Music

Elis Regina

Nunca será tarde demais para o Brasil (re)descobrir a poderosa obra da cantora, que morria há quatro décadas

Texto por Fabio Soares

Foto: Reprodução

Tinha eu somente seis anos de idade mas perfeitamente me lembro do Plantão da Globo na hora do almoço daquela terça-feira de verão, 19 de janeiro. Lembro da incredulidade estampada no rosto de minha mãe. Eu não tinha ideia do que estava acontecendo, só sabia que alguém importante havia morrido.

No primeiro capítulo de Nada Será Como Antes, seu livro lançado em 2015, o jornalista Júlio Maria descreve com detalhes os últimos momentos da vida de Elis Regina Carvalho Costa. Seu último telefonema ao namorado Samuel Mac Dowell. A demora da chegada de ajuda. O filho João Marcelo (aos 11 anos) atendendo um telefonema de um veículo de imprensa que indagava sobre a morte de sua mãe. Os caçulas Pedro e Maria Rita não entendendo a movimentação no apartamento. Um pesadelo para todos ali, ao vivo e a cores.

Nenhum outro periodista reconstituiu com tamanha veracidade a comoção popular com a morte de Elis como Ernesto Paglia, da Rede Globo. Ele estava a caminho de uma outra reportagem quando recebeu um recado de que havia que urgentemente telefonar à redação da Globo, na época instalada num velho edifício da Praça Marechal Deodoro, na Zona Oeste da capital paulista.

A bordo de uma Chevrolet Veraneio prateada (mesmo modelo utilizado pela PM de São Paulo e popularmente batizado como “camburão”), Paglia e sua equipe rumaram ao edifício localizado na Rua Melo Alves, região nobre dos Jardins, recebendo do porteiro a informação de que Elis havia saído do prédio desmaiada e nos braços de seu namorado. Após receber a informação de que Elis fora conduzida ao Hospital das Clínicas, o repórter “voou” com seu bólido ao complexo hospitalar da Avenida Rebouças confirmando, a seguir, que apesar de todos os esforços da equipe médica, Elis – com apenas 36 anos – não havia resistido a uma overdose de cocaína. Foi a figura dele que eu e minha mãe vimos, noticiando a morte de Elis Regina naquele 19 de janeiro de 1982.

O jornalista Nelson Motta lembra a surpresa da descoberta do envolvimento de Elis com a cocaína. “Nunca soubemos do envolvimento dela com drogas, até porque era uma pessoa que sempre preferiu liderar, estar no controle e à frente de tudo. Quando soube que estava na cocaína, me perguntei: ‘como assim?’”

“Cantar é um ato que se comete absolutamente só”, disse Elis, fitando a lente de uma câmera, em 1971. Na época, poucos lares brasileiros possuíam um aparelho de televisão, o que fez Paglia perguntar a si mesmo em matéria exibida recentemente no programa Fantástico: e se figura de Elis fosse nascida e massificada com o advento da internet?

Seus vídeos disponibilizados na rede estão próximo da casa de um bilhão de visualizações, cabendo aos filhos Pedro Mariano e João Marcelo Bôscoli cuidar deste acervo. Segundo ambos, para marcar os quarenta anos da passagem de Elis documentários serão lançados, álbuns serão remasterizados, um musical será montado e até uma história em quadrinhos em homenagem à cantora está em curso.

Ainda nesta matéria do Fantástico, Paglia indaga à Maria Rita, filha mais nova de Elis, como seria a reação de brasileiros que nunca ouviram sua mãe se a escutassem hoje, pela primeira vez. “Tenho certeza que descobrirão um Brasil bonito à beça”, respondeu a cantora.

Mesmo assim, após 40 anos da morte de Elis Regina, sua obra permanece pouco ou completamente desconhecida à maioria dos brasileiros. Chance de ouro terão aqueles de conhecê-la através do vasto material a ser lançado e já citado anteriormente. Nunca será tarde para conhecê-la mais a fundo, inclusive para mim mesmo. E finalmente faremos jus ao título da biografia de Elis escrita por Júlio Maria: nada será como antes.

Movies

A Crônica Francesa

Wes Anderson agora intercala cores vibrantes com o charme do preto e branco para contar cinco histórias sobre a derradeira edição de uma revista

Texto por Camila Lima

Foto: Fox/Disney/Divulgação

Assistir a um filme novo de Wes Anderson é uma experiência que vem acompanhada de certas expectativas, considerando o estilo tão característico do cineasta. Por exemplo, uma estética estonteante e marcada pela forte presença da simetria e pelo uso meticuloso das cores ou personagens que refletem as mais diversas facetas humanas de forma cômica são coisas que você espera de uma obra do cineasta. E que, definitivamente, volta a encontrar em A Crônica Francesa (The French Dispatch, EUA/Alemanha, 2021 – Fox/Disney). 

A história inicia com a trágica morte do editor-chefe da The French Despatch of the Liberty Kansas Evening Sun, revista estadunidense com sede na fictícia cidade francesa de Ennui-sur-Blasé. Em seu testamento, Arthur Howitzer Jr (Bill Murray) determina o fim da publicação após sua passagem. Com isso, a redação se mobiliza para produzir a última edição. O nome é uma clara referência à New Yorker – o que se evidencia nos créditos finais, com a presença de ilustrações que imitam as clássicas capas da revista nova-iorquina. 

A estética dessa nova empreitada do diretor e roteirista não tem tanto os usuais tons pasteis e aquele visual que lembra uma mistura de art nouveau e ilustração de livro infantil. Este filme é algo que parece ser mais “maduro”, mais sóbrio. Porém, as cores são para dar sensações à narrativa, principalmente com a intercalação entre o charmoso preto e branco e o colorido. Este, uma coisa mais caótica embora meticulosamente calculada com o uso de cores bastante vibrantes e bem saturadas. Já a simetria, outra constante nas obras de Anderson, bate ponto de novo. Outros recursos também se repetem ao longo do filme, como o travelling e os takes parados com elementos em profundidades diferentes do plano

No entanto, o aspecto que talvez mais chame atenção em A Crônica Francesa seja o roteiro, justamente por apresentar maior complexidade do que é visto quando a assinatura é de Wes Anderson. O enredo se subdivide em cinco plots diferentes: o principal, centrado na redação da The French Despatch e na mobilização de seus jornalistas após a morte do editor-chefe, e outras quatro histórias correspondentes a quatro sessões da derradeira edição da revista. Para dar vida a esse jogo dramático, o filme conta com um elenco e tanto: Bill Murray, Owen Wilson, Edward Norton, Adrien Brody e Tilda Swinton (cinco que já trabalharam com o cineasta), mais “novidades” como Timothée Chalamet, Benicio del Toro, Léa Seydoux, Frances McDormand e Jeffrey Wright.

Em seu décimo longa-metragem, o texano galga mais um passo na fantasia cativante que habita seu universo particular, agora estendendo os tentáculos rumo à elegância do mais refinado e cultural país do velho continente. Quem já havia caído de amores por ele em algum ponto antecedente de sua trajetória cinematográfica marcada por pessoas improváveis e situações absurdas terá ainda mais motivos para continuar se encantando com a grife Wes Anderson. Pode ainda não conquistar as principais estatuetas do Oscar. Pode ainda estar longe de arrecadação blockbuster de bilheterias mundiais. Entretanto, suas encantadoras crônicas de uma sociedade divergente são o suficiente para, a cada novo filme, inscrever seu nome na galeria dos grandes da sétima arte deste século 21.