Movies, Music

Trilha sonora: Last Night In Soho

Oito motivos para se deliciar com o fantástico mergulho na Swinging London feito pelo diretor e roteirista Edgar Wright em seu novo filme

Texto por Abonico Smith

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Para saber que o diretor e roteirista Edgar Wright é um fã assumido de cultura pop basta ver todos os easter eggs espalhados pelos filmes. Contudo, sua predileção pela (boa) música jovem das últimas décadas vem ganhando cada vez mais destaque em seus títulos mais recentes.

Em 2010, para contar a história de um jovem baixista de uma banda underground apaixonado por uma misteriosa garota de cabelos coloridos, ele contou com a ajuda de Beck para construir boa parte da trilha rock’n’roll original de Scott Pilgrim Contra o Mundo (no original, Scott Pilgrim vs The World), além de incluir obras de Rolling Stones, Metric, Black Lips, T-Rex, Plumtree, Beachwood Sparks e Frank Black.

Sete anos depois, em Baby Driver – Em Ritmo de Fuga, o intrépido teenager com habilidade especial no volante ouve tão paciente quanto hiperativamente Jon Spencer Blues Xplosion no heaphone enquanto espera o resto da gangue criminosa que integra terminar o assalto a um banco para pisar no acelerador e escapar de modo espetacular da perseguição de vários carros da polícia. Depois, por meio de nomes como Blur, Queen, Martha and The Vandellas, Damned, Alexis Korner, Incredible Bongo Band, Sam & Dave, Beach Boys e Jonathan Richman & The Modern Lovers, o espectador percebe que personagem, que ganhou um problema de tinnitus ao escapar com vida de um acidente automobilístico que matou seus pais, encontra catarse na música conectada diretamente aos ouvidos. Para o mesmo filme, os DJs e produtores de música eletrônica Kid Koala e Danger Mouse fizeram faixas inéditas.

Agora Wright mergulha na Swinging London em Noite Passada em Soho (Last Night In Soho, 2021) para traçar a história de sonho, ambição, fantasia e alucinações de uma jovem interiorana apaixonada pelo estilo e pelas canções pop da Inglaterra dos anos 1960 que acaba de chegar a Londres para fazer a tão sonhada universidade de moda. Há um foco bem maior nas cantoras pop que fizeram história com graciosidade e hits singelos, bem verdade. Mas ele também abre espaço para bandas – umas muito conhecidas até hoje, outras com fama não tão duradoura e reduzida geograficamente à ilha da Rainha Elizabeth – e representantes masculinos em vozes e talento instrumental. Em comum a todas as inclusões, o fato de serem pérolas musicais que, de uma forma ou de outra, acabam por se encaixar na narrativa das trajetórias das duas personagens principais da trama – a adolescente Ellie e a não menos sonhadora – e um pouco mais velha – Sandie, interpretadas respectivamente pelas atrizes Thomasin McKenzie e Anya Taylor-Joy.

Mondo Bacana dá oito motivos para você não deixar de se encantar pela trilha sonora de Last Night In Soho e, mais, procurar ouvi-la além do filme e conhecer um pouco mais de detalhes que acabaram contando um pouquinho da história da música pop sixtie britânica – uma época em que viabilidade comercial combinava perfeitamente com refinamento harmônico, sofisticação instrumental e, claro, muito, muito glamour. Na lista abaixo cabem só oito citações, mas aqui também ficam menções honrosas para outros artistas que também fazem parte do filme e do disco. São eles Searchers, Walker Brothers, Graham Bond Organisation, R. Dean Taylor, James Ray (com a gravação original de “Got My Mind Set On You”, petardo que 25 anos depois estouraria nas paradas na carreira solo de George Harrison) mais os megarreverenciados Dusty Springfield, Who e Siouxsie & The Banshees (“Happy House”, de 1981, é a única peça temporalmente deslocada aqui, mas que mesmo assim não deixar de ser empolgante).

