Movies

Garoto dos Céus

Representante sueco ao Oscar deste ano traz forte disputa de poder dentro de uma das mais prestigiosas universidades do Egito

Texto por Carolina Genez

Foto: Pandora Filmes/Dilvugação

Adam (Tawfeek Barhom), filho de pescador, recebe uma bolsa de estudos para uma das mais prestigiosas universidades da cidade do Cairo, Al-Azhar, o epicentro do poder do islamismo sunita. Porém, ainda com pouco tempo dentro da instituição de ensino, o Grande Imã – a maior autoridade religiosa no Egito – acaba falecendo. Assim começa a disputa de quem irá ocupar o cargo, à qual Adam acaba sendo levado.

Segundo o diretor e roteirista Tarik Saleh, que nasceu na Suécia e tem raízes paternas egípcias, a ideia para Garoto dos Céus (Walad Min Al Janna, Suécia/França/Finlândia/Dinamarca, 2022 – Pandora Filmes) nasceu quando ele releu o livro O Nome da Rosa, de Umberto Eco, e começou a pensar sobre como seria essa história em um contexto mulçumano. Apesar de ter pensado no filme sobre a obra de Eco, as histórias são bem diferentes.

A trama envolve justamente por conseguir trazer uma história recheada de suspense e mistério – o longa inclusive foi um dos destaques da premiação de Cannes de 2022 onde acabou levando a estatueta de melhor roteiro. Além disso, a obra consegue trazer bastante da cultura árabe para o espectador, como as tradições, regras, política, religião e o cotidiano da universidade. A relação entre a política e religião, inclusive, é mostrada de maneira explícita, evidenciando não só sua importância dentro da universidade, mas no país como um todo, impactando todas as vidas, até daqueles que nem tinham tanta conexão assim, como o próprio protagonista. Saleh  ainda consegue ser mais abrangente e tocar em assuntos como o extremismo, a manipulação, a fé e o próprio destino.

Apesar de possuir todos esses detalhes, muito pode acabar se passando despercebido aos brasileiros, não só por falta de contextualização sobre aquela cultura e conhecimento do público, mas também pelo grande número de informações disparadas em duas horas de duração (o que provoca confusão em diversos momentos). A narrativa é interessante, mas pela falta de tempo para a quantidade de informações, boa parte acaba pouco desenvolvida e aproveitada. Mesmo com este percalço, entretanto, o filme consegue se sustentar e entregar uma história com diversas reviravoltas.

Um fator que auxilia muito na conexão do brasileiro com o longa é a sua ambientação, já que o filme se passa em um contexto atual. Além disso, a obra transporta quem está no cinema para dentro da realidade dos personagens, onde paredes têm ouvidos e o perigo é sempre iminente. Por conta da sensação de alerta, Garoto dos Céus também consegue imprimir ótimo ritmo, deixando o espectador na ponta da cadeira e se preparando para o que pode acontecer. 

No decorrer do filme, acompanhamos a visão de Adam, descobrindo tudo juntamente com o personagem. Ele não só é arrastado para dentro do jogo de poder, como também passa por um período de amadurecimento e crescimento. Na primeira metade, o jovem tem pouco desenvolvimento e falta de personalidade. Na segunda, porém, Adam muda e estabelece conexões com o espectador.

Garoto dos Céus é o representante sueco para uma vaga para o Oscar de filme internacional (o longa ficou entre os finalistas para as cinco indicações, que saem no próimo dia 24). Envolta em um mistério muito interessante, a história vale a pena ser assistido pela narrativa envolvente e também por conseguir trazer muito sobre a cultura árabe. Mesmo que de forma atropelada.

Music

Gal Costa

Oito motivos que confirmam a suprema importância da cantora na história da música popular brasileira das últimas décadas

Texto por Abonico Smith

Fotos: Reprodução/Divulgação 

O país todo foi pego de surpresa com a notícia da morte de Maria da Graça Costa Penna Burgos na manhã desta quarta-feira, 9 de novembro. Gal Costa faleceu aos 77 anos, em sua casa, na cidade de São Paulo. A causa não foi revelada pela sua assessoria, mas sabe-se que a cantora estava se recuperando de uma recente cirurgia para a retirada de um nódulo na fossa nasal direita. Por conta disso, cancelara seus compromissos oficiais neste mês, como uma passagem pela Europa com a turnê As Várias Pontas de uma Estrela (na qual relembrava grandes sucessos da MPB dos anos 1980) e a participação no festival Primavera Sound São Paulo, realizado no último final de semana.

A voz tamanha de Gal Costa fazia muita gente creditar a ela a condição de maior cantora do Brasil. Nascida em 26 de setembro de 1945, ela estreou nos palcos aos 18 anos de idade, ainda em Salvador. O espetáculo, chamado Nós, Por Exemplo, era formado por jovens músicos locais que tinham a intenção de renovar a música popular brasileira, ainda fincada nos pilares bossanovísticos de alguns anos atrás. Além de assinarem a direção artística, Gilberto Gil e Caetano Veloso também participavam do elenco. A turma ainda contava com Maria Bethânia, Tom Zé e Carlos Lyra (que propunha estabelecer uma conexão entre canções de Milton Nascimento e a obra gravada por ela). Já transitando no eixo Rio-São Paulo, anos depois, fez parte da Tropicália, movimento que a levou a iniciar a carreira fonográfica. Deixou mais de 40 discos gravados, entre produções inéditas de estúdio e registros ao vivo.

Em homenagem a Gal, o Mondo Bacana destaca oito motivos de sua suma importância na história da música em verde e amarelo das últimas seis décadas.

