Movies

Não Olhe Para Cima

Nova sátira de Adam McKay fica presa nas amarras de um discurso que só pode ser escutado por quem já o toma como verdade

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Netflix/Divulgação

Se há um filme recente que se tornou fenômeno nas discussões da crítica e nas redes como um todo, é Não Olhe Para Cima (Don’t Look Up, EUA, 2021 – Netflix). As reações divisivas são, muitas vezes, por questões externas ao filme, porém intrinsecamente ligadas a ele. É sintomático do poder do cinema que um cometa fictício cause mais reações na população mundial que as crises ambiental e sanitária que vivemos.

O roteiro de Adam McKay e David Sirota apresenta os cientistas Kate Dibiaski (Jennifer Lawrence) e Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), aluna e professor que descobriram que um meteoro mortal colidirá com a terra em seis meses. Ignorados pela presidente, uma espécie de Donald Trump interpretada por Meryl Streep, eles vão à mídia para espalhar a devastadora notícia. Claro que a iminência do fim do mundo é menos importante para a grande mídia e seus espectadores (a sociedade como um todo) do que picuinhas românticas, memes e intrigas entre artistas famosos.

O tom de sátira política é evidente. McKay conduz o circo do absurdo com a devida ansiedade e inquietude: A câmera desfoca, balança e enquadra os rostos aflitos de suas personagens, cujo desespero é um que todos nós já sentimos no enfrentamento da pandemia de coronavírus ou da crise climática. A decisão de linguagem da direção funciona muito bem, até insistir em não explorar conflitos para além dos que apresenta de cara, tornando seus personagens caricaturas de si mesmos.

Essa hipersimplificação temática e psíquica das personagens e conflitos funciona politicamente (pois é impossível analisar essa obra sem levar em conta sua sombra política imensurável) mais como um tiro que saiu pela culatra que uma estratégia de ampla assimilação e aceitação do filme pelo grande público. Além de reduzir a crise apresentada (clara metáfora para a iminência do colapso climático em nosso mundo) a um “nós versus eles” que carrega consigo uma significação quase dogmática, o serviço à trama faz com que personagens ajam com pouco sentido ou seus conflitos não nos pareçam tão aterrorizantes – afinal, mal conhecemos Dibiaski, Mindy ou as poucas personagens secundárias que teriam alguma dimensão além da caricatura, ao contrário do escracho unidimensional dos antagonistas, como a presidente Orlean (Streep), seu filho “Carluxo” Jason (Jonah Hill) ou o bilionário Isherwell (Mark Rylance).

Contudo, McKay é aguçado na comédia política e nos presenteia com belos momentos, muito bem ancorados nas belíssimas atuações de Streep e Hill. Se seu discurso político não parece minimamente capaz (ou interessado) em discutir a condução da crise climática num debate sincero entre, para ilustrar com elementos do próprio filme, os simpatizantes de Orlean e aqueles que escutam a ciência (percebe como fica claro o moralismo prejudicial ao longa?), Não Olhe Para Cima é um diagnóstico assolador do impacto de uma das figuras mais centrais à política contemporânea nos últimos anos. Não é Trump, muito menos Bolsonaro.

As comparações entre personagens da ficção e do circo do absurdo próprio à política brasileira e à gestão do presidente atual que viralizaram nas redes sociais, inclusive, são sintomáticas. A sátira da política americana de McKay ressoa tão bem (à primeira vista) com nossa realidade por um elemento comum às duas: Steve Bannon. Seu efeito na operacionalização das fake news; do discurso negacionista e divisivo; e do espetáculo como cortina de fumaça são as armas de Orlean para minimizar a importância do meteoro até que se prove politicamente relevante. A relativização dos impactos ao ambiente e à vida humana em virtude das “oportunidades econômicas” são, também, artifícios da antagonista de Não Olhe Para Cima e dos políticos de orientados por Bannon desde sua ascensão como marqueteiro-mor da extrema direita.

Claro que, sendo esta a peça política que é, deve-se questionar o resultado prático dessa leitura da realidade tornada sátira. Se A Grande Aposta (2015) e Vice (2018), empreitadas anteriores de Adam McKay no campo da política, acertaram muito na condução de histórias cuja narrativa sempre lhes favoreceu nos Estados Unidos, não se pode dizer o mesmo de Não Olhe Para Cima. A característica unidimensional de sua trama cansa, o diretor parece se engessar nas amarras de um discurso que só pode ser escutado por quem já o toma como verdade. Por mais divertida a piada – e há várias dessas nesse longa-metragem – pouco importa a chuva de aplausos se nenhum deles pode ser ouvido de fora das paredes em que o show está rolando. Não importa a intensidade do barulho se quem precisa escutá-lo jamais o fará.

