Movies

Uma Vida – A História de Nicholas Winton

Produção da BBC conta como um jovem britânico salvou 669 crianças da morte e do sofrimento na invasão nazista de Praga em 1938

Texto por Abonico Smith

Foto: Diamond Films/Divulgação

Depois de ganhar alguns anos atrás, o Oscar dando um show de interpretação como o idoso com a doença de Alzheimer em Meu Pai, seria nada anormal se esperar ver o ator voltar logo às telas em outra história carregada de drama, sofrimento e relações com o passado. E é exatamente o que acontece com Uma Vida – A História de Nicholas Winton (One Life, Reino Unido, 2023 – Diamond Films).

Hopkins interpreta também octogenário corretor da bolsa de valores do interior inglês que entrou para a História por um grande feito humanitário em 1938: conseguiu tirar 669 crianças checas de Praga um pouco antes da ocupação das tropas nazistas de Hitler na cidade, dando a elas lares adotivos temporários (e que em muitos casos viriam a se tornar definitivos) oferecidos por famílias da região em torno da cidade de Hampstead. Anthony, no final dos anos 1980, acaba por se pegar confrontado com o que fizera meio século antes e que, de uma maneira ou outra, acaba por lhe atormentar o espírito pela incapacidade de tornar ainda maior em números a sua façanha.

Enquanto Winton se depara com as memórias e os documentos que comprovam suas atitudes, o espectador enfrenta um didático vai-vem temporal, cheio de flashbacks que fazem o filme focar nas ações do jovem corretor para justificar o trocadilho do título original – afinal, a tal vida do nome pode se referir tanto ao ápice da vida do então jovem solteiro e bastante intrépido Nicky (com muita ajuda de sua mãe, por sinal) como a de cada criança que fora levada de trem de Praga a Londres por meio de artimanhas diplomáticas.

Como a produção conjuga a grife da BBC, é tudo mostrado com excesso de sentimentalismo em diálogos, ângulos de câmera e intervenções da trilha sonora. O diretor James Hawes, que tem no currículo dos últimos dez anos um monte de séries para a TV (Black Mirror, inclusive), junta-se aos dois roteiristas (Barbara, filha de Nicky, recebe um terceiro crédito pelo fato da história ser adaptada de um livro que lançara sobre o caso de seu pai) sem muita  ousadia na forma. Tudo bem aos moldes das produções tradicionais da British Broadcasting Corporation voltadas a pessoas ordinariamente comuns mas com algum fato bem interessante no decorrer de sua vida. Sem riscos, mas também sem falhas. Pragmatismo ao extremo.

Hopkins brilha ao encarnar um homem cheio de ambições passadas mas extremamente bonachão e queito nos tempos atuais da narrativa, contudo ele não é o único a se destacar na atuação. Helena Bonham Carter, mais discreta do que nunca na caracterização de um personagem recente, também conquista o espectador nos poucos minutos de tela como a impetuosa coadjuvante Sra. Winton, sempre disposta a ajudar seu jovem filho. A sueca Lena Olin (esposa de Nicky, mãe da então grávida Barbara) e o músico-ator sulafricano Johnny Flynn (o quase trintão Nicky durante os flashbacks) também encabeçam o elenco de primeira desta obra, que por mais que se refira a algo que ocorreu quase um século atrás, torna-se ainda mais atraente por traçar paralelos com as crianças de hoje em dia que estão sofrendo quase o mesmo horror em outro massacrante conflito não muito distante dali de Praga.

Movies

Oppenheimer

Cinebiografia do “pai da bomba atômica” traz três horas de grandiloquência e desafios autorais com a assinatura de Christopher Nolan

Texto por Abonico Smith

Foto: Universal Pictures/Divulgação

A biografia de Julius Robert Oppenheimer é uma das mais interessantes do último século. Nova-iorquino descendente de uma abastada família de origem germânica e judia, cresceu com os estudos bancados em uma conceituada escola particular chamada Ethical Cultural Society, algo bastante incomum para uma criança naquele início dos 1900. Logo manifestou interesse por áreas diversas, chegando a se formar em Matemática, Ciências e Literaturas Grega e Francesa. 

Apreciador também das artes, seu  negócio mesmo era estudar. Com afinco e muita dedicação. Terminou em 1925 a faculdade de Química em Harvard e logo se mudou para o Reino Unido. Como seu negócio não era ficar manuseando os equipamentos de um laboratório, partiu, na sequência, para fazer doutorado em Física na Alemanha. Pelo menos ali, o ambiente era de sua preferência: estar em contato com físicos renomados e mergulhar de cabeça nas mais trabalhadas e complicadas questões teóricas da área. Enquanto investigava processos em partículas subatômicas, já como professor de física repatriado aos Estados  Unidos, começou a se envolver em assuntos políticos que o preocupavam: a ascensão do fascismo na Europa, em especial o nazismo na terra natal de seu pai. Passou, inclusive, a financiar organizações contra a extrema-direita após herdar a fortuna da família e flertou brevemente com o partido comunista, o qual abandonou também após se decepcionar com o desdém da ditadura stalinista em relação à ciência. Até que, advertido por Albert Einstein e Leo Szilard sobre a ameaça de Hitler ter em mãos o pioneirismo de ter uma bomba atômica, passou a pesquisar como ter o urânio 235 a partir do mineral natural e foi contratado pelo governo norte-americano, em 1942, para chefiar o Projeto Manhattan e comandar uma equipe de cientistas para obter, em um megalaboratório secreto, a energia nuclear a fim de ser incluída em operações militares. Era contra o uso de toda e qualquer arma química como instrumento de guerra, inclusive chamava a indústria armamentista de trabalho demoníaco. Após o sucesso do grande teste realizado em 1945 no deserto de Los Alamos, no Novo México, demitiu-se da direção do projeto. Semanas depois, viu o mundo se aterrorizar com os dois cogumelos que dizimaram as regiões das cidades de Hiroshima e Nagasaki, escolhidas para serem o alvo de uma nação japonesa que ainda não havia se rendido na Segunda Guerra Mundial. Oppie – como era carinhosamente chamado – não só entrou para a História (contra a sua vontade e interesse) como “o pai da bomba atômica” como ainda caiu em desgraça em seu país, através de mentiras e manipulações políticas movidas pelo conservadorismo maccarthista que o levaram a julgamentos e destruíram sua reputação pública e a trajetória profissional.

