Clássico brasileiro dos anos 1970 sobre a marginalização dos grupos sociais feminino e queer durante a ditadura militar volta às telas restaurado em 4K
Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Divulgação
Em 1974, Antônio Carlos da Fontoura estreou A Rainha Diaba, filme que se tornou um dos clássicos da década. Em 2023, quase meio século depois, o filme volta às telas do cinema mundial com uma digitalização em 4K que reapresenta a personagem icônica de Milton Gonçalves a um público, possivelmente, muito mais afim de sua expressão. Segundo Fontoura, que acompanhou todo o processo de restauração, o longa-metragem está “muito mais bonito do que na época”.
Depois de estrear em Berlim e viajar por Tóquio e outras capitais do mundo, a Rainha Diaba (Brasil, 1974) aterrissou em Curitiba para duas exibições especiais no 12° Olhar de Cinema. Uma história de ganância e crueldade sobre a personagem que dá nome à obra (vivida por Milton Gonçalves) e uma trama de seus subordinados para derrubá-la do trono, o filme imbui o mundo do crime com uma forte expressão de gênero e sociabilidade tipicamente brasileiras.
São quatro as personagens principais, interpretadas por um elenco consagrado. Junto a Milton Gonçalves, Nelson Xavier faz o antagonista Catitu, que utiliza o moleque Berreco (Stepan Nercessian) como peão da trama que busca destituir a Rainha. Por sua vez, Berreco se relaciona com Iza (Odete Lara) e destila nela os machismos típicos dos anos 1970. Este é um filme que demonstra a marginalização dos grupos sociais femininos e queer no Brasil do regime militar, e o conflito entre estes e o status quo impera a narrativa.
O Brasil que se apresenta não é maquiado: é sujo, violento e, ao mesmo tempo, munido de cor, textura e vivacidade únicas de nossa capital tropical, o Rio de Janeiro. É num contexto de marginalidade puramente brasileiro que se constrói uma trama digna da Nova Hollywood, que havia nascido há pouco na terra do Tio Sam. No entanto, engana-se quem espera uma abordagem que preza pela crueza e verossimilhança.
Fontoura constrói um mundo mitológico a revolver a Diaba, composta por distintas personagens, cada uma com sua cor própria, maneirismos e personalidade, que pinta um retrato encantado de uma realidade tão violenta. Em seu centro, a atuação fenomenal de Milton Gonçalves, que modula sua voz para pontuar cada sentença com sua voz doce de Rainha ou grave e rouca de Diaba. A dualidade da personagem, inclusive, faz dela uma das mais memoráveis do cinema brasileiro. Aos amigos do Twitter, desesperados em busca de histórias de “gays trambiqueiras”, sua procura chegou ao fim.
Mais que um clássico a se revisitar, A Rainha Diaba aceita a luz contemporânea para pintar seus retratos de uma época em que a diferença era muito mais marginalizada e não por isso menos presente em nossa sociedade. Antes de mais nada, é uma joia do cinema setentista do Brasil, com uma memorável direção que envolve a narrativa de momentos de violência, é certo, mas também por episódios que merecem nossa mais pura admiração. O olhar de Fontoura nos deu um presente. É uma dádiva que o público de 2023 possa recebê-lo novamente.
Quarenta curiosidades sobre o clássico de Steven Spielberg que há 40 anos estreava nos cinemas brasileiros
Texto por Carolina Genez
Fotos: Universal Pictures/Divulgação
Um dos marcos do cinema pop, E.T. – O Extraterrestre (E.T., The Extra-Terrestrial, EUA, 1982 – Universal Pictures), completou 40 anos de lançamento no Brasil no último dia 25 de dezembro. O filme é até hoje lembrado com grande apreço e emoção por ter conseguido conquistar tanto as crianças quanto os adultos. O longa, assinado por Steven Spielberg, consolidou nas grandes telas, naquele começo dos anos 1980, o termo blockbuster. Passadas quatro décadas de sua chegada, até hojesegue ganhando fãs de novas gerações.
Em homenagem ao aniversário da cultuada obra, o Mondo Bacana elenca 40 curiosidades a respeito dela.
>> E.T. contou com um orçamento estimado de US$ 10,5 milhões de dólares. Bateu recordes de bilheteria, faturando 792,9 milhões de dólares nos cinemas de todo o planeta.
