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Brujeria

Letras altamente politizadas, humor negro e zoações com Trump: oito motivos para não perder o show da banda em Curitiba

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Texto por Rodrigo Juste Duarte

Foto: Divulgação

A banda Brujeria está em turnê pelo Brasil e vai se apresentar em Curitiba nesta sexta-feira de feriado (15 de novembro) no Jokers Pub (mais informações sobre o concerto estão aqui). Conhecido até por quem não costuma apreciar música extrema, o Brujeria – que está celebrando trinta anos de existência – tornou-se uma das mais conhecidas formações do grindcore mundial.

Para quem ainda não conhece, aqui vão oito motivos para não perder uma apresentação da banda, em especial a desta noite na capital passagem, onde o Brujeria toca pela segunda vez.

Humor negro

Tudo começou como uma piada, reunindo músicos amigos de várias bandas conhecidas como Napalm Death, Faith No More e Fear Factory. A brincadeira unia vocais guturais em espanhol (por conta de Juan Brujo, um dos poucos membros que restaram da formação original), instrumental brutal e letras que faziam referência a cultura mexicana subversiva, narcotráfico e até satanismo – além do mistério em torno das identidades dos músicos, que usam pseudônimos. Imagine agora tudo isso potencializado em seu álbum de estreia Matando Gueros, de 1993, que teve capa censurada em vários países por ter uma foto tirada de um jornal sensacionalista com a imagem de uma cabeça decepada em um suposto ritual (até hoje há controvérsia sobre a tal notícia, mas a cabeça se tornou um personagem apelidado de Coco Loco, que é referenciado em várias artes da banda). A intenção era chocar e ela foi cumprida. A fama da banda ganhou o mundo.

Virada sócio-política

A partir de 1995, com o lançamento do segundo álbum Raza Odiada, a banda adquiriu um tom mais denunciativo, partindo para uma pegada sociopolítica, abordando a partir de então seguintes questões sobre preconceito sofrido pelos latinos. Nisso sobrou para políticos americanos dos mais estúpidos, que não tinham a menor vergonha de latir suas ideias retrógadas. Exemplos? Pete Wilson, ex-governador da Califórnia, e o hoje presidente estadunidense Donald Trump.

Trolando Gueros 

Quando aparece alguém fazendo ou falando baboseiras dignas de receber o selo “inimigo dos mexicanos”, pode esperar que, mais cedo ou mais tarde, o Brujeria vai compor algo a respeito para zoar o sujeito. E esta vai ser com um senso de humor negro peculiar da banda. O ex-governador da Califórnia Pete Wilson ganhou duas músicas (“Raza Odiada” e “California Uber Aztlan”). Donald Trump, ainda quando estava em campanha para eleição presidencial, foi homenageado em “Viva Presidente Trump”. Neste ano, já em campanha extraoficial para a reeleição, voltou a ser fonte de inspiração para a banda na letra e na capa do single “Amaricon Czar”. Em tempo: no último álbum, Pocho Aztlan (2016), uma das imagens presentes é do vergonhoso muro mexicano erguido na fronteira entre os Estados Unidos e México, onde está pichado o sobrenome do republicano que hoje ocupa a Casa Branca.

Set list de clássicos

O cartaz da turnê brasileira informa que o show contará com os clássicos dos quatro álbuns. Se repetirem o mesmo repertório que já tocaram nas primeiras cidades da turnê brasileira, o público será contemplado com diversas faixas dos álbuns Raza Odiada e Brujerismo (2000), somadas a algumas poucas do trabalho de estreia (“Matando Gueros” e “Desperado”) e do mais recente Pocho Aztlan (“Satongo” e “No Aceptan Immitaciones”), além de músicas de duas músicas novas (“Amaricon Czar” e “Lord Nazi Ruso”). Só é uma pena que não haja espaço para muitas do último disco, talvez por ele não ter sido muito marcante na carreira do grupo. Mas ainda assim lá estão suas pérolas. Se o público pedir a plenos pulmões, quem sabe eles não tocam o hino “Mexico Campeon” (feito para a última Copa do Mundo) ou a releitura “California Uber Aztlan”?