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“A World Without Love” (Peter and Gordon)

Os Beatles dominaram o mundo com vários hits número um, mas só uma canção com a assinatura Lennon-McCartney chegou ao topo sem ter sido gravada pelo quarteto de Liverpool. Paul, o verdadeiro autor da composição, não a considerava “a altura do repertório do grupo” e, então, entregou-a de bandeja para Peter Asher gravá-la no primeiro single da dupla formada com o amigo escocês Gordon Waller. O baixista começou a namorar a atriz adolescente Jane Asher em 1963 e, quando os Fab Four mudaram-se para Londres, lá foi ele morar na casa dela, dividindo o quarto com o cunhado de cara de nerd e vasta franja ruiva. Os versos de, tão românticos quanto ingênuos, nem chamam muito atenção se comparados ao feliz casamento entre melodia açucarada, refinada harmonia pop e, sobretudo, ao agradável jogo entre primeira e segunda voz de Peter and Gordon. Em Last Night In Soho, Wright usa o hit para dar sequência à sua marca autoral de cenas memoráveis de aberturas de filmes. Aqui o público é imediatamente apresentado ao mundo de amores e sonhos adolescentes de Ellie Turner. Enquanto a música toca e o espectador enxerga objetos de seu mundinho particular (vitrola vintage, compactos em vinil dos anos 1960, pôster do filme Bonequinha de Luxo, moda retrô), ela flutua em uma coreografia até arranhar acidentalmente a agulha no disco ao se deparar com a visão da falecida mãe no espelho.

“Beat Girl” (John Barry Orchestra)

Houve um tempo, antes de o mundo conhecer o rock’n’roll tal qual uma evolução do rhythm’n’blues combinada com pitadas de country’n’western, que quem incendiava os salões de dança eram grandes orquestras com um pé e meio no jazz e melodias lideradas por um naipe de sopros. Já com a febre adolescente em curso a partir de meados dos anos 1950, o trumpetista britânico John Barry deu um passo além. Montou seu septeto, colocou uma virtuosa guitarra twangy executada por Vic Flick à frente dos arranjos, e passou a fazer fama com sua pequena “orquestra”. Em 1959, em menos de dois minutos e logo em sua primeira empreitada casada à sétima arte, gravou “Beat Girl” para a festiva cena de abertura do filme inglês de mesmo nome, feito com orçamento barato para ir na cola da exploração do sucesso alcançado por Hollywood com seus filmes sobre jovens, diversão e muito rock. O sucesso foi tanto que esta foi a primeira trilha sonora britânica a ser lançada em disco e ainda garantiu uma convocação feita pelo produtor Alberto Broccoli para registrar com seu grupo o tema principal de um filme que trazia um misto de galã e espião em missões secretas cheias de aventura pelo mundo e sedução de mulheres. Com o mesmo Flick à frente, Barry eternizou o tema principal de James Bond, que, curiosamente, não fora composto por ele, mas sim por um ex-crooner de big bands chamado Monty Norman. Depois de assinar a trilha dos longas de 007 até 1967, Barry lançou-se em uma bem-sucedida carreira musical nas grandes telas, chegando a receber vários prêmios como Oscar, Grammy e Globo de Ouro por soundtracks de filmes como Entre Dois Amores (1985) e Dança com Lobos (1990). Em Last Night in Soho, enquanto Ellie passeia pelas ruas com seus novos amigos de república estudantil fica impossível não reconhecer o poderoso riff da guitarra de Flick, resgatado de volta ao sucesso graças ao sample feito pelo DJ Fatboy Slim em seu principal hit do fim dos anos 1990, o big beat “The Rockafeller Skank”.

“Starstruck” (Kinks)

Se lá pelos nineties um levante de bandas inglesas solidificou a bandeira do britpop cantando sobre a vida e os hábitos comuns dos habitantes da ilha governada pela Rainha Elizabeth, isso se deveu à existência do Kinks e o direcionamento conceitual de seus álbuns na segunda metade dos anos 1960. Através das canções cantadas e compostas por Ray Davies, sempre na companhia de seu irmão Dave. À frente do grupo, Ray rabiscou uma série de crônicas musicais que podem não ter acompanhado as altíssimas vendagens de seus conterrâneos daquele momento mas, ao menos, garantiram uma sólida reputação através de gerações de futuros seguidores. Edgar Wright sempre foi fã declarado dos Kinks. Em Last Night In Soho, ele ilustra todo o fascínio da jovem interiorana Ellie logo após a sua chegada a Londres para cursar a tão sonhada faculdade de moda na capital. Esta não é a primeira vez que o diretor e roteirista recorre ao som dos irmãos Davies – em 2007, ele já havia pegado outras duas faixas do mesmo álbum na trilha sonora de Chumbo Grosso. O disco em questão é o aclamado The Kinks Are The Village Green Conservation Society, de 1968, composto por pequenas operetas pop transbordando de sátira e fina ironia em suas letras. O sentido dado por Ray nesta música cabe como uma luva para contar a história da fascinada Eloise no momento em que ela se afasta das raízes familiares na Cornuália para ser absorvida de corpo, alma, sonhos e inspiração pela cultura sempre viva e pulsante da Swinging London.