>> O longa, inclusive, ocupou por onze anos o posto de maior bilheteria da História por 11 anos. Foi superado apenas em 1993, por Jurassic Park: Parque dos Dinossauros. Por sinal, outro filme de Steven Spielberg.
>> Este foi um dos marcos da carreira do diretor. Tanto é que a emblemática cena da silhueta do personagem E.T. e o garoto Elliott na bicicleta à frente da Lua foi escolhida para servir como logomarca da produtora de Spielberg, a Amblin Entertainment.
>> E.T. foi indicado a nove estatuetas do Oscar e, 1983, incluindo diretor e filme do ano. Levou para casa quatro delas, todas em categorias técnicas: som, edição de som, efeitos especiais e trilha sonora.
>> As estatuetas de melhor filme e direção em 1983 acabaram ficando com Gandhi. Mas nem mesmo o cineasta Richard Attenborough se convenceu com a vitória nas duas categorias, já que ele considerava o trabalho de Spielberg mais completo.
>> Foi também durante essa premiação que o compositor John Williams, parceiro de Spielberg, conquistou seu terceiro Oscar de trilha sonora. Os outros dois vieram pelos trabalhos realizados em Tubarão (1975) e Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977)
>> As conexões de E.T. com a saga de George Lucas também não param somente aí. Em uma das cenas, Spielberg colocou uma criança vestida de Yoda, com direito até a trilha do personagem também composta por John Williams.
>> Em Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma (1999), Lucas devolveu a homenagem colocando a espécie de E.T. participando de uma reunião do Senado.
>> Ainda sobre o parelho com a saga Star Wars: Harrison Ford (intérprete de Han Solo), quase entrou no filme de Spielberg. O ator chegou a rodar uma breve participação como o diretor da escola de Elliott. Contudo, a cena acabou ficando de fora da edição final.
>> Ford também foi o responsável por apresentar Spielberg a Melissa Mathison, que viria a se tornar roteirista de E.T. – O Etraterresetre. Os dois se conheceram porque Mathison era namorada do ator e estava presente nos sets de Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981), também dirigido por Spielberg.
>> Nas primeiras versões do roteiro, o personagem E.T. seria uma espécie de planta sem gênero.
>> A fisionomia do rosto de E.T. foi criada pelo designer italiano Carlo Rambaldi, tendo como modelos o poeta Carl Sandburg, o físico Albert Einstein, o escritor Ernest Hemingway e um cão da raça pug.
>> Em seus outros filmes o diretor sempre gostou de trabalhar com efeitos visuais e práticos. Além de ter uma parte animatrônica, o extraterrestre também foi interpretado pelos atores Matthew de Meritt, que nascera sem pernas, mais Tamara de Treaux e Pat Bilon, que tinham nanismo.
>> Responsável por dublar o alienígena, o ator Pat Welsh foi escolhido para o papel por causa de sua rouquidão, fruto dos dois maços de cigarro que fumava por dia. O criador de efeitos sonoros Ben Burtt também usou vozes de outras pessoas, incluindo a de Spielberg, para chegar ao timbre do personagem.
>> Durante a história, o alienígena utiliza um comunicador. O aparelho foi construído pelo especialista em ciência e tecnologia Henry Feinberg. De fato, ele funcionava.
>> O boneco custou 1,5 milhões de dólares. Aliás, boa parte do orçamento do filme foi gasto somente para “dar vida” ao personagem E.T.
>> Michael Jackson adquiriu um dos bonecos originais criados para o filme.
>> A versão final ficou tão realista que a atriz Drew Barrymore, que na época de rodar o filme tinha 7 anos, realmente acreditava que E.T. era uma criatura de verdade. Para continuar o encanto dela, o diretor, então, pedia que a produção mantivesse o boneco vivo durante os intervalos.
>> Apesar de muito nova para o ofício, Drew Barrymore improvisou diversas falas dentro do filme. A fala dela quando vê E.T. (“Eu não gosto dos pés dele”) foi tão espontânea que o diretor que decidiu mantê-la no filme.
>> O papel da pequena Gertie lançou a carreira de Drew Barrymore. Só que a atriz quase não ficou com o papel. Sarah Michelle Gellar e Juliette Lewis também fizeram testes para interpretar a menina.