Movies

Mulher-Maravilha 1984

A amazona Diana retorna às telas em história bastante fraca e confusa, o que acaba por ameaçar as expectativas para o próximo filme da trilogia

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Warner/Divugação

Em 2017, Patty Jenkins apresentou ao mundo o primeiro filme solo da Mulher-Maravilha. O longa agradou público e crítica e criou altas expectativas para sua sequência. Depois de boatos e adiamentos, Mulher-Maravilha 1984 (Wonder Woman 1984, EUA/Reino Unido/Espanha, 2020 – Warner) estreou e, ao contrário do primeiro, passou longe de um consenso entre fãs e imprensa. O segundo filme da franquia é fraco, confuso e repete os mesmos erros do primeiro, mas sem o principal que fez o título de três anos antes gerar uma boa experiência: o carisma. 

A primeira cena do filme é um flashback da infância da protagonista, quando ainda vivia em Themyscira, em que ela trapaceia em um jogo com outras amazonas. Com isso, aprende a importância da verdade. É isso? Sim, é isso. Os visuais são muito bonitos e a ação entretém, mas o formato sermão é meio esquisito. A segunda cena mostra Diana (Gal Gadot) já adulta, nos anos 1980, salvando pessoas de ladrões em um shopping center. A amazona esconde sua identidade heróica e torna-se uma espécie de justiceira silenciosa. Sem uniforme, trabalha lidando com antiguidades.

Se não tivesse 1984 no título, seria difícil precisar em que época a história está situada. Tirando alguns momentos como a cena do shopping ou quando o personagem de Chris Pine prova roupas, a ambientação é genérica. Aliás, continuando o tópico do visual, os pôsteres podem ter contribuído muito para a decepção com o filme. O novo uniforme, dourado, grandioso, com asas, é extremamente mal utilizado. Aparece por tão pouco tempo que não dá para entender porque foi parte tão importante da divulgação. 

Steve (Pine) é um dos personagens principais do longa de 2017. A escolha para trazê-lo novamente ao elenco é difícil de justificar. Ele é divertido, mas a forma como seu personagem “volta” não é convincente. Se no primeiro filme tínhamos uma Mulher-Maravilha que discursou sobre não precisar de homens, na sequência temos outra que está disposta a sacrificar a vida de uma pessoa e prejudicar o destino da humanidade por outro. Confuso, não é? A mudança repentina de personalidade da personagem é difícil de engolir, é abrupta. O sentimento de luto de Diana deveria ter sido tratado de maneira diferente.

O grande vilão do filme é o ambicioso Maxwell Lorenzano (Pedro Pascal), que encontra uma pedra realizadora de desejos. A relíquia é chamada neste filme como “pata do macaco” – o que significa que na mesma medida que ela dá, ela tira algo. É nessa lógica que os grandes acontecimentos do filme se desenrolam. Por mais que seja interessante, torna-se forçado. Ver Maxwell induzindo as pessoas a dizerem o que desejam não é sutil nem para uma ficção.

Falando em sutileza, Patty Jenkins teve zero disso ao conduzir uma cena da Mulher-Maravilha salvando crianças em um Egito oitentista e fruto do imaginário racista estadunidense. Gal Gadot nasceu em Israel e nunca escondeu suas posições a respeito da Palestina. Colocá-la falando árabe, tirando crianças da estrada para que não fossem atropeladas por outros “egípcios sem coração” é falta de noção. A escolha por um ator e um personagem latinos para emular a megalomania de Trump também é uma falta de tato sem tamanho. A sorte é que Pedro Pascal é ótimo ator. 

A primeira parte de WW84 (como o longa foi apelidado na internet) é muito abaixo do esperado. A química entre Pine e Gadot não se repete, a história ainda está se desenvolvendo e Pascal e Kristen Wiig acabam roubando a cena. A comediante, que manteve sua audição para o filme em segredo, interpreta a cientista Barbara Minerva, que torna-se a vilã Cheetah. Inicialmente tímida e desengonçada, após desejar a pedra mágica para ser mais igual a Diana adquire superpoderes. Como filmes de herói com dois vilões precisam balancear a história para não desperdiçar um destes personagens, infelizmente Cheetah é desperdiçada. Sua transformação chega tarde, dura pouco, não impressiona e deixa o desejo dela ter aparecido em outra obra. 

