TV

Wandinha

Série centrada na primogênita da Família Addams traz a estreia de Tim Burton nas telas menores e Jenna Ortega brilhando sem piscar os olhos

Texto por Taís Zago

Fotos: MGM/Netflix/Divulgação

Muito aguardada pelos fãs, a série sobre a primogênita da Família Addams estreou no último dia 23 de novembro com toda pompa e circunstância no streaming. Criados por Alfred Gough e Miler Millar, os oito episódios da primeira temporada de Wandinha(Wednesday, EUA, 2022 – MGM/Netflix) trazem nada menos que o diretor Tim Burton em sua estreia nas pequenas telas – ele assina a direção de quatro capítulos além de participar da produção executiva.

coming of age que mistura terror, suspense e mistério nos pega pela mão e nos conduz por um caminho parecido já trilhado pela série Chilling Adventures of Sabrina, também da Netflix. Qual a diferença entre elas, então? Na origem, tanto Sabrina quanto a Família Addams surgiram nos quadrinhos. Em 1938, Charles Addams criou a trupe dos amados freaks que passaram a estampar as páginas das edições do The New Yorker e que, em virtude de seu imenso sucesso, virou a série de TV cult nos anos 1960 e desenho animado de Hanna-Barbera nos 1970. Já Sabrina apareceu pela primeira vez mais ou menos na mesma época, final dos anos 1930, mas como integrante da patota da revista Archie Comics. Mas também há divergências em ambas adaptações recentes: As Aventuras de Sabrina são direcionadas aos adolescentes e jovens adultos, enquanto as de Wandinha (como a personagem é conhecida no Brasil, agora mantendo o W de sua inicial em inglês) procura abranger um maior público, pegando um pouco mais leve no gore ou na complexidade das relações interpessoais.

O roteiro não é incrivelmente criativo, seu desenvolvimento e diálogos nos são familiares de outras obras de terror teen: Wednesday apronta na escola e é transferida pelos pais para um internato, que ambos, em sua juventude, frequentaram. Ali ela faz amigos e aliados, desvenda crimes e até resolve algumas questões familiares. Um drama de praxe, portanto. O grande diferencial aqui, está, na minha humilde opinião, no dedo magico de Tim Burton. Ele é o mestre do macabro gótico sem apelar para cachoeiras de sangue e vísceras. Tim é afeito aos “monstrinhos camaradas”, os personagens de coração de ouro por trás de uma aparência ameaçadora. O ar melancólico de suas produções permeia Wandinha do começo ao fim e, nisso, acertou precisamente o gosto de quem admira seu trabalho. A escolha me pareceu tão acertada que agora se tornou impossível imaginar outra interpretação para o universo Addams. Uma questão de um daqueles casamentos que estavam há muito tempo para acontecer.

Os personagens da Família Addams já foram explorados de todas as formas possíveis ao longo das décadas – de videogames a musicais. Mas a referência que as gerações atuais têm em mente foi a implantada com o filme The Addams Family (1991), que conseguiu reunir um elenco brilhante com atores como Anjelica Huston (no papel de Mortícia), Raul Julia (o sedutor Gomez), Christopher Lloyd (o histriônico Tio Fester) e, principalmente, Christina Ricci (a própria Wednesday). Após tentativas falhas de “reanimar” a franquia da familia nos últimos anos (sem muito sucesso, aliás), a aposta na personagem teenager parecia a menos arriscada, tendo em vista a popularidade intergeracional da personagem de Ricci. Portanto, a decisão mais difícil e crucial da produção foi encontrar alguém que preenchesse o enorme espaço quer ocupava o talento de Ricci.

Jenna Ortega trouxe para o papel exatamente o que precisávamos – o niilismo, a frieza de emoções, a inconformidade e a revolta com as convenções sociais que Wednesday sempre transpirou. O seu mundo é bicolor, sem meio-termo, sem a empolgação hormonal adolescente. Ortega, inclusive, não piscava em cena – o que tornou a personagem ainda mais distante e insensível em momentos de grande tensão ou emoção. A idéia foi da atriz e Burton adorou. 