>> O filme foi gravado em ordem cronológica para passar uma sensação de autenticidade para as crianças do elenco.
>> Antes de chegar em Henry Thomas, Spielberg testou mais de 300 atores para o papel do menino. Thomas conquistou o papel após emocionar o diretor encenando a cena em que Elliott teme que o agente do governo leve E.T. embora.
>> O diretor também optou por rodar grande parte do filme no nível do olhar de Elliott e E.T., justamente para aumentar a conexão entre os personagens e os espectadores.
>> O sobrenome de Elliott nunca é mencionado. Em uma entrevista de 2015, foi revelado por Spielberg que seu nome completo é Elliott Taylor.
>> Apesar de E.T. – O Extraterrestre ser uma história infanto-juvenil, o diretor chegou a desenvolver uma história de terror para dar base ao filme, com o título de Night Skies.
>> A ideia de uma continuação chegou a existir. A Universal queria muito uma continuação para a história e Spielberg chegou até a pensar em um roteiro. A história se passaria no planeta do alienígena. O projeto, entretanto, acabou sendo arquivado, por medo de “sujar” o original.
>> O diretor fora convencido a fazer um filme infantil por François Truffaut. Segundo o francês, Spielberg também era uma criança.
>> Foi durante o trabalho em Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) que surgiu a primeira premissa do filme. Steven Spielberg ficou intrigado com a ideia do que aconteceria se um alien ficasse para trás aqui na Terra.
>> Naquela mesma temporada de 1982, Spielberg também lançou o filme Poltergeist: O Fenômeno, desta vez assinando apenas o roteiro. Segundo o cineasta, E.T. é uma representação dos sonhos do subúrbio americano, enquanto Poltergeist representa os pesadelos.
>> Em 2002, celebrando o aniversário de 20 anos do longa-metragem, o diretor resolveu alterar uma cena digitalmente para retirar as armas dos policiais que perseguiam as crianças. Anos depois, porém, ele voltou atrás na ideia e deixou a cena como ela era originalmente.
>> Também para celebrar este aniversário de duas décadas, E.T. foi relançado nos cinemas com cinco minutos de novas cenas que ficaram de fora da versão original. Além disso, foram utilizados novos efeitos especiais e uma remasterização digital realizada em todo o longa.
>> Spielberg manteve muito sigilo em torno do filme antes do seu lançamento em 1982. Nem mesmo o responsável por produzir o cartaz de E.T. sabia como era o visual do extraterrestre.
>> Para aumentar o segredo, no começo das filmagens o diretor trocou o nome do filme para A Boy´s Life, para impedir que copiassem o enredo.
>> Paradar mais realismo à cena do hospital, foram contratados médicos e enfermeiros de ofício para examinar o extraterrestre. O diretor ainda pediu que os profissionais tratassem o personagem como um paciente de verdade.
>> Inicialmente o diretor queria usar os chocolates M&M’s pra atrair o extraterrestre em uma das cenas. Só que a marca controlada pela Mars negou a participação por achar que o alienígena iria assustar as crianças.
>> A produção usou então os chocolates Reese’s Peices. Isso fez com que as vendas da marca fabricada pela Hershey Company disparassem.
>> Por conta deste grande sucesso, muitas marcas começaram a pedir que seus produtos fossem usados em filmes. Esse feito também já tinha sido comprovado em alguns dos filmes de 007.
>> Quando lançado em VHS em outubro de 1988, o filme veio com fita, protetores e hubs na cor verde, justamente para diferenciar as cópias originais das piratas. Em homevídeo, vendeu mais de 15 milhões de unidades nos EUA, arrecadando mais de 250 milhões. Durante as duas primeiras semanas nas prateleiras das videolocadoras, E.T. foi alugado mais de 6 milhões de vezes no país.
>> Inicialmente, o longa seria produzido pela Columbia Pictures, porém a produtora achava que o filme fracassaria e o roteiro era muito fraco. O diretor acabou assinando com a Universal Studios, para qual vendeu o script por 1 milhão de dólares. Spielberg ainda cobrou 5% da bilheteria.