“Puppet On A String” (Sandie Shaw)

Obra escolhida pelo Reino Unido para representa-lo no festival Eurovision de 1967, foi a responsável pela coroação da carreira ascendente de uma mais populares cantoras do pop britânico dos anos 1960. Sandie Shaw, contudo, sempre odiou a canção que teve de defender por questões contratuais – e nunca foi pelo cafonice extrema do arranjo de bandinha germânica das oktoberfests da vida. Os versos machistas – que acabariam por vencer aquela edição – são uma explícita glorificação da submissão aceita de forma pacata e até alegre pela mulher em um relacionamento abusivo com um cara que insiste em manipulá-la feito uma marionete, sem qualquer pudor. Não por acaso Wright encaixou a música com perfeição na narrativa de Last Night In Soho. Na voz da própria Anya Taylor-Joy, sua personagem (batizada com o mesmo apelido da cantora, por sinal) utiliza a música para tentar alavancar a carreira no meio musical sob a tutela implacável de seu amante/empresário/cafetão Jack – inclusive fazendo a performance de uma boneca-gigante movida por cordas. Sandie ainda tem uma segunda canção, “(There’s) Always Something There To Remind Me”, incluída nessa trilha do filme.

“Eloise” (Barry Ryan)

Depois que Brian Wilson abriu a porteira da barroquice instrumental em Pet Sounds, ficou bem fácil explorar todos os limites nos arranjos de música pop. Dois anos depois, em 1968, Barry Ryan emplacou este épico de cinco minutos e meio com direito a versos melodramáticos, fortes pontuações a cargo de um naipe de metais, arranjo para cordas, modulação de uma estrofe para a seguinte, interlúdio com diminuição da intensidade para depois levar ao clímax com nova explosão, uso de treze acordes na harmonia inteira e uma performance vocal com direito a agudos e melismas dignos de levar multidões à loucura em arenas. A composição operística, assinada pelo seu irmão gêmeo Paul, é considerada uma das principais influências de um pré-adolescente Freddie Mercury para tentar a sorte na carreira musical. Em Last Night In Soho, ela aparece já no final, tocada pela jukebox quando a protagonista desce as escadas para adentrar em um pub subterrâneo e se encontrar com o misterioso homem que parece persegui-la pelas ruas (e que interage com a letra e a gravação original de Ryan). É o momento da deixa para Wright fazer a conexão com o batismo da personagem e explicar um pouco de sua conturbada história vivida ao chegar na grande cidade. Ah, o clipe feito para o lançamento da faixa naquela época, é digno de nota, com direito ao cantor contracenando com sua musa tanto sob as luzes da vida noturna londrina quanto em uma praia deserta, com direito a coadjuvância de um par de cavalos e outro de cavalos, ambos brancos. Mais grandioso e exagerado (e kitsch) impossível.

“You’re My World” (Cilla Black)

Queridinha dos mods e de Morrissey, Cilla tem seus dois grandes hits de 1964  incluídos na trilha sonora de Last In Night In Soho. “Anyone Who Had A Heart”, clássico da dupla de compositores Hal David e Burt Bacharach, está como fundo de uma conversa elucidativa entre Ellie e a senhora que aluga a ela um quarto em Londres. Já “You’re My World” (versão em inglês de um sucesso composto originalmente na língua italiana) aparece duas vezes no filme. Uma logo no início, na voz estilosa de Cilla e com poderoso arranjo orquestral, quando a jovem estudante aparece pela primeira vez imersa nos anos 1960 que ela tanto idolatra. Mais para o final, já na voz de Taylor-Joy, a letra se encaixa na ilustração sonora da trama de uma outra maneira: por meio da assustadora relação entre os versos que fazem a paixão se confundir com obsessão (e que, não por acaso, guardam semelhança em demasia com o que Sting escreveu em “Every Breath I Take”).