Resistência tropicalista

Quando Gil e Caetano optaram por deixar o país para continuarem vivos e produzindo no exílio europeu naquele comecinho de 1969, coube a Gal liderar a resistência da Tropicália em solo brasileiro. Neste ano lançou seu primeiro álbum de estúdio de fato (antes, gravara um dividido com Caetano), considerado um dos mais importantes trabalhos da música popular brasileira. Gal seguiu a cartilha dos amigos e achou o ponto de fusão exato entre as sonoridades brasileiras (bossa nova, xaxado) e vertentes que rolavam solto no eixo anglo-americano (psicodelismo, soul). Com a direção assinada pelo maestro Rogério Duprat e nomes como Lanny Gordin e Jards Macalé na banda de apoio. Além de releituras personalíssimas de “Sebastiana” (Jackson do Pandeiro), “Namorinho de Portão” (Tom Zé), “Se Você Pensa” (Roberto e Erasmo Carlos) e “Que Pena (Ela Já Não Gosta Mais de Mim)” (Jorge Ben). São deste disco outros três clássicos supremos da Tropicália, todos compostos por Caetano. “Baby”, “Não Identificado” e “Divino, Maravilhoso”. O último, também assinado por Gil, transformou-se em hino da resistência aos anos de chumbo pós-AI-5. Suas estrofes alertavam para a mão pesada do regime militar no Brasil, enquanto o refrão decretava “É Preciso estar atento e forte/Não temos tempo de temer a morte”. Por isso, a composição é celebrada até hoje, mais de meio século depois de estremecer as estruturas da quarta edição do Festival da Record, realizada em 1968.

Fa-Tal – Gal a Todo Vapor

Álbum duplo lançado em 1971, o segundo de toda a história da música brasileira. Com pouco mais de uma hora de duração, traz o registro, na íntegra e com direito a erros e improvisos, de uma noite de série de concertos realizada em dez semanas no Teatro Tereza Rachel no Rio de Janeiro. Sob a batuta criativa do poeta Waly Salomão, então com apenas 28 anos e um dos principais nomes daquele período da contracultura brasileira, Gal tinha a companhia de uma banda de bambas como Jorginho Gomes (irmão de Pepeu e também integrante dos Novos Baianos) na bateria, Novelli no baixo e Lanny Gordin na guitarra e assinando os arranjos. Lanny, então com apenas 20 anos de idade, já demonstrava ser um monstro nas seis cordas, o que se prova com toda a quebradeira jazzy deste disco. Na primeira parte do concerto, Gal apresenta-se sozinha ao violão, sentada de pernas abertas, mesclando sambas tradicionais de Ismael Silva e Geraldo Pereira com obras de Caetano (“Como Dois e Dois”, “Coração Vagabundo), Roberto e Erasmo (“Sua Estupidez”, então recém-lançada por ela em compacto duplo) e um trecho de Jorge Ben (“Charles Anjo 45”). Com a entrada do trio na segunda e última parte (com direito a mais um convidado na percussão), Gal solta o vozeirão ao fazer uma polaróide da poesia marginal carioca daquela época. Apresenta ao público uma canção de amor que o então desconhecido Luiz Melodia fez inspirado por um travesti (“Pérola Negra”); traça um paralelo metafórico entre drogas e ditadura militar em duas parcerias de Waly com Jards Macalé (“Vapor Barato”, também presente naquele mesmo compacto, e “Mal Secreto); homenageia a urbanidade fora-do-sítio dos Novos Baianos em “Dê um Rolê”) e faz um passeio pelo Nordeste com o frevo “Samba, Suor e Cerveja” (de Caetano), a toada sertaneja “Assum Preto” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira). Somando a tudo isso vem uma nova versão elétrica e mais pesada de “Como Dois e Dois”, mais Waly e Jards (agora separados, com “Luz do Sol” e “Hotel das Estrelas”) e uma vinheta com “Maria Bethânia” (homenagem à amiga, outra composta pelo irmão dela) e inserções de canções de domínio público (“Gigoia”, “Bota a Mão nas Cadeiras”). Com todo esse repertório incendiário e um figurino ousado (cabelos longos ondulados, batom vermelho e roupa hippie) à frente de um palco com cenografia avermelhada, Gal exorcizou como nunca havia feito sua persona política, desafiando a ditadura e reunindo a cada noite, naquela plateia de apenas 600 pessoas, um pequeno recorte de toda a resistência poético-comportamental do Rio de Janeiro, que logo depois se espalharia por outras capitais brasileiras com outras minitemporadas fervorosas do mesmo espetáculo. A efervescência ainda se estendeu a comentários bastante empolgados de uma imprensa musical estupefata com todo aquele furacão sonoro e visual. Resultado: o registro nu e cru do ápice do desbunde brasileiro contra a ditadura.