>> Tentando construir a trilha do longa, John Williams foi incentivado por Spielberg a conduzir a orquestra da mesma maneira que faria em um concerto. O diretor, mais tarde, chegou até a reeditar o filme para combinar melhor com a música que hoje é conhecida como uma das mais clássicas obras sonoras do cinema.
Uma sociedade anestesiada buscando emoções e sentimentos por meio da exploração da dor é a nova crítica ácida e mórbida de David Cronenberg
Texto por Taís Zago
Foto: O2 Play/Distribuição
O novo filme de David Cronenberg já chegou colhendo comentários bastante mistos. Adorado por alguns críticos e detestado por boa parte do público. E, confesso, isso se torna para mim um grande atrativo na hora de escolher o que assistir. Quando essa oportunidade surgiu pela plataforma Mubi, e eu abracei a causa.
Preciso salientar que não me considero uma grande fã das distopias com tema biológico de Cronenberg. Quando assisti pela primeira vez eXistenZ (1999), fui tomada por um conjunto de irritação e deboche. Naquele tempo ainda estávamos na época de alugar DVD na locadora e depois nos arrependermos amargamente pelos reais gastos. Uma arte já morta atualmente. Mas eXistenZ não foi meu primeiro contato com a obra de David. Como muitos, eu passei a acompanhar o diretor a partir do filme Crash (1996), que gerou uma grande polêmica na época pelo seu tema – a fetichização de limitações físicas e a erotização de acidentes automobilísticos. E foi também em meados dos anos 1990 quando descobri que Cronenberg era responsável por outros shockers que marcaram a minha experiência precoce no gênero do horror, como Scanner (1981) e Naked Lunch (1991). Uma coisa aqui é certa: Cronenberg não pisa em ovos em torno de temas horripilantes, obscuros ou mórbidos. O festejado diretor se destaca exatamente por romper tabus e limites transpondo (sobrepondo?) gêneros. Sua obra nos causa náusea e ao mesmo tempo instiga a reflexão. E essa também é uma função da arte, provocar repulsa.
Em Crimes Of The Future Crimes Of The Future (Canadá/Grécia/Reino Unido, 2022 – O2 Play), o diretor explora um futuro que, apesar de parecer próximo, não é determinado: é quando a ideia de dor praticamente desapareceu nos conceitos humanos. Pessoas andam nas ruas a esmo, com olhares vários, procurando algum tipo de emoção. A droga da vez é a busca pela dor, o que poucos ainda conseguem sentir. A dissecação da alma humana é a dissecação de corpos sob o manto protetivo da arte. Da performance. Como se tudo isso já não nos pintasse uma tela aterrorizante, os seres humanos passaram a desenvolver espontaneamente órgãos com funções não determinadas em seus corpos. Órgãos que crescem como tumores e precisam ser extirpados para não causarem morte ou mutação em seus hospedeiros. E é nesse cenário que Saul Tenser (interpretado por Viggo Mortensen) e sua parceira Caprice (Léa Seydoux) brilham com suas performances artísticas inspiradas em cirurgias e que consistem em Caprice manipulando remotamente incisões e a extrações de órgãos tatuados de dentro do corpo de Saul. Um ato no qual, supostamente, faz-se uma conexão entre dor e prazer e que deixa Saul extasiado.
Em um tom ainda mais macabro e chocante, Cronenberg já inicia nos oferecendo o assassinato cruel de um menino pela própria mãe, quando esta percebe que o filho, uma vítima das bizarras mutações recorrentes nos humanos, passa a ingerir e digerir plástico. O pai do menino, Lang Dotrice (Scott Speedman), inconformado com o ocorrido e determinado a tornar sua morte um símbolo da resistência dos humanos “já mutados”, oferece o seu pequeno corpo como objeto para uma das performances de Saul e Caprice. Por fim, com a quase impossível função de assumir a posição de comic relief nesse tema tão aterrorizante e denso, temos o curioso escritório chamado National Organ Registry, onde supostamente os novos órgãos identificados são catalogados. É um cantinho empoeirado, sujo e protocolar que lembra o escritório de um detetive fracassado e é comandado por Yevgeny Nourish (Don McKellar) e uma hilária Kristen Stewart no papel de sua assistente Timlin. Esta também é uma fã incondicional do trabalho de Saul e não esconde sua adoração por seu ídolo.
