festival, Music

The Town 2023 – ao vivo

Yeah Yeah Yeahs, Foo Fighters, Bruno Mars, Racionais MCs, Criolo + Planet Hemp, Ney Matogrosso, Garbage e Wet Leg: oito grandes shows do festival

Yeah Yeah Yeahs

Texto por Abonico Smith

Foto: Fernando Schlaepfer/The Town/Divulgação (Yeah Yeah Yeahs), Adriana Vieira (Rock On Board), G1/Reprodução (Ney Matogrosso e Bruno Mars)

Foram apenas cinco dias (2, 3, 7, 9 e 10 de setembro) em relação aos tradicionais sete do irmão bem mais velho Rock In Rio. Dando mais espaço ao pop e limando a programação mais voltada para os amantes do metal em sua primeira, o caçula The Town veio para colocar São Paulo na rota dos concert goers no calendário bienal de descanso do evento carioca.

Realizado no mesmo Autódromo de Interlagos que sedia outros megafestivais da capital paulista (como o Lollapalloza, o GPWeek e o Primavera Sound BR), o The Town proporcionou gigs intercaladas entre os dois palcos principais e passou a dar maior importância e visibilidade aos artistas nacionais. Mesmo ainda sendo escalados, em sua maioria, antes das atrações estrangeiras, os brazucas em nada deixaram a dever tanto em matéria de produção, grandiosidade, majestade e recepção de público. Em alguns casos, inclusive, fizeram shows melhores do que quem veio depois. Em outros, foram headliner de (muito) respeito em um desses palcos.

Mondo Bacana destaca agora oito motivos que fizeram os tais concertos marcarem a estreia do The Town no calendário de festivais em verde e amarelo.

Yeah Yeah Yeahs

Já faz um tempo que o uso da palavra diva anda bem banalizado. Pelo menos no terreno da música pop. Outrora utilizado para chamar as cantoras principais das óperas, que sempre soltavam o vozeirão nos palcos, o termo hoje serve para chamar qualquer artista do gênero feminino que se apresenta com mais atributos do que o de cantar, como interagir com quinhentos bailarinos, rebolar e fazer mil e uma trocas de roupa durante o concerto. Por causa da forte sensualização, há um grande apelo de adoração do público LGBTQIA+. Seguindo essa linha de raciocínio, então, estaria correto dizer que Karen O é tudo menos diva? Não, nada disso! E ela simplesmente divou no The Town com uma performance espetacularmente teatral, indo do figurino luxuoso e megacolorido aos irônicos gestuais característicos do mais poseur dos roqueiros empastichados em cima de um palco. O começo com a atmosférica “Spitting In The Edge Of The World” (uma das poucas do novo álbum Cool It Down incluídas no set list) deu a largada para uma hora fenomenal em um dia de peso (artisticamente falando também) e que ainda contou com outras grandes bandas como Garbage, Wet Leg e Foo Fighters. Hits dos três primeiros discos (“Zero”, “Cheatd Hearts”, “Maps”, “Heads Will Roll”, “Gold Lion”, “Y Control”) vieram contrabalançados por b-sides que funcionam muito bem ao vivo (“Pin”, “Soft Shock”, “Shame And Fortune”), muito graças ao ótimo entrosamento entre as texturas da guitarra de Nick Zinner, a bateria escandalosamente jazzy de Brian Chase e o multiinstrumentista David Pajo (Slint, Tortoise, Zwan), que se divide entre teclados, baixo e segunda guitarra. Como se não bastasse tudo isso, Karen ainda brindou, no final, o público com muito sarcasmo frente ao machismo que por muito tempo imperou no rock, colocando o microfone em sua boca e enfiando o mesmo sob a calça. O gran finale foi arremessando o mesmo algumas vezes com muita fúria ao chão. Tem de ter muito culhão para divar tanto assim frente à macharada.

