Music

Erasmo Carlos

Oito motivos para que seja celebrada sempre a suprema importância do Tremendão à música popular brasileira

Texto por Abonico Smith

Fotos: Divulgação

Na manha de quarta-feira, 22 de novembro, foi confirmada a notícia do falecimento de um dos maiores artistas da nossa música popular em todos os tempos. E esse termo não se refere apenas aos quase dois metros de altura que lhe renderam o apelido de Gigante Gentil. Erasmo Carlos morreu aos 81 anos, no Rio de Janeiro, deixando um legado de dezenas de discos, centenas de canções que entraram para o inconsciente coletivo de todo o povo brasileiro e a condição de ídolo de um movimento que abalou as estruturas culturais de país em uma época de plena efervescência social sob a sombra da mão pesada da ditadura militar.

O cantor e compositor foi internado no último 17 de outubro com uma síndrome edemigênica. No dia 30 chegaram a circular boatos sobre sua morte, logo desmentidos pela família e por ele próprio em um post na internet. No feriado de Finados (2 de novembro), recebeu alta e voltou para casa. As apresentações que estavam marcadas para o início do mês, nos Estados Unidos, já tinham sido desmarcadas por conta do tratamento de sua saúde. Contudo, Erasmo precisou voltar ao mesmo hospital da Barra da Tijuca um dia antes de se despedir de sua passagem terrena. Segundo o boletim médico divulgado, uma paniculite complicada por sepse de origem cutânea foi o que levou o artista ao falecimento.

Em homenagem ao Tremendão (apelido que ganhara nos anos 1960), o Mondo Bacana elenca oito motivos para se celebrar sempre a suprema importância deste gigante cheio de doçura para a música e a cultura nacional.

Turma da Tijuca

Erasmo Esteves era filho de mãe solteira, nascido e criado na Tijuca. Foi nesse bairro da zona norte carioca que conheceu e se tornou amigo de outros nomes que viriam ajudar a escrever a história da música popular brasileira na metade final do século 20. Entre eles estavam Tim Maia, Roberto Carlos, Wilson Simonal e Jorge Ben. Apaixonado pelos pioneiros do rock’n’roll, ajudou a formar em 1957, aos 16 anos de idade, os Sputniks, banda de fugaz carreira e que também tinha em sua formação Tim e Roberto. Logo depois, agora sob a batuta do produtor musical Carlos Imperial, integrou o grupo vocal Snakes, que participava dos shows de seus dois amigos ex-Sputniks; chegou a acompanhar Cauby Peixoto (na gravação de “Rock and Roll em Copacabana”, em 1957; e apareceu no número musical de “That’s Rock”, durante o filme Minha Sogra é da Polícia, de 1958). Tim, inclusive, foi quem lhe ensinou os três primeiros acordes de violão. Com Roberto, por sua vez, compartilhava gostos em comum (música, cinema, futebol, biscoitos) e desenvolveu uma sólida amizade que rendeu uma das mais famosas parcerias do showbiz tupiniquim. Foi dele que pegou emprestado o novo sobrenome artístico e se lançou em carreira solo em 1964, com um compacto de grande sucesso chamado “O Terror dos Namorados”. Desta gravação participa o pianista Lafayette, que introduzia ali, em um órgão Hammond, os timbres eletrônicos dos teclados que viriam a marcar logo depois a sonoridade da Jovem Guarda. Foi a porta de entrada para o primeiro álbum da carreira. Lançado em 1965, este disco continha outras faixas que se tornariam ainda muito mais famosas, como “Minha Fama de Mau” e “Festa de Arromba”. Nos dois anos seguintes, mais dois álbuns e hits como o bolero “Gatinha Manhosa” e o rock arrasa-quarteirão “Vem Quente que Estou Fervendo”.

Jovem Guarda

Na esteira da beatlemania, a TV Record criou o programa Jovem Guarda. O motivo foi um desentendimento com as entidades responsáveis pelos campeonatos de futebol em São Paulo, que deixou a emissora sem poder transmitir os jogos das tardes de domingo. Para preencher o buraco na grade de programação, Roberto Carlos foi convocado para apresentar um semanário musical. Os amigos Erasmo e Wanderléa completavam o time que comandava tudo na frente das câmeras. A partir de 22 de agosto de 1965, no palco do teatro da casa, na Rua da Consolação, o trio cantava sucessos e recebia diversos convidados. Tudo transmitido ao vivo para São Paulo. A rápida adesão dos jovens apaixonados pelos Beatles alavancou o número da audiência a mais de 3 milhões de telespectadores, fazendo toda a performance dominical ser gravada para ser exibida em outras capitais (Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre). Por causa da ascensão de Roberto ao posto de rei da juventude nacional, o programa não durou muito mais. Seu principal integrante deixou o elenco em janeiro de 1968 para dar passos ainda maiores na carreira de cantor e engatar carreira no cinema. O Tremendão (Erasmo) e a Ternurinha (Wanderléa) ainda seguiram um pouco mais adiante à frente de tudo, até que a Record cancelou de vez a Jovem Guarda em outubro desse mesmo ano, por causa da queda na audiência. Foram dois os grandes legados dessa iniciativa televisiva: a difusão do rock para o gosto dos jovens em todo o país e a comprovação de que, sim, o gênero poderia também ter suas criações geniais sendo composto e cantado em língua portuguesa. Inclusive o termo adotado para definir a sonoridade da turma da Jovem Guarda foi adaptado para o nosso idioma. A expressão yeah yeah yeah, cantada no refrão de “She Loves You”, virou, então, o nosso iê-iê-iê.