Juan Brujo

Todos os integrantes têm outras bandas. Menos o vocalista, que integra o Brujeria com exclusividade. Vários músicos são americanos de origem hispânica. Mas Juan Brujo é mexicano de fato. Ele sempre se apresenta com o rosto coberto por um lenço com a bandeira do México, mantendo sua identidade em sigilo por décadas. Boa parte do universo do Brujeria é escrito por Brujo nas letras da banda. É uma figura icônica.

Choke

A noite de 15 de novembro no Jokers não se resume apenas ao show do Brujeria em Curitiba. A produção caprichou na escalação de bandas de abertura, trazendo ao palco um verdadeiro trio de ferro da música extrema de Curitiba. Isso inclui o Choke, que conta com vocais e letras do também escritor e filósofo Ottavio Lourenço (se você já esteve na Biblioteca Pública do Paraná e foi atendido por um bibliotecário que vinha trabalhar todo dia com uma camiseta do Brujeria, pode ter certeza que era ele). A banda teve início em 1998 e de lá para cá já fez nada menos do que quinze turnês levando seu metal crossover para países da América do Sul. A discografia conta com seis álbuns lançados, além de um split.

Jailor

Há quem diga que esta é a reserva moral do thrash metal de Curitiba. Aliás, um thrash devastador, diga-se de passagem. Assim como o Choke, também iniciou atividades em 1998, chegando em 2005 ao primeiro álbum Evil Corrupts. Dez anos depois, o grupo lançou o segundo, intitulado Stats Of Tragedy. Ambos possuem produções dignas das bandas do primeiro escalão do gênero no Brasil, com um cuidado precioso tanto nas músicas quanto nas gravações. O Jailor já abriu shows de grandes nomes do metal mundial, como Destruction, Exciter, Exodus, além de tantas outras estrangeiras e nacionais.

Necrotério

Provavelmente o maior representante do metal extremo paranaense. Sua temática é splattergore. No ano passado completou 25 anos, acumulando no currículo três álbuns, um DVD e duas turnês europeias (tendo tocado na Alemanha, Bélgica, França, República Tcheca, Croácia, Eslovênia, Áustria, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Itália). Ainda nos primórdios, seu nome repercutiu pelo Brasil quando o grupo gravou um videoclipe comandado pelo diretor de filmes trash Peter Baiestorf.

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O Doutrinador

Personagem de sucesso da HQ independente brasileira ganha os cinemas para combater a corrupção na política e fazer justiça com as próprias mãos

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Downtown/Divulgação

Doutrina é um conjunto de princípios que servem de base a um sistema filosófico, religioso, político, social ou econômico. Estas ideias devem ser difundidas e ensinadas disciplinarmente, de modo que elas se propaguem e se mantenham ao longo do tempo.

Para o policial de elite Miguel, só existe saída em uma única doutrina: atirar para matar, sem dó nem piedade, políticos corruptos brasileiros. Para vingar todo o sentimento de desgosto e impotência diante de dois fatores fundamentais: a morte da filha pequena por uma bala perdida no meio da rua e o fato de os esforços de sua força-tarefa para prender os criminosos de colarinho branco serem praticamente em vão diante da justiça comprada e das sabotagens de seu superior imediato. A partir desta sequência de infortúnios, ele se transforma em um obstinado justiceiro, que caça implacavelmente os envolvidos em um complexo sistema de corrupção para acabar com suas vidas a sangue frio. Na bala e também na quando, se possível. Transforma-se no Doutrinador, uma figura que leva o terror a seus alvos através de uma máscara antigás com olhos vermelhos de raiva, habilidades físicas com imenso potencial e uma aliança entre rapidez e estratégia para se infiltrar nos lugares mais impossíveis.