Ney Matogrosso

No primeiro dia do The Town ele fez uma participação mais do que especial. Ao cair da noite sirenes tocaram e o artista entrou no palco para reviver o número com o qual abriu a primeira edição do Rock In Rio, lá no longínquo mês de janeiro de 1985. Naquela época, ele ainda encarnava nos palcos uma evolução da criatura andrógina e mascarada que fez os Secos & Molhados virarem febre nacional entre 1973 e 1974. Afinal, em sua carreira solo continuou rebolando de peito e pernas nuas e cheio de badulaques e adereços. Ney Matogrosso tem, hoje. 82 anos. Você acha que está muito distante daquele passado? Nananinanão. Permanece altamente sensual, enlouquecendo homens e mulheres com seu gás, fulgor e vitalidade. Dança, agacha-se, rebola feito um garoto. A voz, ainda cristalina e marcante. O repertório, claro, provocativo como de costume. Sem muitas novidades, apresentou no festival um show baseado em sua mais recente turnê (e que, por sua vez, gerou um DVD).O repertório é pinçado no que de melhor o pop rock brasileiro entre os anos 1970 e 2000: de Rita Lee a Paralamas do Sucesso,  de Ednardo a Sergio Sampaio, de Raul Seixas a Cazuza. Muitos dos versos cantados por Ney tornam-se provocações ao statussociopolítico do país desses últimos anos (afinal, o disco de origem à tour e ao audiovisual é de 2019, o primeiro ano de desgoverno guiado pelo inominável). Portanto, um octogenário primordial aos nossos tempos e mais incendiário que muito moleque com uma guitarra a tiracolo.

Wet Leg

Foi deveras comovente ver Hester Chambers chorar copiosamente na metade da apresentação enquanto ficava quietinha, sentada ao lado do amplificador. Era muita emoção para ser segurada por uma jovem que foi alçada rapidamente ao estrelato mundial e ainda se vê no meio de todo o furacão da fama e do reconhecimento, tocando para uma multidão de cem mil pessoas. Quer dizer… cem mil pessoas se contar todo mundo que estava no autódromo. Com o esquema dos palcos intercalados, o quinteto inglês levou azar ao ser escalado como headliner de um deles. Afinal, sobrou o horário exatamente antes do Foo Fighters para entrar em ação, o que explicava o cenário bem esvaziado de público – afinal, se para qualquer um ficaria bem difícil concorrer com um headliner como Dave Grohl, imagina para uma banda formada durante a pandemia e que só lançou o disco de estreia no ano passado. Mesmo assim, quem ficou lá para ver a dupla dinâmica Hester e Rhian Teasdale não só ganhou uma performance formidável como também teve o privilégio de ver uma banda tocando em nosso país em plena ascensão ou auge (coisa que, talvez, só possa ser comparado a quem assistiu ao Nirvana em 1993 ou ao Arcade Fire em 2005 ou ao Killers em 2007). Em contrapartida, as meninas e seus três mosqueteiros mostram uma coisa no palco que poucas bandas que tocam para multidões parecem ter: todo mundo estárealmente se divertindo ali no palco, não apenas exercendo um papel profissional, por mais que goste de sua profissão. Talvez pela fama meteórica ainda estar sendo absorvida, talvez pelo lado pessoal extremamente brincalhão das duas (que se reflete também em letras absurdamente bem-humoradas quando não nonsense puro). Mas o fato é que a presença de uma banda como o Wet leg em solo brasileiro ainda faz ter esperança que o rock ainda possa permanecer descompromissado, juvenil e barulhento, com um pé e meio fincado ali na sonoridade da explosão do rock alternativo americano do fim dos anos 1980 e começo dos 1990. A hora dos gritos intensos e descontrolados em “Ur Mum” ou o misto de exclamação e interrogação de “What?!” no hit “Chaise Longue” são bons exemplos.