Ator de cinema

Em 1968, a telinha da TV havia ficado de pequena dimensão para o estrelato de Roberto Carlos. Então, para promover seus discos, o cantor estendeu suas atividades à telona do cinema. Ao lado do diretor Roberto Farias, protagonizou um grande filme por temporada, entre 1969 e 1971, todos com sucesso nas bilheterias brasileiras da época. No primeiro (Roberto Carlos em Ritmo de Aventura), cuja história vai na colados dois longas protagonizados pelos Beatles, Roberto é perseguido pelo Rio de Janeiro por bandidos internacionais ao som de canções da trilha sonora gravada especialmente para a produção. José Lewgoy e Reginaldo Faria, irmão do cineasta, compõem os principais nomes do elenco. No segundo (Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa, foto acima), o astro traz os amigos do programa Jovem Guarda para mais um trabalho em conjunto. Por causa da bolada que rendera a empreitada anterior, a trinca aparece em gravações no exterior (Israel, Japão, EUA), também sendo perseguida por bandidos. O mote era a posse de uma antiga estatueta que traria em seu interior um mapa de um suposto tesouro fenício. Claro que havia também um motivo para tudo acabar no Rio de Janeiro. O terceiro, sem Wanderléa, traz Erasmo como o grande parceiro de cena de Roberto. Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora mostra a dupla como mecânicos improvisando situações para participar de corridas automobilísticas. Este foi o filme mais assistido no Brasil em 1971, levando 2,78 milhões de espectadores às salas de projeção. Reginaldo Faria, agora assinando roteiro e direção, chamou Erasmo para a comédia Os Machões (1972). O cantor era um dos amigos de uma turma. Por sua atuação, foi premiado pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) como o melhor ator coadjuvante do ano. Em 1984, voltaria a participar de um filme, interpretando o Cowboy na versão do clássico do teatro infantil O Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado. Somente nos últimos anos voltaria a dar vazão ao talento dramatúrgico. Fez o dono da boate decadente que faz a alegria da família da qual é o patriarca em O Paraíso Perdido (2018) e o avô da personagem de Larissa Manoela em Modo Avião (2020, bancado pela Netflix exclusivamente para streaming)

Muito além do rock

Ao trocar a TV pelo cinema, Roberto foi bem além do rock, experimentando um certo gosto pelo soul. Posteriormente, apostou em baladas românticas que, por causa das letras diretas e bastante imagéticas, ligariam o cantor ao rótulo de “música de motel”. Também embarcou por temas bíblicos. Roberto foi o cara que fez sucesso, vendeu muitos discos e se tornou um ídolo maior ainda na representação de nossa música popular. Só que não existiria este Roberto se Erasmo não topasse ser o aventureiro para “experimentar” (e, diga-se passagem, com competência e qualidade) o flerte com tudo isso e mais um pouco. Por conta de sua amizade com Tim Maia e Jorge Ben, Erasmo mergulhou fundo no samba-rock após largar a atividade na Record. Também flertou bastante com as orquestrações, o soul e o jazz nesta época, não se furtando ainda a se reaproximar da bossa nova que chegou a cantar quando cantou em bares e boates cariocas na fase pré-iê-iê-iê. É justamente neste período, já distante da Jovem Guarda um tanto obscuro de seus trabalhos (leia-se a primeira metade dos anos 1970, sobretudo) e sem esboçar chegar perto da popularidade obtida depois pelo amigo, que reside um punhado de grandiosas faixas sempre prontas a ser descobertas por quem quiser ver e ouvir um Erasmo Carlos distante daquele projetado para as massas. Entre os destaques destas gravações estão as faixas “Coqueiro Verde”, “Estou Dez Anos Atrasado”, “Sábado Morto”, “Espuma Congelada” e, claro, “Sentado à Beira do Caminho”. Curiosidade: foi dele a ideia de compor o samba-rock “Meu Nome é Gal”, gravado por Gal Costa em 1969 e assinado em parceria com Roberto.