“Downtown” (Petula Clark)

Pérola indiscutível do pop orquestral britânico dos anos 1960, “Downtown” é uma grande celebração de uma intensa vida jovem, que pulsa em lugares badalados e que nunca fecham, sempre cheios de gente, com muita música ao vivo, filmes exibidos nos cinemas, o colorido do neon nos letreiros comerciais e o som que vem dos carros no congestionamento. Gravada em 1964 por Petula Clark, a faixa rapidamente chegou ao primeiro lugar das paradas dos Estados Unidos e até hoje volta e meia aparece em trilhas sonoras de filmes e seriados. Depois de incluída em SeinfeldGarota, Interrompida e Lost, é a vez de ser citada em Last Night In Soho. São duas as ocasiões e ambas na voz de Taylor-Joy: primeiro, a capella, quando Sandie aparece em uma audição para uma vaga de cantora. Depois, bem perto do encerramento, num remix com base mais eletrônica.

“Last Night In Soho” (Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich)

Não, não é a escalação de cinco jogadores da defesa retranqueira de um time que joga feito ferrolho para evitar tomar um gol sequer do Flamengo hoje em dia. Por incrível que pareça, Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich este é o nome de uma banda britânica ativa entre 1966 e 1970, quando lançou cinco álbuns. Esta faixa de sucesso gravada durante o auge, em 1968, celebra sem meias palavras a vida noturna e a badalação jovem que sempre estiveram presente nos dias e noites do Soho londrino. Os versos pegam direto na veia beat do quinteto, que não faria feio se incluída na trilha de clássicos do cinema psicodélico americano como Easy Rider e The Trip. Falam de um outsider que cai na tentação de trocar momentos quentes ao lado da namorada pela companhia de amigos em uma noitada. Escalada estrategicamente para a hora dos créditos do filme que lhe empresta o título.

Music

Jonnata Doll & Os Garotos Solventes – ao vivo

“Alienígenas” incendeiam noite fria e chuvosa com performance arrebatadora em noite de lançamento do novo disco

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Texto e foto por Fábio Soares

A sexta-feira do dia 6 de setembro anoiteceu fria, chuvosa e carrancuda em São Paulo. Atmosférico convite para permanecer em nossos lares maratonando séries, ficar debaixo de edredons ou simplesmente hibernar até o dia seguinte. Na zona oeste da capital, porém, um “interplanetário” evento ocorria no lendário palco da choperia do Sesc Pompeia. Com uma tríade de lançamentos no currículo, a trupe cearense Jonnata Doll & Os Garotos Solventes promovia o lançamento de seu novo álbum de estúdio, chamado Alienígena. Com recém-completados dez anos de estrada, os Solventes encararam a temporada de 2019 como uma final de campeonato. Alienígena é o disco de afirmação do grupo, carregando a missão de elevar seu patamar de promessa alternativa para um dos grandes nomes da atual cena do rock brasileiro.

Às 21h30, os Solventes surgiram ao palco em vestimentas brancas contrastantes com o “tom de boate” do ambiente. Edson Van Gogh (guitarra), Léo BreedLove (guitarras e teclados), Felipe Popcorn Maia (bateria), Joaquim Loiro Sujo (baixo) e Jonnata Araújo (vocais) tinham a companhia da cantora sergipana Marcelle nos hacking vocals e iniciaram a apresentação com “Filtra Me”, poderoso stoner rock de letra urgente (“Sou um ruído que sempre sujou a imagem crua que você nunca mostrou”). “Edifício Joelma”, por sua vez, não é apenas uma singular descrição do lendário prédio consumido por uma tragédia incendiária em 1974. É uma crônica musicada sobre este mesmo centro de São Paulo com suas idiossincrasias.

