Music

Ritchie

Oito motivos para não perder a turnê criada para celebrar os 40 anos de lançamento do megahit nacional “Menina Veneno”

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Quarenta atrás o país todo foi varrido por uma enxurrada vinda da Inglaterra. Richard David Court havia chegado ao Brasil exata uma década antes, justamente quando a música brasileira conhecia um meteoro avassalador chamado Secos & Molhados, que saiu em pouca semanas do anonimato ao status de megavendedor de discos no mercado nacional. Ritchie, em 1983, conseguiu o mesmo feito. Cantando em português com um ligeiro sotaque ainda persistente, já em janeiro ele começou a provocar frenesi nas emissoras de rádio de norte a sul com uma música que ainda sequer havia sido lançada (no caso, seu primeiro compacto, programado pela gravadora CBS para chegas às lojas em abril). Doze meses depois, terminou a temporada vendendo mais cópias de seu álbum de estreia que o megassucesso planetário da época, Thriller, de Michael Jackson. Heresia das heresias, também superou ainda o maior nome do mercado fonográfico nacional, Roberto Carlos. Detalhe: dois artistas da mesma gravadora, que perderam a corrida para um então joe nobody.

Ritchie possui uma biografia muito interessante para ser contada. Após o estrelato instantâneo, enfrentou vários problemas de bastidores que, financeiramente e em questão de popularidade, fizeram sua carreira desabar de uma maneira também muito rápida. Isto, porém , não é o caso de se esmiuçar neste texto. E sim celebrar seu retorno aos palcos em grandioso estilo. O cantor e compositor está desde agosto em uma turnê por todo o território nacional que celebra os 40 anos do estouro do hit “Menina Veneno” (cujo compacto 7” fora antecipado com urgência para fevereiro e ganhou o disco duplo de platina, com mais de 500 mil exemplares comprados, algo raríssimo para o formato por aqui) e o álbum Vôo de Coração (mais de 1,3 milhão de cópias). Depois de passar por várias cidades, o artista agora reserva às capitais do Sul o calendário desta semana de outubro. Na próxima quarta (dia 18), ele passa pelo Teatro Guaíra, em Curitiba (clique aqui para saber mais sobre horário e ingressos). Na sexta (20) a escala é no Teatro Bourbon Country, em Porto Alegre (mais informações aqui). No sábado, a trinca se fecha no Centro de Eventos da UFSC, em Forianópolis (mais informações aqui). E até o fim do ano, o show será realizado em cidades do Nordeste (Sergipe, Bahia, Ceará, Piauí e Pernambuco) e no Rio de Janeiro (mais informações aqui).

Mondo Bacana disseca abaixo oito motivos para você não deixar de assistir à turnê A Vida Tem Dessas Coisas

“Menina Veneno”

Tudo começou em janeiro de 1983, com uma fita de rolo enviada pela CBS para o divulgador da companhia em Fortaleza. O compacto, estava previsto para chegar às lojas somente em abril. De uma hora para outra, a gravadora foi surpreendida com o fenômeno: a canção, sem qualquer iniciativa extra, foi adotada instantaneamente por várias emissoras e caiu no gosto dos ouvintes, que a faziam ser executada mais de 14 vezes por dia em todas elas. Logo, “Menina Veneno” foi “descendo” por todo o território nacional e virou febre no país todo. Logo Ritchie era presença constante em todos os programas de auditório da TV e a canção passou a tocar direto nos bailes funk da Rocinha e nos radinhos sintonizados nas comunidades ribeirinhas da Amazônia. Todo este estouro meteórico ainda rendeu uma versão em espanhol gravada pelo próprio britânico (e incluída pela ex-CBS e hoje Sony na versão em CD de Vôo de Coração lançada em 2008, para marcar os 25 anos do disco). A ideia da letra veio do livro O Homem e Seus Símbolos, com Carl Gustav Jung como autor de um dos capítulos, abordando a relação íntima do homem com seu inconsciente obtida sobretudo por meio dos sonhos. Segundo Jung, são quatro os arquétipos femininos manifestados neles. Um deles é o da “donzela venenosa”, a mulher fatal, que detém o poder de seduzir e capturar a alma masculina.

