que aturar nove músicas pode ter sido um porre para ser recompensado em dose dupla lá no final. Afinal, convenhamos: olhando para um espectro maior daquela segunda geração do pós-punk britânico, a que tirou o subgênero do meio alternativo e galgou as paradas ali pelos meados dos anos 1980, a banda nem foi tão grande e popular assim. Ok, tinha uma turma de 40+ colada na grade que sabia cantar cada verso ao lado de Michael e até lhe ofereceu uma insólita bandeira do País de Gales assim que ele se dirigiu ao microfone (sinal de que sabem da história do cara!), mas era uma empolgadíssima minoria.
Se o Mission demonstraria logo depois ter sabido envelhecer bem, esta encarnação do GLJ esbarrou no contrário e não passou de uma mera caricatura de si próprio num passado de quatro décadas. Aliás, caricatura borrada. No look inclusive. Daquele Michael com olhos pintados e o cabelo espetado, bagunçado e cheio daqueles anos 1980 sobrou apenas uma criatura que estava mais para irmão gêmeo (embora seja dois anos mais velho) do Robert Smith, do Cure. Triste.
Set list Mission: “Beyond The Pale”, “Hands Across The Ocean”, “Into The Blue”, “Met-Amor-Phosis”, “Naked and Savage”, “Swoon”, “Severina”, “Like a Child Again”, “Grotesque”, “Butterfly On a Wheel”, “Wasteland”, “Within The Deepest Darkness (Fearful)” e “Deliverance”. Bis: “Like a Hurricane” e “The Crystal Ocean”.
Set list Gene Loves Jezebel: “Heartache”, “Always a Flame”, “Downhill Both Ways”, “Cow”, “Beyond Doubt”, “Suspiction”, “Bruises”, “Twenty Killer Hurts”, “Gorgeous”, “Desire” e “The Motion Of Love”.
Oito motivos para não perder um dos dez concertos da turnê de 40 anos de carreira, que trará de volta os sete integrantes da formação clássica
Texto por Abonico Smith
Foto: Bob Wolfenson/Divulgação
Já dizia o velho provérbio: onde há fumaça, há fogo. Depois de algumas pistas deixadas na internet que colocaram os fãs alvoroçados sobre a possível realização de um antigo sonho, eis que tudo vem à tona oficialmente e agora como verdade: sim, os Titãs voltarão a reunir em um mesmo palco a sua formação clássica, com o retorno de quatro integrantes que deixaram a banda ao longo dos últimos trinta anos. Vale lembrar ainda que haverá, nesses shows, uma homenagem ao oitavo membro da trupe, Marcelo Fromer, falecido em 2001.
Não é definitivo nem duradouro este reencontro, claro. Isso será parte de uma turnê que celebra os 40 anos de trajetória deste grande ícone do rock brasileiro. O evento ganhou o nome de Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora. Ao todo serão dez datas entre abril e junho de 2023. As cidades que receberão o show especial serão, pela ordem, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza, Brasília, Curitiba, São Paulo. A pré-venda dos ingressos começa hoje para quem fez cadastro no site oficial da tour. A venda para os outros compradores tem início no próximo dia 22. Informações sobre preços, locais e cadastro você tem ao clicar aqui. Mais para a frente, ainda haverá a disponibilização de particularidades aos fãs, como peças oficiais de merchandising, NFT e até um grupo de Telegram.
Por tudo isso, o Mondo Bacana elenca oito motivos para você não perder de jeito nenhum uma destas dez apresentações dos agora todos 60+. E não titubeie se você nunca teve a sorte de ver a banda “inteira” de uma só vez – já o autor deste texto foi agraciado por esta oportunidade várias vezes pela TV e in loco entre os anos de 1984 e 1992. Esta poderá ser a última reunião dos sete músicos que escreveram o nome dos Titãs na história o rock nacional.
Pós-punk Rio-São Paulo
O começo da década de 1980 foi de uma efervescência mágica nas praias cariocas e nos inferninhos subterrâneos das ruas da cidade de São Paulo. Eram os anos em que a ditadura militar se esfacelava e se arrastava moribunda no Brasil e, talvez por isso mesmo, toda uma cultura jovem se formava nos grandes centros urbanos. Ainda plenamente insatisfeitos com o cotidiano e sua consequente relação com a sociedade tupiniquim que ainda não parecia querer lhes dar muita atenção, esses jovens procuravam falar, gritar, espernear. No Rio de Janeiro, a verborragia e atitude criativa dos vinte e poucos anos se estendia das praias à lona do Circo Voador e às ondas da rádio Fluminense FM, que botava no ar toscas gravações de fitas cassete de novas bandas e cantores (Blitz, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, Lobão, Sangue da Cidade), ainda longe de qualquer espaço no mainstream artístico nacional. Já em São Paulo, a coisa acontecia no circuito de boates alternativas como Napalm, Rose Bom Bom, Madame Satã e Carbono 14. A estética traduzia para o português muito do que acontecia no eixo anglo-americano em sonoridades, figurinos e penteados. Enquanto esse underground fervilhava de representatividade nos quadrinhos e tiras de jornal criados por cartunistas como Glauco, Laerte e sobretudo Angeli, bandas como Titãs, Gang 90 e Absurdettes, Ira!, Magazine, Mercenárias, Fellini, Akira S e as Garotas que Erraram, Patife Band, Voluntários da Pátria, Inocentes, Violeta de Outono e Ultraje a Rigor (mais agregados que volta e meia vinham de Brasília, como Plebe Rude, Legião Urbana e Capital Inicial) começavam todo um culto e burburinho ao redor de apresentações ao vivo e gravações em cassete da turma. Lojas como a Baratos Afins, cultuado ponto de encontro de apaixonados por música e colecionadores de discos que circulavam pelas grande galerias do centro paulistano, viravam selos e passavam a transformar, aos poucos, essa cena em realidade fonográfica. Comunicadores como Kid Vinil e Serginho Groisman (mais programas musicaisda TV Cultura e constantes matérias dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo) promoviam também todo um oba-oba em torno desses artistas e sonoridades ainda estranhas para os ouvidos da grande massa.