Já “Baby”, confirma ao vivo o que já se ouviu em disco. Esta é séria candidata a faixa do ano. Flerta com o iê-iê-iê, narrando os perrengues de um jovem casal que decide morar junto na selva de pedra. Perrengues estes que são explicitados em “TRABALHO TRABALHO TRABALHO”. Carro-chefe de Alienígena e grafada integralmente em maiúsculas, a canção (que já possui um clipe) narra a rotina de um sujeito à beira de um colapso nervoso com transporte público lotado, salário baixo e falta de reconhecimento no emprego. Sua execução tão caótica quanto (no bom sentido da palavra!) contou com o trompetista Guilherme Guizado, que também participou da canção seguinte, “Vale do Anhangabaú”, mais uma das inúmeras faixas que tem o centro paulistano como cenário.

“Crocodilo”, do homônimo álbum lançado em 2016, foi um dos pontos altos da apresentação. É justamente nela que o grupo usa seu “supertrunfo” com maestria: a performance de Jonnata Araújo. Incansável no palco, o vocalista incorporou o personagem insano que tantas vezes habitou o imaginário de fãs de Iggy Pop e Lux Interior. Dando um bico nos fundilhos do convencional, desceu à plateia seminu, subiu nas mesas, beijou bocas masculinas e ofereceu seu microfone aos presentes num improvável karaokê em versão pocket. Após quase oito minutos de “insanidade”, até parecia que o vocalista sairia dali direto para a UTI mais próxima. Só que o show tinha de continuar.

Clemente Nascimento (Inocentes, Plebe Rude) deu o ar de sua graça em “Volume Morto” e “Matou a Mãe”. Esta última, um arrasa-quarteirão de dois minutos beirando o hardcore, foi a responsável por rodas de pogo na plateia. Estas mantiveram a atmosfera elevada para a derradeira “Cheira Cola”, mais uma canção de Crocodilo. Punk rock em estado bruto que chacoalhou as estruturas da choperia.

A banda não retornou para o bis e nem era preciso. O recado de Alienígena já havia sido muito bem passado. Os Solventes falam grosso e reivindicam, com razão, um lugar de destaque em festivais Brasil afora. Muito cedo para dizer que explodirão em breve? Não. Após quatro discos (um é ao vivo), o caminho está muito bem pavimentado tanto por terra quanto pelo ar. Afinal, alienígenas voam. Melhor: teletransportam-se.

Set list: “Filtra Me”, “Edifício Joelma”, “Baby”, “TRABALHO TRABALHO TRABALHO”, “Vale do Anhangabaú”,  “Derby Azul”, “Vai-Vai”, “Música de Caps”, “Pássaro Azul”, “Crocodilo”, “Volume Morto”, “Matou a Mãe” e “Cheira Cola”.

Movies

Obsessão

Oito motivos para ir ao cinema ver a obra que marca a volta do diretor Neil Jordan ao formato de longa-metragem

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Galeria Distribuidora/Divulgação

O mês de junho, normalmente, é dominado pelos blockbuster snos cinemas. Pudera. Os grandes estúdios de Hollywood, de olho no início do período de férias escolares do Hemisfério Norte (quando a primavera passa o bastão para o verão no ciclo das quatro estações), bombardeiam o espectador com opções de histórias fáceis ou com apelo popular, que podem preencher o tempo vago de crianças, adolescentes, jovens e adultos e significar bom alcance nas bilheterias. Somente nas últimas semanas já estrearam o live action de Aladdin, Rocketman, X-Men: Fênix Negra e o novo Homens de Preto. Para o início de julho está sendo aguardado o retorno do Homem-Aranha às salas de projeção. Portanto, é justamente nesse período que ficam mais reduzidas as opções para quem gosta de um cinema mais alternativo, que ofereça algo além da possibilidade de entreter o espectador.

Meio sem chamar muita atenção, Obsessão (Greta, Irlanda/EUA, 2018 – Galeria Distribuidora) acaba de estrear no circuito comercial brasileiro. Não deve durar muito tempo em cartaz por questões de bilheteria. Então, a gente dá uma ajudinha e lista oito motivos para você ir correndo assistir ao filme se ele estiver programado em algum cinema de sua cidade.

Neil Jordan

Diretor, roteirista e produtor irlandês de prestígio nos anos 1980 e 1990, assinou clássicos como A Companhia dos Lobos, Traídos Pelo Desejo e Entrevista com o Vampiro. Sabe envolver o espectador num suspense como ninguém, criando reviravoltas que trabalham como uma montanha-russa nas emoções de quem assiste suas obras. Andava afastado dos longas-metragens nesta última década, reservando suas atividades quase somente a séries.