Ousadia e liberdade

Durante toda a sua carreira Gal serviu de inspiração para meninas e mulheres, foi sinônimo de liberdade e ousadia, tanto nos figurinos e performances quanto nas atitudes de vida. Gal irritou a ditadura militar com as fotos da capa do álbum Índia (1973), seu sexto álbum, produzido por Gil. Ela estava de tanga vermelha e com uma saia de palha indígena caindo pelas coxas. A fotografia, estendida para a contracapa, revelava ainda os seios desnudos, apenas cobertos por colares. A Censura Federal, sempre burra e estúpida, detestou a personificação de uma índia seminua (num tempo em que revistas com Status e Playboy ainda não existiam por aqui) e decretou que o disco só poderia ser vendido nas lojas envolto em um saco plástico. Era “imoral”, acima de tudo. Em 1985, aos 40 anos, posou nua para a Status. Em 1994, na turnê chamada O Sorriso do Gato de Alice, dirigida por Gerald Thomas, provocou frenesi no público carioca ao cantar a icônica “Brasil”, de Cazuza, com todos os botões da camisa abertos. Quando levantava o braço no brado final da música, com o nome do nosso país, seus seios apareciam para o público. Nunca defendeu bandeiras sobre a sexualidade ou o feminismo, tampouco gostava de abordar os assuntos em entrevistas. Teve relacionamentos com outras artistas, como a atriz Lucia Veríssimo e a cantora Marina Lima. Estava casada com a empresária Wilma Petrillo, sua produtora, desde 1998. Gal e Wilma eram mãe de Gabriel, adotado pela cantora aos 60 anos de idade – ela sempre desejara ser mãe mas problemas de saúde a impediram de realizar qualquer gestação.

Voz feminina de Caetano

Quer uma tarefa árdua? Pegue a discografia de Gal Costa e conte quantas canções ela gravou que foram compostas por Caetano Veloso, então. Desde Domingo (1967) até A Pele do Futuro Ao Vivo (2019) a lista é extensa – tem até um disco de estúdio, Recanto (2011), cujo repertório é TODO assinado por ele, além da direção musical. A química artística entre os dois era enorme e até se refletia na relação cotidiana: a jornalista Dedé Gadelha, primeira esposa de Caetano, era amiga de infância de Gal. Só para citar três dezenas de nomes de obras dele que receberam fino tratamento na voz dela: “Divino, Maravilhoso”, “Não Identificado”, “Baby”, “London, London”, “Samba, Suor e Cerveja”, “Como Dois e Dois”, “A Rã”, “Um Índio”, “São João, Xangô Menino”, “Os Mais Doces Bárbaros”, “Flor do Cerrado”, “Tigresa”, “Caras e Bocas”, “Força Estranha”, “Paula e Bebeto”, “Meu Bem, Meu Mal”, “Dom de Iludir”, “Luz do Sol”, “Vaca Profana”, “Tenda”, “Tropicália”, “Odara”, “O Quereres”, “Língua”, “Cajuína”, “Milagres do Povo”, “O Ciúme”, “Sertão”, “Desde que o Samba é Samba” e “Recanto Escuro”.

Doces Bárbaros

Quando estabeleceram as diretrizes para a Tropicália, em 1967, Caetano e Gil tinham como intenção primeira dar uma bela sacudida na música brasileira. Em 1976, para celebrar os dez anos de carreira artística individuais, chamaram Gal Costa e Maria Bethânia para ser criado o supergrupo Doces Bárbaros. A intenção, de novo, era dar uma nova sacudida da MPB, voltando a misturar o regionalismo com influências pontuais vindas do exterior: desta vez a tônica não era bem a sonoridade psicodélica, mas mais a estética hippie, reproduzida nos figurinos e cenografia do palco. Tudo isso para dar um choque na pauta de costumes do Brasil ainda mergulhado no regime militar ditatorial (era o ano em que o general Ernesto Geisel fingia estar começando a distender a mão de chumbo), responsável pela prisão dos dois baianos e o consequente exílio de pouco mais de um ano na Europa. Um repertório foi criado somente para o espetáculo, ensaiado em apenas quinze dias. No set list estavam canções como “O Seu Amor” (um recado nas entrelinhas subvertendo o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”, mas usando os verbos em nome do amor e da liberdade), “Um Índio”, “São João, Xangô Menino”, “Esotérico”, “Chuck Berry Fields Forever”. Ao lado de sete músicos de apoio, o quarteto rodaria em turnê que passaria por várias capitais brasileiras e ainda renderia um álbum duplo gravado durante os concertos. De quebra, o cineasta iniciante Jom Tob Azulay, recém-chegado de Los Angeles, onde trabalhara como diplomata e fizera um curso de cinema, comandaria um documentário com registros de viagens, shows, entrevistas para a imprensa e cenas de bastidores. Depois da estreia em São Paulo, porém, um imprevisto mudou os rumos da trupe: a polícia – que, assim como o governo, estava “acompanhando de perto” o projeto – deu uma batida no hotel onde estavam hospedados os músicos e prendeu Gil (de novo!) e o baterista Chiquinho sob a acusação de porte de maconha. Depois de algumas semanas de esfriamento da turnê e cancelamento de datas, o grupo voltou aos palcos no Rio (no extinto Canecão, tradicional casa de espetáculos da zona sul carioca) e o documentário acabou saindo. Nele se revela todo o furacão provocado pelos quatro juntos no palco, sobretudo na química do afiado jogral ou nos passos e improvisos das performances de dança. Gal e Bethânia, então, são soberbas em suas interpretações gestuais, corporais, visuais e vocais.

Ícone LGBT

Gal, apesar de não expor isso publicamente em atitudes e entrevistas, relacionava-se com mulheres. Mas não foi pela sua orientação sexual que acabou se transformando, ao longo dos anos 1970 e 1980, em um dos maiores ícones gay do país. Desde que a baiana se estabeleceu como um dos pilares da música brasileira, com sua voz encantadora (e que de vez em quando alcançava uns agudos de arrepiar), figurino ousado (quando não colorido e cheio de apetrechos), os negros cabelos volumosos e performances cênicas arrebatadoras, também passou a ser homenageada por trans, travestis e drags em shows de dublagens nas boates de norte a sul. Personificar Gal Costa sob as luzes de um ribalta – por menor e mais escondida no mapa que ela seja e esteja – não significa somente um ato de libertação. É também uma sensação extrema de empoderamento, apesar da efemeridade. Empoderamento sexual e artístico, diga-se de passagem.