A Mulher-Maravilha de 2017 encantou por mostrar a amazona conhecendo um mundo novo e se apaixonando por um humano. A narrativa da vilania humana era um bom caminho, um bom espelho – uma pena que, no final, o roteiro escolheu transformar o vilão em um deus. A mudança repentina de tom se repete na sequência de 2020. Quando o clímax do filme chega, somos surpreendidos com mais um sermão. Lutas? Estratégias? Uso da nova armadura? Não, conversa-clichê com o público. Essa é a grande arma usada pela heroína. Ela palestra sobre a importância da verdade. Isso já seria questionável, considerando que o principal defeito do vilão não era mentir e sim ser ambicioso e inescrupuloso. Contudo, o papo meia-boca para salvar o mundo se parece mais com Gal Gadot cantando “Imagine” com outros artistas do que uma heroína salvando o mundo.

Jenkins é uma boa diretora, mas precisa aprender a editar suas ideias. Um filme menor, mais contido, seria certeiro. A história expõe fraquezas de roteiro, de atuação, de edição e de efeitos especiais (a cena do laço da verdade repelindo tiros é muito mal feita!). Quem sabe se o enredo fosse a busca pela amazona perdida Asteria o resultado seria mais empolgante. Na era dos filmes de super-heróis, o melhor pode ser mirar em tramas simples e que encantem pelo desenvolvimento.

Não é injusto dizer que Mulher-Maravilha 1984 é decepcionante – pode-se falar muito de um filme quando sua melhor cena é a que vem após créditos. E mais um título já está confirmado, criando novas esperanças de uma história como a de 2017, mas mantendo o medo de uma como a de 2020. Fica a expectativa de uma aventura digna da heroína e que explique o porquê, em Batman Vs Super Homem, dela não ter qualquer lembrança de seu passado. 

Music

História do Rock: Synth Pop 81 – Parte 3

Oito clássicos do mágico ano que, há exatas quatro décadas, consolidava os sintetizadores como o principal instrumento da música pop britânica

Soft Cell

Texto por Abonico Smith

Fotos: Divulgação/Reprodução

Nos dois textos anteriores desta matéria especial você acompanhou a trajetória de sucesso do synth pop no comecinho dos anos 1980, em especial a sua temporada de 1981, quando o gênero ganhou popularidade no Reino Unido e também nos mercados fonográficos da Europa e dos Estados Unidos. Leu também sobre a gestação do mesmo em meados da década de 1970 e todos os seus conceitos tecnológicos – que também envolviam altas doses de paixão pela literatura e pelo cinema, especialmente quanto às distopias e histórias de ficção científica.

Para esta terceira parte, o Mondo Bacana preparou uma lista de oito faixas seminais daquele que foi ano de ouro, decisivo para a consolidação do sucesso mundial synth pop.

ULTRAVOX – VIENNA 

Faixa-título do quarto álbum da anda, lançado em 1980, esta foi a opção para o lançamento do terceiro single extraído do disco, já nos primeiros dias de janeiro do ano seguinte. Sob o comando do mítico produtor germânico Conny Plank (um dos nomes que conceberam o krautrock ao trabalhar com bandas como Neu! e Kraftwerk em meados da década anterior), o grupo inglês encontrava-se em fase de reinvenção. Estreava novo vocalista (Midge Ure, que viera do contemporâneo Visage), nova sonoridade (antes havia flertes com o art rock, o glam e o pós-punk) e estabelecia um novo processo coletivo de criação de divisão de renda, que fora exatamente o motivo da discórdia que culminou com a saída do frontman original John Foxx para a sua carreira solo). No estúdio de gravação, o tecladista e violinista Billy Currie propôs a criação de uma música que pudesse proporcionar o encontro dos sintetizadores e percussões eletrônicas com o virtuosismo clássico. Então, nada melhor do que batizá-la com o nome do berço da música erudita europeia e ilustrar o caso de amor de seus versos com algumas referências. O clipe, dirigido pelo australiano Russell Mulcahy (que cinco anos depois viria a assinar o longa-metragem Highlander: O Guerreiro Imortal) foi gravado parte em Londres (na maioria as cenas internas) e parte na capital austríaca (as cenas externas, em apenas uma madrugada e uma manhã de muito frio). O trecho do cemitério envolve a visita ao túmulo de Carl Schweighofer, fabricante que abasteceu com pianos boa parte de Viena durante toda a segunda metade do século 19. Outra grande referencia do clipe é O Terceiro Homem (1949), obra-prima do cinema britânico que trazia Orson Welles no elenco, uma história de crime e suspense e a mistura de traços do cinema noir com o expressionismo alemão. A balada tornou-se a música de maior sucesso da carreira do grupo e foi executada pelo quarteto em sua aparição no estádio de Wembley durante o Live Aid de Londres, em julho de 1985.