Abajur cor de carne

Não, não é e nunca foi um virundum. Você nunca entendeu errado nestes 40 anos. A cor do abajur não é carmim. É cor de carne, mesmo. O verso que contém esta pérola lírica da música brasileira já na primeira estrofe de “Menina Veneno” é obra da prodigiosa cabeça do letrista Bernardo Vilhena, que quis remeter uma sensação visual da sedução feminina diretamente à atriz e cantora germânica Marlene Dietrich quando ela ficou hospedada no chiquérrimo hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, em 1944, e declarou ter amado os abajures do local. Os objetos tinham uma cor de pergaminho. Segundo Vilhena, a expressão em alemão, quando traduzida literalmente, vira “cor de carne”. Em entrevista publicada pelo site Scream & Yell, ele explicou alguns termos utilizados na letra do hit. “Na minha cabeça de letrista, o cor de carne com o lençol azul e as cortinas de seda montavam todo um cenário interessante. O refrão, por sua vez, tem uma ligação forte com as artes plásticas, uma área à qual eu sempre fui muito ligado. Eu tinha uma amiga, a Regina Vater, que tinha um trabalho de retratos das camas de hotel que ela dormia, e mandava isso como cartões postais. ‘Toda cama que eu durmo só dá você’ era um verso dela. Era uma gíria da época, o ‘só dá o fulano’. São as coisas fundamentais dessa letra, dessa canção.”

Bernardo Vilhena

O poeta e letrista não foi fundamental apenas no compacto inicial da carreira de Ritchie. Os dois compuseram juntos nove das dez faixas do álbum também. Vindo da cena da poesia carioca dos anos 1970 (que revelara também nomes como Chacal, Waly Salomão e Antonio Cícero), Bernardo pincelou jogos de trocadilho com as palavras (“Do princípio ao sim”, “Vamos botar fogo em Copacabana”, “Tanto tempo entre o não e o fim”) e permeou as letras de Ritchie com o imaginário cotidiano de jovens pulsantes e radiantes de um Rio de Janeiro zona sul do começo dos anos 1980. A abordagem traz festa na madrugada, encontro no elevador, comunicação pelo interfone, quase sempre em situações envolvendo duas pessoas exalando hormônios sexuais. Basta ver a letra de “Casanova”, cujo título remete ao escritor italiano que virou sinônimo de amante libertino e sedutor sexual. Verso após verso, a canção vai descrevendo o cenário de ardente lascívia fugaz entre um casal. Virou tema de abertura de novela (Champagne, 1983), tocando diariamente no horário nobre da Rede Globo para ouvidos castos e inocentes de uma boa parcela da população brasileiro. Isso ainda em tempos de censura federal e governo militar. Vilhena é autor de versos de outros clássicos do rock nacional como “Mais Uma de Amor (Geme Geme), “Vida Bandida” e “Vida Louca Vida” (Blitz, Lobão, Cazuza).

Synthpop em português

Lauro Salazar, tecladista então radicado em Munique e ligado a trabalhos de pesquisa de timbres para fabricantes de sintetizadores, foi o pulo do gato de Voo de Coração. O álbum de estreia de Ritchie tinha uma ficha técnica de respeito. Liminha no baixo, Lobão na bateria, Zé Luis no saxofone e participações especiais de Lulu Santos e Steve Hackett (Genesis) nas guitarras. Só que o trabalho desenvolvido por Salazar nos arranjos foi fundamental para aproximar a sonoridade de uma novidade que bombava no exterior (sobretudo no Reino Unido e na Europa ocidental) e ainda era pouco conhecida no Brasil: o synthpop. Tinha a vertente mais dançante, voltada para as pistas, com nomes como Depeche Mode, Soft Cell, OMD, Pet Shop Boys e Eurythmics. Também havia quem conjugasse a sedução rítmica com uma linguagem mais pop, com destaque pata os teclados mas também para os instrumentos mais tradicionais do rock e um apuro mais fashionista nos figurinos e cabelos. Esta turma ganhou o nome de new romantic, vertente que abrigava Duran Duran, Culture Club, Visage e Spandau Ballet. Ritchie, por sua vez, unia lá em 1983 as partes em suas performances e gravações.