Rainha das trilhas de novela

Não foi só a carreira de Gal e dos outros baianos tropicalistas (ou quase isso, no caso de Bethânia) que se consolidou na música brasileira dos anos 1970 para cá. Outra presença significativa no segmento foram as trilhas sonoras das novelas da Rede Globo. Até a transformação do consumo musical no mercado fonográfico virar praticamente digital, na década passada, eram justamente as coletâneas dos folhetins globais quem mandavam e desmandavam nas vendagens dos formatos físicos (LP ou CD). E mais: ter uma faixa incluída em um destes discos (sobretudo os das novelas do horário nobre – antigamente às oito e agora ali pelas nove da noite) era para um artista daqui praticamente o mesmo que ter um bilhete premiado na loteria. São muitas dezenas as vezes em que uma soundtrack televisiva contou com a voz de Gal Costa. Teve canção que já apareceu em duas ou até três vezes em novelas distintas. E ela também proporcionou o embalo musical de aberturas inesquecíveis de tramas não menos inesquecíveis. Só para citar duas delas. “Modinha Para Gabriela” foi composta Dorival Caymmi sob encomenda para Gabriela, novela da emissora veiculada na faixa das 22 horas entre abril e outubro de 1975. A história de Walter George Durst se baseava no romance literário Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado e, por isso, a letra descreve o eterno espírito livre da protagonista. A Globo chegou a sugerir que Gal interpretasse o papel principal, mas ela recusou a proposta exatamente por não se achar atriz, apenas cantora. Coube então a Sonia Braga personificar Gabriela e criar um dos mais icônicos personagens dos telefolhetins nacionais. A outra vez em que os créditos de abertura foram exibidos ao som de uma Gal Costa contundente e afiada foi em Vale Tudo, de maio de 1988 à primeira semana de 1989. Até hoje cultuada e exibida em reprises na Globo e no Canal Viva, a novela escrita por Gilberto Braga era centrada na relação de desprezo que uma filha má e alpinista social (Maria de Fátima, papel de Glória Pires) mantém pela mãe, uma modesta senhora de vida simples e vendedora de sanduíches na praia (Raquel, vivda por Regina Duarte). Entre as pessoas em órbita dela estava a multimilionária Odete Roitman (Beatriz Segall), assassinada por um tiro disparado por um misterioso nome revelado apenas no último capítulo (e que embalou o país todo na pergunta sobre quem a havia matado). Ao expor as mazelas da luta de classes no país e ainda escancarar barbaridades proporcionadas por atitudes do povo, Vale Tudo esfregou na cara do Brasil os podres do próprio Brasil, isso trinta anos antes da chegada de um certo nome à presidência da república (atenção para o quase spoiler: repare bem em dois nomes centrais do elenco e o quanto eles significam ontem e hoje para as nossas dramaturgia e política!). Para completar, a música-tema era mais um tapa na cara da bandeira nas cores verde e amarela: o hino “Brasil”, composto e gravado originalmente por Cazuza, que bradava contra o fedor da burguesia. Entretanto, o autor – que havia acabado de lançar um contundente álbum chamado Ideologia –  ainda estava restrito ao nicho da zona sul carioca e dos intelectuais nacionais. A convite da Globo, Gal regravou a canção para a novela, tornando-a, assim, popular de norte a sul do país e levando-a para gente de todas as classes sociais e econômicas.

Voz suprema de todos os gêneros

Cantar sempre foi um dom natural para Gal Costa. Suas próprias colegas de profissão, gente respeitada da música, não escondem tanto a admiração quanto a estupefação ao ouvi-la soltar o gogó ao microfone. Não apenas por atingir os agudos inacreditáveis como mostrava em “Meu Nome é Gal”, mas sobretudo pela leveza com a qual levava toda e qualquer canção, sem qualquer dificuldade durante o exercício em cena. Toda essa fluidez ainda se estendia às escolhas de repertório de Gal. Como em um passe encantado de mágica, a voz tamanha dela se encaixava em todo e qualquer gênero que escolhesse. Do rock ao jazz, do frevo à balada romântica, da marchinha carnavalesca ao bolero, da bossa nova ao forró, do samba ao standard do pop norte-americano. Gal passeou por todos estes territórios em sua imensa discografia. Até para o público infantil ela fez algo. Isto foi em 1985, quando foi um dos nomes convidados (ao lado de Xuxa, Pelé, Menudo, Fevers, Lucinha Lins e Carequinha) para participar do primeiro álbum oficial Trem da Alegria. O grupo vocal era formado por três pré-adolescentes: Patricia Marx e Luciano Nassyn (que já haviam realizado juntos, no ano anterior e com a apresentadora Xuxa, o disco da trilha sonora do programa Clube da Criança, exibido pela TV Manchete) mais o recém-chegado Juninho Bill. A Gal coube entoar com os meninos os versos da versão em português da valsa “Lili (Hi Lili Hi Lo)”. Mas ela não foi o único nome externo do Trem da Alegria aqui. Ela carregou consigo seu afilhado Moreno Veloso, filho de Caetano e da amiga de infância Dedé Gadelha, então com 11 anos e em sua estreia no mundo musical.

>> Volte aqui nesta segunda, quando será incluído o oitavo motivo desta matéria.

