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Vidas Passadas

Reencontro de sweethearts da adolescência após muitos e muitos anos derrete o nosso coração às vésperas do Oscar

Texto por Taís Zago

Foto: Califórnia Filmes/Divulgação

In-Yun é um conceito coreano difícil de ser traduzido em poucas palavras. Basicamente, ele representa a idéia de que todo mundo que encontramos nessa vida já fez parte de nossas vidas passadas. Nas reencarnações seguintes reencontramos todo mundo, quer seja em laços fortes de conexão como família, amigos e relacionamentos ou simplesmente aquele estranho com quem cruzamos ao atravessar a rua e que tocamos levemente no braço sem querer. A existência terrena significa uma repetição de figuras em posições diferentes em novas reencarnações. É sobre encontros e desencontros, aproximações e afastamentos.

A roteirista coreana-canadense Celine Song debuta como diretora nos cinemas mundiais com um filme peculiar e encantador que se apropria desse conceito milenar para conta a história de um amor de infância e seus desdobramentos nos 24 anos que se seguiram na vida dos dois personagens centrais. Ele se chama Vidas Passadas (Past Lives, EUA/Coreia do Sul, 2023 – Califórnia Filmes).

Hae Sung (Teo Yoo) e Na Young (Greta Lee) eram sweethearts na suas infâncias na Coreia. Young cogitava inclusive casar um dia com Sung. Mas os pais artistas dela tinham outros planos – estavam decididos a migrar para o Canadá, onde as duas filhas teriam uma educação acadêmica ocidental. A despersonalização de Na já começa no momento em que seus pais pedem para que ela adote o nome Nora para facilitar sua integração no pais estrangeiro. Na, agora como Nora, segue o caminho padrão da educação norte-americana e, assim como seu pai, passa a fazer roteiros. Já Hae permanece na Coreia e se torna engenheiro. 

Após 12 anos sem contato, os dois jovens se reencontram online via Facebook e Skype e reatam uma conexão intensa de amizade, carinho e desejo. Porém, planos de se encontrarem nunca se concretizam e Na e Hae acabam por interromper este contato. Ela conhece Arthur (John Magaro) em uma oficina de artistas, os dois acabam se casando. Enquanto isso, Hae se muda para a China para estudar mandarim e, consequentemente, também inicia um longo relacionamento.

Mais 12 anos se passam e Sung, após o termino de seu namoro, decide que chegou a hora de finalmente encontrar Yung, partindo para uma viagem de busca do passado até Nova York, onde Nora (Na), vive com Arthur em uma relação calma e estável. Os encontros que ocorrem entre os dois são preenchidos de momentos de ternura, nostalgia, lembranças e uma intimidade que se comunica apenas por olhares e pelo silêncio. 

Celine Song busca inspiração direta em Amor à Flor da Pele (In The Mood For Love, 2000), a obra prima de Wong Kar-Wai. As cenas são longas e contemplativas, as luzes e as sombras refletem o desejo entre os dois personagens, mesmo diante da impossibilidade de voltar no tempo e viver a promessa do romance. Os diálogos curtos e pontuais são suficientes, a comunicação entre Na e Hae, desde sempre, transcende as palavras. As atuações de Greta e Teo são comoventes e impecáveis: nós sentimos tudo com eles. Tudo que nunca foi dito, os arrependimentos, o desejo, a racionalização do status quo, o conflito que rasga ambos quase-amantes por dentro. 

Vidas Passadas é mais uma obras produzida pelas mãos da excelente A24, que nos últimos anos vem se tornando um selo de garantia de qualidade no cinema ao quebrar paradigmas e clichês e nos oferecer algo novo, fresco, multifacetado e multicultural. É um filme que nos remete à trilogia Antes (1995-2013), de Richard Linklater, e a Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), de Michel Gondry, que inclusive é citado por Nora em uma conversa com Hae. A criação de Song é uma pequena obra-prima do amor não consumado, da influência do tempo e do timing em nossas relações pessoais e do crescimento e amadurecimento dos personagens e suas mudanças. Quebra o nosso coração com o gosto agridoce do primeiro amor.

Esse longa-metragem deveria ter sido lançado no Brasil em agosto do ano passado, mas foi adiado para este mês de janeiro. Acaso? Claro que não. Estão de olho no Oscar. Como (admito!) é um dos filmes mais lindos a que assisti em 2023, as chances da obra abocanhar algum troféu na maior cerimônia da temporada do cinema é bem grande, visto o furor que causou após ganhar prêmios internacionais.

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Sidney Poitier

Ator mostrou em Hollywood que um negro poderia ganhar um Oscar e interpretar papeis antes dedicados somente aos brancos

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Fotos: Reprodução

Morreu no último dia 6 de janeiro, aos 94 anos, Sidney Poitier. Quem deu a informação foi o vice-primeiro ministro das Bahamas, Chester Cooper, em sua conta no Twitter.

A família do ator emigrou das Bahamas para os Estados Unidos nos anos 1920 e o pequeno Sidney nasceu na Flórida, em Miami, no dia 20 de fevereiro de 1927. Nos anos 1960, Poitier ficou conhecido como o primeiro ator negro a ganhar um Oscar, no caso, pelo filme Uma Voz Nas Sombras (1964). O público, no entanto, há de se lembrar dele como o professor de Ao Mestre, Com Carinho (1967), cuja canção-tema, “To Sir, With Love”, interpretada pela cantora britânica Lulu, transformou-se num dos grandes sucessos da música pop no final da década de 1960.

Graças aos seus papéis, o público pôde ver que negros podiam ser médicos (O Ódio É Cego, 1950), engenheiros,  professores (Ao Mestre, Com Carinho – foto abaixo), ou mesmo policiais (No Calor da Noite, 1967). Em Adivinhe Quem Vem Para Jantar, também de 1967, ele interpreta o noivo de uma jovem burguesa branca que o apresenta a seus pais, um casal de intelectuais que se acreditam ter a mente aberta.

Tenho, no entanto, duas lembranças nítidas de Sidney Poitier. A primeira é quando ele aparece na tela em O Chacal, de 1997, no qual Bruce Willis é um terrorista internacional e Richard Gere é um prisioneiro irlanês, ex-atirador do IRA, que vai ajudar a força policial americana a deter o bandido. Poitier é um agente da CIA e dá as caras, mandando prender e mandando soltar. É uma rara aparição do homem num filme mediano, mas daqueles que se iluminam quando o sujeito está em cena.

A outra lembrança é emocionante e tem Denzel Washington como participante principal. Em 2003, ele fora aclamado com o Oscar de melhor ator em Dia de Treinamento, tornando-se o segundo ator negro a vencer o prêmio. Talvez por uma das mais felizes coincidências da história do prêmio, Sidney Poitier havia sido homenageado na mesma cerimônia, recebendo uma estatueta pela importância da carreira, dada a ele por… Denzel Washington. Quando veio a hora da entrega do prêmio de Denzel, anunciado por Julia Roberts, a transmissão voltou-se para Sidney, que estava vibrando com o resultado. Washington lhe agradeceu, falou da sua importância para ele mesmo, de como o inspirou e do quanto ele estava orgulhoso por receber a honra na mesma noite que o Mestre.

Momentos emocionantes de um gigante que se vai e que, mais do que tudo, rompeu preconceitos e cravou seu nome na história das artes. E dos direitos civis.