Racionais MCs

Existem cada vez mais duas certezas a cada grande festival no Brasil. A primeira é a de que o rap é o novo rock – ou melhor, cumpre hoje a função de contundência sonora e desobediência verborrágica que o rock cumpriu perante a juventude até pouco tempo atrás. A outra é barbada: Racionais hoje são o melhor grupo do Brasil. Quando se apresentam ao vivo em grandes espaços não tem para ninguém. Mesmo quando enfrentam como adversidade um dilúvio como o que caiu em São Paulo na primeira noite do The Town. O repertório não precisa trazer nenhuma novidade, bem verdade. Já com várias de suas músicas mais consagradas, como “Capítulo 4, Versículo 3”, “Mil Faces de Um Homem Leal (Marighella), “Jesus Chorou”, Nego Drama”, “Mano na Porta do Bar” e as duas partes de “Vida Loka”, Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e o DJ KL Jay – com o acréscimo de um monte de dançarinos, coral, mais dois DJs e o luxuoso acompanhamento de toda a Orquestra Sinfônica de Heliópolis em várias músicas – lavaram a alma de quem já estava encharcado por fora na pista Interlagos. As batidas e os graves ficaram mais brilhantes com o acréscimo de metais e cordas. Cenicamente, com a ajuda de toda a figuração devidamente fantasiada, coreografada e ensaiada, também é uma coisa de encher os olhos. Faz parecer – como se precisasse – que o discurso que Brown e seus asseclas fazem nos microfones fica ainda mais incisivo.

Criolo + Planet Hemp

Se o rap é o novo rock, o que dizer então quando um dos maiores rappers da atualidade chama uma superbanda de rock que ama e faz rap também para dividir o palco? O resultado é uma apresentação mais pungente, ensandecida, barulhenta e muito mais vigorosa do que as da tarde, com muito funk e trap para o delírio do público mais jovem. Criolo veio antes ao palco, com um repertório calcado em obras mais recentes até emendar clássicos da carreira como “Não Existe Amor em SP”, “Subirusdoistiozin” e “Grajauex”. Aí veio a ex-quadrilha da fumaçapara fazer aquele feat especial e tudo ficar ainda mais pesado na segunda parte do set. “Distopia”, gravado por ambos artistas, já começou mandando o recado: “Os que detém o poder precisam ter medo, medo do povo/ […] Tá tudo errado, irmão/ Então pega a visão/ Pobre defende rico/ Empregado, o patrão/ Político vira herói/ Juízes, super-heróis/ Estão acima das leis/ Acima de tudo, acima de nós”. A força das entonações de Marcelo D2 e BNegão, com o acréscimo de Criolo, tornou-se avassaladora. “Jardineiro não é traficante”, rezou o refrão da cancão seguinte, “Jardineiros”, emendada com “Convoque Seu Buda”, do repertório do paulista, que, por sua vez, propõe a união de culturas religiosas para que se tente superar a violência social. No fim do set list, claro, orgasmo proporcionado por “Mantenha o Respeito” e seu poder irresistível de abrir rodas de pogo e fazer o povo berrar o refrão aplenos pulmões.

Garbage

Shirley Manson é uma baita vocalista. Não só pela voz firme, forte, segura, mas também por todo o apelo cênico. Roupa estilosa, olhar hipnotizante, gestos certeiros. Não há como não se render a ela quando está à frente do palco. Abrindo os serviços do palco principal no dia do rock alternativo, Manson e o trio de produtores macacos-velhos do Garbage (o baterista Butch Vig mais os guitarristas Duke Erikson e Steve Marker) fizeram uma apresentação correta, de qualidade, sem, contudo, fazer os povo tirar o pé do chão do autódromo. Meio que repetiram o esquema de dois diantes mostrado em Curitiba, com apenas uma ou outra troca de música no set list. Primeira metade, morna. A cover industrial de “Cities In Dust”, de Siouxsie & The Banshees, fazendo a virada de página e trazendo uma parte final mais quente e comunicativa, com os principais hits da banda (“I Think I’m Paranoid”, “Stupid Girl”, “Vow”, “Push It”). De novo, também, o destaque ficou para “Only Happy When It Rains”, que começa lenta, melancólica, bluesy, ao piano somente, para depois explodir no indie pop dançante de refrão com uma só frase tão assertiva quanto chiclete: “Pour your misery down on me” (“Despeje em mim a sua angústia”). 