Music

Gilberto Gil

Oito motivos para não perder o novo show do artista, estrela de vários festivais no Brasil em 2022 e que acaba de voltar de turnê pela Europa

Texto por Abonico Smith

Foto: Fernando Young/Divulgação

Ele tem em Abelardo Barbosa, o Chacrinha, celebridade citada em uma das famosas músicas suas, a clássica “Aquele Abraço”. Contudo, quem está com tudo e não está prosa é o próprio Gilberto Gil, que está com a agenda cheia nesta temporada em que acabou completar 80 anos de idade.

Gil acaba de voltar de uma bem-sucedida turnê pela Europa, onde foi acompanhado por alguns de seus descendentes no palco. Também acaba de estrear em streaming o reality show Em Casa com os Gil, onde é o protagonista ao lado de toda a sua família. Participou de grandes festivais brasileiros (MITA, Coala, Rock in Rio), com shows concorridos de público e bastante incensados pela crítica. Também percorre o país apresentando-se aqui e ali, em grandes e importantes cidades, com sua banda de apoio, formada majoriamente por gente que carrega o talento e o sobrenome Gil em seu DNA.

Por estar bastante incensado que todos os ingressos para a sua passagem por Curitiba (Teatro Positivo, dias 27 e 28 de outubro), depois de cinco anos sem cantar na capital paranaense, estão esgotados. Quem sabe alguma mágica acontece e, se você não comprou a sua entrada, algum bilhete “premiado” aparece disponível voando por aí?

De qualquer maneira, aí vão oito motivos para não perder (pode não ser um destes mas que seja algum próximo) um concerto de Gilbert. Gil bem à sua frente

Tropicália

Ao lado do amigo e conterrâneo Caetano Veloso, Gil bolou todos os conceitos, preceitos e possibilidades sonoras do movimento que abalou as estruturas da música brasileira no biênio 1967-1968, provocou muita polêmica e desde então vem, década após década, vem rendendo frutos e discípulos maravilhosos para nossos ouvidos escutarem e os olhos verem em ação nos palcos da vida. Expandindo toda e qualquer fronteira, sempre observando e absorvendo tudo o que pudesse, adentrando as várias regiões do país ou mesmo pegando coisas boas lá de fora. Se não fosse a ação feita pela Tropicália lá atrás, que sacodiu a poeira da estagnação da bossa nova e projetou um belo futuro, onde vieram a se encaixar nomes como Sérgio Sampaio, Walter Franco, Chico Science & Nação Zumbi, Paralamas do Sucesso, Los Hermanos, Ana Cañas, Francisco El Hombre, Charme Chulo e Johnny Hooker, por exemplo.

Família no palco

Com 80 anos de idade completados em 26 de junho e dono uma carreira musical ímpar, Gil agora desfila nos palcos toda a sua generosidade em ceder espaço para seus descendentes (filha/os, neta/os, nora) como integrantes de sua banda de apoio. Aliás, quase todo mundo que o acompanha carrega no DNA traços da família Gil – o que faz pensar o quanto os tentáculos deste sobrenome poderoso de três letrinhas se alastraram pelo Rio de Janeiro e que, de uma ou outra maneira, cada profissional da música que esteja radicado na Cidade Maravilhosa está de uma ou outra maneira, até no máximo seis graus de separação (quando muito isso, olha lá!) de Gilberto Passos Gil Moreira. O mais recente membro do clube com o branding Gil é a neta Flor, de apenas 13 anos, com quem chegou a dividir recentemente os vocais principais, no Rock In Rio, em uma versão bilíngue de “Garota de Ipanema”. 

Reality show

Por falar em família, se você tem acesso ao streaming da Amazon Prime não deixe de assistir Em Casa com os Gilreality show criado pela Conspiração Filmes para documentar – da criação à realização de uma turnê de quinze datas feita meses atrás por alguns países europeus, passando por várias reuniões com a participação de todos os membros do clã, que, de uma ou outra maneira, aparecem em cena passando pelo sítio do artista em Araras, onde ele se isolou durante a pandemia da covid-19. Tem até a bisneta Sol de Maria. É interessante ver toda a dinâmica familiar regida por Gil e a esposa Flora, que coordena não só a carreira do artista como também organiza e rege tudo o que envolve os encontros familiares.

Repertório clássico

Não faz muito tempo que Gil deu uma declaração tão polêmica quanto provocativa: ela passara a gravar pouco ou quase nada porque, de uma forma ou de outra, todas as músicas já haviam sido compostas e registradas. Claro que isso é uma hipérbole, mas não deixa de ser algo que faz pensar. Afinal, quanto mais oferta há de obras e artistas neste oceano que é a internet com suas plataformas de comunicação e divulgação, menos chance de se ter tanto um lugar verdadeiramente ao sol como ainda alcançar uma popularidade que tenha a mesma eficácia ou impacto de outrora. Portanto, nada mais natural também que o repertório da atual turnê de Gil seja um belo passeio por clássicos de várias fases de sua extensa trajetória. Afinal, se Gil conseguiu enfileirar hit atrás de hit nos tempos em que as rádios ainda tocavam a boa música brasileira do presente ou pelo menos algumas belezas não muito conhecidas pela massa, tudo o que menos se precisa enfiar em um show seria um punhado de faixas recentes que quase ninguém conhece ou já ouviu, só pela obrigação de se divulgar um disco novo e a justificativa de fazer (mais) uma turnê.