Com todos esses elementos assustadores, alguns pendem a se levantar e sair da sessão no cinema (como fizeram no lançamento do filme, em Cannes) ou parar o streaming nos primeiros 15 minutos. Porém, os que ficam e fazem o esforço de enxergar o que está por baixo da primeira camada de pele dessa obra vão enxergar uma crítica ácida e (por que não?) cirúrgica da humanidade. Cronenberg realiza uma operação de peito aberto em uma sociedade que após lutar para viver anestesiada passa a procurar emoções no que deliberadamente perdeu. A busca aflita por sensações e experiências que tirem as pessoas da letargia em que se encontram seus corpos nessa nova realidade. Uma realidade onde o velho sexo (old sex, como é chamado) já não mais é a forma de prazer suprema. A busca pela dor, a extirpação de órgãos, os cortes e as mutilações são a nova forma de vivenciar algo novo. Temos também uma crítica à arte e à ambição artística em seus sacrifícios, no caso, bem carnais. Até onde podemos ir para receber a atenção e o reconhecimentos dos nossos pares?
Perfeição estética e apuro técnico visual nunca foram os focos de interesse de Cronenberg. Algumas das geringonças biomórficas apresentadas podem nos tirar a atenção e levar ao riso espontâneo – comigo foi a cadeira para “digestão”. Mas relevando isso, Crimes Of The Future é horror com reflexão. Mesmo quando materializada em forma de sangue, órgãos, tripas ou tumores.
Oito motivos (entre eles o novo álbum The Other Side Of Make-Believe) para não perder os shows do trio nova-iorquino no Brasil
Texto por Abonico Smith
Foto: Ebru Yildiz/Divulgação
Vinte anos atrás, em agosto de 2002, saia o primeiro álbum de uma das bandas mais sensacionais daquela efervescente cena que recolocava o underground de Nova York no destaque do mapa-múndi do rock. Turn On The Bright Lights apresentava o Interpol, com hits como “Untitled”, “PDA”, “Obstacle 1”, “NYC” e “Say Hello To Angels” fazendo uma das mais bombásticas sequências iniciais de um disco neste século 21 – ao lado de contemporâneos trabalhos de estreia de gente como Strokes, Yeah Yeah Yeahs e Arcade Fire. De lá para cá, o então quarteto (transformado em trio em 2010, após a saída do baixista original, Carlos Dengler) firmou-se como um dos grandes nomes do indie rock, gravando e lançando discos com constância e sendo atração de peso de festivais espalhados por todo o planeta.
Corta para 2022. Vinte anos depois da avassaladora estreia, o Interpol acaba de soltar um novo álbum, o sétimo de estúdio. Com onze faixas e lançado no útlimo mês de julho, The Other Side Of Make-Believe resgata a qualidade e a sonoridade lá do começo, também flertando com uma estética gráfica semelhante. Tudo foi gravado online durante a pandemia da covid-19, com cada integrante fazendo as coisas de sua casa, pontos diferentes do mundo. Entretanto, manteve-se o compromisso da criação conjunta, sem ter um integrante que necessariamente monte um esqueleto inicial de letra e música antes de trabalhar o arranjo com demais. Com o Interpol os rascunhos sempre são feitos de modo coletivo, o que, de certa firma, garante uma certa peculiaridade no seu som, que se reflete disco após disco. E chega neste mais recente com uma coesão e uma força igual àquela dos primeiros anos de estrada.
Para divulgar The Other Side Of Make-Believe, a turnê Lights, Camera, Factions teve início em 25 de agosto, nos Estaods Unidos e Canadá, com datas quase diárias que se estenderam até meados de setembro. Agora, depois de uma breve escala na Alemanha, o grupo chega ao Brasil para três apresentações. O pilar central é a primeira edição em verde e amarelo do Primavera Sound, em São Paulo, no Distrito Anhembi (outras informações sobre o festival você tem aqui). Na véspera (dia 4), fazem um dos sideshows do Primavera no Rio de Janeiro na Jeneusse Arena. O segundo compromisso (dia 8) será em Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski. Em ambas as oportunidades, o Interpol também fará a abertura da noite para os Arctic Monkeys, também escalados como headliners do Primavera BR. Mais sobre os ingressos desses dois concertos paralelos você pode encontrar clicando aqui. Depois de passar pelo solo brasileiro, a banda vai ainda ao Paraguai, Chile, Argentina e Peru.