Uma figura tão controversa e famosa só poderia ter sua biopic com a assinatura de outro nome do cinema com credenciais iguais: o diretor, roteirista e produtor Christopher Nolan. Eis que Oppenheimer (Reino Unido/EUA, 2023 – Universal Pictures) chega às telas com toda a grandiloquência possível. Primeiro, é uma biografia de três horas de duração, feita com tecnologia para ser exibida em telas IMAX (inclusive com a primazia de exibir, estilosamente, várias cenas em preto e branco). Depois, a data escolhida para o lançamento: em pleno verão lá de cima, período reservado para as estreias de blockbusters populares (como,por exemplo, Barbie, com quem luta pelas bilheterias neste fim de semana de estreia). Tem também o elenco recheadíssimo de estrelas: Cillian Murphy (o protagonista, em magistral atuação), Emily Blunt (a esposa), Florence Pugh (a amante), Robert Downey Jr (o antagonista), Kenneth Branagh, Matt Damon, Gary Oldman, Josh Hartnett, Matthew Modine, Benny Safdie, Rami Malek, Casey Affleck, Olivia Thrilby, Jason Clarke, James D’Arcy e outros mais em pontas ou papéis secundários.

Claro que a cinematografia de Hoyte van Hoytema (parceiro de Nolan em vários outros filmes) é um luxo só. Não só em toda a sequência que culmina no momento de maior dramaticidade, o teste bem sucedido da megaexplosão em Los Alamos. Os muitos closes em Oppie e mais a fusão entre os delírios, os pensamentos e a realidade vivida por ele também reforçam a tensão que sempre o rondou por vários anos (o antes e o depois da “fama”). O desenho de som também impressiona – e ainda prega uma grande peça na hora H da tal explosão. Outro bom trunfo do longa é todo o  vai-vem da narrativa criada pelo próprio Nolan, que adianta e antecede no tempo o tempo todo, desorientando o espectador quanto a causas e consequências durante a trajetória do cientista.

Aliás, as três horas de duração também se tornam um grande truque imposto pelo cineasta ardiloso para o público. Uma sucessão de personagens aparecem e desaparecem da tela, muitos dados e conceitos teóricos (que vão de física e química a política e ética) embaralham a mente. Torna-se um grande desafio ficar imerso na poltrona do cinema por todo este tempo, ainda mais se a pessoa não tem muito conhecimento prévio da Segunda Guerra Mundial ou mesmo paciência para uma trama mais reflexiva e sem muitos efeitos visuais criados por CGI (o que é bem comum nos blockbusters apresentados em Imax e algo ausente em uma obra do diretor). Não será comum ver gente saindo do cinema reclamando que muito deste tempo poderia um pouco reduzido. Por isso mesmo, Barbie larga com amplo favoritismo na somatória das bilheterias do mundo todo.

Desta forma, Nolan continua sendo Nolan com toda pompa possível. Oferece mais um filme difícil, perfeccionista e impactante. E mais: ao recontar a história de Oppenheimer, brinca de mergulhar no passado para mexer com as entrelinhas do presente. Não será muito difícil fazer conexões mentais com fatos e pessoas do nosso tempo recente. 

Music

História do Rock: Synth Pop 81 – Parte 3

Oito clássicos do mágico ano que, há exatas quatro décadas, consolidava os sintetizadores como o principal instrumento da música pop britânica

Soft Cell

Texto por Abonico Smith

Fotos: Divulgação/Reprodução

Nos dois textos anteriores desta matéria especial você acompanhou a trajetória de sucesso do synth pop no comecinho dos anos 1980, em especial a sua temporada de 1981, quando o gênero ganhou popularidade no Reino Unido e também nos mercados fonográficos da Europa e dos Estados Unidos. Leu também sobre a gestação do mesmo em meados da década de 1970 e todos os seus conceitos tecnológicos – que também envolviam altas doses de paixão pela literatura e pelo cinema, especialmente quanto às distopias e histórias de ficção científica.

Para esta terceira parte, o Mondo Bacana preparou uma lista de oito faixas seminais daquele que foi ano de ouro, decisivo para a consolidação do sucesso mundial synth pop.