Performance de palco
Os Titãs começaram com nove pessoas, aglutinando gente que vinha de trabalhos anteriores, como a Banda Performática do artista plástico Aguilar, o Trio Mamão e a banda de ritmos caribenhos Sossega Leão. Quando assinaram contrato com a gravadora Warner e passaram a se apresentar em programas de emissoras de TV paulistas (Cultura, SBT Band) em 1984, fecharam a formação em oito. Era, ainda assim, muita gente para dividir um mesmo palco. Alguns praticavam revezamento de instrumentos. Os dois guitarristas (Marcelo Fromer e Tony Bellotto) e o baixista (Nando Reis, na maior parte do repertório) inventavam coreografias sincronizadas para este subgrupo. Já os três backing vocals de cada música (Branco Mello, Arnaldo Antunes e uma terceira posição que trazia às vezes Nando, Paulo Miklos e Sergio Britto) chamavam a atenção com coreografias esquisitas e individualizadas: Branco se esbaldava no pogo, Arnaldo encantava pelos passos robóticos, Paulo já chamava a atenção pelas caretas e gestos que reforçavam sua aura de esquisito. A esbórnia em cena era tamanha que trazia todo um novo significado para aquela leitura rock’n’rollcult de canções de alma brega (“Sonífera Ilha”, “Toda Cor”). Também havia traços de ska e do reggae jamaicano (“Querem Meu Sangue”, “Marvin”) e um pequeno eco de poesia marginal/tropicalista (“Go Back”).
Televisão
Mal o primeiro álbum, homônimo, abria espaço na mídia e trazia uma pequena popularidade aos Titãs, eles já entraram em estúdio para o segundo álbum, agora sob a produção de Lulu Santos, nome escolhido pelos próprios músicos para conseguir fugir da sonoridade pós-punk das bandas da época. E em menos de um ano depois da estreia, o álbum Televisão chegava às lojas revestindo a alma brega do início da banda com um pouco mais de agressividade nos arranjos e nos vocais. A faixa-título era um libelo contra a programação idiotizante das emissoras de TV da época e, ao mesmo tempo, tornou-se um trunfo sarcástico para eles próprios frequentarem programas de auditório da telinha (Hebe, Chacrinha, Bolinha, Raul Gil, Barros de Alencar) e esfregarem na cara dos espectadores toda aquela passividade sem muito questionamento ou inteligência à qual estavam expostos nas camás, sofás e poltronas de sua casa. Além deste grande hit, o disco proveu outros sucessos menores como “Insensível” e o hardcore “Massacre”. Curiosamente duas faixas deste repertório passaram completamente em branco nesta época e somente se transformaram em hits na década seguinte, depois que o grupo se rendeu à moda dos acústicos da MTV Brasil: “Pra Dizer Adeus” e “Não Vou Me Adaptar”.
Cabeça Dinossauro
Alguns indícios já vinham de Televisão, mas o grupo lançou em 1986 seu grande disco de explosão, visceralidade e revolta depois que dois integrantes (Tony e Arnaldo) foram presos em novembro de 1985, sob a acusação de porte e tráfico de heroína. Liminha, que já assinara a supervisão do disco anterior, agora tomou as rédeas da produção destas 13 faixas que traziam o Titãs se esbaldando feito pintos no lixo no território do punk rock. Em uma tacada só, detonavam instituições (“Igreja”, “Família”, “Polícia”). Previam as criaturas odiosas que sairiam dos esgotos décadas depois para tomar conta do noticiário e da política nacional (“Bichos Escrotos”). Vociferavam contra a elite (“Porrada”), as melodias bonitinhas (“AAUU”), a violência do capitalismo selvagem ( “Homem Primata”) e a do Estado contra seu povo (“Estado Violência”). E, segundo o exemplo da obra anterior, apontavam para um futuro próximo da banda na última faixa – “O Que” partia de uma poesia visual-concretista de Arnaldo para brincar com a sonoridade eletrônica que se acentuaria nos dois álbuns vindouros. Com o passar dos anos, Cabeça Dinossauro apenas confirmou sua condição de clássico, um dos maiores trabalhos do rock brasileiro em todos os tempos.
Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas
Em 1987, depois do avassalador sucesso do acesso de fúria de Cabeça Dinossauro, os Titãs – de novo sob a batuta de Liminha – passaram a flertar mais com a eletrônica e os grooves do funk. Ao mesmo tempo, carregava as letras de protestos contra a situação sócio-econômica de um país que prometia um futuro promissor ao deixar para trás a ditadura militar mas ainda rastejava para dar melhores condições a seu povo. Por isso, além da faixa-título, “Comida”, “Desordem”, “Lugar Nenhum”, “Armas Para Lutar”, “Mentiras” e “Nome aos Bois” definem o lado panfletário do discurso, que ainda traz reflexões sobre excessos pessoais (“Diversão”) e polarizações (“Corações e Mentes”). Em tempo: nesses últimos anos o carregamento de bichos escrotos que pipocou aos quatro cantos do Brasil e do mundo já faz urgente uma necessidade da banda fazer uma versão 2.0 de “Nome aos Bois”.
Õ Blésq Blõm
Prevendo o diálogo com as sonoridades regionais brasileiras que daria o tom ao rock nacional da década seguinte, os Titãs, lançaram outro clássico supremo de sua discografia em 1989, também produzido por Liminha. Assumindo cada vez mais a paixão pelas programações, “Miséria” abre o trabalho logo após a vinheta com um breve sample dos repentistas Mauro e Quitéria. A capa, uma colagem gráfica assinada por Arnaldo, voltava a levar a banda ao território punk. Faixas como “Flores”, “32 Dentes e “O Pulso” (uma lista que intercala doenças e situações doentias que servia, justamente como indica o título, para ratificar toda e qualquer forma de vida) ainda mantinham um pezinho do rock, mas outras como “Deus e o Diabo” e “O Camelo e o Dromedário” reafirmavam o crescimento de um novo Titãs, cada vez mais imerso em experimentações, sintetizadores e batidas eletrônicas. Em tempo: o título veio de uma expressão cantada pelo casal pernambucano em uma língua inexistente, que misturava sonoridades do português com as de outros idiomas. O que, esteticamente, combinava demais com o momento sonoro do octeto.
Muito além da banda
Já faz alguns anos que os Titãs hoje tem a formação reduzida a três integrantes originais (Sergio, Branco e Tony). Pouco a pouco, os demais foram deixando o grupo. Arnaldo foi o primeiro, em dezembro de 1992, a optar por seguir uma carreira solo na qual pudesse conciliar a música com projetos literários e de artes gráficas. Entre 1994 e 1995, durante um período de hibernação da banda para descanso das relações pessoais, alguns dos integrantes fundaram o selo alternativo Banguela ao lado dos saudosos produtores Carlos Eduardo Miranda e Vagner Garcia, revelando nomes como Raimundos, mundo livre s/a, Little Quail and the Mad Birds e Maskavo. Paulo e Nando, neste período, também se lançaram “solo em paralelo”. O baixista se separou de vez do coletivo em 2002, dando início a uma cultuada carreira de cantautor, inclusive regravando sucessos seus na voz de sua amiga recém-falecida Cassia Eller. Em 2010, o baterista Charles Gavin, que já tinha dado bons passos no ramo de pesquisador e produtor musical e estava sofrendo sintomas de pânico e depressão, não aguentou mais a vida na estrada e pendurou as baquetas titânicas. Seis anos depois, Paulo partiu de vez, agora para se equilibrar entre as facetas de cantor solo e ator no cinema e televisão. Os três que ficaram, entretanto, também fizeram bons trabalhos longe da marca Titãs. Sergio e Branco, naquela parada de meados dos 1990, criaram o grupo de pós-punk Kleiderman. O primeiro também chegou a lançar discos solo depois disso. O segundo apostou as fichas na criação de trilhas sonoras para peças teatrais e programas de TV. Já Tony abraçou outra grande paixão, a literatura. Já publicou 12 livros, sendo quatro do detetive Bellini (dois transformados em filme para o cinema). Sua mais recente obra, Dom, também se transformou em série de dramaturgia para o streaming, com roteiro também assinado pelo autor.