DEPECHE MODE – DREAMING OF ME

A galinha dos ovos de ouro descoberta pelo produtor Daniel Miller logo começou a dar bons rendimentos para seu selo Mute. Mal saiu em fevereiro de 1981 e o compacto de estreia deste quarteto, formado na cidade metropolitana de Basildon por quatro esbeltos garotos entre 19 e 21 anos, caiu nas graças dos adolescentes (e pós-adolescentes) britânicos, dando início a um culto fervoroso do Depeche Mode que se espalhou por outros continentes e permanece inabalável até hoje, quarenta anos depois. Pudera. Extremamente pegajosa, gruda no cérebro tal qual chiclete, tanto com o riff quanto a melodia do refrão. Impossível não começar a ouvir e sair dançando logo na sequência. O autor da faixa, Vince Clarke, assinava todas as composições da banda até o fim daquele ano. Obsessivo por deter todo o controle criativo, não só o autoral mas também da instrumentação dos arranjos, ele entrou em conflito com os outros integrantes, especialmente Martin Gore, que também queria começar a incluir suas criações no repertório. Clarke acabou deixando a banda logo. Foi em novembro, um mês depois do lançamento de Speak & Spell, o primeiro álbum do quarteto. Substituído por Alan Wilder (que permaneceria com o quarto elemento até 1995), Vince não tardaria a reencontrar o sucesso com outros projetos como o Yazoo, dupla formada com a cantora Alison Moyet, também residente de Basildon, e o Erasure, uma nova dupla, criada junto ao vocalista Andy Bell.

HEAVEN 17 – (WE DON’T NEED THIS) FASCIST GROOVE THANG

Assim que abandonou o barco do Human League, banda que havia colocado os primeiros pilares, o tecladista e produtor Martyn Ware não demorou a “dar o troco” no vocalista Philip Oakey. Levou consigo outro membro-fundador, o também tecladista Ian Craig Marsh, convocou o amigo de adolescência e agora disponível Glenn Gregory (também fotógrafo, a quem já havia recorrido, sem sucesso, antes de convidar Oakey para o HL) e já colocou o Heaven 17 em ação. O nome do novo projeto veio de uma banda fictícia criada pelo escritor Anthony Burgess para o romance distópico Laranja Mecânica. As letras eram baseadas em crônicas sociopolíticas e o conceito sonoro incluía o uso maciço de drum machines e sintetizadores. O primeiro resultado disso foi este singlelançado e março, um petardo esquerdista frente à suposta “alienação” de Oakey e seu desinteresse em versos politizados frente à adoção da celebração do glamour, do estilo e da vida noturna. Com uma batida construída na LinnDrum (que logo viria a se tornar um dos modelos mais populares de bateria eletrônica nos anos 1980), forte linha de baixo e uma complexa textura de barulhos e sons vinda dos sintetizadores, esta música era um grande libelo contra o recente crescimento do neoliberalismo nos dois polos do eixo anglo-americano (leia-se os recentes governos da primeira ministra Margaret Thatcher e do presidente Ronald Reagan – que até é citado nominalmente na voz de Gregory). Ware, Marsh e Gregory chamam tudo isso de “onda fascista”, metemo dedo na cara do preconceito e do racismo e chegam a tecer comparação com a popularidade de Hitler e o recente reflexo do nazismo alemão na terra arrasada da felicidade europeia. Tudo isso com um poderoso groove embalado pelo linguajar usado pelos negros americanos dos guetos dos grandes centros urbanos nos anos 1970 (iniciado pelo personagem de cinema Dolemite e que acabou moldando muita letra de funk e rap desde então). Recentemente, por causa de um Estados Unidos (des)governado pelo ainda mais extremista Donald Trump, “(We Don’t Need This) Fascist Groove Thang” foi resgatada pelo LCD Soundsystem, que a colocou em seu repertório de shows e a gravou no álbum ao vivo Electric Lady Sessions, lançado no início de 2019.