Foo Fighters

Se o rock não dinossauro ainda carrega multidões para os estádios no Brasil, muito disso é culpa do Foo Fighters. Comandado por Dave Grohl e formado por músicos que passaram por importantes bandas nascidas e oriundas do underground americano (Nirvana, Nine Inch Nails, Sunny Day Real Estate, Germs, Devo), o FF é um amálgama poderoso do que de melhor existe na música feita por guitarras. Ali estão sementes plantadas pelo punk rockpost-punk (também chamado de new wave), hard rockblues rockhardcore… Por falar em hardcore, cada vez mais, no conjunto de obras pinçadas ao vivo de toda a trajetória discográfica, fica mais evidente a gênese do grupo no emocore. Refrãos explosivos, guitarras furiosas, riffs matadores, vocais estrategicamente berrados, andamentos ora acelerados ora mais lentos: todos elementos gerados nos porões do circuito independente americano dos anos 1980, fermentado por bandas seminais como Embrace e Rites Of Spring (que depois dariam origem ao Fugazi) mais Gray Matter, Fire Party, Hüsker Dü, Moss Icon, Policy Of 3 e Still Life. Por emocore, vale lembra, entenda o berço musical que desembocou em gerações posteriores que acabariam definidas pelos nomes de pop punk e tão somente emo. No set, o sexteto despejou uma saraivada de hits e levou o público ao delírio. Foi uma espécie de agradecimento a quem os ajudou a se manter vivo após a tragédia ocorrida no começo do ano passado, com a morte de Taylor Hawkins na Colômbia, e um pagamento pela dívida dos shows cancelados no resto da turnê sul-americana, incluindo o do nosso Lollapalooza. Só que quem esteve na passagem da banda por Curitiba dois dias antes percebeu que o set list de SP foi um pouco menor (faltaram duas músicas em Interlagos) e que na capital paranaense Dave mostrou-se mais empolgado e com mais gás. No fim das contas, entretanto, isso não afetou muito o resultado da troca com a plateia bastante emocionada.

Bruno Mars

Das cinco noites ele foi a atração principal de duas, curiosamente os dois domingos. E foi o headliner que fez esgotar em apenas uma hora TODOS os ingressos de ambos os dias voltados para a música dançante. A expectativa pela sua vinda era alta, o cachê também. O astro havaiano não decepcionou: entregou um show vibrante a seus fãs, que mostrou o porquê de ser um dos grandes nomes da música pop americana dos últimos anos. Sua performance foi impecável. Na voz, nos falsetes, no comando coreográfico de sua banda (os instrumentistas faziam também a parte dos bailarinos), nos arranjos. Tudo bem que muita gente pode considerá-lo um sub Michael Jackson ou ainda uma tentativa de soar como o trio Police, mas é justamente aí que reside aí o maior talento de Mars: trafegar fluidamente entre o pop, o soul, o rock… e o populismo! Afinal, a plateia veio abaixo quando o tecladista de sua banda mandou uma base instrumental de “Evidências”, logicamente comandada por um coro de cem mil vozes. Se alguns hits pipocaram durante o set list, o final com “Just The Way You Are” e o bis com “Uptown Funk” (parceria de Bruno com Mark Ronson) levou ao êxtase quem foi vê-lo.

Movies

As Tartarugas Ninja: Caos Mutante

Nova animação dos quatro adolescentes cascudos que fizeram muito sucesso nos anos 1990 faz crise no cinema terminar em pizza

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Paramount/Divulgação

“Acabou em pizza” é uma expressão genuinamente brasileira. Ela vem do futebol, uma paixão nacional. Lá nos idos anos 1960, o jornalista esportivo Milton Peruzzi era setorista do Palmeiras, o time mais italiano do país, e cobria uma grave crise no time para a Gazeta Esportiva. A reunião durou horas e, para controlar o caos e a fome dos cartolas, foram pedidas dezoito pizzas gigantes. No dia seguinte, a manchete era esta: “Crise do Palmeiras termina em pizza”.  

Meu filho Marco tem nome italiano, de guerreiro. Não torce pelo Palmeiras, só come pizza de chocolate, e relutou em assistir à pré-estreia de As Tartarugas Ninja: o Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem, EUA/Japão/Canadá, 2023 – Paramount). Quando chegamos ao cinema, foi um pequeno caos.

– Mamãe, quero ir embora!