O ilustrador carioca Luciano Cunha criou o personagem em 2008, como uma válvula de escape para suas frustrações diante do inicio da enxurrada de notícias a respeito do Mensalão e outros casos iniciais que alardeavam a corrupção alastrada nas entranhas do meio político nacional. Depois de vários contatos com editoras, que mostraram-se receosas de publicar os quadrinhos do Doutrinador, Cunha decidiu pelo do it yourself. Disponibilizou em março de 2013 na internet a obra, que rapidamente arrebatou milhares de fãs com os protestos nas ruas de todo o país naquele mês de junho. Três edições impressas bancadas pelo próprio autor esgotaram-se rapidamente. Críticas positivas também vieram de outros países. Até que o cinema e a televisão também se atraíram pela HQ.

O longa-metragem O Doutrinador (Brasil, 2018 – Downtown Filmes) chega ao circuito nacional de salas de cinema nesta semana, já como uma espécie de piloto para o seriado que ganhará a telinha no inicio do ano que vem, na programação do canal por assinatura Space. O próprio Cunha, ao lado do roteirista Gabriel Wainer, assina a transposição dos quadrinhos tanto para o filme e quanto para os episódios. O longa tem a direção de Gustavo Bonafé (que está nos cinemas com outro filme, Legalize Já) e uma trilha sonora de primeira assinada pelo coletivo paulistano Instituto – com músicas interpretadas por Karol Conká, Rincón Sapiência e Far From Alaska, por exemplo.

Nem dá para perceber que o protagonista foi ligeiramente suavizado em sua sede por vingança e justiça pelas próprias mãos. O que poderia ser um ponto negativo para os fãs trazidos do universo das HQs. Outro ponto positivo do filme é a maestria para driblar qualquer procura por tendência político-partidária ou relações entre os personagens corruptos e os figurões da vida real. Luciano e Gabriel foram bem felizes ao não deixar rastros que possam ligar à esquerda ou à direita ou as turmas do fora-isso ou do aquilo-não.

Em recente passagem por Curitiba, quando participaram do evento Geek City, Cunha e Wainer defenderam a isenção de vínculos com ideologias que andam inflamando nosso país. “Ainda não estamos acostumados, no entretenimento brasileiro, a ter inimigos que conversem com a gente, uma narrativa que está conectada com a nossa realidade. O lema que sempre carregamos é que para termos um universo de heróis nosso, eles têm que falar das nossas cidades e dos nossos problemas”, afirmou Luciano. Gabriel ainda salientou que o filme foi criado para que não surgisse um Doutrinador na vida real.  “Não é uma apologia à violência. É uma ficção que criei para externar meu descontentamento com a classe política. Sempre digo que temos que matar os políticos na urna, não os elegendo. Os corruptos, é claro”, completou Cunha.

Para interpretar o protagonista, Kiko Pissolato dispensou o uso de dublês e encarou ele mesmo a tarefa de rodar todas as cenas de ação como o Doutrinador. No elenco ainda estão Tainá Medina (a hacker nerd que dá suporte ao justiceiro em suas ações), Eduardo Moscovis (o governador corrupto que dá início às caças particulares de Miguel), Tuca Andrada (o chefe de Miguel na Divisão de Ações Especiais), Marília Gabriela (como a ministra do STF envolvida nos esquemas dos políticos e empresários), Helena Ranaldi (a opositora do debate que também concorre às eleições), Samuel de Assis (o policial amigo de Miguel) e Natália Lage (a ex-mulher de Miguel).

Apesar do roteiro se perder para algumas obviedades no final, O Doutrinador– que carrega claras inspiração e influência estética do Batman – ainda revela-se um bom filme de ação, gênero pouco explorado no cinema nacional. Justamente por seu maior trunfo ser o fato de dispensar o uso de efeitos especiais pirotécnicos e tecnológicos (algo que hoje em dia parece indispensável em obras deste filão) para apostar no fator humano.