Outros hits

Vôo de Coração tinha dez faixas e rendeu cinco grandes hits. Portanto, tenha certeza de que a batida de samba jazzyde “A Vida Tem Dessas Coisas”, o tecnopop “Casanova”, a balada que dá nome do álbum e o tom caribenho de “Pelo Interfone” estarão presentes no set list. Assim como sucessos posteriores “A Mulher Invisível”, “Só Pra o Vento”, “Transas”, “Loucura e Mágica” e “Telenotícias”. 

B-sides

Uma carreira tão vasta e extensa, mesmo com um abandono no cenário musical no meio do caminho e intervalos maiores de gravações e lançamentos dos anos 1990 em diante, traz muitas pérolas escondidas do grande público. Ritchie, que não é bobo nem nada, traz de volta algumas faixas que pouca gente conhece (ou pela menos se lembra de já ter ouvido lá atrás). É o caso, por exemplo, de “Preço do Prazer” e “No Olhar”, que abriam os dois lados do vinil de Voo de Coração e sequer foram exploradas pelas rádios. Ou então “Shy Moon”, belíssimo dueto para o qual fora chamada por Caetano Veloso em seu álbum Velô (de 1984) e que habitou a trilha sonora da novela Um Sonho a Mais(1985). Por falar em dramaturgia da Rede Globo, outros dois fonogramas são resgatados. “Um Homem em Volta do Mundo” estava em Cara & Coroa (1995). Já “Mercy Street”, melancólica e reflexiva canção de Peter Gabriel, foi regravada por Ritchie para a abertura da minissérie O Sorriso do Lagarto (1991). Quer mais lado B? O cantor também pinça do álbum do Tigres de Bengala as faixas “Agora ou Jamais” e “Elefante Branco”. Vale lembrar que este fora um supergrupo de um disco só criado em 1993 por Court mais os músicos Vinicius Cantuária, Claudio Zoli, Dadi, Mu Carvalho e Billy Forghieri, todos de grandes serviços prestados à música pop brasileira. Ah, tem ainda “Lágrimas Demais”, do álbum Auto-Fidelidade (2002), o último de repertório composto por faixas autorais inéditas.

De volta ao futuro

A turnê de Ritchie não será baseada só no melhor de sua carreira musical. Traz ao palco um grande apuro visual também, com tecnologia de ponta e gente de primeira na ficha técnica. Jorge Espírito Santo (ex-MTV, ex-Fantástico) assina a direção geral. Césio Lima (Rock In Rio) está na iluminação. Alexandre Arrabal e Kiko Dias bolaram uma direçãoo de arte que traduz à atualidade o futurismo de computadores e hologramas que, 40 anos atrás, já habitavam as letras de Vôo de Coração e a capa do compacto de “Menina Veneno”. Portanto, não será uma experiência só para ser ouvida no conforto das poltronas.

Inimigo do Rei

Reza a lenda que a promissora carreira de Ritchie fora sabotada por ninguém menos que o maior da música popular brasileira. Tudo porque o britânico, já em seu primeiro disco, ousou “ultrapassar” a fronteira e ameaçar as próximas vendagens de Roberto Carlos. Muita já se comentou, escreveu e discutiu sobre isso. Court passa longe de defender esta hipótese sobre o Rei, embora confirme uma história ouvida da própria boca de um programador radiofônico: a de que este cara recebera “jabá” da gravadora (de ambos, a CBS) para NÃO TOCAR suas músicas. A queda repentina nas vendagens depois da ascensão meteórica mais alguns sérios problemas de relacionamento vividos nos bastidores podem ter afetado e muito a trajetória profissional de Ritchie lá atrás, a ponto dele mudar de carreira – abandonou os palcos e estúdios nos fim dos anos 1990 para trabalhar com o desenho, o desenvolvimento e a implantação de softwares de áudio em websites, chegando a trabalhar em parceria com o músico, produtor e inventor inglês Thomas Dolby (autor e cantor de “She Blinded Me With Science”, hit do synthpop mundial em 1982) para a sua empresa, a Beatnik Inc. Polêmicas, invenções e especulações à parte, não deixa de ser bastante interessante para um artista, aqui no Brasil, carregar para sempre esta história peculiar em sua biografia. Mesmo porque hoje o reconhecimento de sua obra musical, com o tempo, superou todos os perrengues.