ULTRAVOX – VIENNA 

Faixa-título do quarto álbum da anda, lançado em 1980, esta foi a opção para o lançamento do terceiro single extraído do disco, já nos primeiros dias de janeiro do ano seguinte. Sob o comando do mítico produtor germânico Conny Plank (um dos nomes que conceberam o krautrock ao trabalhar com bandas como Neu! e Kraftwerk em meados da década anterior), o grupo inglês encontrava-se em fase de reinvenção. Estreava novo vocalista (Midge Ure, que viera do contemporâneo Visage), nova sonoridade (antes havia flertes com o art rock, o glam e o pós-punk) e estabelecia um novo processo coletivo de criação de divisão de renda, que fora exatamente o motivo da discórdia que culminou com a saída do frontman original John Foxx para a sua carreira solo). No estúdio de gravação, o tecladista e violinista Billy Currie propôs a criação de uma música que pudesse proporcionar o encontro dos sintetizadores e percussões eletrônicas com o virtuosismo clássico. Então, nada melhor do que batizá-la com o nome do berço da música erudita europeia e ilustrar o caso de amor de seus versos com algumas referências. O clipe, dirigido pelo australiano Russell Mulcahy (que cinco anos depois viria a assinar o longa-metragem Highlander: O Guerreiro Imortal) foi gravado parte em Londres (na maioria as cenas internas) e parte na capital austríaca (as cenas externas, em apenas uma madrugada e uma manhã de muito frio). O trecho do cemitério envolve a visita ao túmulo de Carl Schweighofer, fabricante que abasteceu com pianos boa parte de Viena durante toda a segunda metade do século 19. Outra grande referencia do clipe é O Terceiro Homem (1949), obra-prima do cinema britânico que trazia Orson Welles no elenco, uma história de crime e suspense e a mistura de traços do cinema noir com o expressionismo alemão. A balada tornou-se a música de maior sucesso da carreira do grupo e foi executada pelo quarteto em sua aparição no estádio de Wembley durante o Live Aid de Londres, em julho de 1985.

DEPECHE MODE – DREAMING OF ME

A galinha dos ovos de ouro descoberta pelo produtor Daniel Miller logo começou a dar bons rendimentos para seu selo Mute. Mal saiu em fevereiro de 1981 e o compacto de estreia deste quarteto, formado na cidade metropolitana de Basildon por quatro esbeltos garotos entre 19 e 21 anos, caiu nas graças dos adolescentes (e pós-adolescentes) britânicos, dando início a um culto fervoroso do Depeche Mode que se espalhou por outros continentes e permanece inabalável até hoje, quarenta anos depois. Pudera. Extremamente pegajosa, gruda no cérebro tal qual chiclete, tanto com o riff quanto a melodia do refrão. Impossível não começar a ouvir e sair dançando logo na sequência. O autor da faixa, Vince Clarke, assinava todas as composições da banda até o fim daquele ano. Obsessivo por deter todo o controle criativo, não só o autoral mas também da instrumentação dos arranjos, ele entrou em conflito com os outros integrantes, especialmente Martin Gore, que também queria começar a incluir suas criações no repertório. Clarke acabou deixando a banda logo. Foi em novembro, um mês depois do lançamento de Speak & Spell, o primeiro álbum do quarteto. Substituído por Alan Wilder (que permaneceria com o quarto elemento até 1995), Vince não tardaria a reencontrar o sucesso com outros projetos como o Yazoo, dupla formada com a cantora Alison Moyet, também residente de Basildon, e o Erasure, uma nova dupla, criada junto ao vocalista Andy Bell.

HEAVEN 17 – (WE DON’T NEED THIS) FASCIST GROOVE THANG

Assim que abandonou o barco do Human League, banda que havia colocado os primeiros pilares, o tecladista e produtor Martyn Ware não demorou a “dar o troco” no vocalista Philip Oakey. Levou consigo outro membro-fundador, o também tecladista Ian Craig Marsh, convocou o amigo de adolescência e agora disponível Glenn Gregory (também fotógrafo, a quem já havia recorrido, sem sucesso, antes de convidar Oakey para o HL) e já colocou o Heaven 17 em ação. O nome do novo projeto veio de uma banda fictícia criada pelo escritor Anthony Burgess para o romance distópico Laranja Mecânica. As letras eram baseadas em crônicas sociopolíticas e o conceito sonoro incluía o uso maciço de drum machines e sintetizadores. O primeiro resultado disso foi este singlelançado e março, um petardo esquerdista frente à suposta “alienação” de Oakey e seu desinteresse em versos politizados frente à adoção da celebração do glamour, do estilo e da vida noturna. Com uma batida construída na LinnDrum (que logo viria a se tornar um dos modelos mais populares de bateria eletrônica nos anos 1980), forte linha de baixo e uma complexa textura de barulhos e sons vinda dos sintetizadores, esta música era um grande libelo contra o recente crescimento do neoliberalismo nos dois polos do eixo anglo-americano (leia-se os recentes governos da primeira ministra Margaret Thatcher e do presidente Ronald Reagan – que até é citado nominalmente na voz de Gregory). Ware, Marsh e Gregory chamam tudo isso de “onda fascista”, metemo dedo na cara do preconceito e do racismo e chegam a tecer comparação com a popularidade de Hitler e o recente reflexo do nazismo alemão na terra arrasada da felicidade europeia. Tudo isso com um poderoso groove embalado pelo linguajar usado pelos negros americanos dos guetos dos grandes centros urbanos nos anos 1970 (iniciado pelo personagem de cinema Dolemite e que acabou moldando muita letra de funk e rap desde então). Recentemente, por causa de um Estados Unidos (des)governado pelo ainda mais extremista Donald Trump, “(We Don’t Need This) Fascist Groove Thang” foi resgatada pelo LCD Soundsystem, que a colocou em seu repertório de shows e a gravou no álbum ao vivo Electric Lady Sessions, lançado no início de 2019.