Como esquenta dessa nova vinda ao país de Paul Banks (guitarra, baixo e voz), Daniel Kessler (guitarra) e Sam Fogarino (bateria), o Mondo Bacana preparou oito motivos para você nem sequer pensar em perder a nova passagem deles por aqui.
Meet me in the bathroom
Lizy Goodman publicou em 2017 o livro Meet Me In The Bathroom. A publicação é uma história oral do indie rock de Nova York durante a primeira década deste século. Foi um tempo de glórias sonoras, com o surgimento e o crescimento de uma safra de bandas que recolocou o rock’n’roll, tão básico quanto vigoroso, tão sujo quanto envolvente, na ordem do dia das publicações voltadas à música. Então o mundo conheceu e se apaixonou por nomes como Strokes, Yeah Yeah Yeahs, LCD Soundsytem, Vampire Weekend, Walkmen e Interpol. Agora este livro virou um documentário, que irá estrear no próximo mês de janeiro, também com o depoimento de vários músicos e testemunhas oculares da história recente do underground nova-iorquino que se tornou um belo nicho de gente que gostava de descobrir novidades através das primeiras plataformas de divulgação de bandas e artistas da internet. Curiosidade: o título vem do nome de uma música dos Strokes e é um código muito utilizado pelos jovens daquela época para cheirar pó em locais públicos.
Pós-punk sombrio
Esta geração de ouro de NY em uma coisa se assemelhava à de Seattle, que no início da década anterior também saiu dos subterrâneos e circuitos alternativos para tomar conta de grandes festivais de rock e espalhar fãs pelo mundo todo. Assim como aquele pessoal grunge, também nunca existiu uma unidade sonora que agrupasse todo mundo em uma caixinha só. O Interpol, por exemplo, foi mais pela praia sombria do pós-punk britânico (Joy Division, Cure, Bauhaus). Algo dançante, porém com tintas que, de alguma forma, fossem representações sonoras entre o preto e o branco, no máximo com uma adição do vermelho – tal qual as capas do primeiro e do mais recente álbum, por exemplo. Nas letras, sentimentos exacerbados, dilacerações, No figurino, um preto estiloso e social dos pés à cabeça. Não à toa o vocalista Paul Banks é considerado sex symbol por muitas fãs.
Vocais com assinatura
A dramaticidade impressa por Banks nas músicas do Interpol não está somente em suas letras. Também reside na sua voz densa e de barítono. O curioso é que o Interpol nunca foi de explorar algo que fosse muito além do gogó de seu guitarrista. Quase não há backings, quase não há dobras. No começo, sobretudo, era tudo muito curto, grosso e direto. Banks e o microfone, o microfone e Banks e só. Muita gente pode considerar monótono e um tanto quanto monocórdio. Mas é uma assinatura que logo faz você reconhecer que aquela é uma música do Interpol. Pelo menos até pouco tempo atrás, já que pequenos efeitos, contracantos e dobras já podem ser notados em faixas mais recentes.
The Other Side Of Make-Believe
Sétimo álbum da carreira, agora com a produção assinada pelo experiente Flood (Depeche Mode, Nick Cave, PJ Harvey, Jesus & Mary Chain, Smashing Pumpkins, U2, Killers, Sigur Rós, New Order, Nine Inch Nails, Foals, Warpaint, entre outros), concebido integralmente durante o isolamento da pandemia, com os três integrantes espalhados em um país diferente (Escócia, Espanha, Estados Unidos). Neste novo trabalho, lançado no meio deste ano, o trio volta a flertar com os grande momentos apresentados nos três primeiros discos da carreira. Curiosamente, obras lançadas pelo selo nova-iorquino Matador, uma das marcas de excelência do indie rock dos anos 1990 para cá. Quando a banda resolveu trocar a antiga casa pela Capitol (uma das maiores empresas fonográficas norte-americanas, símbolo da música pop daquele país e com Frank Sinatra como o maior estandarte de seu catálogo), a criatividade decaiu e o Interpol não apresentou nada de muito novo ou excitante. Agora, parecem ter retomado a boa forma de outrora. Os dos títulos anteriores (O álbum Marauder e o EP A Fine Mess), ambos assinados pelo americano Dave Fridmann (outro experiente produtor do circuito indie e ex-baixista do Mercury Rev) foram um esboço para a volta do bom e velho Interpol, agora em sua segunda passagem pela Matador. Não à tôa quatro singles e três videoclipes já foram extraídos deste disco e mais ou menos metade dele costuma pintar no set list da atual turnê, tomando o lugar de muito clássico mais antigo. O que, se for levado em conta a carreira extensa da banda somado ao número de títulos na discografia, é algo difícil de acontecer com um artista de trajetória similar.