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Rodrigo Amarante – ao vivo

Ambientação intimista da Ópera de Arame se revela propícia às múltiplas facetas apresentadas pelo artista em turnê do novo álbum solo Drama

Texto por Leonardo Andreiko

Fotos: Janaina Monteiro (cor) e Leonardo Andreiko (p&b)

A noite invernal curitibana, sempre fria e chuvosa, condiciona o público de diversos modos. Cachecol e japona são itens obrigatórios a qualquer morador da capital paranaense. Pegar uma chuvinha do carro até o show – e depois do show até o carro – é rotina nos eventos desse período. Mas o frio não foi suficiente e a Ópera de Arame se aqueceu com a performance de Rodrigo Amarante e sua banda na noite de 17 de setembro, um sábado.

Enquanto a plateia preencheu-se aos poucos, era palpável a antecipação no ar. Sua última apresentação da carreira solo na cidade havia sido em 2013, em turnê com o début Cavalo. Dessa vez, Amarante veio estrear Drama (lançado em 2021) no Brasil, país do qual esteve distante desde a turnê comemorativa Los Hermanos 2019. Naquela ocasião, a banda passou por Curitiba e lotou a Pedreira Paulo Leminski, ao lado do palco em que anos depois se apresentaria.

A ambientação mais intimista da Ópera, com sua arquitetura em metal e vidro, é muito mais apropriada às múltiplas facetas que Rodrigo Amarante apresenta desde o fim dos Hermanos. Assim como em seu novo álbum, o músico começou a performance dessa noite com lançamentos: a instrumental “Drama” (que dá nome ao disco) deu o tom para a entrada dos músicos em palco e logo se sucedeu a vivaz “Maré”, primeiro single do álbum.

No palco com banda completa, Rodrigo apresentou ao público curitibano a veia solar que fez de Drama um trabalho tão distinto de Cavalo, que representava um cosmopolita sem casa, diluído entre vivências. Agora, morador de Los Angeles há anos, o artista volta-se a sua infância e ao eterno conflito da subjetividade com a sensibilidade, o emocional que o homem é ensinado a reprimir conforme cresce. Dessa forma, continuando com “Tango” e “Tanto”, os músicos apresentam essa “nova atmosfera” do disco, que explora seus temas com mais extroversão e grandiosidade que seu antecessor.

Justamente por isso, Drama precisa de mais que um violão branco e a voz de seu autor para preencher os palcos. Acompanhando Amarante, performaram Rodrigo Barba (bateria) e Alberto “Bubu” Continentino (baixo), companheiros de Los Hermanos; Pedro Sá (guitarra), que integrou a Banda Cê, de Caetano Veloso; o músico e pesquisador Daniel Castanheira (percussão); e a multi-instrumentista Nana Carneiro da Cunha (piano e cello). O grupo de peso auxiliou Rodrigo na difícil tarefa de uma plêiade de sentimentos por entre uma vasta discografia, que conta com três bandas (Los Hermanos, Orquestra Imperial, Little Joy) e dois discos solo. E o resultado foi magistral. A energia de “Maná” e “Pode Ser” (Orquestra Imperial) fez vibrar a plateia. Também houve liberdade para experimentalismos na consagrada “Mon Nom” e “Tao”, que foi repaginada sem o naipe de sopros, que deu espaço aos solos da banda.

Ainda, uma pausa da banda abriu espaço para que Amarante, sozinho, iluminado por um único holofote num palco escuro, nos presenteasse com algumas de suas músicas mais tocantes. “Irene”, “Evaporar” (Little Joy) e “The Ribbon” ecoaram em toda a estrutura da Ópera, que só não lacrimejou porque não podia.