SOFT CELL – TAINTED LOVE

Era uma vez um obscuro lado b de um compacto lançado em maio de 1965 pela cantora americana Gloria Jones. A canção, completamente inspirada no som da Motown (fast tempo, sopros, base harmônica traçada pela guitarra, backing vocals femininos), não fez qualquer sucesso na época. Um DJ dos bailes de northern soul adquiriu o disco durante uma viagem aos EUA em 1973, quando Jones já havia cruzado o Atlântico e se encontrava profissional (como backing vocal) e romanticamente (namorada e futura mãe do filho de Marc Bolan) com o glam do T-Rex. Foi o que bastou para a faixa pegar fogo nas pistas do norte da Inglaterra e se transformar em grande hit. Quando o Soft Cell falhou em seu primeiro disco e a dupla de Leeds só tinha mais uma oportunidade para provar sua competência perante à distribuidora que atuava com o selo independente Some Bizarre, cujo dono também era o empresário da dupla, a cabeça instrumental da formação, Dave Ball, lembrou-se de “Tainted Love” nos bailinhos que frequentava na adolescência. Junto ao vocalista Marc Almond – que sempre teve paixão irrestrita pela música de cabaré e dividia com Ball uma certa queda por David Bowie da fase Berlim – a escolha provou ser uma opção certeira O andamento foi desacelerado, a batida ganhou um certo swing jazzy (mesmo sendo feita com padseletrônicos) e, em julho de 1981, retornou pronta e embaladinha para reconquistar as pistas. E tornou-se um furacão Transformou-se em hit do verão, alcançando os primeiros lugares das paradas em diversos países, não só do continente europeu. Nos Estados Unidos, permaneceu 43 semanas consecutivas na Billboard. Além de ganhar uma nova versão estendida para as pistas de dança (com nove minutos de duração e emendada com “Where Did Our Love Go?”, clássico do girl group da Motown Supremes, também dos anos 1960), tornou-se a mola propulsora do álbum de estreia da dupla. Non-Stop Erotic Cabaret chegou às lojas no final de novembro, emplacando outras duas faixas no Reino Unido (“Bedsitter” e “Say Hello, Wave Goodbye”), mas sem repetir a performance avassaladora no exterior. 

CABARET VOLTARE – SPREAD THE VIRUS 

Olhe ao seu redor. Está tudo uma paranoia só. O mundo anda confuso, correndo em direções desencontradas. Todos batem cabeça. Choque e confronto ocorrem por toda parte. Ninguém se entende. Cores são subentendidas como códigos de conduta, mesmo sem a intenção de sê-los. Um vírus está sendo propagado de modo incontrolável. Novas seitas evangélicas se beneficiam da tecnologia e usam todos os meios de comunicação populares disponíveis para também espalhar a sua receita de controle e doutrinação mental e espiritual. Alguma semelhança com os dias atuais? Pois bem, estas são as temáticas de Red Mecca, o terceiro álbum do então trio Cabaret Voltaire, gravado em maio de 1981 e lançado quatro meses depois. Fruto de um choque cultural ocorrido dois anos antes, quando o grupo fez uma pequena turnê pelos Estados Unidos, o disco, bastante tenso, previa o caos que estamos vivendo quatro décadas depois durante as perturbadoras colagens sonoras de ritmos, ruídos, vozes, cordas sampleadas, loops de fitas magnéticas e sonoridades desconexas de guitarras, sintetizadores analógicos, percussões e até um clarinete.  A marca da maldade humana está presente nas oito faixas deste que é considerado um dos maiores discos de música industrial de todos os tempos. A última destas faixas, “Spread The Virus” coroa o clímax do perfeito equilíbrio entre experiências e entrismo construído por uma banda verdadeiramente against the machine – não as máquinas instrumentais, mas sim o sistema que procura oprimir o ser humano de todo e qualquer jeito.

OMD – MAID OF ORLEANS (THE WALTZ JOAN OF ARC)

Discípulos fervorosos do Kraftwerk embora também nunca tenham disfarçado o gosto pela sonoridade das mandas do merseybeat dos anos 1960, Andy McCluskey (baixo, vocais) e Paul Humphreys (teclados, vocais) tiveram a sorte de emplacar um hit logo no primeiro compacto, “Electricity”, lançado em 1979. No ano seguinte, já tinham repertório e poder de fogo suficiente para lançar os dois primeiros álbuns da carreira. Mas foi somente com o terceiro, em 1981, que chegaram ao status de obra-prima. Conceitual desde o primeiro dia de gravação, Architecture + Morality revelou no mês de novembro uma banda madura e capaz de explorar, conscientemente, seus limites junto aos sintetizadores. Com a célula criativa centrada na dupla,  o álbum foi um grande risco justamente por não se parecer em nada com o que o Orchestral Manouevers In The Dark já havia feito desde então. Com algumas longas peças instrumentais construídas sobre estudos sobre ruídos e texturas sonoras, o disco também prima por trazer o mellotron para música pop, já que o instrumento, até então, era mais conhecido pelo uso por bandas psicodélicas (Pink Floyd, Beatles em “Strawberry Fields Forever”, Rolling Stones ainda com Brian Jones) e progressivas (King Crimson, Yes, Genesis, Rush), respectivamente nos anos 1960 e 1970. Uma das faixas era “Maid Of Orleans (The Waltz Joan Of Arc)”, uma poderosa balada em compasso 6/8 (daí a referencia à valsa no título) em homenagem a Joana D’Arc. O lindo clipe, sob a assinatura do então ascendente diretor Steve Barron, revela um delírio da banda com a padroeira francesa, que vai crescendo junto ao arranjo envolvente de riff grudento e à batida marcial na caixa da bateria. Esta não é a única composição dedicada a Joana D’Arc. Abrindo o lado B, logo antes dabalada citada acima, há “Joan Of Arc”, escrita por McCluskey no fim de maio, no mesmo dia em que se celebrava 550 anos da morte dela. Ambas foram lançadas em single no Reino Unido naquele ano. “Souvenir”, do mesmo álbum, também foi. Juntos, os três discos superaram a marca de oito milhões de cópias vendidas. Já o álbum acabou incensado pela crítica e eleito um dos melhores da temporada por várias publicações. Gente como Moby e Tum Burgess (Charlatans) considera até hoje Archutecture + Morality como uma das principais influências de sua vida musical.