Laços com o reggae

Um dos destaques do repertório clássico de Gil é a sua forte conexão com o reggae. No disco Realce, de 1979, ele verteu português o clássico “No Woman No Cry”, de Bob Marley (Gil tinha acabado de assinar com a recém-inaugurada filial Warner, que era dirigida pelo seu ex-diretor na Phillips, o já falecido André Midani; Bob Marley era um dos grandes nomes do selo Island, representado em nosso país pela Warner, que inclusive chegou a trazer o artista jamaicano para cá). Vinte anos atrás ele chegou a gravar um álbum (Kaya N’Gan Daya) dedicado só ao gênero, com um monte de releitura de Marley inclusive. E em uma ou outra música tocada ao vivo sua o arranjo traz traços de reggae.

Fase pop

Depois de assinar com a  Warner, Gil também passou a desenvolver uma fase tão pop quanto polêmica. Sem deixar de lado a música brasileira, empunhou a guitarra e soube misturar o popular com o pop. Muitos críticos passaram a torcer o nariz para o Gil dos anos 1980, mas não há dúvida de que dali saiu muita coisa boa que ainda levou o artista a ganhar um público mais abrangente que o das rádios FM voltadas à elite cultural. São desta época pérolas dançantes (como “Palco”, “Toda Menina Baiana”, “Realce”, “A Gente Precisa Ver o Luar”, “Andar Com Fé”, “Vamos Fugir”, “Extra”, “Punk da Periferia”, “Extra II”, “Pessoa Nefasta”, “Nos Barracos da Cidade” e “Não Chores Mais”) e baladas de arrepiar (como “Drão”, “Tempo Rei”, “Super-Homem, a Canção” e “Se Eu Quiser Falar Com Deus”.) Ainda tem obras compostas por ele e gravadoras originalmente por outros artistas na época ( “A Paz”, “Um Trem Pras Estrelas”, “A Novidade”). Muitas destas citadas aí são presença constante no repertório dos concertos mais recentes.

Ex-ministro da cultura

Entre 2003 e 2008, nos dois mandatos presidenciais de Lula, Gil esteve à frente do Ministério da Cultura, rebaixado à condição de secretaria durante o (des)governo de Jair Bolsonaro. Esta não fora a primeira incursão do cantor e compositor na política. Em 1988, então filiado ao PMDB, elegeu-se vereador em sua cidade natal, Salvador. Em Brasília, porém, driblou desconfiança de colegas do meio artístico como os atores Marco Nanini e Paulo Autran, para realizar um bom trabalho na Esplanada dos Ministérios. Afastado dos palcos pero no mucho (como ministro, em seu primeiro ano de atuação, botou as Nações Unidas para dançar durante o Show da Paz na Assembleia Geral da ONU), implementou uma série de políticas públicas voltadas à difusão cultural, em um tempo onde o governo federal ainda se preocupava, de fato, com o desenvolvimento e o avanço da arte. Em tempos onde a cultura brasileira anda tão combalida e arrasada, nada melhor do que uma nova mudança de governo e um novo ministro como fora Gilberto Gil para reerguer toda essa riqueza de volta.

Imortal da ABL

Em novembro de 2021, Gil foi eleito para uma vaga na Academia Brasileira de Letras, por meio de 21 votos, para ocupar a cadeira de número 20. Sua inclusão no quadro de imortais da ABL se deu uma semana depois da de Fernanda Montenegro. Uma mostra não apenas de que a instituição (que em julho último celebrou 125 anos de existência) mostra estar se abrindo para textos não formais da literatura tupiniquim como também mais uma faceta pública de Gilberto Gil que vai além dos palcos, instrumentos e microfones. E ele merece, também. Primeiro porque nas últimas décadas revelou-se um dos mais hábeis autores musicais de nosso país. E também porque já demonstrava uma certa queda para o fardão já na capa de seu álbum de estreia, de 1968, quando posou, com olhar matreiro, para as lentes do fotógrafo David Drew Zingg como um dos personagens daquele projeto gráfico. Portanto, mais de meio século antes e ainda no auge da Tropicália, Gil – cuja posse na instituição ocorreu em 8 de abril de 2022 – já revelava sua paixão para as letras e antecipava aquilo que ocorreria às vésperas de chegar à oitava década na idade.

Music

Guns N’ Roses

Oito motivos para não perder o show desta nova passagem de Axl Rose, Slash e Duffy McKagan por terras brasileiras

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Divulgação

Prepare a sua bandana porque o Guns N’ Roses vem aí! Os norte-americanos trazem o rock “mais perigoso do mundo”, que estourou no final dos anos 1980, aproveitando a esteira de shows internacionais que desembarcaram no Brasil recentemente. 

A turnê, com o sugestivo nome Guns N’ Roses Are F’ N’ Back!, inclui 13 apresentações na América do Sul, passando por várias cidades brasileiras. Serão seis no total, em setembro. São elas: Recife, dia 4; Belo Horizonte, dia 13; Ribeirão Preto, 16; Florianópolis, 18; Curitiba, 21; e Porto Alegre, 26 (mais informações sobre locais, horário e compra de ingressos, clique aqui). Vale lembrar que o grupo também estará no Rio de Janeiro como um dos headliners do Rock In Rio no dia 8.

Também pudera… Depois de um período pandêmico em que público e artistas ficaram trancafiados em casa, a partir deste ano de 2022 o lema é recuperar o tempo perdido. O tempo, aliás, chega a ser cruel com alguns rockstars. Principalmente aqueles que “enfiaram o pé na jaca”. Ou melhor, enfiaram o nariz e a boca em alguma substância nociva e abusaram disso sem qualquer moderação.