Para o segundo papel feminino mais importante dos Addams foi escolhida Catherine Zeta-Jones. Ela cumpre bem sua tarefa como Mortícia, mas de forma alguma com a intensidade magnética de Anjelica Huston. Já Luis Guzmán como Gomez não foi uma decisão acertada, já que o tom goofy de sua interpretação não deixa espaço para o perigo e o mistério que faziam parte do sabor subliminar dado ao personagem por Raul Julia. Fred Armisen também não se destaca como o Tio Fester, que deveria ser uma mistura bem equilibrada de psicopatia e ingenuidade. Armisen fica apagado no papel e dá ao careca um tom demasiadamente bobo. Também fazem parte do elenco Gwendoline Christie (de Game of Thrones) e a própria Christina Ricci como parte dos docentes da Nevermore Academy. No elenco ,jovem também merecem destaque Hunter Doohan como o “bom moço” Tyler Galpin, Joy Sunday como a siren Bianca Barclay, Moosa Mostafa como o fiel amigo Eugene Otinger e, principalmente, Emma Myers como Enid Sinclair, a companheira de quarto e autointitulada melhor amiga de Wednesday. Ennid e Wednesday, por sinal, complementam-se de uma forma comovente e nos lembram do valor de uma verdadeira amizade e como muitas delas iniciam em nossa adolescência.

Reforçando o ar gótico e a fotografia fria e escura, as filmagens da série foram realizadas na Romênia, em 2021. Os cenários são impecáveis; os efeitos especiais, satisfatórios; as caracterizações, perfeitas. Temos aqui tudo que esperamos de uma obra com alto orçamento e saída das mãos de uma produtora com as dimensões da MGM. O único ponto mais fraco, a meu ver, acaba sendo o roteiro. A história é bastante previsível, assim como os próximos passos de cada personagem. Muito disso, imagino, deve-se também à classificação etária para 12 anos, o que limita um pouco a ousadia dos escritores. Para quem estava esperando uma mudança de estilo, ousadia ou inovação vindos da casa Burton, portanto, pode ser decepcionante – o Tim gótico é o mesmo Tim de Edward Mãos-de Tesoura (1990) ou Sombras da Noite (2012). Vemos um imenso contraste entre o mundo em preto e branco, pálido e frio dos Addams e o mundo de cores pasteis e estridentes do resto das pessoas ao seu redor. Sempre, claro, com uma forte influência da estética dos anos 1950 e 1960, tanto nos figurinos como nos cenários.

Wandinha acaba sendo – mais uma – perfeita diversão para toda a família. Contém todas as mensagens positivas necessárias, lições morais, mesmo que sutis, e, finalmente, uma diversidade maior entre os atores, algo que não era muito observado nas obras de Tim Burton. O diretor já sofrera críticas por escalar elencos quase que inteiramente brancos para seus filmes. Pelo menos nesse ponto, podemos enxergar uma boa mudança em suas escolhas, já que, apesar de toda a estética retrô tão cultuada por ele, Wednesday é uma adolescente do século 21.

Music

Michael Bublé – ao vivo

Em Curitiba, canadense mostra na voz toda a gratidão por ter superado as adversidades enfrentadas pela família desde um pouco antes da pandemia

Texto e foto: Janaina Monteiro

Existe uma fórmula simples para constatar o caminho da nossa evolução: traçar paralelos. Feche os olhos e assista à sua vida em retrospectiva. Eu, por exemplo, era tímida, com baixa autoestima e, ingênua, acreditava em príncipe encantado. Ou seja, bem diferente da minha versão atual. 

Portanto, se o tempo serve pra alguma coisa – além de nos botar rugas na cara – é nos permitir comparar o passado e o presente, sobretudo em relação ao modo como enfrentamos as adversidades, os furacões, os tsunamis da vida. Porque num piscar de olhos, o chão pode ruir. O cantor e compositor canadense, Michael Bublé, que esteve no Brasil recentemente com a turnê denominada An Evening With…, sabe muito bem como lidar com esse cenário apocalíptico e cair na fenda provocada por um terremoto.  

A vida de Bublé virou de cabeça para baixo antes mesmo da pandemia. Em 2016, seu primogênito Noah foi diagnosticado com câncer no fígado aos 3 anos de idade. Para ele, esta notícia significou muito mais que um soco no estômago. Abalou o contagiante bom humor e por pouco custou sua carreira. Tanto é que o artista prometeu a si mesmo que só retornaria aos palcos quando o menino se curasse. 