NEW ORDER – EVERYTHING’S GONE GREEN

Transição foi a palavra que melhor definiu a temporada inicial do New Order. Quando Ian Curtis matou-se em 18 de maio de 1980, às vésperas de embarcar para a primeira turnê marcada pelos Estados Unidos, a carreira do Joy Division estava em uma bela curva ascendente, com Closer, o segundo álbum da banda, prestes a chegar às lojas, assim como aquele que viria se transformou no grande hit do quarteto, o single “Love Will Tear Us Apart”. Das cinzas do Joy Division, os três membros que restaram construíram o New Order, adicionando uma tecladista oficialmente e passando a adotar, sob o comando do agora vocalista Bernard Sumner, um direcionamento mais frequente rumo aos sintetizadores (que já começavam a aparecer com mais frequência nos arranjos das últimas gravações do JD) e drum machines. O trabalho em estúdio continuou junto à gravadora Factory e ao produtor Martin Hannett, o que permitiu um desenvolvimento identitário durante as gravações, inclusive começando por um single extraído do repertório final do JD (“Ceremony” teve a sua primeira execução ao vivo no último show com Ian Curtis). Juntados os cacos, o ano de 1981 foi bastante prolífico em resultados. Rendeu três singles e um álbum de estreia (Movement, com oito faixas não incluídas nestes compactos). O último deles, “Everything’s Gone Green”, lançado em dezembro, já deixava claro o caminho que o quarteto iria percorrer nos dois próximos anos. Resultado de um processo turbulento de gravação por conta do desgaste provocado pela metodologia nada ortodoxa no estúdio utilizada por Hannett (que nunca mais voltaria a trabalhar com a banda), a faixa começa turbinada pelo casamento de bateria eletrônica com o baixo de Peter Hook cumprindo as missões de traçar melodia e harmonia. Depois de versos ainda assombrados pela tragédia ocorrida com Curtis (como “It seems like I’ve been here before” e “Won’t you show me, please show the way” são repetidos de modo assustador), chega o êxtase promovido pela pajelança de percussões manuais em cima do loop rítmico. A gênese dos vindouros big hits “Temptation” e “Blue Monday” está todinha lá.

HUMAN LEAGUE – DON’T YOU WANT ME

Não bastasse a temporada magnífica do synth pop durante todo o ano, em dezembro veio o tiro de misericórdia. Quarto single do álbum Dare (e o primeiro a chegar às lojas depois do disco já ter sido lançado), “Don’t You Want Me” alcançou o topo das paradas britânicas na semana do Natal e vendeu mais de um milhão e meio de cópias. O êxito acabou se repetindo do outro lado do oceano. Impulsionada pelo belíssimo videoclipe, veiculado à exaustão pela MTV americana nos meses seguintes, a faixa ganhou também as rádios FM do país e chegou ao primeiro lugar da Billboard em julho do ano seguinte, onde permaneceu por três semanas, e a uma indicação ao Grammy de artista revelação em 1983. O sucesso massivo coroou a queda de braço vencida pelo vocalista Philip Oakey com o tecladista, líder e fundador da banda Martyn Ware. Insatisfeito com o caminho turbulento do grupo até então, que nos discos anteriores havia apostado em uma sonoridade mais experimental e menos acessível e, por conta disso, havia fracassado em vendas e feito turnês nem tão bem sucedidas assim, Oakey se propôs a arcar com todos os compromissos e dívidas acumuladas junto à gravadora. Ware fez suas malas e deixou a banda, que pôde se direcionar a um caminho mais pop com seus sintetizadores, agora adicionando nos vocais de apoio duas adolescentes que sequem tinham terminado o colégio. A aposta de Oakey logo se confirmou no primeiro single, lançado em abril, chamado “The Sound Of The Crowd”. O novo Human League vinha embalado para as pistas de dança com muito estilo no visual, letras sobre nightlife dos grandes centros urbanos no talo (bebidas, festas, relacionamentos) e chega ao ápice em “Don’t You Want Me”, a última faixa do lado B e o quarto dos singles lançados pela banda naquele ano. A letra retrata uma DR de um casal no melhor esquema “ele disse, ela disse”. Primeiro vem a posição masculina, dotada de toda pompa machista, discursando que ela não deve deixa-lo porque foi ele o responsável pela realização profissional da moça. Depois vem a voz dela, rebatendo o blá blá blá possessivo, dizendo que chegaria a todo e qualquer lugar, independentemente de qualquer homem por trás. O clipe dirigido por Steve Barron em película cinematográfica de 35mm para a faixa reflete o glamour do novo HL. A narrativa do vídeo funciona como um making of de um longa-metragem de crime e suspense, no qual a atriz principal é a vocalista Susan Ann Sully e o diretor, Oakey. Entre as influências declaradas da obra estão A Noite Americana (de 1973, do francês François Truffaut), Nasce Uma Estrela (a versão de 1954, do diretor George Cukor, com Judy Garland) e, claro, o recente clipe de “Vienna”, do Ultravox. Vale lembrar também que, por causa deste trabalho com o Human League, Barron foi escolhido por Michael Jackson para dirigir “Billie Jean” em 1983, e também assinou trabalhos de OMD (“Maid Of Orleans”), Toto (“Africa”, “Rosanna”), Simple Minds (“Promised You a Miracle”), Tears For Fears (“Pale Shelter”), Rod Stewart ( “Baby Jane”), Madonna ( “Burning Up”), David Bowie (“Underground”) e Paul McCartney (“Pretty Little Head”). Suas obras mais conhecidas – e que também revolucionaram o mundo dos vídeos musicais – são ambas de 1985: “Take On Me” (A-ha) e “Money For Nothing” (Dire Straits).