É este o caso de Axl Rose.  Ao contrário de alguns frontmen da mesma geração, como Morten Harket (que esteve mês passado no Brasil com o A-ha e parece ter se congelado nas geleiras do Polo Ártico para manter o físico e a voz cristalina diante dos seus quase 63 anos), o tempo não surtiu o mesmo efeito no nome maior do Guns N’Roses. Para Axl, outro sex symbol daquelas décadas que antecederam a virada do século, a lei da gravidade não foi tão generosa. Tanto é que, alguns anos atrás, quando ele se reuniu aos antigos integrantes para uma nova turnê, caiu nas garras da indústria dos memes e chegou a pedir para que suas fotos em que aparecia acima do peso fossem retiradas do ar.

A gente sabe. A voz de Axl não é mais a mesma. Seu corpinho também não comporta mais kilt. Os shortinhos de couro colados, então, não combinam num senhor que já chegou aos 60 anos. Mas o fato de Axl não manter a forma física extrapola o fator puramente estético. Isso prejudica consideravelmente não só sua performance de palco, mas o alcance das notas mais agudas. Ou seja, exercícios vocais não fazem milagre.

Mas quem entre os fãs se importa se o cantor precisa abandonar um show porque o excesso de drive o fez perder a voz? Por trás daqueles cabelos loiros ainda está a mente criadora de hits épicos que marcaram toda uma geração: do clássico “Sweet Child O’Mine”, lançado no primeiro álbum da banda, passando por ‘Patience”, “Paradise City”, “Welcome To The Jungle”, “You Could Be Mine” e “November Rain” e outras canções que embalaram a minha e a sua juventude (ou a de seus filhos e netos).

O GN’R foi a típica banda que levou ao pé da letra a tríade sexo, drogas e rock’n’ roll, como revelou uma reportagem de capa da revista Rolling Stone em 2007, quando o álbum de estreia, Appetite For Destruction, completava 20 anos. Por conta desse comportamento rebelde e a potência das músicas, levou o título de “the most dangerous band in the world”.

E como o apetite para a autodestruição era grande, a banda se desintegrou em 1993. Aí que o fator tempo entra novamente. Se a rotação da Terra não perdoa a queda de cabelo ou a falha na voz, pode, sim, amansar velhos desentendimentos. Em 2016, Axl Rose, o guitarrista Slash e o baixista Duff McKagan voltaram aos palcos, com passagem por Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski, e outras cidades de nosso país. E, agora, seis anos depois, eles retornam para a alegria das quarentonas, como eu. Da formação original segue o trio, junto há 37 anos e que conta agora com os reforços do guitarrista Richard Fortus, o baterista Frank Ferrer e os tecladistas Dizzy Reed (músico do GN’R desde 1990, aliás) e Melissa Reese.

Em ritmo de revival e torcendo para que Axl consiga terminar as 27 músicas que devem compor o set list em terras brasileiras, o Mondo Bacana cita oito motivos para não perder de jeito nenhum a nova turnê do GN’R.

Appetite For Destruction 35 anos

O Guns já entrou na cena rock estourando. Isso porque o début, lançado em 21 de julho de 1987, já trazia aquele que virararia o maior clássico da recém-formada banda californiana, “Sweet Child O’Mine”. E se você gosta de dar uma espiadinha no set list antes, já deve ter visto entre as canções programadas para esta turnê, boa parte delas (pelo menos oito por show) faz parte do primeiro álbum. 

Este álbum é icônico. Vendeu nada menos, nada mais do que 15 milhões de cópias somente nos Estados Unidos. Hoje, é considerado um dos discos de estreia de maior vendagem da história da música pop. 

Qual o motivo para ter feito tanto sucesso? Começa pelo faro musical da banda, que conseguiu mesclar o hard rockcomercial com uma crueza punk. Axl fazia questão de utilizar técnicas tradicionais, e, por isso, Appetite For Destruction é considerado um dos últimos grandes álbuns de rock “feito à mão”, aos moldes de Layla (Derek and The Dominos, 1970) e Abbey Road (Beatles, 1969). Este termo, aliás, foi usado pelo produtor e técnico de som do álbum, Mike Clink, em entrevista à Rolling Stone.

Slash

A gente sabe que Axl já não chama tanto atenção no palco. Ele ainda consegue correr de um lado a outro, mas sua performance não é mais a mesma. Seu corpinho, uma vez estonteante, não comporta mais aquelas roupas de couro justíssimas e o peitoral exposto, que era capaz de arrancar suspiros e gritos eufóricos até das moças mais recatadas.

Numa situação mais confortável, Slash soube envelhecer debaixo da sua cabeleira sempre vasta e pretíssima, da cartola mágica, dos óculos escuros e outras coisinhas mais. Aliás, o guitarrista revelou para o podcast Conan O’Brien Needs a Friend que sua primeira cartola fora roubada durante uma turnê do Guns N’ Roses em 1985.

O guitarrista, que já fez parte do grupo Velvet Revolver com outros membros do GN’R e tocou com Michael Jackson, completou 57 anos no último dia 23 de julho. No decorrer da carreira, ganhou fama por conta da sua habilidade de fazer solos incríveis, apesar de uma turma do contra dizer que ele só sabe mandar bem na escala pentatônica. Uma prova de que isso é um completo absurdo é um dos trechos do mais famoso solo dele, o de “Sweet Child O’ Mine”. Aqui, Slash usa a escala de mi menor harmônica e cala a boca de muita gente por aí. 