Carlos, Erasmo…

Esta fase “marginal” do Tremendão, que durou de 1969 a 1976, rendeu discos  bem interessantes. O melhor deles – considerado pela crítica brasileira o ponto-chave da virada de rumo da carreira – é o de 1971, curiosamente batizado invertendo nome e sobrenome, tal qual uma apresentação pessoal a um desconhecido no exterior. E é assim, deste jeito, que o cantor apresenta sua carta de intenções nas treze faixas de Carlos, Erasmo…. Aqui é a chegada dele à maturidade musical, assumindo a tomada de riscos. Gravadora nova, garantia de liberdade criativa absoluta. Descobrindo uma nova faceta, pós-ídolo da Jovem Guarda, quis experimentar de tudo. Não apenas a combinação entre a variedade de parceiras sexuais com substâncias químicas e etílicas, como também uma farta variedade musical. Toda a diversidade desse disco mostrava tentativas de seguir novos rumos. É bem verdade que o mercado fonográfico brasileiro ainda não estava preparado para uma mistura genial de rock com samba com funk com salsa com folk com gospel e o escambau a quatro. Tudo começa na pilantragem moldando uma canção feita sob encomenda por Caetano (“De Noite na Cama”, que depois ganharia versões na voz do autor e, mais tarde, Marisa Monte) e vai até uma brisada ode caribenha à cannabis (“Maria Joana”). No miolo tem dueto romântico de casal (“Masculino, Feminino”), psicodelismo ( “Agora Ninguém Chora Mais”, “Dois Animais na Selva Suja da Rua”), protesto soft contra a ditadura militar (“É Preciso Dar um jeito, Meu Amigo”), groove dinamitador de pistas de dança ( “Mundo Deserto”), tema para personagem de novela da Globo (“Ciça, Cecília”), lamento apocalíptico (“Sodoma e Gomorra”) e wall of sound de Phil Spector (“26 Anos de Vida Normal”). Nos créditos, participações especialíssimas dos maestros Rogério Duprat, Chiquinho de Moraes e Arthur Verocai; dos produtores Manoel Barenbein e Nelson Motta; de um ainda pós-adolescente herói da guitarra Lanny Gordin; da vocalista Marisa Fossa; e da cozinha endiabrada dos Mutantes (Liminha e Dinho Leme). Entre as compositores, obras da parceria Roberto e Erasmo intercaladas com nomes como Jorge Ben, Caetano Veloso, Taiguara, os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, o letrista Vitor Martins (que logo depois se tornaria famoso com obras ao lado de Ivan Lins) e Fábio (“o amigo paraguaio de Tim Maia”). A repercussão deste álbum foi muito fraca à época. Sinal de que a obra, para lá de subestimada, estava muito à frente de seu tempo. Hoje, Carlos, Erasmo… é um dos grandes clássicos da música popular brasileira dos anos 1970.

Novos hits em série 

Erasmo iniciou os anos 1980 muito longe daquela imagem de Tremendão deixada no imaginário popular durante o auge da Jovem Guarda. Talvez por isso tenha encerrado o ciclo com um álbum (Erasmo Convida…) no qual revia alguns de seus grandes sucessos radiofônicos seus, mas desta vez em duetos e cercado por amigos (Roberto, Wanderléa, Rita Lee, Tim Maia, Jorge Ben, Nara Leão, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Frenéticas, Cor do Som). Depois em 1981, lançou o álbum que iria recolocar a carreira em evidência e popularidade. Mulher trazia uma atmosfera de felicidade familiar, com letras que versavam sobre o relacionamento de um casal ou eram homenagens aos filhos. Sua musa inspiradora, a esposa Narinha, aparecia amamentando o cantor na foto da capa. A imagem, por mais que tenha uma leitura metafórica sobre o renascimento artístico de Erasmo, provocou muita polêmica na época. Deste disco saíram três grandes hits: a balada “Mulher (Sexo Frágil)”e os rocks “Minha Superstar” e “Pega na Mentira”. Este último, inclusive, foi o principal responsável pela renovação de público, virando hit em festas infantis e sendo cantada por muitas crianças nas escolas, ruas, casas e apartamentos. Os versos enfileiravam uma série de pequenas mentiras, inocentes à época, a respeito de celebridades e situações cotidianas envolvendo o social, a economia, o futebol, o meio ambiente e o próprio Erasmo. Ao menos em algumas delas ele previa fake news propagadas na maior cara de pau durante o (des)governo Bolsonaro  (“Acabou-se a inflação”, “Amazônia preza a sua mata”, “Sem censura e guaraná em pó”). O mesmo clima se manteve no álbum seguinte. Amar pra Viver ou Morrer de Amor (1982) rendeu mais três hits (a faixa-título, “Meu Boomerangue Não Quer Mais Voltar” e “Mesmo Que Seja Eu”) e outra polêmica sobre a capa – agora, uma ilustração assinada por Benício, com o artista rasgando o peito nu com as próprias mãos para liberar uma pomba de paz, que chegou a ser plagiada em 2011 pelo rapper alemão Morlockk Dilemma. Já em 1984, Buraco Negro daria renderia mais polêmica e um grande sucesso (“Close”, canção inspirada pela transexual Roberta Close, ícone sexual de um Brasil ultraconservador e vivendo os meses derradeiros da ditadura militar).

Cultuado no século 21

Depois de emplacar vários hits no começo dos anos 1980, Erasmo se separou de Narinha, foi completamente desrespeitado pela plateia de metaleiros no primeiro Rock in Rio (1985) e passou a amargar um longo período de frustrações fonográficas. Entrou e saiu de diversas gravadoras, sendo sabotado e fazendo discos esparsos de estúdio que não obtiveram muita repercussão artística e de vendas. Só voltou a ser badalado e tratado com todo o respeito e reverência merecidas na primeira década deste século, quando passou a ter controle artístico total gravando e lançando obras inéditas pela gravadora e editora musical Coqueiro Verde, criada e gerida por seu filho Leonardo. O renascimento artístico começou no disco autodeclaratório Rock’n’Roll (2009). De lá para cá vieram obras reverenciadas e premiadas como Sexo (2011), Gigante Gentil (2014), … Amor é Isso (2018), Quem Foi que Disse que Eu Não Faço Samba… (2019) e o recentíssimo O Futuro Pertence à Jovem Guarda (2022). Com mais alguns DVDs gravados ao vivo e concertos que renovaram pela terceira vez o seu público e passaram a se tornar cult entre os (bem) mais novos, Erasmo era o cara que apontava em direção ao futuro sem perder os parâmetros estabelecidos por um passado de glória, sabedoria e experiência. Já há algum tempo se dissociara da parceria com Roberto, que outrora parecia ser algo ad infinitum. Passou a compor com gente como Tim Bernardes, Emicida, Samuel Rosa, Nando Reis, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte, Marcelo Camelo, Adriana Calcanhotto, Supla, João Suplicy e Teago Oliveira (Maglore).