SOFT CELL – TAINTED LOVE

Era uma vez um obscuro lado b de um compacto lançado em maio de 1965 pela cantora americana Gloria Jones. A canção, completamente inspirada no som da Motown (fast tempo, sopros, base harmônica traçada pela guitarra, backing vocals femininos), não fez qualquer sucesso na época. Um DJ dos bailes de northern soul adquiriu o disco durante uma viagem aos EUA em 1973, quando Jones já havia cruzado o Atlântico e se encontrava profissional (como backing vocal) e romanticamente (namorada e futura mãe do filho de Marc Bolan) com o glam do T-Rex. Foi o que bastou para a faixa pegar fogo nas pistas do norte da Inglaterra e se transformar em grande hit. Quando o Soft Cell falhou em seu primeiro disco e a dupla de Leeds só tinha mais uma oportunidade para provar sua competência perante à distribuidora que atuava com o selo independente Some Bizarre, cujo dono também era o empresário da dupla, a cabeça instrumental da formação, Dave Ball, lembrou-se de “Tainted Love” nos bailinhos que frequentava na adolescência. Junto ao vocalista Marc Almond – que sempre teve paixão irrestrita pela música de cabaré e dividia com Ball uma certa queda por David Bowie da fase Berlim – a escolha provou ser uma opção certeira O andamento foi desacelerado, a batida ganhou um certo swing jazzy (mesmo sendo feita com padseletrônicos) e, em julho de 1981, retornou pronta e embaladinha para reconquistar as pistas. E tornou-se um furacão Transformou-se em hit do verão, alcançando os primeiros lugares das paradas em diversos países, não só do continente europeu. Nos Estados Unidos, permaneceu 43 semanas consecutivas na Billboard. Além de ganhar uma nova versão estendida para as pistas de dança (com nove minutos de duração e emendada com “Where Did Our Love Go?”, clássico do girl group da Motown Supremes, também dos anos 1960), tornou-se a mola propulsora do álbum de estreia da dupla. Non-Stop Erotic Cabaret chegou às lojas no final de novembro, emplacando outras duas faixas no Reino Unido (“Bedsitter” e “Say Hello, Wave Goodbye”), mas sem repetir a performance avassaladora no exterior. 

CABARET VOLTARE – SPREAD THE VIRUS 

Olhe ao seu redor. Está tudo uma paranoia só. O mundo anda confuso, correndo em direções desencontradas. Todos batem cabeça. Choque e confronto ocorrem por toda parte. Ninguém se entende. Cores são subentendidas como códigos de conduta, mesmo sem a intenção de sê-los. Um vírus está sendo propagado de modo incontrolável. Novas seitas evangélicas se beneficiam da tecnologia e usam todos os meios de comunicação populares disponíveis para também espalhar a sua receita de controle e doutrinação mental e espiritual. Alguma semelhança com os dias atuais? Pois bem, estas são as temáticas de Red Mecca, o terceiro álbum do então trio Cabaret Voltaire, gravado em maio de 1981 e lançado quatro meses depois. Fruto de um choque cultural ocorrido dois anos antes, quando o grupo fez uma pequena turnê pelos Estados Unidos, o disco, bastante tenso, previa o caos que estamos vivendo quatro décadas depois durante as perturbadoras colagens sonoras de ritmos, ruídos, vozes, cordas sampleadas, loops de fitas magnéticas e sonoridades desconexas de guitarras, sintetizadores analógicos, percussões e até um clarinete.  A marca da maldade humana está presente nas oito faixas deste que é considerado um dos maiores discos de música industrial de todos os tempos. A última destas faixas, “Spread The Virus” coroa o clímax do perfeito equilíbrio entre experiências e entrismo construído por uma banda verdadeiramente against the machine – não as máquinas instrumentais, mas sim o sistema que procura oprimir o ser humano de todo e qualquer jeito.

OMD – MAID OF ORLEANS (THE WALTZ JOAN OF ARC)