Aliás, em uma entrevista, Slash confidenciou que não suporta mais tocar “Sweet Child O’ Mine”…

Momento nostalgia

Curtir um show de rock depois de passar tanto tempo no isolamento de casa não tem preço. Ainda mais de uma banda que fez tanto sucesso e ainda continua com hits nos topos da parada, como o Guns N’Roses.

Basta acessar o túnel do tempo, fechar os olhos e lembrar daquele show apoteótico na segunda edição do Rock in Rio 1991, quando a banda estreou a turnê Use Your Illusion, que só terminou em julho de 1993 aqui do lado, na Argentina. Aquela edição do festival, por sinal trouxe ícones como George Michael e Prince, mais  bandas que estouraram na época como Faith No More, INXS e o trio norueguês A-ha – que se tornou headliner de um dos dias, atraindo um público de 200 mil pessoas, mas simplesmente fora esnobado pela imprensa.

O livro Guns N’ Roses – O Último dos Gigantes revela que, apesar de algumas estreias na formação da banda, aquele show representaria o fim do grupo como o público conhecia até então. Isso porque Axl passou a apresentar um comportamento cada vez mais problemático, o que potencializou sua relação com Slash, Duffy e Izzy Stradlin, que abandonariam o barco meses depois.

“Sweet Child O’ Mine”

Quem conhece a história desta música sabe que ela foi composta meio que por acidente. Slash, Duff e Izzy estavam sentados na sala de estar, onde Slash tocava a introdução da música. Axl se encontrava no andar de cima e ao ouvir aquele riff sensacional começou a escrever a letra, pensando em sua namorada. E assim, meio que numa inspiração de supetão, surgiu um clássico que voltou ao topo das paradas semanas atrás, por conta do lançamento do filme Thor: Amor e Trovão, da Marvel. 

O hit também fez aparições na trilha de outros longas, como a de Capitão Fantástico, numa versão acústica belíssima, interpretada pelos filhos do protagonista, vivido por Viggo Mortensen. Há ainda por aí diversas regravações, como a de Sheryl Crow e a do grupo de indie rock Luna.

“You Could Be Mine”

Outra canção icônica que você ouvirá nesta nova passagem por aqui é “You Could Be Mine”, que fez parte da trilha sonora do filme O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final, de 1991. Foi o próprio protagonista da franquia, Arnold Schwarzenegger, que solicitou à banda a inclusão da música no filme.

Segundo a revista Rolling Stone, o astro chamou Axl para jantar e pediu permissão do uso da faixa, que, até então, não havia sido lançada oficialmente. O ator, inclusive, aparece no clipe oficial da música, que rodava direto nas MTVs mundiais, inclusive a brasileira.

“You Could Be Mine”, que integra o álbum duplo Use Your Illusion II, surge em algumas cenas principais etambém  nos créditos finais do filme. 

Versões famosas

O GN’R foi responsável por revisitar canções em versões não deixam nada a desejar para as originais. Um exemplo é a cover de “Live and Let Die”.

Lançada, em 1973, pelos Wings, banda de Paul e Linda McCartney, foi regravada por Axl e companhia para a trilha do filme de mesmo nome da franquia de James Bond. Quase 20 anos depois do clássico do ex-beatle, a versão na voz de Axl entrou no álbum duplo Use Your Illusion I e integra o set list da banda até hoje. Apesar de ter ficado incrível, a versão da banda só alcançou o número 33 na parada da Billboard americana.

E sabe o que o Paul achou da releitura? Questionado em 2016, durante uma entrevista ao jornal New York Times, Macca aprovou a homenagem e ainda revelou um fato curioso. Quando a música foi lançada, seus filhos estavam na escola e diziam que era composição do pai. Os coleguinhas retrucavam: “De jeito nenhum. Ela é do Guns”. 

Por falar em versões famosas, o repertório desta turnê ainda traz a versão do clássico do Bob Dylan, “Knockin’ On Heaven’s Door”, que integra Use Your Illusion II. Aliás, o sucessor desses dois álbuns duplos de 1991 álbum foi o disco The Spaghetti Incident?, de 1993.  Aqui o grupo colocou a sua assinatura em canções clássicas de nomes como Stooges, T. Rex, Soundgarden e Johnny Thunders.

Clássicos reunidos

Para esta décima vez que a banda vem ao Brasil (a última passagem foi no São Paulo Trip, em 2017, com ingressos esgotados) os fãs podem esperar um concerto repleto de clássicos. Se levarmos em conta o set list dos últimos anos, desfrutaremos dos hits e canções lendárias que marcaram a melhor fase da banda, entre 1987 e 1991. 

Do primeiro álbum, a gente pode esperar no mínimo oito músicas: “It’s So Easy”, “Mr. Brownstone”, “Welcome To The Jungle”, “Rocket Queen”, “Sweet Child O’ Mine”, “My Michelle”, “Nightrain” e “Paradise City”.  Além dos outros clássicos posteriores como “Don’t Cry”, “November Rain”, “You Could Be Mine” e “Patience”. 

Material inédito

Por conta da pandemia, a banda parou com os shows. Por isso, há uma enorme expectativa para esta nova turnê, que só foi vista nos EUA e marcará essa lendária retomada por aqui.

O público deve ficar atento também para algumas novidades. Desde Chinese Democracy (2008), a banda californiana não lançava material inédito e o novo EP Hard Skool, que conta com a faixa “Absurd”, é só uma amostra do que pode pintar por aí.

Slash, em recente entrevista, avisou que estão preparando mais uma ou duas músicas, que podem ser incluídas nestes shows vindouros.