A vida e o ativismo de corpo e alma do organizador de um dos mais famosos protestos contra a segregação nos EUA dos anos 1960
Texto por Tais Zago
Foto: Netflix/Divulgação
Bayard Rustin não veio ao mundo para brincadeira. É possível que se alguém procurar num dicionário estadunidense o significado da palavra ativista provavelmente iria encontrar uma foto sua já de cara. Ou talvez não. Rustin gostava de atuar no background, mobilizando, organizando, angariando fundos e produzindo protestos que deram palco para outros personagens da luta do povo negro norte-americano brilharem, entre eles o reverendo Martin Luther King. King ainda era um bom amigo pessoal do furacão Bayard.
Rustin nasceu em 1912, na Pennsylvania, sob a pecha do filho ilegítimo. Foi criado pela avó Julia, que era da religião quaker mas frequentava, por causa do marido, uma igreja metodista episcopal africana. Julia também era um membro ativo da NAACP (National Association for the Advancement of Colored People), organização fundada em 1909 com o objetivo de avançar a busca pela igualdade racial e social para os afro-americanos. Podemos assim dizer que Rustin já fora politizado quase que no “berço” e seguiu, a partir de seus anos de universitário, uma carreira extremamente engajada na causa dos direitos humanos e das minorias raciais segregadas nos EUA. Bayard também era abertamente homossexual, o que, na época, o colocava ainda mais na mira do escrutínio público e da violência do Estado –a homossexualidade era considerada crime nos EUA até os anos 1960.
Mesmo com tantas adversidades, Rustin escolheu o caminho do pacifismo. Sua mobilização era calcada em protestos pacíficos, em diálogo e em esclarecimento. Isso mesmo em uma época em que os brancos norte-americanos pareciam apenas entender a linguagem da violência e do ódio irracional.
O diretor George C. Wolfe escolheu apresentar em Rustin (EUA, 2023 – Netflix), como recorte da vida desse grande personagem, os acontecimentos em torno da organização da famosa marcha em Washington DC em 28 de agosto de 1963. O evento mobilizou um total de 250 mil participantes, vindos de todos os cantos dos Estados Unidos para protestar contra a discriminação racial e mostrar apoio e exercer pressão sobre o governo de Kennedy e congresso para que a nova legislação dos direitos civis fosse finalmente votada e aprovada. Bayard tinha pouco mais de dois meses para fazer toda a organização do evento e viabilizar o protesto, que teria seu ponto alto em um dos discursos mais históricos de Martin Luther King.
De antemão, portanto, já se sabe que o ritmo será acelerado. Com jazz como pano de fundo as cenas e os cortes são rápidos e os diálogos, pontuais. Isso dá ao filme uma dinâmica própria que é carregada com louvor pelo maravilhoso Colman Domingo (que também participou do elenco do novo A Cor Púrpura) no papel de Bayard Rustin. O roteiro de Julian Breece e Dustin Lance Black alterna cenas da vida pessoal do portagonista, seus amores e seus amigos, e da corrida maluca contra o tempo para realizar a marcha. Domingo ofusca os outros personagens com sua atuação magnifica e nos faz querer levantar e militar pelas coisas que acreditamos. O ator conseguiu transpor para as telas a figura inspiradora de Rustin e sua grande capacidade de mobilização e de realização em uma época em que tudo o que a elite branca queria era dificultar manifestações por igualdade. Uma tarefa hercúlea em uma sociedade anacrônica.
Rustin nos contagia com sua energia e empolgação, mas também nos oferece uma janela para o mundo pessoal e os sacrifícios de quem busca grandes objetivos. Apesar de considerado protocolar por parte da critica, o filme se faz necessário e é um importante documento histórico homenageando um personagem de valor e destaque. Não é à toa que a produção saiu da casa de produções audiovisuais Higher Ground, do casal presidencial Barack e Michelle Obama. Disponível no canal de streaming Netflix, Rustin também abocanhou uma indicação a melhor ator do Oscar 2024. Como muita gente, fiquei de dedos cruzados por Colman Domingo naquela noite.