O Futuro Pertence à Jovem Guarda

Erasmo faleceu dias depois de ter sido anunciado pelo Grammy Latino como o vencedor do melhor álbum de rock na língua portuguesa pelo seu trabalho lançado em fevereiro de 2022. Neste trabalho, ele gravou oito canções que se tornaram clássicas durante o movimento que ajudou a liderar nos anos 1960: “Nasci Para Chorar”, “Ritmo da Chuva”, “Alguém na Multidão”, “O Tijolinho”, “Esqueça”, “A Volta”, “Devolva-me” e “O Bom”. Detalhe: todas elas nunca tinham sido ouvidas em sua voz, mas na de contemporâneos como Leno e Lilian, Vips, Golden Boys, Demétrius, Bobby di Carlo, Eduardo Araújo e, lógico, Roberto Carlos. Sucessos de décadas atrás à parte, o que chama a atenção neste disco, amplamente divulgado em turnê pelo Brasil durante este ano, é o trocadilho sugerido pelo título. Produzido pelo baterista Pupillo (atualmente na banda de Marisa Monte e ex-Nação Zumbi), o conjunto de registros, altamente conceitual, procura trazer timbragens, efeitos, instrumentos e arranjos nada saudosistas, explorando apenas o que há de bom nos dias atuais. Resultado: Erasmo em estado bruto vivendo o hoje e falando diretamente para uma nova geração (a tal jovem guarda de mais de meio século depois da original). Algo similar ao que fizera Johnny Cash em sua série de seis discos chamada American Recordings. Ou seja, um gigante se despedindo da vida em direção ao futuro eterno.

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Rainha Elizabeth II

Oito momentos em que a monarca britânica imprimiu a sua marca na cultura pop que ajudou a fomentar em 96 anos de vida

Textos por Marden Machado (Cinemarden) e Abonico Smith

Fotos: Reprodução e divulgação 

Os ponteiros do relógio já haviam ultrapassado a tradicional hora britânica do chá quando o anúncio oficial da morte da rainha Elizabeth II foi disparado pela área de comunicação do governo britânico. A monarca – que completava 70 anos de reinado em 2022, o mais longo de todos os tempos da História – faleceu neste dia 8 de setembro aos 96 anos de idade, no castelo real de Balmoral, na Escócia. Seu filho, Charles, hoje com 73 anos, será o sucessor no trono e se tornará o rei mais velho a ser coroado no Reino Unido.

Nascida Elizabeth Alexandra Mary Windsor, Lilbet – como era chamada pela família – transformou-se em um dos maiores ícones da cultura pop do século 20. Seu rosto, seu simbolismo, sua posição, tudo isso movimenta uma trilhardária indústria do turismo por Londres e outras cidades do Reino Unido (que comporta, além da Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte). Quem vai a Londres deve pelo menos passar ali pela frente dos portões do Palácio de Buckingham – ou assistir ao espetáculo semanal da troca da guarda se for o dia certo para tal. Por isso, o Mondo Bacana comenta oito momentos em que a monarca marcou presença em música, filmes e séries, sendo uma ilustre presença pop dentro da própria cultura pop que sempre ajudou a fomentar durante seu reinado. (AS)

O Discurso do Rei (2010)

O cineasta londrino Tom Hooper começou sua carreira profissional na televisão em 1997, onde dirigiu episódios de seriados e alguns telefilmes e minisséries. Sua estreia no cinema veio em 2004, quando dirigiu Sombras do Passado. Isso não impediu que ele continuasse trabalhando na TV, onde dirigiu em 2008 para a HBO a premiada minissérie John Adams, estrelada pelo ator Paul Giamatti. O Discurso do Rei foi seu terceiro longa. A partir de um roteiro de David Seidler, o filme conta um período da vida do rei George VI, do Reino Unido, que era gago. Ele não esperava tornar-se rei. Isso aconteceu porque seu irmão mais velho abdicou do trono. Veio a Segunda Guerra Mundial e ele precisava falar e inspirar confiança em seu povo. Para tanto, George, vivido por Colin Firth, é levado por sua esposa, Elizabeth (Helena Bonham Carter), para ser tratado por um terapeuta, Lionel Logue (Geoffrey Rush), de métodos pouco ortodoxos. O Discurso do Rei se concentra nesse momento crucial da vida do monarca, pai de Elizabeth II (que também aparece como personagem na história, ainda como uma pequena princesa). Ou seja, todo o caminho que percorreu para superar a gagueira e vencer esse grande desafio. Tom Hooper não é um diretor, digamos assim, cinematográfico. Ele funciona melhor em trabalhos para televisão. De qualquer maneira, o filme recebeu 12 indicações ao Oscar e ganhou nas categorias de filme, diretor, roteiro original e ator. (MM)

A Rainha (2006)

É lugar-comum dizer que ninguém faz filmes sobre a realeza como os ingleses. E se o roteiro for escrito por Peter Morgan, então, é aposta certa. Este é o caso de A Rainha, dirigido por Stephen Frears. A monarca em questão é a rainha Elizabeth II, vivida aqui por Helen Mirren, que ganhou o Oscar de melhor atriz naquele ano pelo papel. A história se passa na primeira semana do mês de setembro de 1997, logo depois do acidente de carro que vitimou a princesa Diana, em Paris. A família real se isola no palácio de Balmoral e cabe a Tony Blair (Michael Sheen), que acabara de ser apontado como primeiro-ministro do Reino Unido, a missão de reconectar os governantes com a população em luto pela morte prematura de sua querida princesa. Para tanto, somente Elizabeth poderá ajudá-lo. Repare como Frears diferencia as cenas onde a realeza e os comuns aparecem. Ele usou duas câmeras: uma 35 mm para os nobres e uma 16 mm para os plebeus. Você pode até não perceber num primeiro momento, mas, com certeza vai sentir que há algo diferente nas mudanças de cenário. (MM)

