Series, TV

Pam & Tommy

Série sobre casal explosivo da primeira sex tape de famosos viralizada na internet promove um intenso revival de meados dos anos 1990

Texto por Taís Zago

Foto: Hulu/Star+/Divulgação

Série em nove capítulos, Pam & Tommy (EUA, 2022 – Hulu/Star+) remonta, com riqueza de detalhes, o curto e intenso relacionamento entre duas das mais conhecidas – e amadas pelos paparazzi – celebridades dos tabloides norte-americanos dos anos 1990. Porém para Pamela Anderson e Tommy Lee, o verdadeiro ápice da fama só seria atingido ao protagonizarem a primeira sex tape de famosos a vazar e viralizar mundialmente com a ajuda da internet.

Qualquer um que já tenha mais de 40 anos ouviu falar nos escândalos envolvendo, entre 1995 e 1998, o curto casamento de Pamela Anderson, modelo e atriz, e Tommy Lee, o infame baterista. Ambos se conheceram em uma festa, apaixonaram-se à primeira vista e quase que imediatamente casaram. Mas o pouco tempo que ficaram juntos foi uma montanha-russa de emoções, escândalos, traições e abuso doméstico. Os frutos que surgiram dessa mistura explosiva – os filhos Brendan e Dylan – são até hoje testemunha deste relacionamento complicado, que sempre lembrou um puxa e empurra – ou, melhor, um sobe-e-desce. Por mais que repudiassem a perseguição da mídia, ambos claramente curtiam lavar uma roupa bem encardida com a presença de plateia. Em 2008, por um breve período, curiosamente, houve uma reunião dos pombinhos. Mas, claro, com a mesma rapidez que a chama reacendeu, também logo causou uma explosão. A mistura Pam+Tommy era volátil.

Acho interessante falar um pouco dos protagonistas para quem não era nascido e não acompanhou o drama in loco na época. Pamela Anderson construiu no começo dos anos 1990 uma carreira, digamos, “sólida” de sex symbol, tendo como base um número recorde de capas da Playboy e várias temporadas da série Baywatch (no Brasil, S.O.S. Malibu), na qual passava a maior parte do tempo correndo na praia, molhada e com um maiô vermelho. Lee, por sua vez, alcançou a fama ainda nos anos 1980 com sua banda de hair (spraymetal, o Mötley Crüe. Vendeu uma quantidade obscena de álbuns e enriqueceu. Assim como ganhava, também gastava generosamente seus dólares com sexo, luxo, festas e drogas, e um pouco menos com rock’n’roll. Sua fama de “viciado em sexo” e rumores sobre seus atributos íntimos “avantajados” eram amplamente conhecidos pelo público do época. Tommy curtia muito um biscoito e um confete e fazia questão de se comportar da forma mais extravagante possível para não sair da mira das câmeras e das revistas de fofoca. Pra quem se interessar mais pelas “peripécias” de Tommy e sua turminha tudo que o Mötley Crüe aprontou está no livro The Dirt: Confissões da Banda de Rock Mais Infame do Mundo, de 2001, ou de forma condensada no ótimo filme The Dirt (Netflix, 2019). Ambos valem bastante a pena.

Dada a introdução necessária, vamos ao que interessa. O roteiro da série foi criado com base em um artigo escrito pela jornalista Amanda Chicago Lewis para a revista Rolling Stone em 2014, chamado Pam and Tommy: The Untold Story of the World’s Most Infamous Sex Tape. E tem, fora os personagens do título, mais um coprotagonista. Rand Gauthier (Seth Rogen) havia sido contratado como marceneiro – no artigo, ele é descrito como eletricista – por Anderson (Lily James) e Lee (Sebastian Stan), para trabalhar na interminável reforma da mansão do casal em Malibu.

Após alguns desentendimentos com Tommy, que o ameaça com uma arma, Gauthier acaba demitido do projeto sem receber nenhum pagamento. Ressentido, arquiteta minuciosa – e atrapalhadamente um plano para recuperar o dinheiro que o músico devia a ele, e (por que não?) lucrar às custas do rockstar. O plano dá certo e após uma operação caótica e absurda, digna de filme dos irmãos Coen, Rand acaba pondo as mãos em uma sex tape do casal. E isso veio muito a calhar, já que ele tem histórico de ator pornô e amizade com o produtor Uncle Miltie (Nick Offerman). Este se torna seu parceiro perfeito para executar o plano da venda das cópias da fita Hi8 em VHS, enviadas pelo correio e anunciadas na internet. Isso em 1995 quando, sabemos, a internet era só mato, discada, e o browser era o finado Altavista. Infelizmente a alegria dos malandros dura pouco, pois para financiar a empreitada, Rand e Uncle Miltie acabam pegando dinheiro emprestado com um capo da máfia envolvido na indústria pornô. A partir daí, a desgraça está programada.