Toni
Tendo como explícitas referências a historia de West Side Story (tanto na Broadway quanto nas telas de cinema) e do clipe de Beat It, de Michael Jackson, o primeiro clipe feito para o novo álbum é uma história de amor e briga de gangue. Só que o cenário não é nada urbano. Aqui o diretor Van Alpert sai das ruas, bares e becos de uma grande cidade e vai para uma estrada, um campo aberto, de cores terrosas (combinando com as tonalidades do figurino do casal), com galpões. Homem e mulher, formando um par interracial, aparecem sempre apavorados. Eles tentam fugir de toda e qualquer maneira de uma gangue também jovem que os persegue com instrumentos prontos para serem usados em uma pancadaria (objetos como porretes e tchecos). Eles vestem roupas azuis, baseadas no jeans como material. Utilizam também maquiagem forte e por vezes berrante. Quando o cerco ao casal finalmente ocorre, tudo aquilo que seria porrada se transforma em dança, mas com uma coreografia estranha, longe de qualquer naturalismo nos movimentos. Pode parecer incongruente a princípio, mas logo tudo se encaixa no beat funky comandado por Sam Fogarino, algo não muito comum nos arranjos do Interpol. Em alguns momentos, vemos Paul Banks como um policial que nunca desgruda de seu velho carrão. De longe, ele observa tudo, passivamente, somente se preocupando em descascar e comer uma fruta. Quando toda a confusão parece estar resolvida, chega o anúncio de que a história terá uma continuação…
Someting Changed
Parte dois de uma espécie de curta criado por Van Alpert, este videoclipe dá seguimento à história de “Toni” do ponto exato onde ela parou. Reproduzindo as palavras escritas por Paul Banks, aqui realidade e devaneio convergem. Os dois personagens principais se encontram em uma espécie de estado de sonho, continuando a ser perseguidos inexoravelmente pela figura sinistra vivida pelo vocalista. O que, conjugado com a atmosfera jazzy da canção e algumas imagens estrategicamente borradas durante as cenas, dá um tom de mistério ao clipe. Banks ainda completa: “as vidas dos três estão entrelaçadas em uma nebulosa de medo, retribuição, desejo e desafio”. O final é enigmático e aberto a diferentes interpretações.
Gran Hotel
Quarto single do novo disco, terceiro videoclipe de excelente qualidade lançado em 2022. Apesar de ser somente a oitava das onze faixas de The Other Side Of Make Believe, “Gran Hotel” é uma de se suas canções mais poderosas, justamente por se aproximar daquela sonoridade matadora revelada nos primeiros álbuns. Sob um riff pungente de sua guitarra distorcida e aquela irresistível batida pós-punk, Paul Banks conta, com um discreto sentimento de dilaceração em sua voz, “uma breve história de luto e dor-de-cotovelo de um personagem que ainda está processando uma perda”, como ele mesmo declarou recentemente a respeito da letra. Por isso, o clipe assinado pela cineasta Malia James (mais conhecida pelos fãs do indie rock por ser, desde 2011, a guitarrista da banda Dum Dum Girls) é tão visceral quanto os versos escritos por Banks. O audiovisual começa com uma cena de dor e desespero: a morte de uma mulher no quarto de um hotel e seu companheiro tentando encontrar alguém para lhe ajudar. Aos poucos, a trama vai sendo destrinchada de trás para frente e o espectador acompanha os eventos anteriores ao desfecho trágico para o casal, reservando ao final uma impactante surpresa como a mola propulsora para todo o resto. Dos três músicos, de novo, apenas o frontman aparece no clipe. Ele também está no hotel, acompanhando tudo o que ocorre com os dois protagonistas, porém sem nunca ser notado, tal qual um anjo flanando pelos aposentos. Mas há um certo estranhamento visual nas cenas com Banks, já que tudo parece estar ao reverso. O encerramento, entretanto, desvenda o mistério: foi tudo rodado com ele encenando e cantando a música tocada ao contrário no local, para que no momento da edição ficasse claro que ele, assim como a historinha contada pelas mãos de James, também ficasse de trás para frente.