Nova York

A história de Obsessão se passa em Nova York. Para quem gosta da megalópole como cenário, é um prato cheio ver as cenas todas rodadas fora de estúdios, em ruas, locações e apartamentos da cidade. Aliás, isso faz relembrar a época áurea do cinema alternativo, quando uma turma de diretores criativos – como Scorsese e Coppola – souberam como ninguém se utilizar do cotidiano nova-iorquino para fazer grandes filmes nos anos 1970 e salvar a indústria cinematográfica americana.

St Vincent

Um dos turning points mais significativos do filme é regido ao som de uma grande faixa lançada pela cantora e compositora dez anos atrás. Incluída no álbum Actor, de 2009, a música “The Strangers” soa um tanto psicodélica se comparada com o repertório mais recente e, talvez, por isso mesmo, soa tão impactante junto com a cena escolhida para ilustrar no filme de Jordan. Enquanto Annie Clark entoa uma frase que fica martelando na cabeça do espectador (“pinte o buraco negro ainda mais preto”), a sequência de imagens surge distorcida na tela, fazendo todo mundo pensar se seria verdade o que está acontecendo ali ou então simples alucinação ou projeção de expectativa ou um mero sonho.

Stalker tecnológica

Filmes de stalker sempre rendem ótimos subterfúgios para que se faça a perseguição. Nos dias atuais, há um elemento bem poderoso que pode ser incluído no rol das possibilidades: o celular. E a solitária sexagenária Greta sabe usá-lo muito bem para levar terror e pânico à jovem Frances. Tira proveito da instantaneidade de mensagens e fotografias, sem falar no cruzamento de informações após ter acesso a rastros e particularidades do passado no telefone de sua vítima. Em tempos de big brotherhackers e espionagem militar internacional, isso cai como uma luva para apimentar a aflição da trama.

Isabelle Huppert

Bastante famosa na Europa, a francesa só passou a ser badalada nos EUA após concorrer ao Oscar de melhor atriz pela atuação em Elle há dois anos. Obsessão é seu primeiro filme com coprodução norte-americana após o feito. Lógico que Huppert volta a dar show de interpretação. Na pele da imigrante europeia e enfermeira aposentada Greta, ela é uma das responsáveis pela constante alteração de adrenalina de quem está vendo o longa na poltrona do cinema. A princípio, mostra ser uma amável e solitária professora de piano, que parece encontrar na sempre disposta e moralmente correta Frances a substituta ideal para sua jovem filha. Aos poucos vai se transformando na tela, fazendo a doçura virar maldade mas ainda colocando dúvidas a respeito de tudo isso na cabeça do espectador.

Chloë Grace Moretz

Ela só tem 22 anos de idade mas vem se revelando uma das mais poderosas jovens atrizes reveladas por Hollywood, por conta da extrema versatilidade e da aposta em papeis não muito comuns para uma então adolescente. Chloë tem em seu currículo participações elogiadíssimas em filmes como Suspíria: A Dança do Medo (2018), O Mau Exemplo de Cameron Post (2018), Lugares Escuros (2015), Acima das Nuvens (2014), A Invenção de Hugo Cabret (2011) e Kick-Ass: Quebrando Tudo (2010). Obsessão entra nesta lista por causa de sua crédula Frances, que cai na armadilha de Greta e, quando se dá conta, percebe que é tarde demais para escapar. Contar mais do que isso sobre a garçonete vira spoiler.

Maika Monroe

Aos 26 anos, sua atividade principal não é a de atriz, mas sim de atleta – Maika é uma competidora profissional de kiteboard. Mas, nos últimos anos, vem conciliando seu tempo com papéis coadjuvantes em filmes, especialmente de horror. Por ser fã assumida do gênero e ter como filmes de cabeceira clássicos como Halloween: A Noite do Terror (1978), O Iluminado (1980) e A Hora do Pesadelo (1984), tem propriedade e feeling suficientes para entregar atuações convincentes a ponto de, depois de trabalhar em O Hóspede e Corrente do Mal (ambos de 2014), despertar a atenção como potencial nova scream queendo cinema adolescente. Em Obsessão, mostra química na tela com Moretz como a melhor amiga Erica, com quem divide um descolado apartamento. Ambas já trabalharam juntas antes, na distopia teen A 5ª Onda (2016).

