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Popload Festival 2022 – ao vivo

Depois de dois anos suspenso pela pandemia, evento retorna em novo local e com encerramento monstruoso feito por Jack White e Pixies

Jack White

Texto por Fábio Soares

Fotos: Camila Cara/Divulgação/Popload Festival

Até parece que foi ontem! Há longinquos três anos, Patti Smith encerrava a última edição do Popload Festival com a frase “Até 2020!’ nos telões laterais do palco principal. Ainda realizado no Memorial da América Latina, o festival indie realizado pelo site Popload iniciava ali sua parceria com a gigante produtora T4F. O mundo, porém, seria virado de cabeça para baixo em pouco mais de quatro meses depois daquele 15 de novembro de 2019. A pandemia da covid-19 colocou os festivais em xeque, a cultura em xeque, o entretenimento em xeque. Para chancelas como o Popload, o futuro era cada vez mais nebuloso e incerto.

Trinta e cinco meses após sua última edição, o Popload Festival apostou suas fichas num novo local em um novo feriado nacional (12 de outubro). Em um terreno desapropriado pela prefeitura de São Paulo e anteriormente pertencente ao Clube de Regatas Tietê, surgiu um centro esportivo de mesmo nome. Relativamente próximo ao metrô, o novo espaço revelou-se estrategicamente viável. Para a edição de 2022, um line-up de respeito: Chan Marshall (também conhecida como Cat Power), o australiano Nicholas James Murphy (que também atende pela alcunha de Chet Faker), Jack White e os LENDÁRIOS Pixies, voltando ao Brasil oito anos depois de sua participação no Lollapalooza 2014 (e que, neste ano, debutou em terras cariocas – leia a resenha aqui)

Cat Power

Um público estimado em 14 mil pessoas se deslocou ao Centro Esportivo Tietê. Um palco secundário patrocinado por uma marca de cerveja foi montado para shows menores, só que este que vos escreve gato escaldado em festivais e sua avançada idade o impede de comparecer a tais eventos cedo demais. Sendo assim, cheguei a tempo de presenciar a apresentação de Cat Power desde seu início. A artista possui histórico de apresentações irregulares (para não dizer sofríveis) na capital paulista. Com habitual postura blasé e acompanhada por um trio de músicos, Chan Marshall optou por um repertório “porto seguro”, repleto de covers. Desde Frank Ocean (“Bad Religion”) a Lana Del Rey (“White Mustang”), passando pela manjadíssima “New York, New York”, eternizada por Frank Sinatra, a cantora foi pragmática. Não inventou nada e finalizou sua apresentação de pouco mais de 50 minutos com a maravilhosamente atemporal “The Greatest”.

O clima lounge de Cat Power deu lugar à apresentação do australiano Chet Faker. Absolutamente só no palco, o artista procurou compensar com efeitos visuais no telão calcados numa base eletrônica pré-programada e dançante. Foram 15 canções em exatos 60 minutos. Se não conseguiu arregimentar novos adeptos, Murphy provou que possui uma fiel base de aficionados que conhece seu repertório de cor e salteado. Será figura fácil em futuros festivais brasileiros, com certeza.

Chet Faker

O momento catártico da noite viria a seguir. Gigantesca era a expectativa para o show solo de Jack White. Afinal foram dois álbuns lançados apenas neste ano: o acústico e etéreo Entering Heaven Alive e o explosivo Fear Of The Down, uma ode ao rock de garagem composta por 12 petardos. Já estava escuro quando o mais bem sucedido multi-instrumentista de sua geração pisou no palco principal do festival executando os primeiros acordes de “Taking Me Back” sob uma azulada iluminação monocromática. Visivelmente à vontade, Jack surfou com segurança sobre seu set list apoiado por um espetacular quinteto com performance crua, calculada e pesadíssima.

Ecos do espetacular disco Lazaretto, de 2014, foram escutados. Além da faixa-título, “That Black Bat Licorice” deu as cartas. Os projetos “em conjunto” do artista não ficaram de fora: o Dead Weather foi ‘homenageado” com “I Cut Like a Buffalo”; os Raconteurs com “You Don’t Understand Me” e o megahit “Steady As She Goes”; e, claro, alguns clássicos em vermelho, preto e branco dos White Stripes. Com a plateia entregue a uma apresentação com volume altíssimo, “Dead Leaves and The Dirty Ground”, “Cannon” e “Icky Thump” desceram como água. Músico extraordinário, White preenche como poucos todos os espaços do palco cumprindo com maestria a expectativa em torno da apresentação. Eram pouco mais de 20h quando os mastodônticos acordes de “Seven Nation Army” foram ouvidos na Zona Norte da capital. O hino cujo refrão é grito de guerra de torcidas de futebol em ¾ do planeta segue gigantesco após quase 20 anos de seu lançamento. As 14 mil vozes da plateia entoaram-no em uníssono num apoteótico encerramento. Foi, disparadamente, a melhor apresentação da noite. O que já era esperado. 

Pixies

Quando digo o termo “esperado” é porque sabemos que um show dos Pixies pode ser imprevisível: em 2014, a apresentação da banda no Lollapalooza foi PÉSSIMA (contrastando com o SWU de 2010 e a HISTÓRICA passagem por Curitiba, em 2004),  acentuada pelo habitual mau humor de Black Francis e a então insegurança da baixista Paz Lenchantin, recém-saída do A Perfect Circle para substituir Kim Shattuck (que viria a falecer em 2019). Os Pixies em 2022, estão mais maduros, mais seguros e mais monossilábicos também. Pontualmente à 20h45, os acordes de “Gouge Away” espalharam-se pela nova Arena Popload como um rastilho de pólvora em mato seco. Como previsto, a interação com o público foi zero. Mas o set foi INACREDITÁVEL! Além de faixas do recentíssimo álbum Doggerel (lançado dias antes da chegada ao Brasil), b-sides também deram as cartas. Nesta galeria estiveram a já manjada (mas não menos maravilhosa) “Head On” (cover de Jesus & Mary Chain) “Cecilia Ann” (cover do Undertones), “Ana” e “Cactus”. Também teve tempo para os clássicos “Debaser”, “Gigantic”, “Here Comes Your Man” e “Hey”. No total, foram 24 canções emendadas quase sem interrupção.

Os Pixies são um dos raros casos em que o repertório é maior que o artista. Após 18 anos de sua primeira apresentação no Brasil, a banda sabe muito bem que a devoção de seu fãs baseia-se no DNA do grupo: uma explosiva mistura de folksurf music, punk, pós-punk e rock ‘n roll em sua enésima potência. Nem as duas vezes em que “Wave of Mutilation” foi executada (a primeira versão, eletrificada; a segunda, acústica) causaram estranheza. O fechamento com “Winterlong” (cover de Neil Young) coroou uma ímpar cápsula “espaço-tempo”.

A celebração indie daquele 12 de outubro então chegava ao fim com um público satisfeito e extasiado pelo simples fato de ESTAR VIVO após mais alguns anos de um pesadelo que, se ainda não acabou, fez-nos mais fortes por amor à música. E que continue assim!