Discípulos fervorosos do Kraftwerk embora também nunca tenham disfarçado o gosto pela sonoridade das mandas do merseybeat dos anos 1960, Andy McCluskey (baixo, vocais) e Paul Humphreys (teclados, vocais) tiveram a sorte de emplacar um hit logo no primeiro compacto, “Electricity”, lançado em 1979. No ano seguinte, já tinham repertório e poder de fogo suficiente para lançar os dois primeiros álbuns da carreira. Mas foi somente com o terceiro, em 1981, que chegaram ao status de obra-prima. Conceitual desde o primeiro dia de gravação, Architecture + Morality revelou no mês de novembro uma banda madura e capaz de explorar, conscientemente, seus limites junto aos sintetizadores. Com a célula criativa centrada na dupla,  o álbum foi um grande risco justamente por não se parecer em nada com o que o Orchestral Manouevers In The Dark já havia feito desde então. Com algumas longas peças instrumentais construídas sobre estudos sobre ruídos e texturas sonoras, o disco também prima por trazer o mellotron para música pop, já que o instrumento, até então, era mais conhecido pelo uso por bandas psicodélicas (Pink Floyd, Beatles em “Strawberry Fields Forever”, Rolling Stones ainda com Brian Jones) e progressivas (King Crimson, Yes, Genesis, Rush), respectivamente nos anos 1960 e 1970. Uma das faixas era “Maid Of Orleans (The Waltz Joan Of Arc)”, uma poderosa balada em compasso 6/8 (daí a referencia à valsa no título) em homenagem a Joana D’Arc. O lindo clipe, sob a assinatura do então ascendente diretor Steve Barron, revela um delírio da banda com a padroeira francesa, que vai crescendo junto ao arranjo envolvente de riff grudento e à batida marcial na caixa da bateria. Esta não é a única composição dedicada a Joana D’Arc. Abrindo o lado B, logo antes dabalada citada acima, há “Joan Of Arc”, escrita por McCluskey no fim de maio, no mesmo dia em que se celebrava 550 anos da morte dela. Ambas foram lançadas em single no Reino Unido naquele ano. “Souvenir”, do mesmo álbum, também foi. Juntos, os três discos superaram a marca de oito milhões de cópias vendidas. Já o álbum acabou incensado pela crítica e eleito um dos melhores da temporada por várias publicações. Gente como Moby e Tum Burgess (Charlatans) considera até hoje Archutecture + Morality como uma das principais influências de sua vida musical.

NEW ORDER – EVERYTHING’S GONE GREEN

Transição foi a palavra que melhor definiu a temporada inicial do New Order. Quando Ian Curtis matou-se em 18 de maio de 1980, às vésperas de embarcar para a primeira turnê marcada pelos Estados Unidos, a carreira do Joy Division estava em uma bela curva ascendente, com Closer, o segundo álbum da banda, prestes a chegar às lojas, assim como aquele que viria se transformou no grande hit do quarteto, o single “Love Will Tear Us Apart”. Das cinzas do Joy Division, os três membros que restaram construíram o New Order, adicionando uma tecladista oficialmente e passando a adotar, sob o comando do agora vocalista Bernard Sumner, um direcionamento mais frequente rumo aos sintetizadores (que já começavam a aparecer com mais frequência nos arranjos das últimas gravações do JD) e drum machines. O trabalho em estúdio continuou junto à gravadora Factory e ao produtor Martin Hannett, o que permitiu um desenvolvimento identitário durante as gravações, inclusive começando por um single extraído do repertório final do JD (“Ceremony” teve a sua primeira execução ao vivo no último show com Ian Curtis). Juntados os cacos, o ano de 1981 foi bastante prolífico em resultados. Rendeu três singles e um álbum de estreia (Movement, com oito faixas não incluídas nestes compactos). O último deles, “Everything’s Gone Green”, lançado em dezembro, já deixava claro o caminho que o quarteto iria percorrer nos dois próximos anos. Resultado de um processo turbulento de gravação por conta do desgaste provocado pela metodologia nada ortodoxa no estúdio utilizada por Hannett (que nunca mais voltaria a trabalhar com a banda), a faixa começa turbinada pelo casamento de bateria eletrônica com o baixo de Peter Hook cumprindo as missões de traçar melodia e harmonia. Depois de versos ainda assombrados pela tragédia ocorrida com Curtis (como “It seems like I’ve been here before” e “Won’t you show me, please show the way” são repetidos de modo assustador), chega o êxtase promovido pela pajelança de percussões manuais em cima do loop rítmico. A gênese dos vindouros big hits “Temptation” e “Blue Monday” está todinha lá.