Spencer (2021)

O cineasta chileno Pablo Larraín iniciou sua carreira em 2001. Desde então tem se revelado um sensível roteirista, diretor e produtor, bem como um adepto de trilogias. A primeira delas, a “Trilogia da Ditadura Chilena”, é composta por Tony Manero (2008), Post Mortem (2010) e No (2012). Em 2016 ele iniciou uma nova trilogia sobre a solidão de mulheres ligadas ao poder. Jackie, estrelado por Natalie Portman no papel da primeira-dama americana Jacqueline Kennedy, viúva do presidente Kennedy, nos dias seguintes a seu assassinato. Com Spencer, ele dá continuidade a essa nova trinca de filmes. Com roteiro de Steven Knight, temos aqui um preciso recorte de três dias na vida da princesa Diana, da família real inglesa, então casada com o príncipe Charles, durante as festividades de Natal junto à Família Real (Stella Gonet interpreta o papel de Elizabeth). No papel-título, a atriz Kristen Stewart interpreta uma jovem angustiada e extremamente solitária presa a uma rotina de obrigações tradicionais que remonta há séculos. O principal elo que Lady Di tem com o mundo real se concentra nas figuras de Maggie (Sally Hawkins), sua estilista; o mordomo Alistar (Timothy Spall); e o cozinheiro Darren (Sean Harris). Além disso, ela tem visões da Ana Bolena, segunda esposa do rei Henrique VIII. Não há registro algum que confirme a história que Spencer conta. Trata-se de uma especulação bastante crível. Principalmente, quando sabemos de inúmeros relatos da rotina da princesa. Larraín é meticuloso em sua narrativa e tem Kristen Stewart em interpretação inspirada, precisa no sotaque britânico e minuciosa nos gestos, olhares e jeito de andar. Como se isso não bastasse, há um cuidado extremado com o desenho de produção, o que resulta em cenários, figurinos e objetos de cena que trabalham a favor da história. Da mesma forma que a fotografia, a montagem e especialmente a bela trilha sonora composta por Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead. (MM)

Corra Que a Polícia Vem Aí (1988)

O trio ZAZ, formado pelos irmãos Jerry e David Zucker junto com Jim Abrahams, surgiu em 1980 com o sucesso Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu, comédia que abriu espaço para outras semelhantes com traziam muitas piadas acontecendo ao mesmo tempo em cena. Piadas tanto verbais quanto não verbais, em primeiro, em segundo e até em terceiro planos. Corra Que a Polícia Vem Aí!, de 1988, é, na verdade, uma versão para cinema da série Esquadrão de Polícia, criada pelo trio em 1982, que apresentou o atrapalhado detetive Frank Drebin (Leslie Nielsen). Ele agora está de volta e tem como missão impedir um atentado contra a Rainha Elizabeth II (interpretada por Jeannette Charles), que está nos Estados Unidos para uma visita oficial. O roteiro, escrito pelo ZAZ junto com Pat Proft, não nos poupa de rir, sem exagero, por um segundo sequer. A resposta nas bilheterias foi mais do que satisfatória e gerou duas continuações, além de transformar Nielsen em astro da comédia pastelão. (MM)

The Crown (2016–)

A série anglo-americana feita para a Netflix conta a trajetória de Elizabeth II do seu casamento em 1947 ao começo deste novo século, passando por várias pessoas e acontecimentos que fizeram parte de seu extenso reinado. Com quatro temporadas já disponíveis, já arrebatou várias indicações e premiações. Três atrizes já fizeram a monarca durante a cronologia: Claire Foy, Olivia Colman e Imelda Stauton. A última estreará como protagonista da produção em novembro deste ano, quando vier a quinta temporada. (AS)

Os Simpsons (1989-)

Todo mundo que significa algo a mais na cultura pop mundial com certeza já ganhou alguma participação especial na longeva série de animação criada por Matt Groening. Elizabeth II aparece em carne, osso e pele amarelada em seis episódios (e ainda é mencionada em outros dois!). No mais engraçado deles, que pertence à decima quinta temporada, Homer provoca uma grande balbúrdia ao invadir acidentalmente o Palácio de Buckingham, bater em uma carruagem e ser espancado pela Guarda Real. Depois começa a chamar a rainha de impostora e acaba sentenciado à prisão nas masmorras da Torre de Londres. O desenrolar de tudo isso, se contado, vira spoiler, mas só dá para dizer que até a cantora Madonna acaba tendo seu nome envolvido em todo este imbroglio.

“God Save The Queen” (1977)

Era final de maio de 1977 e o Reino Unido estava nas comemorações do jubileu da rainha, dos 25 anos de monarquia de Elizabeth II. Regidos pelo empresário picareta Malcolm McLaren, os Sex Pistols lançavam – tocando em um navio alugado por McLaren para ficar em movimento à frente do Parlamento, nas águas do Tâmisa – uma nova música com o mesmo nome do hino britânico de séculos e séculos. Só que a letra provoca uma cusparada verbal atrás da outra na história da realeza britânica. Na capa do single, uma foto da Elizabeth jovem cheia de referencia estética da arte punk.  Nos versos vociferados por Johnny Rotten, dizeres como “Deus salve a Rainha/ O regime fascista dela/ Eles fizeram você de idiota/ Uma bomba H em potencial/ Deus salve a Rainha/ Ela não é ser humano/ E não existe futuro/ No sonho da Inglaterra” transformaram a gravação em um clássico do punk rock.