Fables
Único single do novo disco que não ganhou um videoclipe, mas sim um lyric vídeo. O que também não deixa de ser algo interessante para ser ver/ouvir. Nas imagens, uma vastidão espacial com solo arenoso e crateras, algo que sugere ser a lua. No centro da tela, uma máquina eletrônica com design vintage, algo como um antigo terminal bancário. Tudo preto e branco e bastante hipnótico. A câmera vai pra um lado e pro outro, aproxima-se e distancia-se do objeto, tudo isso enquanto os versos, no canto superior esquerdo da tela, em um design gráfico muito do estiloso, rubro-negro, que lembra o Interpol do primeiro e mais famoso disco e ao mesmo tempo remete à capa do novo trabalho. Ela foi construída a partir de uma jam session feita online, durante o verão crítico da pandemia. Para quem acha que o Interpol sempre soa soturno e cinzento, “Fables” é um bom exemplo do quão alegre a banda também pode ser. Banks se diz muito orgulhoso de ter feito esta música por causa da combinação da letra otimista, a melodia jovial, os licks da guitarra de Daniel Kessler e a bateria de Sam Fogarino evocando o r&b clássico com ligeiros acenos ao hip hop
Quinteto alivia os fãs ao esquecer a sonoridade moderada do último trabalho e lançar um novo disco com notas de nostalgia e inovação
Texto por Ana Clara Braga
Fotos: Divulgação
O auge do grunge foi há quase trinta anos. Enquanto isso, o Pearl Jam, um dos maiores nomes do subgênero, não parou de produzir música, para a alegria dos seus fãs. Conhecidos por um som sujo e tido como rebelde pelo mainstream, o grupo preocupou seguidores em sua última obra de estúdio, Lightning Bolt (2013), que continha músicas mais moderadas, algo como um rock de meia idade. Mas o alívio chegou. Lançado há poucos dias, o novo Gigaton traz notas de nostalgia… e inovação!
O disco abre com “Who Ever Said”, música de base muito bem construída e que remete aos tempos áureos do grupo. Na sequência, “Superblood Wolfmoon”, apropria-se de um fenômeno natural para expressar sensação de angústia. A faixa já nasce com potencial de ser sucesso em shows e festivais de grande porte. As duas músicas iniciais são, portanto, uma prova de que o velho PJ não morreu: apenas se adaptou.
Fãs mais conservadores podem torcer o nariz para alguns dos sons eletrônicos incorporados ao longo deste álbum. De forma alguma eles estragam ou tiram o vigor das músicas. Pelo contrário: os artifícios ajudam a amplificar a experiência proposta pela banda. Talvez esses mesmos fãs conservadores prefiram que a “inovação” venha como em “Comes Then Goes”. O problema? Sonoridade dissonante não significa algo novo, visto que Eddie Vedder já andou por esses terrenos em suas aventuras solo.
Gigaton pode nunca virar unanimidade entre os admiradores da banda, mas é preciso reconhecer ser um trabalho de qualidade. Em tempos em que o rock não é mais a estética sonora dominante, o PJ mostra não ter medo de experimentar, sem perder a essência, para que não fique obsoleto.
Ao contrário da rebeldia um tanto inconsequente, a revolta agora é amarga e dolorida. A vitalidade juvenil deu lugar a introspecção adulta. “River Cross” é a música que resume bem esse novo modo de pensar, em um tipo de comentário social melodioso. “While the government thrives on discontent and there’s no such thing as clear”, canta Eddie Vedder.
Em seu novo álbum, o Pearl Jam reencontra diferentes versões de si mesmo, sempre apontando para o futuro. Gigaton é um meio-termo entre os jovens inconformados dos anos 1990 e os já tranquilos e maduros músicos, que permanecem juntos até hoje.