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Movies

Jojo Rabbit

Com humor e sensibilidade história sobre o nazismo é centrada em garoto de dez anos de idade que tem o Führer como amigo imaginário

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Texto por Ana Clara Braga

Foto: Fox/Divulgação

Ser criança é um estado de inocência que infelizmente não é eterno. Por isso, Jojo Rabbit (Nova Zelândia/República Checa/EUA, 2019 – Fox) utiliza-se da ótica infantil para contar uma história sobre nazismo, amor e liberdade. Menos controverso do que parece, o filme é uma delicada imersão em um mundo que não devemos esquecer que existiu para jamais repetir.

Jojo (Roman Griffin Davis) é um garoto de dez anos vivendo na Alemanha nazista e que sonha em ser da guarda pessoal de Hitler. Ele entra para a juventude hitlerista junto de seu melhor amigo Yorki (Archie Yates). Aliás, segundo melhor amigo: o primeiro lugar está reservado para o Führer e enquanto não conhece o verdadeiro fica com o imaginário. Interpretado pelo próprio diretor, Taika Waititi, o ditador de faz de conta é uma consciência expandida de uma criança criada em meio ao fascismo. Jojo, porém, acaba se vendo dividido ao entre a cruz e a espada ao perceber a presença de uma judia em sua própria casa.

O cineasta adaptou o roteiro do livro Caging Skies. Com boas doses de humor, o filme faz graça de situações absurdas como queimas de livros e crianças mexendo com granadas. As hipérboles bem colocadas não deixam de ser uma boa reflexão. O exagero é engraçado, mas fora das telas é assustador.

Rosie (Scarlett Johansson), mãe de Jojo, é uma personagem que leva o filme a outro patamar. Trajando verde diversas vezes, ela evoca os melhores sentimentos que essa cor traz, a esperança e a liberdade. Johansson entrega uma bela atuação de uma mulher fiel às suas ideologias e uma mãe devota a seu filho.

Os ator mirim Roman Griffin Davis é surpreendente ao longo da história. Suas emoções são palpáveis durante todo o filme, deixando muito fácil amar seu personagem. Suas cenas com seu amigo Hitler imaginário rendem diálogos divertidos e psicologicamente interessantes. A cabeça das crianças é algo fascinante e o modo como o filme encontra de mostrar o raciocínio nem tão lógico de um menino de dez anos é incrível.

Nem só de risadas, entretanto, vive Jojo Rabbit. Em sua segunda parte, o longa explora as dores e as maravilhas do amor e o preço de ser livre. Seja no desenvolvimento da relação entre Jojo e sua nova hóspede, na falta do pai ou nos sapatos (sim, nos sapatos!) o filme consegue passar bastante emoção. Taika Waititi brilha de novo ao construir uma narrativa que gera um misto de riso e choro, espanto e identificação. Mais leve que outros filmes que já abordaram o nazismo, este ganha justamente por sua suavidade.

Movies

Uma Cilada Para Roger Rabbit

Trinta curiosidades para celebrar os trinta anos desta mistura de animação, live action e personagens clássicos de vários estúdios

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Texto por Flávio St Jayme (Pausa Dramática)

Foto: Disney/Buena Vista/Divulgação

Um dos filmes mais inovadores para a sua época completou no último dia 22 de junho 30 anos de estreia nos Estados Unidos. Por isso, resolvemos mostrar pra vocês 30 curiosidades para celebrar as três décadas de Uma Cilada Para Roger Rabbit (Who Framed Roger Rabbit, EUA, 1988 – Disney/Buena Vista). Algumas delas revelam como um longa-metragem como este seria algo inconcebível nos dias atuais.

>> A Walt Disney Productions comprou os direitos cinematográficos para o romance Who Censored Roger Rabbit?, de Gary K. Wolf, pouco tempo após sua publicação em 1981.

>> Robert Zemeckis ofereceu seus serviços como diretor em 1982, mas a Disney considerava seus filmes anteriores dois fracassos comerciais e dispensou o diretor. Foi oferecida a Terry Gilliam a oportunidade de dirigir o filme, mas ele concluiu que o projeto era tecnicamente complicado. (“Pura preguiça de minha parte”, Gilliam admitiu posteriormente. “Eu me arrependo completamente dessa decisão.”). Robert Zemeckis, então, foi finalmente contratado em 1985 para dirigir, baseado no sucesso de De Volta Para o Futuro.

>> Em 1985 a Amblin Entertainment (composta por Steven Spielberg, Frank Marshall e Kathleen Kennedy) foi procurada para produzir Who Framed Roger Rabbit junto com a Disney.

>> O orçamento original do longa nesta época foi estimado em 50 milhões de dólares, o que a Disney considerou muito caro. Roger Rabbit apenas recebeu o sinal verde quando o orçamento foi reduzido para 30 milhões de dólares, o que na época ainda o tornava o filme animado mais caro já autorizado. O presidente da Walt Disney Studios, Jeffrey Katzenberg, argumentou que o híbrido de animação e live action iria “salvar” o departamento de animação da companhia.