A atriz britânica Lily James está espetacular como Pamela. Ela acerta na voz, nos trejeitos, na mistura de doçura com malícia, até mesmo nos momentos de vulnerabilidade e da confissões dos sonhos frustrados da atriz-modelo. É trabalhada no roteiro uma parte de Anderson menos conhecida pela sua legião de fãs formada quase que inteiramente pelo sexo masculino. Vemos um lado mais humano, muito mais frágil e dependente. Uma imagem muito mais próxima da realidade de muitas mulheres em relacionamentos tóxicos. É importante lembrar que o empoderamento feminino que temos hoje ainda estava em plena construção há quase três décadas. Muitos abusos domésticos eram ocultados, principalmente em se tratando de pessoas famosas.

Sebastian Stan faz um bom trabalho, porém tem uma mão um pouco mais pesada ao incorporar Tommy. Stan recheou exagero com mais uma porção de exagero, deixou o Tommy ainda mais estridente e hiperativo. Não é novidade que o baterista  tem (tinha?) um temperamento explosivo, violento, arrogante e hedonista ao extremo. Porém sejamos honestos, Lee é megalomaníaco com uma forte queda pra um transtorno de personalidade antissocial – coisa que, diga-se de passagem, não é nenhuma raridade universo das (sub)celebridades.

Do outro lado da narrativa temos Seth Rogen sendo Seth Rogen. É fato conhecido que como ator ele não tem muitas facetas e com Rand parece repetir o que fez em Pagando Bem, Que Mal Tem? (de 2008): um geek frustrado, sem dinheiro e a fim de transar. Assim como Nick Offerman nos entrega um cara mal-humorado e sem escrúpulos com fortes pinceladas de seu papel em Parks & Recreation. Com tanto exagero, a série beira perigosamente o caricatural. Ok. Na verdade mergulha e vai ao fundo. E ali fica. Mas o mar é o de Cancun… Então, no conjunto da obra isso não é necessariamente ruim.

Pam &Tommy também é um retrato bem fidedigno da cultura pop da metade dos anos 1990 com direito a muito couro, látex, pelúcia, animal print, maquiagem ruim, mullets, tatuagens tribais e bronzeados artificiais. Mas a cereja do bolo (ou da torta?) fica por conta da trilha sonora, que surge com la creme de la creme da época e nos joga em uma viagem do tempo com Fatboy Slim, Nine Inch Nails, Cardigans, Lenny Kravitz, sucessos do glam metal (Mötley Crüe, Poison) ou ainda com 90s club hits (La Bouche, Beds and Beats) 

Para alguns, essa série com capítulos semanais – até agora apenas três episódios estão disponíveis no Brasil na plataforma de streaming Star+ – vai ser um viagem nova e bizarra, um revival de quase 30 anos atrás, assim como ocorre de forma recorrente a cada nova década que se inicia. Para outros, dos quais faço parte, vai ser um festival de déjà-vu e nostalgia de um tempo que passou em um piscar de olhos.

Music

Arquivo MB: E.S.S. (2002)

Texto publicado nos primeiros meses deste site celebrava o futuro da banda curitibana de digital rock, comandada por André Sakr

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Reprodução Facebook (obs: se foi você quem fez este clique, por favor, entre em contato para que possamos dar o devido crédito)