– Mas, mas, mas Marco… Esse filme vai ser muito massa! Vai ter cena de cocô, etc, etc

Sim, apelei para a tática ninja escatológica – que as crianças tanto amam e se partem de rir – para contornar aquele pequeno caos. 

Aqui, preciso fazer um adendo. Marco adora ir ao cinema. Inclusive, amou o Super Mario Bros. Tanto é que ficou impressionado como o final chegou tão rápido. 

– Mamãe, já passou uma hora de filme? 

– Já, Marco!

– “Mas já?

Marco queria mais de Super Mario, mas Tartarugas Ninja… niente! Depois que o pequeno piti foi controlado à moda francesa, com muita elegância, Marco subiu, relutante, até uma das últimas fileiras do cinema. E começou o filme.

Caos Mutante é o mais novo longa da franquia adquirida pela Nickelodeon em 2009 e que fez muito sucesso no Brasil nos anos 1990 (meu irmão era fãzaço!). As personagens foram criadas originalmente para os quadrinhos, na década de 1980, pelos norte-americanos Kevin Eastman e Peter Laird. 

Nesse novo capítulo da saga somos apresentados à versão adolescente das tartarugas, batizadas com nomes de artistas renascentistas italianos: Leonardo (dublado por Nicolas Cantu), Raphael (Brady Noon), Michelangelo (Shamon Brown Jr.) e Donatello (Micah Abbey). Detalhe que, para quem não conhece direito a turma, como o Marco, os nomes das personagens só são citados lá na metade do filme. 

O início mostra como os quatro irmãos se transformaram em animais antropomórficos ao serem expostos a uma substância radiativa. Um rato chamado de Mestre Splinter (que só podia ser dublado por Jackie Chan) – que também fora vítima da mutação – cria os animais no subterrâneo de Nova York, para evitar o contato com os humanos. A cidade, aliás, é infestada por ratos na vida real. Tanto é que o prefeito chegou a criar o cargo de “diretor de mitigação de roedores” – é a vida imitando a arte.

Splinter é mais que um pai. Mestre em kung fu, ele se torna um verdadeiro mentor e passa a ensinar ninjutsu a seus filhos verdinhos, que só saem de casa à noite para comprar as “porcarias gostosas” que todo adolescente gosta. Já, logo de cara, a animação se torna deliciosa.  Como um molho caseiro temperado com manjericão, dá indícios que nos próximos minutos será bem-sucedida ao dar frescor juvenil a esse sétimo filme sobre os répteis.

Bem ao estilo dos anos 1990, quando o mundo era menos chato, esse filme não esconde nenhum merchan. Tá tudo lá: a marca do refri, a da batata frita etc, etc.  Aliás, essa é a grande diversão para aquele público que era criança (ou adolescente como eu) naquela época: provocar essa sensação nostálgica, seja na técnica da animação ou nos elementos anacrônicos. 

Mais artesanal, com imperfeições, essa animação é bem diferente dos longas anteriores, em live action, computação gráfica ou o traço chapado da TV. O resultado lembra aqueles desenhos supercoloridos feitos com giz de cera, com a intenção de refletir o ambiente rebelde das tartarugas no cenário urbano da cultura nova-iorquina com seus skates e grafites, como explicou à imprensa Jeff Rowe. O diretor também consegue, com proeza, mesclar a estética noventista com a atualidade. Isso pode ser percebido no uso de diferentes gadgets pelas personagens. 

A trilha sonora é uma personagem à parte. Assinada pela dupla dinâmica Trent Reznor e Atticus Ross (leia-se Nine Inch Nails), as músicas originais dão ritmo certo à narrativa. Quando “What´s Up” (hit do 4 Non-Blondes) surge, então na versão famosa e depois mais acelerado, a viagem no tempo é garantida. 

Como toda clássica jornada do herói, ao lado do Homem-Aranha e do Batman, as tartarugas se consolidam como os defensores de NYC. Com o treinamento que recebem do ratão pai, eles se sentem confiantes primeiro para se defender dos humanos. Sim, no início, nós também somos os vilões da história, no sentido de não estarmos abertos ao novo. Afinal, se um alienígena verde surgisse na sua casa, você o atacaria ou serviria uma xícara de café?  