Depois dessa rasteira, ele afirmou que a pandemia foi capaz de unir ainda mais sua grande e linda família (hoje Michael tem quatro filhos com a atriz argentina Luisana Lopilato). Por isso, quem sobe ao palco hoje com a turnê baseada no álbum mais recente, Higher, não é mais aquele rapaz boa-pinta, capaz de arrancar suspiros de multigerações. Quem sobe ao palco não é um crooner, aquele sucessor dos clássicos natalinos eternizados por Frank Sinatra. É, nitidamente, um artista que evoluiu. E nenhuma canção seria mais apropriada para iniciar a apresentação em Curitiba, realizada em 8 de novembro último na Arena do Athlético Paranaense, do que “Feeling Good”. Bublé não só demonstra sentir-se bem consigo mesmo e com seus fãs cada vez mais apaixonados – muitos deles de longa data, aliás – como mostra encarar a vida de outro jeito.

A confiança e a gratidão transbordam da sua voz e da sua performance, acompanhada de uma animada orquestra (formada boa parte por jovens e músicos locais). Bublé entretém, dança, “se joga” na plateia, faz piadas e atende ao pedido de um fã para cantar um trechinho de “Me and Mrs. Jones”, faixa que, aliás, não estava no roteiro. “Ainda bem que você escolheu uma que eu sabia”, brincou. Humilde, agradece à plateia por ter pago ingressos caros e confessa: “Quando eu vou dormir, rezo e agradeço a Deus por ter essas pessoas lindas na minha vida. Sentirei falta de vocês”. 

 Entre o “hi” e o “goodbye”, emenda um clássico no outro, temperando o set list com suas composições autorais como “Haven´t met you yet”, “Everything”, “Home” e “Higher”. Essa última, além de batizar o disco mais novo, foi composta em parceria como filho Noah. Bublé mostra ainda completo domínio da voz, sem cometer excessos, sem ao menos tomar água para refrescar a garganta. Tirando o terno violeta (um pouco justo), tudo é sob medida em sua apresentação. Sua voz, seus passos de dança aprimorados por conta da participação no programa Dancing With The Stars. A sintonia também aparece na interação com a plateia, com os músicos e o maestro da orquestra. 

Entre o palco principal e o secundário, ele desfila na passarela, olhando nos olhos das fãs (inclusive tem um apelo enorme com o público masculino!), que arremessam seus lenços e echarpes, emulando um ritual ao estilo de Elvis. Do ídolo de Memphis, emociona ao interpretar “Always On My Mind” e “Can´t Help Falling In Love”, que surge no meio de um medley com “You´re The First, The Last, My Everything”, famosa na voz potente de Barry White, e “To Love Somebody”, clássico dos Bee Gees. Sua nova roupagem para “Smile”, de Charlie Chaplin, arrepia.

Enfim, esse canadense, romântico inveterado, é capaz de costurar um repertório eclético, com arranjos modernos e sofisticados, esbanjando nostalgia, como se nessa salada só existissem as melhores frutas da estação. Tanto é que em seus 20 anos de carreira, gravou versões que vão de Queen, George Michael, Eric Clapton, Marvin Gaye e Stevie Wonder a, claro, Frank Sinatra. 

Agora, observando a vida em retrospectiva: se este show fosse realizado há três anos, quando minha mãe pediu para que eu comprasse as entradas (bem lá na frente), provavelmente um outro Bublé subiria ao palco. Provavelmente uma outra eu assistiria ao espetáculo. Mesmo porque nós duas também enfrentamos nosso próprio câncer.

Por isso, quando vou dormir, rezo e agradeço a Deus por ter acompanhado a dona Silvia nesta noite. Um espetáculo de show.

Set list: “Feeling Good”, “Haven´t Met You Yet”, “L-O-V-E”, “Such a Night”, “Sway”, “When You´re Smiling”, “Home”, “Everything”, “Higher”, “To Love Somebody”, “Hold On”,“Smile”, “I´ll Never Not Love You”, “Fever”,  “One Night”, “All Shook Up”, “Can´t Help Falling In Love”, “You´re The First, The Last, My Everything”,  It´s a Beautiful Day”, “Cry Me a River”, “How Sweet It Is (To Be Loved By You)”, “Save The Last Dance For Me” e “You Are Always On My Mind”.