A noite integrou perfeitamente clássicos, como “O Vento” (Los Hermanos), sucessos como “Tuyo” (da série Narcos) e elementos de Drama, como “I Can’t Wait”, para tornar a apresentação muito mais que a exposição ao vivo de um novo disco. Para finalizar a primeira parte do show, antes do bis, Rodrigo ostentou sua potência poética com uma das mais belas composições do álbum, “The End”, que alça a antiga demo “That Old Dream Of Ours” para novos horizontes com a integração da banda.

Na medida que avançava no set list, o artista brincava com passado e presente, rememorava e repaginava. Dava novos passos e sentia a confiança em olhar para trás, que só faz figurar nos colossos da música brasileira. É cedo, decerto, para sacralizar uma carreira solo ainda insipiente, ainda que já calejada por décadas de ação. Mas se o futuro reserva a Rodrigo Amarante o mesmo esmero e sobriedade com a música que já é evidente, só nos resta reservar a ele um espaço entre nossos melhores.

E assim, mais uma vez, o cometa que é o artista passou por Curitiba, riscou o tempo e se foi.

Set list: “Maré”, “Tango”, “Tanto”, “Nada em Vão”, “Mon Nom”, “I Can’t Wait”, “Eu Com Você”, “O Cometa”, “Tara”, “Tuyo”, “Irene”, “Evaporar”, “The Ribbon”, “Tardei”, “Um Milhão”, “Tao”, “Maná” e “The End”. Bis: “O Vento” e “Pode Ser”.

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História do Rock: Buddy Holly + Ritchie Valens + Big Bopper – Parte 1

Desastre aéreo que matou três astros promissores da música jovem deixou o 3 de fevereiro de 1959 marcado como “o dia em que a música morreu”

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Buddy Holly

Texto por Abonico R. Smith

Fotos: Reprodução

Naquele começo do ano de 1959 o rock’n’roll estava bombando entre o público adolescente norte-americano. Depois de devidamente incorporado pela indústria musical, com direito a boas bilheterias nos cinemas que exibiam os filmes com o tema e a criação de programas transmitidos em rede nacional pela televisão para toda a classe média/alta branca que então dominava sócio, política e economicamente o país, o gênero musical – que unia referências da música dos negros descendentes de escravos e dos brancos colonizadores – já havia conquistado um grande espaço mercadológico que inexistia até alguns anos atrás.

Para dar conta de vender ainda mais discos, muitos dos artistas que tinham suas músicas tocadas pelas rádios e se apresentavam na TV se juntavam em turnês pelo país. Nestas caravanas, um show único costumava reunir até quatro ou cinco deste emergentes artistas, que apresentavam sua respectiva performance, de tempo reduzido, para a plateia de cada cidade de pequeno ou médio porte.

Era o que fazia Buddy Holly na Winter Dance Party. Ele era o principal nome da escalação da turnê, que ainda compreendia os artistas Ritchie Valens, Big Bopper, Frankie Sardo e Dion & The Belmonts. Os Crickets, tradicional banda de apoio de Holly, também prestava serviços musicais acompanhando Valens, Bopper e Sardo. O pontapé inicial ocorreu em 23 de janeiro, na cidade de Milwaukee, no estado de Wisconsin.

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O cronograma a seguir seria apertadíssimo: 24 datas marcadas até 15 de fevereiro, exigindo dos músicos pique para subir ao palco todas as noites, intercalando breves momentos de descanso durante o deslocamento por terra, através de um ônibus. Para completar, a agência responsável pela tour não foi muito complacente com os astros, marcando um zigue-zague por grandes distâncias durante o período de um rigoroso inverno do centro-norte dos Estados Unidos. Sem qualquer day off  para descanso. Para completar, era normal que um ônibus quebrasse no meio do caminho e toda a tripulação tivesse de esperar até a chegada de um outro veículo. Houve um caso de emergência que, na falta de uma opção melhor, a viagem precisou ser completada em um ônibus escolar.