“The Queen Is Dead” (1986)

Terceiro álbum de estúdio e considerado a grande obra-prima da banda inglesa que lançou as carreiras do Morrissey (vocais e letras) e Johnny Marr (guitarras e musicas). Com dez faixas e a capa ostentando uma foto monocromática em verde ao ator francês Alain Delon em um filme de 1964 que levou o nome de Terei o Direito de Matar? no Brasil, o disco tem dez faixas e traz clássicos como “There Is A Light That Never Goes Out”,  “Bigmouth Strikes Again” e “The Boy With The Thorn In His Side”. A abertura do lado A do vinil (e consequentemente a abertura do CD também) fica com a música-título, que traz versos costumeiramente interpretados como antimonarquistas, mas que fazem referência a passagens da vida de Morrissey, sobretudo as dificuldades de relacionamento com a mãe (no caso, a figura da Rainha Elizabeth seria apenas uma metáfora para a incitação a uma inevitável mudança de vida). “The Queen Is Dead”,  a música, não foi lançada como single. Entretanto, acabou ganhando videoclipe pelas mãos do cineasta Derek Jarman, que flagra, por meio de uma câmera frenética sempre em movimento, os momentos de rebeldia e insatisfação da  juventude e a sobreposição de imagens de ruas, edificações, pessoas, árvores, flores e o fogo, que culmina com a simbologia da destruição de tudo que havia até então. Jarman também produziu – com estética semelhante – videoclipes para outros dois singles da banda nesta época (“There Is A Light…” e “Ask”) e lançou tudo sequenciado como um curta-metragem e também sob o nome de The Queen Is Dead.

Movies

Ted Bundy – A Confissão Final

Dinâmica e química entre os atores Luke Kirby e Elijah Wood são o ponto alto de toda a tensão mostrada em novo filme sobre o famoso serial killer

Texto Por Tais Zago

Foto: Synapse/Divulgação 

No top 10 do Hall of Fame dos serial killers mais famosos da História, Ted Bundy só fica atrás do notório Jack, o Estripador. Praticamente todos os aspectos dos seus terríveis assassinatos já foram esmiuçados em inúmeros livros sobre profilingpodcasts de true crime, séries, filmes e programas de TV. Uns mais sensacionalistas, outros mais perto do que poderia ser a verdade. Porque em se tratando de um psicopata, ocupante do ponto mais extremo no espectro do transtorno de personalidade narcisista/antissocial, a verdade é sempre relativa e vai mudar conforme o humor, a vaidade e a necessidade de atenção do sujeito oportunista.

Ted era bonito, culto, sociável, simpático e charmoso. Com a mesma desenvoltura que encantava a todos que com ele conviviam ou trabalhavam, picotava moças – e até mesmo crianças – após abusar sexualmente delas. Um verdadeiro monstro escondido atrás de uma máscara social perfeita, com emprego, amigos e um relacionamento estável. Uma das obras que mais impressiona sobre esse comportamento convincente do assassino (e que eu recomendo muito) é o livro The Phantom Prince: My Life With Ted Bundy, escrito por Elizabeth Kloepfer, publicado em 1981 e depois reeditado com outras impressões de Liz. Ela foi a companheira de Bundy durante boa parte do tempo em que ele cometeu seus horrendos crimes. Seu sofrimento, perplexidade, tristeza e sentimento de culpa diante da verdadeira personalidade do namorado são dolorosos demais. É uma obra, apesar de assustadora, bastante elucidante – qualquer um, mesmo aquele que nos parece acima de qualquer suspeita, pode ser um assassino. O livro serviu de base para muitas obras ficcionais: a melhor (e ao mesmo tempo a mais atual) delas é Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal (2019, Netflix – leia aqui a resenha publicada pelo Mondo Bacana), com Lily Collins no papel de Liz e Zac Efron no papel de Theodore Bundy.

Outra obra muito usada com base é o livro de Ann Rule The Stranger Beside Me, de 1980. Ann é uma policial e escritora que trabalhou e foi amiga de longa data de Ted. O comum entre ambas as obras, de Liz e de Ann, é a facilidade que Bundy tinha de encantar, aproximar-se e ganhar a confiança das mulheres, algo pelo qual ele se gabava – adorava dizer que nunca precisou pegar nenhuma “à força”, o que sabidamente se revelou ser mentira para uma boa parte de suas vítimas. Ted assassinou 20 mulheres, mas afirmava que o número chegava na verdade a 30. Dizia ainda que de muitas ele nem lembrava o nome.

Ainda de 2019, também da Netflix, temos as fitas de Ted Bundy na série Conversations With a Killer: The Ted Bundy Tapes. Aqui ouvimos sua voz e depoimentos enquanto aguardava a execução na prisão, além de vários testemunhos de quem trabalhou no seu caso, como o agente do FBI e analista Bill Hagmeier, um dos precursores do profiling de assassinos em série e membro-fundador da Behavior Analysis Unit (BAU).