Marcelo Fromer
Aluno de violão de Luiz Tatit (professor, linguista e músico do grupo Rumo) na adolescência, apaixonado por gastronomia (publicou o livro Você Tem Fome de Quê? em 1999) e torcedor fervoroso do São Paulo (a loucura apor futebol levou-o ao posto de comentarista do canal esportivo SporTV durante a Copa do Mundo de 1998, frilas de cronista do jornal Folha de S. Paulo e uma biografia inacabada do ex-centroavante Casagrande), Fromer morreu aos 39 anos, no dia 13 de junho de 2001, após ser atropelado por um motoqueiro nos Jardins, em São Paulo. A banda, recém-contratada pelo selo Abril Music, braço fonográfico da Editora Abril que pouco durou no mercado mas teve atuação intensa e lançou discos de nomes como Los Hermanos, Ira!, Capital Inicial, CPM 22, Erasmo Carlos, Inocentes, Ultraje a Rigor, mundo livre s/a, Marina Lima, Rita Lee, Gal Costa, Alceu Valença e Marcelo Nova), estava prestes a começar a gravar as 16 faixas que sairiam no álbum A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana. Abalado pelo trágico acontecimento, o grupo chegou a cogitar encerrar suas atividades. Se isso realmente acontecesse, não sairiam mais clássicos para o repertório dos Titãs como “Epitáfio”, “Isso” e a música-título. Detalhe: este foi o último disco de estúdio do grupo produzido por Jack Endino (Nirvana Soundgarden, Mudhoney), que já havia feito com os brasileiros Titanomaquia (1993), Domingo (1995) e Volume Dois (1998).
Oito motivos para não perder um dos shows do cantor, ator e ex-integrante do One Direction durante sua passagem pelo Brasil em dezembro
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Divulgação
Quantos ex-integrantes de boy band você se recorda de terem feito tanto sucesso ao se lançar em carreira solo? Robbie Williams? Ricky Martin? Pois o ex-One Direction Harry Styles entra para esse seleto rol com a diferença de que ele é um sujeito que pelo menos tenta atravessar as fronteiras do óbvio. Por conta disso vem sendo chamado de David Bowie da nova geração. Soa um pouco pretensioso? Será mesmo?
Fato é que os dois primeiros e premiadíssimos álbuns de Styles (o homônimo, de 2017, e Fine Line, de 2019) prestam uma clara homenagem a Bowie, além de Joni Mitchell. E essa inspiração do Camaleão é facilmente detectada em seu visual andrógino carregado de propósito, para romper as barreiras da discriminação. Aliás, essa estética versátil e híbrida ressoa nas suas composições em que ele aproveita para homenagear os ídolos com sua voz de barítono.
Harry flerta com gêneros e décadas diversas (pop, rock, funk, disco), o que, para muitos, pode beirar ao pastiche justamente devido à enxurrada de referências encontradas nas faixas. Por isso, pode-se considerar que Styles é um artista que, sim, já conquistou um espaço entre tantos cômodos de uma mansão, mas ainda segue em busca de sua essência.
Só que uma coisa é certa: ao se aventurar pelo ecletismo, o britânico não tem receio de dar a cara pra bater, dançar fora do ritmo, vestir paetês, usar camisetas kitsch e, ainda, atuar como ativista. Ou seja, se tinha uma única direção até pouco tempo atrás (com o perdão do trocadilho), agora ele aponta para vários horizontes: uma carreira de sucesso na música, no cinema e na moda. O artista é modelo para a garotada da Geração Z ou mesmo um alento para os que nasceram nas décadas passadas, que curtiam bandas como New Kids On The Block, Backstreet Boys e outros conterrâneos de Styles (Take That e Westlife) e podem reviver essa fase da vida em que os hormônios regem os gritos.
Como na maioria das boy bands, há sempre um integrante que se destaca mais. No caso do One Direction, foi Harry Styles. Por isso, o Mondo Bacana lista oito motivos para você conferir a nova turnê desse furacão britânico, que promete trazer muito amor e good vibes para o Brasil, onde ele passa em dezembro (de 6 a 14) e se apresenta em São Paulo (com direito a duas sessões extras), Rio de Janeiro e Curitiba – clique aqui para saber mais sobre locais, datas e ingressos ainda disponíveis).
One Direction
Assim como outros artistas (vide os brasileiros Supercombo e Roberta Sá), Harry Styles é exemplo de que não é preciso ganhar um concurso de televisão para se tornar superstar. No caso do britânico, participar do reality foi o suficiente para o One Direction ganhar a atenção de Simon Cowell. O pequeno Harry, inclusive, já mostrava uma forte inclinação para as artes quando cantava nos karaokês, seu divertimento favorito. Então, em 2010, ele, Liam Payne, Louis Tomlinson, Zayn Malik e o irlandês Niall Horan se juntaram para participar da sétima temporada do The X Factor UK. Mesmo não saindo vitoriosos da competição, o sucesso deles foi estrondoso, com cinco álbuns de estúdio lançados, turnês arrebatadoras, uma avalanche de prêmios e fãs espalhados pelos quatro cantos do mundo, febre comparada à beatlemania. Foram esses fãs, chamados de stylers, que passaram a noite na fila para comprar o ingresso desta turnê de HS, antes mesmo de ele lançar o ótimo álbum Harry’s House. Portanto, pelo menos “What Makes You Beautiful”, do One Direction, deve ser hit presente no set list. Caso contrário, seu séquito irá chiar.