A confiança nos seres humanos aumenta quando conhecem uma aspirante a jornalista (e que protagoniza a tal cena de humor escatológico que o Marco curtiu à beça). A jovem está à caça de um furo e consegue uma notícia bombástica quando as tartarugas são obrigadas a proteger a população contra as ameaças do Clã do Pé, que é comandado pelo vilão Superfly (Ice Cube). Os arquiinimigos também são mutantes e querem dominar a cidade. No final, ocorre a grande luta. 

Quando o filme acabou, Marco estava com um sorriso no rosto. Por dias ele se lembrou da barata e do cocô.

– Mamãe, tem cenas pós-créditos! Então vai ter mais um!

Sim! Cowabunga! 

Series, TV

Pam & Tommy

Série sobre casal explosivo da primeira sex tape de famosos viralizada na internet promove um intenso revival de meados dos anos 1990

Texto por Taís Zago

Foto: Hulu/Star+/Divulgação

Série em nove capítulos, Pam & Tommy (EUA, 2022 – Hulu/Star+) remonta, com riqueza de detalhes, o curto e intenso relacionamento entre duas das mais conhecidas – e amadas pelos paparazzi – celebridades dos tabloides norte-americanos dos anos 1990. Porém para Pamela Anderson e Tommy Lee, o verdadeiro ápice da fama só seria atingido ao protagonizarem a primeira sex tape de famosos a vazar e viralizar mundialmente com a ajuda da internet.

Qualquer um que já tenha mais de 40 anos ouviu falar nos escândalos envolvendo, entre 1995 e 1998, o curto casamento de Pamela Anderson, modelo e atriz, e Tommy Lee, o infame baterista. Ambos se conheceram em uma festa, apaixonaram-se à primeira vista e quase que imediatamente casaram. Mas o pouco tempo que ficaram juntos foi uma montanha-russa de emoções, escândalos, traições e abuso doméstico. Os frutos que surgiram dessa mistura explosiva – os filhos Brendan e Dylan – são até hoje testemunha deste relacionamento complicado, que sempre lembrou um puxa e empurra – ou, melhor, um sobe-e-desce. Por mais que repudiassem a perseguição da mídia, ambos claramente curtiam lavar uma roupa bem encardida com a presença de plateia. Em 2008, por um breve período, curiosamente, houve uma reunião dos pombinhos. Mas, claro, com a mesma rapidez que a chama reacendeu, também logo causou uma explosão. A mistura Pam+Tommy era volátil.

Acho interessante falar um pouco dos protagonistas para quem não era nascido e não acompanhou o drama in loco na época. Pamela Anderson construiu no começo dos anos 1990 uma carreira, digamos, “sólida” de sex symbol, tendo como base um número recorde de capas da Playboy e várias temporadas da série Baywatch (no Brasil, S.O.S. Malibu), na qual passava a maior parte do tempo correndo na praia, molhada e com um maiô vermelho. Lee, por sua vez, alcançou a fama ainda nos anos 1980 com sua banda de hair (spraymetal, o Mötley Crüe. Vendeu uma quantidade obscena de álbuns e enriqueceu. Assim como ganhava, também gastava generosamente seus dólares com sexo, luxo, festas e drogas, e um pouco menos com rock’n’roll. Sua fama de “viciado em sexo” e rumores sobre seus atributos íntimos “avantajados” eram amplamente conhecidos pelo público do época. Tommy curtia muito um biscoito e um confete e fazia questão de se comportar da forma mais extravagante possível para não sair da mira das câmeras e das revistas de fofoca. Pra quem se interessar mais pelas “peripécias” de Tommy e sua turminha tudo que o Mötley Crüe aprontou está no livro The Dirt: Confissões da Banda de Rock Mais Infame do Mundo, de 2001, ou de forma condensada no ótimo filme The Dirt (Netflix, 2019). Ambos valem bastante a pena.