Stephen Rea

Também irlandês, Stephen Rea é parceiro constante dos filmes de Neil Jordan. Volta e meia atua em seus filmes. Em Obsessão, ele só aparece em cena na parte final, mas nem por isso sua pequena participação deixa de ser notável. Aqui ele faz o investigador Brian Cody, contratado pelo pai de Frances quando este percebe que a filha pode estar em apuros. Só que o detetive, apesar de perspicaz, acaba se atrapalhando quando justamente vai checar a possibilidade de Greta ter a ver com o sumiço da garçonete.

Movies

A Favorita

Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone revivem a realeza britânica do Século 18 em outra obra perversa do cultuado diretor Yorgos Lanthimos

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Texto por Abonico R. Smith

Fotos: Fox/Divulgação

Yorgos Lanthimos está longe de fazer cinema com o objetivo de entreter. Muito mais do que confundir, ele quer mesmo é perturbar. É difícil que o espectador escape ileso de uma sessão de algum filme seu. Desfilando elementos como cortes bruscos, trilha sonora angustiante (baseada em pequenos trechos de música erudita), muitas cenas externas com iluminação natural, interpretações intencionalmente gélidas (porém que não deixam a contundência de lado) e roteiros que transbordam niilismo, suas últimas obras vêm angariando muitos elogios entre os cinéfilos que não se prendem apenas a blockbusters. O Lagosta (2015) e O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017) tiveram bastante hype mas acabaram batendo na trave nas indicações para grandes premiações do cinema mundial. Agora, A Favorita (The Favourite, Irlanda/Reino Unido/Estados Unidos/Grécia, 2018 – Fox) vem para quebrar esta última barreira e consolidar o diretor e roteirista no panteão dos maiores nomes da atualidade em Hollywood.

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A Favorita desloca o cenário de absurdos, intrigas e perversidades para a Inglaterra do Século 18. Contudo, não se engane ao achar que realeza e nobreza aqui apresentadas se diferem muito dos governantes e elites contemporâneas. Encastelados em sua própria bolha movida a luxúria, ganância, desperdícios, frivolidades e aquela crença que o poder será sempre eterno. O centro das atenções é a rainha de temperamento bipolar Anne (Olivia Colman), que, entre problemas de saúde e desejos carnais lésbicos, não parece se importar com sua posição no topo de pirâmide e se deixa influenciar por decisões importantes, como guerras e aumento de impostos, tomadas por caprichos ou vontades de quem a cerca diariamente na camada imediatamente inferior.

É aqui que entra a importância das primas Sarah (Rachel Weisz) e Abigail (Emma Stone), a primeira transformada em uma espécie malvada de assistente pessoal de Anne para todas as ocasiões e a outra uma “intrusa” que acaba de chegar ao reino e arruma uma vaga na criadagem para não tardar a começar o alpinismo social. Utilizando astúcia, malícia, ironia, dissimulação e atributos físicos elas passam a duelar de modo ferrenho para ver quem chama mais a atenção de Anne e, simultaneamente provocar a dependência dela de sua companhia. Articulam, cada qual a seu jeito, doce ou amargo, maneiras de manipular também as demais pessoas ao redor (lordes, políticos, vassalagem). Ganham pequenas batalhas, sofrem com a derrota em outras. Até que chegam ao momento extremo de se confrontam diretamente no intuito de tirar de vez a rival de seu caminho.

Esta rede de intrigas, artimanhas e ardis cai como uma luva no cinema autoral de Lanthimos. O cineasta grego (desta vez não assinando o roteiro da obra, que ficou sob o comando de Tony McNamara, nome experiente das séries da TV britânica, e com a estrutura dividida em sete pequenos capítulos) se deleita durante duas horas nas quais nem a extrema beleza de cenários, figurinos e direção de arte conseguem livrar o espectador da tensão total. E, caso você não tenha visto outro filme de Yorgos, é bom ressaltar: aqui não há a menor chance de haver um final feliz.