Colecionador de prêmios
Desde que se lançou como artista solo, HS vem acumulando prêmios. Em 2017, seu primeiro single solo, “Sign Of The Times”, já ganhou o título de canção do ano pela Rolling Stone. O álbum de estreia também foi #1 na Billboard 200. O segundo álbum, Fine Line, levou o Grammy de melhor disco de 2019. Duplamente platinado, Fine Line entrou para a História ao liderar as paradas em mais de 20 países, acumulando um total de 5 bilhões de streams em todo o mundo, e recentemente foi nomeado um dos 500 melhores discos de todos os tempos pela Rolling Stone. Com “Watermelon Sugar”, o cantor ganhou o Grammy de Melhor Performance Pop Solo e o Brit Award de 2021 de Melhor Single Britânico. Três meses depois de seu lançamento, o terceiro, Harry ‘s House, já abocanhava o título de melhor álbum do ano pela MTV, consagrando o hit “As It Was” como melhor clipe do ano. Seus videoclipes, aliás, merecem atenção à parte, como no surreal “Adore You”, no qual ele vira “amigo” de um peixe.
Harry’s House
Com melodia que lembra o melhor do synth pop dos anos 1980, o sucesso “As It Was” se transformou rapidamente no hit de 2022, sendo capaz de grudar nos ouvidos como o melhor chiclete Ploc da sua vida. E o disco todo (cuja capa lembra o do rapper brasileiro TETO) traz novamente a parceria com Tyler Johnson e Thomas Hull (aka Kid Harpoon) e revela uma incrível coesão entre as canções, que convidam o ouvinte a dançar, pular, chorar e rir. Nas composições, transparece o misto de emoções que contornaram a vida do artista nos últimos anos, sempre com a figura feminina no spotlight. HS lembra o rompimento de um casamento até o encontro de um novo amor – tanto é que ele considera este álbum como o mais intimista dos três. E se temos de agradecer a alguém, esse alguém se chama Olivia Wilde, a atriz, diretora de cinema e obviamente a musa inspiradora de canções como “Cinema”. O novo trabalho, aliás, deixa evidente a evolução em comparação com os dois anteriores e o rumo a um som mais genuíno. No disco de estreia, por exemplo, é possível perceber influências um tanto explícitas a Beatles em “Sweet Creatures” (que lembra “Blackbird”), ecos de Rolling Stones em “Angel” (que, por sinal, é também o nome de uma música dos roqueiros britânicos) e “Woman”, cuja introdução é Elton John na veia.
Galã de Hollywood
O presidente da New Line Cinema não precisa ter bola de cristal para prever que o futuro de HS é no cinema. Por outro lado, alguns críticos ainda não se convenceram de suas atuações. Aliás, seu mais recente trabalho, My Policeman, acabou de ser lançado na Amazon Prime cercado de polêmicas e acusações de queerbaiting – logo contra um ator que levanta a bandeira da liberdade de gênero. Isso porque Styles faz um policial conservador e enrustido, que vive um romance com o funcionário de um museu. A trama se passa na Inglaterra dos anos 1950, quando ser homossexual era considerado crime e, portanto, era preciso manter as aparências. Este é o terceiro longa de HS, cujo début já aconteceu em 2017 em Dunkirk, dirigido por ninguém menos que Christopher Nolan e indicado ao Oscar. Portanto, Harry se tornou o primeiro artista britânico com um single, um álbum e um filme de estreia em primeiro lugar no mesmo ano. Recentemente, ele também estrelou Não Se Preocupe, Querida, thriller psicológico dirigido por sua atual mulher Olivia Wilde. Além da sua presença cinematográfica, o cantor também já apresentou o tradicional humorístico da TV norte-americana Saturday Night Live.
Covers
Além do repertório próprio, quem acompanha a carreira de Styles sabe que ele é chegado em uma cover, sobretudo para revistar aquelas baladas e canções que de certa forma marcaram a sua vida e evocam memórias afetivas. No festival Coachella deste ano, por exemplo, o britânico convidou a rainha do country pop Shania Twain, que fez enorme sucesso nos anos 1990 com suas baladas melosas. Os dois fizeram dueto nas músicas “Man! I Feel Like a Woman” e “You’re Still The One”. Nesta, inclusive, Styles escorregou um pouquinho e deu uma desafinada, não sendo perdoado pelos youtubers mais críticos. Em show recente na Califórnia, ele cantou “Hopelessly Devoted To You”, composição do australiano John Farrar, que ficou famosa na voz de Olivia Newton-John (falecida em agosto último), no musical Grease. HS também já se aventurou a fazer releituras de outros ícones no palco e em estúdio, como Fleetwood Mac, Lizzo, e Ariana Grande.