HUMAN LEAGUE – DON’T YOU WANT ME

Não bastasse a temporada magnífica do synth pop durante todo o ano, em dezembro veio o tiro de misericórdia. Quarto single do álbum Dare (e o primeiro a chegar às lojas depois do disco já ter sido lançado), “Don’t You Want Me” alcançou o topo das paradas britânicas na semana do Natal e vendeu mais de um milhão e meio de cópias. O êxito acabou se repetindo do outro lado do oceano. Impulsionada pelo belíssimo videoclipe, veiculado à exaustão pela MTV americana nos meses seguintes, a faixa ganhou também as rádios FM do país e chegou ao primeiro lugar da Billboard em julho do ano seguinte, onde permaneceu por três semanas, e a uma indicação ao Grammy de artista revelação em 1983. O sucesso massivo coroou a queda de braço vencida pelo vocalista Philip Oakey com o tecladista, líder e fundador da banda Martyn Ware. Insatisfeito com o caminho turbulento do grupo até então, que nos discos anteriores havia apostado em uma sonoridade mais experimental e menos acessível e, por conta disso, havia fracassado em vendas e feito turnês nem tão bem sucedidas assim, Oakey se propôs a arcar com todos os compromissos e dívidas acumuladas junto à gravadora. Ware fez suas malas e deixou a banda, que pôde se direcionar a um caminho mais pop com seus sintetizadores, agora adicionando nos vocais de apoio duas adolescentes que sequem tinham terminado o colégio. A aposta de Oakey logo se confirmou no primeiro single, lançado em abril, chamado “The Sound Of The Crowd”. O novo Human League vinha embalado para as pistas de dança com muito estilo no visual, letras sobre nightlife dos grandes centros urbanos no talo (bebidas, festas, relacionamentos) e chega ao ápice em “Don’t You Want Me”, a última faixa do lado B e o quarto dos singles lançados pela banda naquele ano. A letra retrata uma DR de um casal no melhor esquema “ele disse, ela disse”. Primeiro vem a posição masculina, dotada de toda pompa machista, discursando que ela não deve deixa-lo porque foi ele o responsável pela realização profissional da moça. Depois vem a voz dela, rebatendo o blá blá blá possessivo, dizendo que chegaria a todo e qualquer lugar, independentemente de qualquer homem por trás. O clipe dirigido por Steve Barron em película cinematográfica de 35mm para a faixa reflete o glamour do novo HL. A narrativa do vídeo funciona como um making of de um longa-metragem de crime e suspense, no qual a atriz principal é a vocalista Susan Ann Sully e o diretor, Oakey. Entre as influências declaradas da obra estão A Noite Americana (de 1973, do francês François Truffaut), Nasce Uma Estrela (a versão de 1954, do diretor George Cukor, com Judy Garland) e, claro, o recente clipe de “Vienna”, do Ultravox. Vale lembrar também que, por causa deste trabalho com o Human League, Barron foi escolhido por Michael Jackson para dirigir “Billie Jean” em 1983, e também assinou trabalhos de OMD (“Maid Of Orleans”), Toto (“Africa”, “Rosanna”), Simple Minds (“Promised You a Miracle”), Tears For Fears (“Pale Shelter”), Rod Stewart ( “Baby Jane”), Madonna ( “Burning Up”), David Bowie (“Underground”) e Paul McCartney (“Pretty Little Head”). Suas obras mais conhecidas – e que também revolucionaram o mundo dos vídeos musicais – são ambas de 1985: “Take On Me” (A-ha) e “Money For Nothing” (Dire Straits).

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Music

Brujeria

Letras altamente politizadas, humor negro e zoações com Trump: oito motivos para não perder o show da banda em Curitiba

Brujeria2019

Texto por Rodrigo Juste Duarte

Foto: Divulgação

A banda Brujeria está em turnê pelo Brasil e vai se apresentar em Curitiba nesta sexta-feira de feriado (15 de novembro) no Jokers Pub (mais informações sobre o concerto estão aqui). Conhecido até por quem não costuma apreciar música extrema, o Brujeria – que está celebrando trinta anos de existência – tornou-se uma das mais conhecidas formações do grindcore mundial.

Para quem ainda não conhece, aqui vão oito motivos para não perder uma apresentação da banda, em especial a desta noite na capital passagem, onde o Brujeria toca pela segunda vez.

Humor negro

Tudo começou como uma piada, reunindo músicos amigos de várias bandas conhecidas como Napalm Death, Faith No More e Fear Factory. A brincadeira unia vocais guturais em espanhol (por conta de Juan Brujo, um dos poucos membros que restaram da formação original), instrumental brutal e letras que faziam referência a cultura mexicana subversiva, narcotráfico e até satanismo – além do mistério em torno das identidades dos músicos, que usam pseudônimos. Imagine agora tudo isso potencializado em seu álbum de estreia Matando Gueros, de 1993, que teve capa censurada em vários países por ter uma foto tirada de um jornal sensacionalista com a imagem de uma cabeça decepada em um suposto ritual (até hoje há controvérsia sobre a tal notícia, mas a cabeça se tornou um personagem apelidado de Coco Loco, que é referenciado em várias artes da banda). A intenção era chocar e ela foi cumprida. A fama da banda ganhou o mundo.