Dada a introdução necessária, vamos ao que interessa. O roteiro da série foi criado com base em um artigo escrito pela jornalista Amanda Chicago Lewis para a revista Rolling Stone em 2014, chamado Pam and Tommy: The Untold Story of the World’s Most Infamous Sex Tape. E tem, fora os personagens do título, mais um coprotagonista. Rand Gauthier (Seth Rogen) havia sido contratado como marceneiro – no artigo, ele é descrito como eletricista – por Anderson (Lily James) e Lee (Sebastian Stan), para trabalhar na interminável reforma da mansão do casal em Malibu.

Após alguns desentendimentos com Tommy, que o ameaça com uma arma, Gauthier acaba demitido do projeto sem receber nenhum pagamento. Ressentido, arquiteta minuciosa – e atrapalhadamente um plano para recuperar o dinheiro que o músico devia a ele, e (por que não?) lucrar às custas do rockstar. O plano dá certo e após uma operação caótica e absurda, digna de filme dos irmãos Coen, Rand acaba pondo as mãos em uma sex tape do casal. E isso veio muito a calhar, já que ele tem histórico de ator pornô e amizade com o produtor Uncle Miltie (Nick Offerman). Este se torna seu parceiro perfeito para executar o plano da venda das cópias da fita Hi8 em VHS, enviadas pelo correio e anunciadas na internet. Isso em 1995 quando, sabemos, a internet era só mato, discada, e o browser era o finado Altavista. Infelizmente a alegria dos malandros dura pouco, pois para financiar a empreitada, Rand e Uncle Miltie acabam pegando dinheiro emprestado com um capo da máfia envolvido na indústria pornô. A partir daí, a desgraça está programada.

A atriz britânica Lily James está espetacular como Pamela. Ela acerta na voz, nos trejeitos, na mistura de doçura com malícia, até mesmo nos momentos de vulnerabilidade e da confissões dos sonhos frustrados da atriz-modelo. É trabalhada no roteiro uma parte de Anderson menos conhecida pela sua legião de fãs formada quase que inteiramente pelo sexo masculino. Vemos um lado mais humano, muito mais frágil e dependente. Uma imagem muito mais próxima da realidade de muitas mulheres em relacionamentos tóxicos. É importante lembrar que o empoderamento feminino que temos hoje ainda estava em plena construção há quase três décadas. Muitos abusos domésticos eram ocultados, principalmente em se tratando de pessoas famosas.

Sebastian Stan faz um bom trabalho, porém tem uma mão um pouco mais pesada ao incorporar Tommy. Stan recheou exagero com mais uma porção de exagero, deixou o Tommy ainda mais estridente e hiperativo. Não é novidade que o baterista  tem (tinha?) um temperamento explosivo, violento, arrogante e hedonista ao extremo. Porém sejamos honestos, Lee é megalomaníaco com uma forte queda pra um transtorno de personalidade antissocial – coisa que, diga-se de passagem, não é nenhuma raridade universo das (sub)celebridades.

Do outro lado da narrativa temos Seth Rogen sendo Seth Rogen. É fato conhecido que como ator ele não tem muitas facetas e com Rand parece repetir o que fez em Pagando Bem, Que Mal Tem? (de 2008): um geek frustrado, sem dinheiro e a fim de transar. Assim como Nick Offerman nos entrega um cara mal-humorado e sem escrúpulos com fortes pinceladas de seu papel em Parks & Recreation. Com tanto exagero, a série beira perigosamente o caricatural. Ok. Na verdade mergulha e vai ao fundo. E ali fica. Mas o mar é o de Cancun… Então, no conjunto da obra isso não é necessariamente ruim.

Pam &Tommy também é um retrato bem fidedigno da cultura pop da metade dos anos 1990 com direito a muito couro, látex, pelúcia, animal print, maquiagem ruim, mullets, tatuagens tribais e bronzeados artificiais. Mas a cereja do bolo (ou da torta?) fica por conta da trilha sonora, que surge com la creme de la creme da época e nos joga em uma viagem do tempo com Fatboy Slim, Nine Inch Nails, Cardigans, Lenny Kravitz, sucessos do glam metal (Mötley Crüe, Poison) ou ainda com 90s club hits (La Bouche, Beds and Beats) 

Para alguns, essa série com capítulos semanais – até agora apenas três episódios estão disponíveis no Brasil na plataforma de streaming Star+ – vai ser um viagem nova e bizarra, um revival de quase 30 anos atrás, assim como ocorre de forma recorrente a cada nova década que se inicia. Para outros, dos quais faço parte, vai ser um festival de déjà-vu e nostalgia de um tempo que passou em um piscar de olhos.