>> A subtrama do bonde apresentada no longa foi inspirada pelo filme Chinatown.

>> Traições, conspirações, assassinatos e desenhos animados. Uma Cilada para Roger Rabbit une a era de ouro da animação ao cinema noircom uma mistura de animação e live action quase inédita para a época.

>> Durante o processo de escrita do roteiro, Jeffrey Price e Peter Seaman não tinham certeza de quem deveria ser o vilão. Eles escreveram versões em que Jessica Rabbit ou Baby Herman eram os vilões, mas decidiram escolher o recém-criado personagem Judge Doom. Este deveria ter um urubu animado sentado em seu ombro, mas a ideia foi descartada por causa dos desafios técnicos que isso gerava.

>> A Weasel Gang de Judge Doom, composta pelas doninhas Stupid, Smart Ass, Greasy, Wheezy e Psycho, é uma sátira aos sete anões que aparecem em Branca de Neve e os Sete Anões, de 1937. Originalmente, também seria sete o número de doninhas, mas duas foram cortadas do roteiro final.

>> Entre outras referências à realidade, o Ink and Paint Club que aparece no filme é baseado no Cotton Club do Harlem. Assim como os planos de Judge Doom de eliminar todos os desenhos se assemelham a Solução Final, de Hitler.

>> Doom também era para ser o caçador que matou a mãe de Bambi, mas a Disney rejeitou a ideia.

>> O personagem Benny The Cab era para ser um fusca,. A ideia foi substituída para um táxi.

>> Entre outras ideias concebidas para a história, estavam o funeral de Marvin Acme, que teria a presença de diversos personagens de desenhos famosos, como Mickey e Minnie Mouse, Tom e Jerry, Foghorn Leghorn (Frangolino), Mighty Mouse (Super Mouse), Popeye e Olive Oyl (Olívia Palito). No entanto, a cena foi cortada por questões de ritmo da história e nunca passou da fase de storyboard.

>> Antes de Who Framed Roger Rabbit ser definido como título final do filme, foram utilizados Murder In ToontownToonsDead Toons Don’t Pay BillsThe Toontown TrialTrouble In Toontown Eddie Goes To Towntown como títulos de produção.

>> Spielberg não conseguiu liberar em tempo Popeye, Tom & Jerry, Luluzinha, Gasparzinho e os personagens do estúdio Terrytoons (com exceção de Super Mouse). Porém, o produtor foi fundamental na hora de convencer a Warner Bros a liberar suas criações para a Disney. Além dos US$ 5 mil pagos por cada personagem, o filme precisava atender algumas exigências, como dar o mesmo tempo em cena para personagens icônicos da Warner e da Disney. É por isso que Pernalonga e Patolino dividem a tela com Mickey e Pato Donald, garantindo que os personagens tivessem o mesmo número de frames.

>> Muitos dos personagens usados no filme não tinham sido criados até 1947, ano em que o filme é situado. Os personagens da Disney que aparecem são Mickey (1928); Minnie (1928); Pluto (1930); Pato Donald (1934); Pateta (1932); João Bafo de Onça (1925); Horácio (1929); Clarabela (1929); Merry Dwarfs (1929); Huguinho, Zezinho e Luisinho (1937); Clara de Ovos (1934); as flores e árvores de Flores e Árvores (1932); Lobo Mau e os Três Porquinhos (1933); Peter Porco de A Galinha Esperta (1934); Toby Tortoise, Max Hare e as coelhinhas de A Tartaruga e a Lebre (1935); os órfãos de Em Benefício dos Órfãos (1934); Chapeuzinho Vermelho de O Super Lobo Mau (1934); Jenny Wren de A Flecha do Amor (1935); Elefante Elmer (1936); Branca de Neve, os sete anões e a bruxa má (1937); Wynken, Blynken & Nod (1938); Ferdinando, o Touro (1938); Pinóquio e o Grilo Falante (1940); as vassouras, os cupidos, o bebê pégaso, a avestruz e a hipopótamo de Fantasia(1940); Sir Giles e o Dragão Relutante (1941); Dumbo, a Sra. Jumbo, Casey Jr. e os corvos de Dumbo (1941); Bambi (1942); Chicken Little (1943); Zé Carioca (1942); o pelicano de The Pelican and the Snipe (1944); Pedro de Música, Maestro! (1946); Br’er Bear, as marmotas e o bebê de piche de Canção do Sul (1946); a harpa cantante de Como é Bom de Divertir (1947); os animais de Johnny Semente-de-Maçã (1948); a ovelha Danny de Tão Perto do Coração; Sr. Toad e seu cavalo Cyril de Dois Sujeitos Fabulosos (1949); Sininho de As Aventuras de Peter Pan (1953); Malévola de A Bela Adormecida (1959); e os pinguins de Mary Poppins (1964). Já os personagens da Warner que fazem aparições no filme são Pernalonga (1940), Patolino (1937), Gaguinho (1935), Piu-Piu (1942), Frajola (1945), Eufrazino (1945), Frangolino (1946), Marvin, o Marciano (1948), Papaléguas (1949), Coiote (1949), o buldogue Marco Antônio (1952), Sam Sheepdog (1953) e Ligeirinho (1955). Da Paramount aparecem Koko, o Palhaço (1919) e Betty Boop (1930). Walter Lantz emprestou Pica-Pau (1940) e a MGM liberou Droopy (1943).