O ativista que veste Gucci
Com um sobrenome desses, o artista não poderia deixar de se aventurar no mundo fashion e da cosmética (sim, ele tem uma marca chamada Pleasing). Tanto é que a marca considerada a mais popular do mundo, encontrou em HS uma oportunidade de expandir ainda mais a sua presença – se não no armário, pelo menos no imaginário dos pobres mortais – ao lançar a coleção batizada de HA HA HA e assinada pelo diretor criativo da grife, Alessandro Michele, com o britânico durante a última Semana de Moda Masculina de Milão. Ao todo, são 25 peças inspiradas no estilo vintage, mesclando alfaiataria anos 1970 com estampas descontraídas e coloridas. Inclusive, na sua recente turnê por Nova York, Harry esbanjou glamour nas suas performances, desfilando macacões setentistas com muitas listras. Já dos anos 1980, ele costuma resgatar os paetês. Mas uma peça que ele abandonou (pelo menos por enquanto) foi o seu tênis Adidas x Gucci. Isso por conta da polêmica envolvendo o rapper Ye (aka Kanye West) e suas recentes declarações antissemitas. No final de outubro, HS foi visto usando tênis vermelhos da marca Vans. Os stylers logo perceberam essa troca de figurino e deduziram que essa era uma forma de protesto. Aliás, o cantor tem um histórico de ativismo e, em 2015, quando ainda fazia parte do One Direction, chegou a pedir aos fãs que deixassem de ir ao parque Sea World, que naquele período estava sendo acusado de maltratar animais.
A casa de Harry
Como o terceiro álbum do artista foi concebido durante a pandemia, nada mais plausível do que chamá-lo de Harry´s House. Na verdade, a quarentena serviu para dar um respiro desde que a carreira começou em 2010. Tanto é que, nas letras, há várias alusões a detalhes caseiros como a cozinha, o jardim e até o maple syrup de suas panquecas. Em entrevista à Better Homes & Gardens, a quarta revista mais vendida nos Estados Unidos, ele chegou a fazer um paralelo entre sua residência e sua mente. “Eu acho, às vezes, tomando a terapia como exemplo, que você pode abrir um monte de portas na sua casa que você nem sabia que existia. Você encontra todos esses cômodos que existem para explorar”, disse. Ah, só para constar: a mansão em Los Angeles, onde o astro britânico morou até 2019, foi colocada à venda por quase 8 milhões de dólares, segundo o Hollywood Reporter.
Estrutura especial
Para a Love on Tour, o público pode esperar um palco diferentão, em formato de um círculo, por onde o astro se desloca de uma extremidade a outra com piruetas, fazendo com que todos os setores do estádio possam ter uma boa visão do show. Só não vale arremessar nuggets no cantor, que é vegetariano. Pior que isso de fato aconteceu em uma apresentação em Nova York. E, no melhor estilo Harry Styles, ele tirou de letra.
>> Leia aqui e aqui, respectivamente, para ler as resenhas de Não se Preocupe, Querida e Meu Policial, os dois filmes protagonizados por Harry Styles em 2022
Oito motivos para você não perder a nova vinda ao Brasil do quarteto que em meados dos anos 1980 expandiu os limites sonoros do pós-punk gótico
Texto por Abonico Smith
Foto: Divulgação
O nome da turnê, Déjà Vu, é irônico. Afinal, esta expressão originária na língua francesa, significa a sensação subjetiva de já ter visto ou vivido algo que, apesar de tudo, é a primeira vez que ocorre. De qualquer modo, para muita gente que estará presente ao concerto, será mesmo a primeira vez. Afinal, não são apenas oito anos que separam esta vinda ao Brasil da última. O Mission também é aquela banda que muita gente acha que conhece mas não conhece de fato. Quem já é iniciado nos principais hits do quarteto não conhece direito o resto do trabalho espalhado pelos álbuns da carreira. E muita gente que tem uma certa tendência para o rock britânico de raízes góticas apresentado ao mundo pelo pós-punk oitentista com certeza conhece mais outros conterrâneos e contemporâneos do que o próprio grupo fundado em 1986 pelo vocalista, guitarrista e compisotr Wayne Hussey, quando este decidu abandonar o Sisters Of Mercy e levou consigo para a nova empreitada o amigo e baixista Craig Adams.
Agora é grande chance de ver o Mission novamente em ação pelos palcos brasileiros. São seis datas marcadas em nosso país na perna latino-americana da Déjà Vu Tour. A primeira, em São Paulo, no Carioca Club, em 22 de outubro próximo, já está com as entradas esgotadas. Depois, na rota de escalas, vêm Rio de Janeiro (Sacadura 154, dia 23), Curitiba (Ópera de Arame, 26), Porto Alegre (Oculto, 27), Goiânia (Bolshoi Pub, 29) e, por fim, de novo em São Paulo (Carioca Club, agora em um show privado, sem disponibilidade para o público). Mais informações sobre ingressos, horários e outras especificações sobre cada o concerto de cidade você pode ter aqui).
O bom é que o Mission, após idas e vindas, chega com a formação original quase completa. Além de Wayne e Craig, quem também sobe ao palco é o guitarrista Simon Hinkler. O trio, já sessentão, conta com um reforço de peso e juventude: o baterista Mike Kelly, de apenas 31 anos (metade da idade dos outros!). E o quarto também não toca sozinho nessas noites. Quem fará dobradinha com ele será o Gene Loves Jezebel, outra banda britânica que fez bastante sucesso naqueles meados dos anos 1980 e que, de uma maneira ou outra, continua até hoje na ativa após breve período de separação). Dos dois fundadores, os irmãos gêmeos Jay e Michael Aston, até hoje, inclusive judicialmente, disputam a paternidade da criança e o direito por usar o nome do grupo.