Movies

Capitã Marvel

Filme estrelado por Brie Larson mistura anos 1990 com os dias de hoje em um processo de início de tentativa de filão do gênero de super-heróis

captainmarvelbrielarson

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

Houve um mundo sem esta febre de filmes de super-herói. Era legal, eu lembro. Havia filmes de ação bacanas, sem que fosse preciso invocar personagens de quadrinhos para viverem situações fantásticas, beirando o absurdo. O novo longa da Marvel é a prova de que este filão está bem próximo do esgotamento. Os próprios executivos já notaram isso e farão uma renovação a partir do próximo capítulo da saga dos Vingadores, com a exibição de Vingadores – Ultimato no mês que vem. Muito por conta desta trama central, o longa da Capitã Marvel veio para tentar juntar peças e pontas nos roteiros. Fosse realizado há uns dez anos, Capitã Marvel (Captain Marvel, EUA, 2019 – Marvel/Disney) seria um longa melhor do que hoje. A história da piloto Carol Danvers, cheia de reviravoltas, questões, lapsos de memória e resoluções bombásticas, soa como uma realização feita às pressas, ainda que o roteiro e a ideia de levar a personagem para as telas seja antiga.

O filme tem acertos, mas também tem problemas. Brie Larson, por exemplo, é ótima atriz, a gente sabe. Ela pena para se encontrar na pele da Capitã ao longo do filme, mas oferece algumas boas cenas no meio do caminho, que acabam jogando a favor da situação da própria personagem, perdida entre memórias e realidade. Nicky Fury, um dos heróis mais legais da Marvel, participa ativamente da trama, fazendo de Capitã Marvel o filme em que ele mais aparece. Pena que seja como uma espécie de alívio cômico terráqueo, diante da profusão de seres espaciais que surgem na telona. Mesmo assim, Samuel L Jackson pode ser visto atuando e não recitando frases com clima tenso aqui e ali.

Os coadjuvantes de luxo surgem como … coadjuvantes. Jude Law e Annette Bening têm papéis importantes para a história, mas suas presenças parecem mais como aquele movimento manjado de trazer atores dramáticos para o universo de quadrinhos e cultura pop. Funciona no passado, causa espécie hoje. Pelo menos em mim.

O fato é que os personagens dos quadrinhos já não são os mesmos, claro. Seu surgimento nas telas do planeta significa – como não poderia deixar de ser – uma readaptação de suas características visando trazê-los para os dias de hoje. Não adianta reclamar e exigir fidelidade dos roteiros feitos por trintões nerdificados. Em certos casos, isso pode até ser legal. A Capitã Marvel, por conta do roteiro e desta repaginação perigosa, surge numa década de 1990 cheia de signos. Tem pôster de Mellon Collie And The Infinite Sadness, o terceiro disco dos Smashing Pumpkins colado num muro. Tem a locadora de vídeo Blockbuster. Tem momento reflexivo ao som de “Only Happy When It Rains”, do Garbage. Tem pancadaria ao som de “Just A Girl”, do No Doubt. Tem Brie Larson usando uma camiseta do Nine Inch Nails na maior parte do filme. E tudo isso não chega a ser ruim.

Como produto típico de 2019, Capitã Marvel tem empoderamento feminino, seja nas cenas, seja no próprio roteiro. Tem questão política de refugiados feios que parecem maus e mocinhos bonitos que parecem bons. Tem aceno leve a filmes do passado, como Top Gun. E tem piadas – talvez em excesso – para amarrar tudo com certa leveza.

A gente sai do cinema com a sensação de ter comigo num fast food e isso é o máximo que estes filmes podem fazer pelo espectador, salvo poucas exceções.