Não faz muito tempo assim. Década e meia atrás, na Inglaterra, o amor tomava conta de todos os dias do verão, guitarras andavam de braços dados com baterias eletrônicas e sintetizadores. Todo mundo só pensava em se divertir. Descendo o hemisfério e cruzando o Oceano Atlântico, porém, o panorama estava longe de ser igual. Música de pista era tudo taxada de dance music (ou – pior ainda – algo 100% comercialóide e por isso mesmo totalmente condenável e indefensável), sair para se acabar de dançar até o sol raiar e relatar publicamente a simpatia pelas músicas de Depeche Mode e New Order para todos os defensores do “rock-testosterona” significava o mesmo que assumir uma “orientação sexual heterodoxa”, mesmo que você não a tivesse.
Pois patrulhamento e preconceito acabaram. Com a (r)evolução tecnológica tomando o mundo a passos largos, a música eletrônica não só transformou-se em algo completamente usual como também oficializou de vez seu casamento com as guitarras – raivosas ou sentimentais, dedilhadas ou à base de riffs, reprocessadas ou orgânicas. E em Curitiba uma turma vem se especializando em promover cada vez mais esta espécie de ex-bicho papão, o digital rock.
Igor Ribeiro (teclados, guitarras e vocais; também integrante dos grupos/projetos Tods, OAEOZ e Iris), André Sakr (bateria, teclados, programações e vocais; também Iris), Fernando Lobo (baixo e vocais; também Tods) e Alessandro Oliveira (guitarra e vocais – nota posterior do autor: o mesmo que, futuramente, tocaria no Copacabana Club e no Audac) formam o E.S.S., quarteto que está com seu primeiro álbum quase finalizado. Enquanto o disco não fica pronto, o grupo se divide entre a produção de algumas festas bacanas (que já contaram com apresentações de bandas como Bad Folks, Mosha, Grenade, Suite Number Five e o hoje “importado” Wry) e viagens para o exterior (mais precisamente Igor e André, que passaram um tempo em Londres ao lado dos outros companheiros do Tods). Há ainda um EP chamado Rossfield rolando pelas mãos mais antenadas da cidade.
Rossfield é uma grande viagem para a cidadezinha que existe no interior de cada um”, explica vagamente Sakr, parafraseando uma antiga entrevista dada pelo grupo a uma emissora de rádio do litoral de Santa Catarina. O ponto de partida começa nos cem segundos de “Introducting Myself”, gravada na véspera do embarque de Igor e Fernando para Londres, no início deste ano. A faixa de abertura é um irresistível big beat construído a partir de biblioteca própria de samples. Enquanto o loop com o batidão funky rola solto, uma voz grave, reverberante e alterada pelo pitch serve de mestre-de-cerimônias para a própria banda. Entram alguns efeitos sobrepostos, uma linha melódica cantarolada e, enfim, palmas quando é anunciado o grupo.
Chega então, o “verdadeiro” E.S.S. em “Nine”, épico de quase nove minutos aberto pela confluência de graves teclados kraftwerkianos, batida com variação entre o housee o glammais e guitarras com linhas e riffs calcados na herança do blues e do rockabilly. A sonoridade à la Depeche Mode vai aumentando à medida que entra a primeira voz. “Things you do don’t make me change my mind/ Things you do don’t make me change my way of thinking about you”, protesta Igor. Depois entram camadas de órgãos e outros teclados e berros sufocados de Sakr, para os versos serem repetidos algumas vezes, agora com guitarras mais fortes (com muito delay) e em primeiro plano. Gravada ao vivo e em apenas dois canais, a música é um mistério até mesmo para seus integrantes. “Acho que é sobre estar puto com alguém”, arrisca o maior responsável pelas programações eletrônicas do grupo.
No mesmo dia e esquema de “Nine” o quarteto gravou “Mr Alexander”. Esta é uma faixa dividida em duas partes distintas. A primeira puxa um pouco mais para o lado psicodélico, com profusão de ecos, órgãozinho e batida funkeada. Lembra um pouco da veia rocker de Manchester do começo dos anos 1990 (leia-se a trinca Stone Roses, Inspiral Carpets, Happy Mondays) e abusa dos vocais de Alessandro invertidos no software usado para a edição. Enquanto isso, os versos retratam uma típica noite adolescente em Curitiba – mais precisamente ao encontrar os amigos em um dos mais famosos pontos indie da capital paranaense, o James Bar. “Talvez até esteja cantando algo autobiográfico”, revela Sakr. Alessandro então assume sua porção guitar hero entre solos e novos riffs e lá pela metade o arranjo começa a acelerar de maneira absurda, bombardeando os ouvidos por quase quatro minutos de pura viagem.
“Wake up/Look Around”, comanda uma misteriosa voz no terceiro épico do disco. House de dez minutos e a primeira música a ser composta pela banda, “Rossfield” está cheia de mensagens subliminares (pelo menos é o que garante André, que não quis entrar em maiores detalhes). Quem não quiser ficar de ouvido ligando procurando pistas feito Mulder e Scully, porém, pode se ligar no riff do baixo distorcido de Fernando – seguindo a escola do Primal Scream. E depois de um breve interlúdio ambient, volta a detonação de ritmo e barulho, cheia de efeitos, guitarras e gritos por Rossfield.
A julgar pela prévia, o E.S.S. (segundo André, “a sigla veio da expressão Experimental Sex Sound, mas hoje não significa nada em especial”) promete dar muito o que falar em 2003. Apostas estão feitas.

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André Sakr faleceu em São Paulo, neste último domingo, 3 de março de 2019.