O Mondo Bacana preparou oito motivos pelos quais você não pode perder a vinda ao país desta nova encarnação do Mission, que já lançou onze álbuns de carreira, fora vários títulos ao vivo e coletâneas de singles, regravações, hits e raridades. Caso você ainda não saiba, aqui vai uma curiosidade: Wayne Hussey é casado com uma brasileira (a atriz, cantora e artista visual Cynh Hussey) e há muitos anos mora no Brasil, inclusive já tendo feito várias apresentações sozinho no palco, rodando o país.
Nada tão escuro assim
Com o esgotamento rápido da verborragia do punk lá no biênio 1978/1979, veio uma nova turma de bandas interessada em manter a energia sonora mas adicionando novas propostas estéticas, como temas e conceitos de várias correntes da arte vanguardista da primeira metade do século 20. Uma delas foi o gótico, que abrigava na literatura os elementos de medo e barbárie das artes plásticas para enfrentar os temores e desafios da população europeia ao enfrentar as mudanças tecnológicas que vieram a partir do final do século anterior para assombrar a vida cotidiana de então e os medos a respeito do futuro. Então, no pós-punk britânico vieram bandas como Joy Division, Cure, Siouxsie & The Banshees e Bauhaus para pintar de preto as cores da new wave que abria as portas do mercado fonográfico para selos e artistas vindos do mercado independente, do do it yourself. Passados alguns anos, porém, veio uma nova safra de bandas para adicionar novos elementos às nuances sombrias, como umas pinceladas ensolaradas do psicodelismo (guitarras dedilhadas; pedais com efeitos como ecos, feedback e reverb), cabelos compridos e muitos (mas muitos mesmo!) anéis, brincos e pulseiras. Seria algo como se o hippie tomasse conta do dark e vislumbrasse. Então, aos poucos, já para meados da década de 1980, ao que era muito escuro foram sendo adicionadas novas cores por meio de bandas como Cult, All About Eve, Echo & The Bunnymen e Mission. O que era mais underground passou ficar mais conhecido sobre a superfície.
Belas harmonias
No caso do Mission, muito contribuiu para sua popularidade quase instantânea o belo trabalho de criação harmônica de Wayne Hussey, por meio de entrelaçamento de um punhado de acordes que não cabiam no repertório de sua banda anterior, o Sisters Of Mercy. Aliás, Wayne deixou a banda liderada por Andrew Eldritch de modo conturbado, fato que iniciou uma grande rixa entre eles, que envolveu inclusive o uso de nomes e projetos por parte de ambas as bandas. Aliás, um dos fortes do Mission são justamente as melodias fortes e cativantes desde a primeira audição. Por isso a banda acumulou um punhado de sucessos espalhados por seus primeiros álbuns. Aliás, desde o primeiro álbum, God’s Own Medicine, que Hussey explora bastante a sonoridade das guitarras, muitas vezes utilizando uma de doze cordas para dar aquela encorpada nas harmonias. Ouça “Stay With Me” como exemplo.
Letras românticas
O romantismo foi uma corrente que teve seu auge nas artes (sobretudo a literatura) no começo do século 19. Uma das suas subdivisões era o romantismo ultrassentimental, que apresentava tonalidades fortemente depressiva, muitas vezes utilizando a morte ou a loucura como uma possibilidade de fuga da realidade e da razão. Na verdade, a ruptura do equilíbrio da vida anterior, com triunfo da intuição e da fantasia, é um elemento que reforça o contraste entre o real e o idealizado. Exprime-se a insatisfação com o mundo por meio de inquietude, tristeza, inconformismo (social, inclusive), intimismo e egocentrismo. As letras do Mission são sobrecarregadas de tintas do romantismo, assim como as de outras bandas com raízes no pós-punk gótico (Cure, Banshees, Echo, Cult). Sonhos, devaneios, paixões, desejos e ardências pinceladas em versos repletos de frases abstratas e significados abertos a várias interpretações. “Severina” é um dos belos exemplos ultrarromânticos do Mission.
Led Zeppelin
A imprensa britânica nunca perdoou muito o Mission em suas resenhas, sempre usando palavras duras e ríspidas para menosprezar seus discos. Quando o segundo álbum foi lançado, então, choveram críticas dizendo que o quarteto não passava de uma cópia fac simile de Led Zeppelin. Pudera. Quem produziu Children foi John Paul Jones, que ajudou Hussey e seus asseclas a explorar novidades, inclusive flertando com alguns elementos da ex-banda do baixista e produtor do disco. Alguns arranjos ficaram bem mais longos do que o usual. “Beyond The Pale”, a abertura de quase oito minutos, conta com uma cítara lá pela sua metade. “Tower Of Strength”, o single de maior sucesso, é baseado numa percussão mais tribal e traz cordas na parte do crescendo do arranjo que superava os oito minutos. São faixas que alargaram a amplitude sonora da banda, que foi mantida nos dois próximos trabalhos. Antes disso, porém, outra ligação com o zepelim: parte da turnê de divulgação de Children foi como o concerto de abertura para Robert Plant.