Virada sócio-política

A partir de 1995, com o lançamento do segundo álbum Raza Odiada, a banda adquiriu um tom mais denunciativo, partindo para uma pegada sociopolítica, abordando a partir de então seguintes questões sobre preconceito sofrido pelos latinos. Nisso sobrou para políticos americanos dos mais estúpidos, que não tinham a menor vergonha de latir suas ideias retrógadas. Exemplos? Pete Wilson, ex-governador da Califórnia, e o hoje presidente estadunidense Donald Trump.

Trolando Gueros 

Quando aparece alguém fazendo ou falando baboseiras dignas de receber o selo “inimigo dos mexicanos”, pode esperar que, mais cedo ou mais tarde, o Brujeria vai compor algo a respeito para zoar o sujeito. E esta vai ser com um senso de humor negro peculiar da banda. O ex-governador da Califórnia Pete Wilson ganhou duas músicas (“Raza Odiada” e “California Uber Aztlan”). Donald Trump, ainda quando estava em campanha para eleição presidencial, foi homenageado em “Viva Presidente Trump”. Neste ano, já em campanha extraoficial para a reeleição, voltou a ser fonte de inspiração para a banda na letra e na capa do single “Amaricon Czar”. Em tempo: no último álbum, Pocho Aztlan (2016), uma das imagens presentes é do vergonhoso muro mexicano erguido na fronteira entre os Estados Unidos e México, onde está pichado o sobrenome do republicano que hoje ocupa a Casa Branca.

Set list de clássicos

O cartaz da turnê brasileira informa que o show contará com os clássicos dos quatro álbuns. Se repetirem o mesmo repertório que já tocaram nas primeiras cidades da turnê brasileira, o público será contemplado com diversas faixas dos álbuns Raza Odiada e Brujerismo (2000), somadas a algumas poucas do trabalho de estreia (“Matando Gueros” e “Desperado”) e do mais recente Pocho Aztlan (“Satongo” e “No Aceptan Immitaciones”), além de músicas de duas músicas novas (“Amaricon Czar” e “Lord Nazi Ruso”). Só é uma pena que não haja espaço para muitas do último disco, talvez por ele não ter sido muito marcante na carreira do grupo. Mas ainda assim lá estão suas pérolas. Se o público pedir a plenos pulmões, quem sabe eles não tocam o hino “Mexico Campeon” (feito para a última Copa do Mundo) ou a releitura “California Uber Aztlan”?

Juan Brujo

Todos os integrantes têm outras bandas. Menos o vocalista, que integra o Brujeria com exclusividade. Vários músicos são americanos de origem hispânica. Mas Juan Brujo é mexicano de fato. Ele sempre se apresenta com o rosto coberto por um lenço com a bandeira do México, mantendo sua identidade em sigilo por décadas. Boa parte do universo do Brujeria é escrito por Brujo nas letras da banda. É uma figura icônica.

Choke

A noite de 15 de novembro no Jokers não se resume apenas ao show do Brujeria em Curitiba. A produção caprichou na escalação de bandas de abertura, trazendo ao palco um verdadeiro trio de ferro da música extrema de Curitiba. Isso inclui o Choke, que conta com vocais e letras do também escritor e filósofo Ottavio Lourenço (se você já esteve na Biblioteca Pública do Paraná e foi atendido por um bibliotecário que vinha trabalhar todo dia com uma camiseta do Brujeria, pode ter certeza que era ele). A banda teve início em 1998 e de lá para cá já fez nada menos do que quinze turnês levando seu metal crossover para países da América do Sul. A discografia conta com seis álbuns lançados, além de um split.

Jailor

Há quem diga que esta é a reserva moral do thrash metal de Curitiba. Aliás, um thrash devastador, diga-se de passagem. Assim como o Choke, também iniciou atividades em 1998, chegando em 2005 ao primeiro álbum Evil Corrupts. Dez anos depois, o grupo lançou o segundo, intitulado Stats Of Tragedy. Ambos possuem produções dignas das bandas do primeiro escalão do gênero no Brasil, com um cuidado precioso tanto nas músicas quanto nas gravações. O Jailor já abriu shows de grandes nomes do metal mundial, como Destruction, Exciter, Exodus, além de tantas outras estrangeiras e nacionais.

Necrotério

Provavelmente o maior representante do metal extremo paranaense. Sua temática é splattergore. No ano passado completou 25 anos, acumulando no currículo três álbuns, um DVD e duas turnês europeias (tendo tocado na Alemanha, Bélgica, França, República Tcheca, Croácia, Eslovênia, Áustria, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Itália). Ainda nos primórdios, seu nome repercutiu pelo Brasil quando o grupo gravou um videoclipe comandado pelo diretor de filmes trash Peter Baiestorf.