Misturando gêneros e colecionando prêmios e boas críticas, mistura de passado e presente do eterno país do futuro chega ao DVD e ao streaming
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Vitrine /Divulgação
Distopia é a antítese da utopia. Este é um termo que vem bem a calhar nesse novo cenário mundial promovido pela pandemia do covid-19. Nossa realidade parece até roteiro adaptado de um livro de Aldous Houxley ou George Orwell ou mesmo algo criado por Stanley Kubrick. Mentes aptas a imaginar um ataque de um vírus mutante que condicionaria o ser humano a privar-se de sua liberdade e ser impedido de sair de suas casas e ter contato físico com as pessoas.
Futuros distópicos, em regra pós-apocalípticos, onde a paranoia se instaura, originaram uma série de filmes de ficção, muitos baseados na literatura de autores citados acima. Entre eles está Bacurau (Brasil/França, 2019 – Vitrine) , coprodução premiadíssima mundo afora, que levou o prêmio do júri em Cannes cinco meses antes de entrar nas salas dos cinemas no Brasil no ano passado.
O longa é uma ótima pedida para assistir nesse recesso forçado. Já pode ser encontrado em DVD (com venda exclusiva pela Livraria Cultura, aliás) com o plus de um making of mostrando os bastidores da filmagem realizada no sertão do Seridó, no Rio Grande do Norte. Mas se você não pretende mandar vir pelo correio (já que devemos todos ficar em casa), pode ainda ver o filme pelos canais Play e Premium do Telecine, atualmente com sinal aberto para não assinantes.
Bacurau é o terceiro longa-metragem dirigido e escrito por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles depois de Aquarius e O Som ao Redor (o primeiro, no catálogo do Telecine; o segundo, disponível na Netflix). Além da conquista de Cannes e outros prêmios, foi eleito o melhor filme de 2019 pela Associação Paulista de Críticas de Arte (APCA). O reflexo disso pode ser conferido nas críticas positivas nacionais e estrangeiras, como dos jornais The New York Times, que teceu elogios à obra, e The Guardian, que a chancelou com quatro estrelas. Esse fascínio por Bacurau se deve muito por conta da ótima performance do elenco, com atores experientes como Sônia Braga e o alemão Udo Kier à frente da escalação predominantemente nordestina.
Tanto sucesso é explicado principalmente pela originalidade do roteiro capaz de tecer uma crítica sociopolítica complexa, sem cair no lugar-comum da maioria dos filmes brasileiros a que costumamos assistir nos cinemas, principalmente na abordagem que faz sobre a violência. Como já dito, a trama se passa num futuro distópico, fato que fica evidente na introdução e a beleza futurística da abertura embalada ao som de “Não Identificado”, composta por Caetano Veloso e eternizada na voz de Gal Costa. Bacurau é o nome de um povoado fictício que está fora do mapa. Ao descobrirem que não existem oficialmente, moradores percebem uma série de eventos estranhos que vão culminar num verdadeiro bangue-bangue propiciado por um grupo de estrangeiros – americanos liderados por um alemão – que se apropria dessa terra de ninguém a fim de exterminar os moradores como num jogo de videogame.
Os moradores de Bacurau são, literalmente, presas dos gringos. Por isso, precisam lutar com unhas, dentes e armas, bem ao estilo de Lampião, para sobreviver ao domínio dos inimigos. No filme, assim como a figura do cangaceiro, os vilões se transformam em heróis, interpretados de forma magistral por Silvero Pereira (Lunga) e Acácio (Thomas Aquino).
Costurada de forma sui generis, a trama mescla diferentes gêneros como western, comédia, drama e suspense (com uma clara homenagem ao cinema do americano John Carpenter, do qual Mendonça Filho é fã declarado). Numa leitura abrangente, o filme corresponde a uma alegoria do Brasil, sendo capaz de, em 130 minutos, dialogar sobre passado e presente do eterno país do futuro.