>> No cinema, quando Eddie Valiant (Bob Hoskins) revela a Roger o seu passado, o curta em exibição é Ginástica Patética, que seria lançado apenas em 1949 (dois anos depois do que se passa a história). A produção afirma ter escolhido o curta, apesar da imprecisão histórica, por se tratar da “coisa mais louca” encontrada no acervo da Disney.

>> Durante as filmagens, o dublador Charles Fleischer dizia as falas de Roger Rabbit fora das câmeras, mas completamente dentro do personagem. O figurino incluía orelhas de coelho, luvas amarelas e macacão laranja. Para ajudar os atores, modelos de borracha em tamanho real eram usados para que os intérpretes “humanos” tivessem noção do tamanho e das formas do seu colega de cena imaginário. Durantes os intervalos na filmagem, alguns funcionários do estúdio faziam comentários sobre os pobres efeitos especiais do “filme do coelho”.

>> Um dos maiores desafios foi a interação dos personagens animados com os objetos e atores reais. O efeito final foi resultado de duas técnicas: alguns objetos, como o charuto do Bebê Herman e os pratos que Roger quebra na própria cabeça, eram movimentados no setpor meio de máquinas de movimento presas a um operador. Na pós-produção, o personagem era simplesmente desenhado sobre a máquina. A cena do clube Ink & Paint seguia na mesma linha: os copos movimentados pelo bartenderpolvo eram controlados como marionetes e as bandejas dos pinguins garçons grudadas em bastões. Tanto os bastões como os fios acabaram removidos e os desenhos foram adicionados. Já na sequência que se passa em Toontown, o choram key foi a técnica escolhida, com Bob Hoskins interagindo com o mundo que seria criado na pós-produção.

>> O túnel que Valiant atravessa para chegar à Toontown é o mesmo túnel usado em De Volta Para o Futuro Parte II (1989) na perseguição com o hoverboard.

>> Roger Rabbit é descrito como tendo um “rosto da Warner”, “corpo Disney”, uma “atitude Tex Avery”, macacões do Pateta, luvas do Mickey Mouse e gravata borboleta por Gaguinho. O diretor de animação Richard Williams diz que baseou seu modelo de Roger na cor na bandeira americana (macacões vermelhos, corpo branco, gravata azul) para que “todo mundo, subliminarmente, gostasse dele”.

>> Quando Eddie leva Roger para a sala secreta do bar para cortar as algemas, o coelho bate na lâmpada e o lustre começa a balançar. Os animadores, então, precisaram dedicar muito trabalho extra para que as sombras do cômodo real fossem compatíveis com as sombras da animação. Hoje, “bump the lamp” (algo como “esbarrar na lâmpada”) é uma expressão usada por muitos animadores da Disney para descrever o esforço dedicado aos detalhes da animação, em coisas que a maior parte do público nem chega a notar.

>> Jessica Rabbit reúne quatro femme fatales em uma. O escritor Gary K. Wolf baseou Jessica em Red, criada por Tex Avery. Já o animador Richard Williams buscou inspiração na Rita Hayworth e Veronika Lake. Por sugestão do diretor Robert Zemeckis, Lauren Bacall também serviu de musa para o visual da personagem. A atriz Kathleen Turner fez a voz da personagem.

>> Uma das cenas mais controversas do longa mostra, por um breve momento, um dos seios de Jessica Rabbit.

>> Os três ingredientes da fórmula que mata desenhos (aguarrás, benzina e acetona), são solventes de tintas, todos utilizados para remover animação de frames.

>> O plano de Doom para desmantelar a Red Car é baseado na História. Corporações privadas conspiraram para eliminar o transporte público no final dos anos de 1940 e início dos 1950, para gerar demanda por automóveis e indústrias auxiliares.

>> Bob Hoskins disse que, por duas semanas após ver o filme, um de seus filhos não quis falar com ele. Quando finalmente perguntou o motivo, o menino respondeu que não podia acreditar que seu pai havia trabalhado com personagens de desenhos animados, como Pernalonga, e não o levou para conhecê-los.

>> Sete anos se passaram até que Uma Cilada Para Roger Rabbit saísse do papel. O mesmo processo lento acompanhou a sequência, planejada desde o sucesso do original nas bilheterias. Depois de muitas versões de scriptse testes de efeitos especiais rejeitados, a última notícia sobre o filme é de 2012 – e com a morte de Hoskins, dois anos depois, por complicações do Mal de Parkinson, o projeto parece ter sido deixado de lado. Contudo, se depender da persistência de Zemeckis, a continuação ainda tem chances de ser realizada.

>> A pós-produção levou 14 meses para ser concluída. Com 326 animadores contratados e 82.080 frames de animação desenhados, o filme tinha uma das maiores sequências de crédito da década de 1980.

>> Uma Cilada Para Roger Rabbit foi uma das produções mais caras da década de 1980. Com um orçamento inicialmente previsto para US$ 29,9 milhões (um recorde para um filme de animação), o filme chegou a custar US$ 70 milhões e só não foi cancelado por conta dos esforços (e da simpatia) de Steven Spielberg. O investimento foi recompensado, conseguindo a segunda maior bilheteria de 1988 (atrás apenas de Rain Man) e arrecadando o total de US$ 329,8 milhões.

>> Uma Cilada Para Roger Rabbit ganhou quatro estatuetas do Oscar em 1989: edição, efeitos sonoros, efeitos visuais e uma especial para Richard Williams, por criar e dirigir os personagens animados. Rain Man levou outras quatro, porém, consideradas do “grupo principal de quesitos da premiação” (filme, diretor, ator e roteiro original). Na mesma noite, Ligações Perigosas ficou com três (roteiro adaptado, figurino e direção de arte).