Assim chegamos em Ted Bundy – A Confissão Final (No Man Of God, EUA, 2021 – Synapse), onde acompanhamos Bill Hagmeier (Elijah Wood) durante os anos em que passou visitando Ted Bundy (Luke Kirby) na prisão do Estado da Flórida, onde o assassino passou seus últimos nove anos até ser executado na cadeira elétrica em janeiro de 1989. Cristão praticante e com formação em psicologia, Bill sonhava em ser assistente social. Sempre se interessou pelos motivos que levavam assassinos a cometer seus crimes e nos EUA dos anos 1970 e 1980 estava diante de um prato cheio. Em uma reunião com colegas, onde a tarefa era a de estudar os criminosos presos para tentar montar perfis e conseguir confissões e pistas sobre as vítimas, sobrou para Bill encarar Ted – ou ele fora o único que se candidatou à tarefa ingrata, já que Bundy não fazia segredo da sua aversão a agentes do FBI. 

Elijah (nosso eterno Frodo!) se sai bem no papel do agente íntegro, cuja intenção, aparentemente, é estudar e tentar entender a mente perturbada de Ted. De forma genuína, ele nos convence com seus enormes olhos azuis sempre arregalados e sua fala mansa. O Bill de Elijah passa confiança mesmo que o homem Bill não pareça, muitas vezes, saber direito como agir diante do terreno, à época, pouco explorado da psicologia forense. Kirby (o rebelde Lenny Bruce da série The Marvelous Mrs. Maisel) nos deixa com os cabelos da nuca em pé e sentados na beira do sofá. O Ted dele é sensacional, indo do mais agradável e dócil ao mais violento e assustador. 

Esteticamente não há muito o que comentar: o filme poderia muito bem ser uma peça de teatro. Os cenários são, em sua maioria, dependências da State Prison com alguns cortes para a academia de treinamento do FBI em Quantico ou para um quarto de hotel barato na Florida. É um two man show, por vezes até uma parceria que pode beirar a amizade, mas mais frequentemente um jogo de gato e rato no qual Ted testa em Bill todas as suas técnicas de manipulação. Bill por sua vez mergulha no lodo da mente doentia de Ted. Uma viagem pouco saudável como suas olheiras nos mostram nos momentos finais do filme.

Também não somos apresentados a nenhum novo fato: quem já leu a respeito e conhece bem a história de Ted Bundy não vai ser surpreendido com qualquer revelação. O roteiro, bastante protocolar, é baseado em gravações e em consultas com Bill Hagmeier. O ponto alto aqui é a dinâmica e a química entre Elijah e Luke. Os diálogos são intercalados com silêncios ensurdecedores e a música, muito bem colocada, contribui para esta crescente tensão – como, por exemplo, na cena do close lento na assistente de um pastor que entrevista Ted em suas horas finais. Já um estranhamento maior causam as montagens de imagens reais que volta e meia intercalam as cenas. Esse pot-pourri de cenas vintage é bastante ambicioso, mas esteticamente destoou da intenção intimista do filme beirando o caricato.

No final, o que realmente nos deixa de queixo caído é a atuação de Luke Kirby, mais ainda do que a de Elijah Wood. Ele faz valer muito essa experiência em papel para ser lembrado e, espero, premiado.

TV

O Livro de Boba Fett

Personagem “ressuscitado” em The Mandalorian volta ao Universo Star Wars em nova série feita para o streaming

Texto por Tais Zago

Foto: Disney+/Divulgação

Como sou uma fã (às vezes) controlada do Universo Star Wars, eu estava guardando a série O Livro de Boba Fett (The Book Of Boba Fett, 2021 – Disney+) para devorar inteira quando chegassem todos os capítulos. E foi somente quando o sétimo episodio foi ao ar, em 9 de fevereiro, eu imediatamente peguei minha bacia de pipoca e um litrão de guaraná e estacionei na frente da TV para uma longa maratona. 

O personagem Boba Fett, criado por George Lucas, recebeu seis minutos (e uns quebrados) de espaço na trilogia “original” de Star Wars. Apareceu primeiro em Episode V – The Empire Strikes Back (1980), prendeu Han Solo, teve umas quatro falas e foi devorado pelo verme gigante Sarlacc durante Episode VI – Return Of The Jedi (1983). Antes disso, apareceu brevemente no especial para a televisão feito em 1978. Mas o personagem não é apenas o que os filmes brevemente mostraram – um mero bounty hunter crime lord com uma armadura de Mandalorian e a serviço de Jabba The Hutt. A história do jovem Boba começa a ser mostrada em Episode II – Attack Of The Clones (2002), onde ele é um menino, um clone de Jango Fett, criado e treinado como seu filho. Após o filme, sua história continuou sendo contada na animação feita para TV Star Wars: The Clone Wars (2008).

Em 2010, Lucas já planejava uma série para detalhar alguns dos planetas apresentados na primeira trilogia e seus personagens. O projeto somente tomou forma em 2019 com a parceria com o ator, produtor e diretor Jon Favreau, que resultou no sucesso The Mandalorian, o primeiro live action do USW criado pela Lucasfilm para a plataforma de streaming Disney +. Temporalmente, os acontecimentos tanto em The Mandalorian como The Book Of Boba Fett ocorrem cinco anos após Episode VI – Return Of The Jedi. Portanto, entre os episódios 6 e 7 dos filmes da saga.