Na metade do calendário, as consequências deste calendário puxado e perverso já se abatia durante alguns dos músicos. Big Bopper pegou um resfriado. Buddy Holly se impacientava com o pouco tempo de sono e descanso para o corpo que o traslado pelas estradas proporcionava a ele. Algumas datas já estavam na iminência de ser canceladas. No dia 2 fevereiro, após deslocar-se por 560 quilômetros logo após o fim do show na noite anterior, a Winter Dance Party chegava à cidade de Clear Lake, no estado de Iowa. No dia seguinte, era preciso dirigir por mais 597 quilômetros até chegar a Moorhead, em Minnesota. No outro subsequente, mais 523 até Sioux City, em Iowa novamente.

Até que Holly, do alto de seus já experientes 22 anos de idade, tomou uma decisão: alugou em Clear Lake um jatinho para levá-lo, na manhã seguinte, até a cidade de Fargo, próxima a Moorhead. Assim seria possível descansar um pouco mais até voltar a cantar de novo, como headliner da turnê. O ônibus da Winter Dance Party parou no aeroporto de Mason City para ele poder trocar de veículo. O jatinho tinha apenas quatro assentos e havia mais duas vagas, além de Buddy e do piloto. O guitarrista dos Crickets, Waylon Jennings, solidário com o gripado Big Bopper, cedeu a ele seu lugar na aeronave para que também pudesse ter mais tempo para descansar e se recuperar para o show. Outro fator que contou a favor deste era seus quase dois metros de altura, algo que atrapalhava a acomodação durante as longas e fatigantes viagens por terra. Por fim, o baixista Tommy Allsup decidiu no cara ou coroa com Ritchie Valens a segunda carona. A moeda deu a vitória ao jovem vocalista, que aos 17 anos encarava sua primeira turnê pelo país.

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Para pilotar o Beechcraft Bonanza, estava escalado o jovem Roger Peterson, de apenas 21 anos de idade e ainda com pouca experiência na carreira. Era uma gélida manhã de terça, 3 de fevereiro, quando o jatinho decolou da pista e fez uma curva de 180 graus para a esquerda, indo para o noroeste e em direção a Fargo. Apesar das moderadas rajadas de vento e da neve, a decolagem foi tranquila. Contudo, o sinal de rádio foi logo perdido e a aeronave não chegou ao destino planejado. Por vota das nove e meia os destroços do avião foram localizados em um milharal a cerca de seis quilômetros e meio do local de partida. Pela alta velocidade com a qual se chocou ao solo, a fuselagem transformou-se em um emaranhado de metal, madeira e tecidos apoiado em uma cerca de arame farpado. Fragmentos do avião, bagagens pessoais e os corpos dos quatro ocupantes estavam espalhados pelo campo.

A primeira canção que abordou o trágico acidente que matou Buddy Holly, Ritchie Valens e Big Bopper foi escrita por Tommy Dee, cantor norte-americano de country, em 1959. O autor gravou-a em dueto com Carol Kay e o compacto superou a marca de um milhão de cópias vendidas no mesmo ano. Em 1960, o astro do rockabilly Eddie Cochran regravou-a mas não teve tempo de lançá-la: morreu em um acidente, quando estava em um táxi dirigindo-se a um aeroporto britânico ao de uma turnê do outro lado do oceano. A faixa permaneceu inédita até 1966, quando foi incluída em uma coletânea de raridades e gravações desconhecidas.

Em 1971, Don McLean compôs o folk “American Pie” e a colocou como faixa-título e abertura do segundo álbum de sua carreira. A balada com base no violão possui uma letra forte e relacionada ao desastre aéreo que marcou a primeira geração do rock’n’roll com a perda da inocência da juventude. Lançada no mês de novembro, a canção logo tornou-se um hit radiofônico e ocupou o topo das paradas norte-americanas por quatro semanas consecutivas. Foi também a responsável por popularizar a expressão “o dia em que a música morreu” como a maior referência à data de 3 de fevereiro de 1959. Em março de 2000, Madonna lançou uma regravação da mesma, incluída tanto na trilha sonora da comédia romântica Sobrou Pra Você, estrela por ela e o ator Rupert Everett, quanto em seu álbum de carreira Music. Resultado: mais uma coleção de número um nas paradas de singles do mundo inteiro, sobretudo as da Grã-Bretanha e da Europa.

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