The Joshua Tree
Não foi só a experiência com Plant: nos anos inicias o Mission também abriu os shows de Cult, Psychedelic Furs e o U2. E detalhe: pegou ainda o apogeu da banda durante os eighties, em duas datas da turnê britânica do disco The Joshua Tree, antes da banda estourar com os concorridos e cultuados megaconcertos norte-americanos flagrados no documentário Rattle and Hum. Foi uma convivência curta, bem verdade, mas o suficiente para que ecos da sonoridade da turma de Bono Vox aparecem em discos posteriores como Carved In Sand (1990) e Masque (1992). O principal hit do primeiro trabalho foi a balada “Butterfly On Wheel”, que em muito lembra “With Or Without You” em sua ambientação sonora (uma bateria eletrônica fazendo uma cama percussiva constante, guitarra desenhada com e-bow, voz sofrida e com alto teor emocional e aquela dinâmica mais explosiva no refrão para depois retornar a uma estrofe mais calma). Já “Never Again”, que abre o segundo, soa como o U2 dançante de Achtung Baby.
Like a Child Again
Masque, o quinto álbum da carreira (se for contado como o quarto Grains Of Sand, lançado meses depois de Carved In Sand, em 1990, com dois remixes, dois covers e mais oito faixas gravadas durante as mesmas sessões mas que haviam ficado de fora da seleção final – inclusive a bela “Hands Across The Ocean”, coproduzida por Andy Partridge, vocalista do XTC), chegou às lojas em 1992. Isto quer dizer que, enquanto estava sendo concebido em estúdio, o estrago mundial já havia sido feito pelo grunge. Bandas como Nirvana, Soundgarden e Pearl Jam mudaram o foco do rock alternativo para o misto de punk, metal e rock de arena produzido pelo circuito alternativo elaborado por Seattle, Olympia e arredores. Wayne, então, concebeu o novo trabalho como um disco solo, tirando o peso que havia no Mission até então e experimentando novas linguagens e cores mais fortes na estética visual de videoclipes, instrumentos e figurinos. Por fim, chamou de volta o baixista (Craig Adams) e o baterista (Mick Brown) e resolveu lançar tudo como Mission de novo, agora em trio (Simon Hinkley, o outro guitarrista, havia abandonado a banda durante a perna norte-americana da turnê anterior, por problemas pessoais). Hussey, então, deu ao mundo, mais uma grande pérola do Mission. “Like a Child Again”, com riff tocado no bandolim, muitos floreios de violino, batida tão dançante quanto marcial e aquele refrão irresistível (“You make me happy and I hope you feel the same/ You make me feel just like a child, a child again”).
Deliverance
Quer outro refrão matador do Mission? “Deliverance” traz isso e muito mais. Traz um arranjo poderoso, daqueles de levantar arenas e fazer todos os fãs se abraçarem e cantar em uníssono os versos com o punho cerrado para o alto (“Give me, give me, give me, deliverance/ Brother, sister, give me, give me/
Deliverance, deliver me”). Lançada em Carved In Sand, em 1990, a banda é o Mission em seu estado mais abençoado de união entre o punch do rock e a veia melódica pop. Ainda tem aquela repetiçãozinha básica no final para fazer todo mundo explodir em festa, alegria e adrenalina expelida a plenos pulmões. Por isso mesmo é reservada para encerrar os shows da banda (antes dela voltar para o tradicional bis, claro). Libertação total, como dizem letra e título da obra.
Tomorrow Never Knows
Sim, essa mesmo que você está pensando. Em 1966, quando os Beatles lançaram esta revolucionária canção que expandia toda e qualquer sonoridade já imaginada para o rock’n’roll criado em estúdio (com muitos efeitos e inclusive fitas magnéticas sendo tocadas ao contrário), o mundo ficou boquiaberto. Vinte anos depois o Misison fez uma leitura interessantíssima dela, a seu modo, e a colou como b-side de Severina. Em álbum, ela só apareceu em 2015, quando a Universal Music, detentora do catálogo da Mercury, a gravadora do quarteto inglês naquela época, resgatou os lados A e B dos compactos do quarteto e juntou tudo num disco duplo sob o nome de Singles A’s & B’s. Hussey, Adams e Hinkley, nesta turnê mais recente, resolveram botar a versão para jogo e volta e meia ela vem aparecendo no set list dos concertos (intercalada com “Like a Hurricane”, cover de Neil Young, também gravada e lançada pela banda no início da carreira). Portanto, ouvidos atentos porque nunca se sabe quando ela voltará a ser tocada e pode muito bem vir como brinde aos fãs brasileiros.