Favreau “ressuscitou” o mercenário Boba no final da segunda temporada de The Mandalorian (2020). Supostamente, ele sobreviveu à “digestão” do Sarlacc e se juntou à tribo dos Tusken, onde viveu por cinco anos no deserto. Interpretado por Temuera Morrison (que também fez Jango Fett), Boba ressurge das cinzas para colaborar com o mandaloriano Din Djarin, personagem de Pedro Pascal, junto a uma sidekick e também (ex-)bounty Hunter chamada Fennec Shand (Ming-Na Wen). O spin-off já estava planejado e quem assistiu até o encerramento dos créditos do último episódio da segunda temporada de The Mandalorian sabia disso – ali descobrimos que Boba e Fennec continuariam sua parceria.

Finalmente paz entre os mundos. Boba assume o posto de Jabba The Hutt em Tatooine e tem Fennec como sua fiel escudeira. No começo, ele é recebido com receio e desconfiança pela população, mas aos poucos se fortalece. Seria tudo perfeito se não fosse pela corrupção dos outros senhores do crime do planeta, em sua condescendência enquanto traficantes usam Tatooine como rota de Spice, uma substância ilícita, com aparência de um pó dourado e requisitada em toda a galáxia. 

Um enredo simples, mas também com espaço para absolutamente tudo acontecer (e os diretores, junto com Jon Favreau, não fazem segredo disso). Estamos diante de um space western da melhor qualidade com a digital clara de Robert Rodriguez. Uma mostra disso são os três (1/3/9) episódios dirigidos por ele nessa primeira temporada. Rodriguez adora o absurdo e o exagero do badass, do mocinho com atos espetaculares que beiram o caricato, gosta de cor, tem senso de humor. Robert não é um dead serious devoto da sagrada saga, apesar de ser fã confesso. Ele já tinha sucumbido à tentação de dirigir um episódio de The Mandalorian e depois de negar muitos convites se rendeu ao poder do canal de streaming

Para nossa grande satisfação, somos agraciados com antigos e novos personagens, novos monstros, VFX de qualidade e uma trilha sonora maravilhosa. Já as atuações são medianas, o que na balança final conta pouco diante do tanto de peso estético. Como nada é perfeito, temos a polêmica em torno do episódio onde Luke Skywalker aparece “rejuvenescido” digitalmente com o uso de deepfake, um dublê de corpo e uma voz produzida no Respeecher. O nome de Mark Hamill aparece nos créditos mas é discutível aqui o caminho que se traça ao atender à nostalgia dos fãs sacrificando o trabalho do ator nesse processo.

Fora isso, The Book Of Boba Fett, assim como The Mandalorian é um entretenimento de primeira, muito bem pesquisado, com todos os elementos que gostamos do conhecido USW e com o plus da grana da Disney. Portanto, o céu não é mais o limite onde a aventura percorre o infinito do universo com outlaws como (anti-)heróis. Ah! E pra quem sentiu saudades tem Pedro Pascal nos dois últimos episódios, tem Grogu e até The Machete, Danny Trejo (em uma participação num episódio dirigido pelo Robert Rodriguez, claro!). The Book The Mandalorian se desenrolam paralelamente, o que abre aqui a possibilidade de troca-troca entre personagens de uma ou outra serie. É um truque já bem antigo, mas efetivo, pra fazer o fã-clube consumir tudo do multiverso SW. E as próximas series já apontam no horizonte: Obi-Wan Kenobi já entrou em pós-produção e Ahsoka também está encaminhada. E ainda teremos a terceira temporada de The Mandalorian em 2022. Mais uma caixa de pandora foi aberta.

Movies

Mães Paralelas

Nova obra de Pedro Almodóvar retoma a veia melodramática do cineasta em história sobre maternidade e com tom político

Texto por Marden Machado (Cinemarden)

Foto: Netflix/Divulgação

O cineasta espanhol Pedro Almodóvar é não apenas um dos maiores artistas de seu país, mas do mundo todo também. Trabalhando com audiovisual desde de 1974, quando dirigiu seu primeiro curta, sua carreira se consolidou a partir do ano de 1980, quando realizou seu longa de estreia. Ao longo de uma sólida e bastante autoral filmografia, o universo feminino sempre foi um tema recorrente em sua obra. E Mães Paralelas (Madres Paralelas, Espanha, 2021 – Netflix) reforça essa marca registrada do diretor e roteirista.

Temos aqui um novo ingrediente: a política. Tudo começa quando a fotógrafa Janis (Penélope Cruz) conhece Arturo (Israel Elejalde), um especialista forense. Esse encontro estabelece uma parceria que torna possível a ela iniciar o trabalho de busca dos restos mortais de familiares mortos durante a ditadura de Franco na Espanha. Uma gravidez inesperada faz com que Janis se aproxime de Ana (Milena Smit), uma jovem igualmente grávida. As duas se tornam mães juntas e as acompanhamos, em paralelo, ao outro tema de conteúdo político.

Em Mães Paralelas, um projeto que o cineasta vinha desenvolvendo desde Abraços Partidos, de 2009, o melodrama se faz presente e, como de costume na obra do diretor, é muito bem trabalhado. O caprichado desenho de produção junto com uma bela trilha sonora composta por Alberto Iglesias, aliados às interpretações precisas de Penélope e Milena reforçam ainda mais as qualidades de uma obra ímpar que trata de maternidade, laços familiares, política e ciência de maneira orgânica. Nas mãos de um artista menos talentoso, seria terreno fértil para um desastre completo. Não é o caso de Pedro Almodóvar, um cineasta que continua inquieto, criativo, sensível e genial e que vinha de um tocante relato autobiográfico (Dor e Glória, 2019).