Movies

Destacamento Blood

Com humor e críticas sociais afiadas, Spike Lee conta a história de quatro veteranos da Guerra do Vietnam em tempos de Donald Trump

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Netflix/Divulgação

Antes de começar o texto propriamente dito aqui vai um aviso. Se você estiver lendo este texto antes de assistir ao filme, prepare-se para cenas de violência não-ficcional. Grande violência. São poucas, mas não deixam de ser impactantes.

Spike Lee é, possivelmente, um dos diretores de maior autoralidade em atividade. Um “Spike Lee joint” é reconhecível sem muito esforço, e o discurso de suas obras, além de coeso entre as partes, é sempre imerso em realismo e crítica social. Não é diferente com Destacamento Blood (Da 5 Blood, EUA, 2020 – Netflix), que retrata uma viagem de quatro veteranos da Guerra do Vietnam ao país, em busca do cadáver de seu comandante (interpretado pelo recém-falecido Chadwick Boseman) e do ouro escondido pela tropa. Essa premissa acaba por dividir o filme em dois, sendo uma fração responsável por introduzir os protagonistas e o enredo enquanto a outra é seu desenrolar, inteiramente na selva vietnamita. Tal distinção é não somente temática, mas principalmente fotográfica, visto que a direção de Spike Lee opta por uma simplificação da mise-en-scène nos primeiros minutos, enquanto a direção de fotografia traz uma iluminação constante, amena e desinteressante.

Ao adentrar a selva, no entanto, o longa toma sua forma mais densa, bela e carregada de subtexto, fatores amplificados pela construção dos personagens. Em primeiro lugar, temos os Bloods, cada um interpretado por seu próprio colosso do cinema americano – Otis (Clarke Peters), Eddie (Norm Lewis), Melvin (Isiah Whitlock Jr) e Paul (Delroy Lindo), que se destaca pelo contraste. Sem delongas, ele é o eleitor de Donald Trump, um espelho da realidade estadunidense de hoje – um assunto a se tratar mais à frente. O filho deste, David, também os acompanha, em uma ótima atuação de Jonathan Majors. 

Cada qual com sua particularidade, os cinco demonstram uma química invejável, calcada no trauma da guerra mas munida do respiro dos anos que seguiram. Tanto quanto a jornada militar, os anos subsequentes pautam os diálogos e interações, tornando seus personagens reais, inseridos num mundo tão real(ista), cuja mimese dos problemas que definem as sociedades estadunidense e vietnamita escancara a realidade que retrata. Não à toa, Lee e seu montador, Adam Gough, insistem em fortes imagens reais dos eventos e personalidades retratadas. É empurrando a factualidade do contexto que permeia Destacamento Blood que o diretor e roteirista potencializa sua mensagem, extrapolando as vidas de seus personagens, e até mesmo seu discurso, que passa a ecoar – quase que literalmente – um momento crítico na História. 

Este é um filme completamente imerso em sua temporalidade, com completa consciência disso e, portanto, capaz de abusar dela.  Um espelho, como dito anteriormente, mas também um comentário – um tanto otimista – da situação politicorracial dos Estados Unidos e (por que não?) do mundo. Se não pela história envolvente, a química do elenco ou a capacidade de Spike Lee de pincelar humor num assunto tão sóbrio e sério, Destacamento Blood é um filme que deve ser assistido por sua capacidade de manipular o contexto histórico em que se insere e, com um belo uso da linguagem cinematográfica, criar uma reflexão propositiva desse mesmo contexto.

Music

Caetano Veloso – ao vivo

Ao lado dos três filhos, cantor comemora 78 anos fazendo da tão esperada live um doce acontecimento musical em meio à pandemia

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Texto por Janaina Monteiro

Foto: Globoplay/Reprodução

live de Caetano Veloso não foi qualquer coisa: foi um acontecimento. Depois de meses tentando convencer o baiano a se apresentar em tempo real, Paula Lavigne, empresária e companheira do artista, fez valer seu poder de persuasão – que já dura anos – e conseguiu que Caetano fizesse um show quase todo acústico ao lado dos filhos para comemorar seus 78 anos de vida, no último dia 7 de agosto e às vésperas do dia dos pais.

Às 21h30, a família Teles Veloso abriu a porta de casa para os convidados conectados no serviço de streaming Globoplay (com sinal inclusive para não-assinantes, vale ressaltar), indo na contramão de outros artistas, como Milton Nascimento e Gilberto Gil, que fizeram lives pelo YouTube. O cenário não deixou de seguir a grandiosidade de seus shows em teatros: Caetano e os filhos Zeca (à direita), Moreno e Tom (à esquerda), posicionaram-se como na turnê Ofertório, só que à frente de uma estante colossal. Atrás dos quatro, retratos, DVDs de filmes prediletos, coleções de CDs (como Chico Buarque), a Bíblia Sagrada (o baiano é ateu; Paulinha, evangélica), toca-discos e livros, muitos livros. Um pouco do acervo que preenche uma das mentes mais profusas da intelligentsia brasileira, apesar do cantor sempre se esquivar do título de intelectual.

Caetano é um pensador popular, que, desde o início da pandemia, virou hit nas redes sociais. Filmado pela insistente Paulinha, tornou-se o rei da dupla paçoca & kombucha. Deixou a vaidade de lado, aparecendo humildemente de pijamas ao estilo João Gilberto, ora deitado na cama assistindo à apresentação dos Rolling Stones no evento on-line One World Together at Home, ora na sala tocando violão no sofá amarelo. Surgiu como um vovô babão, ninando docemente o netinho recém-nascido, filho do caçula Tom.

À medida que divulgava os vídeos caseiros informais, a eterna Paulinha lançou a campanha #LiveALenda. Seria um exagero chamar Caetano de lenda, afinal?

Não, não é. Concorde-se ou não com seu posicionamento político-ideológico, fato é que a genialidade e contribuição artística de Caê transcendem qualquer opinião. Basta lembrar que a música popular brasileira é dividida entre antes e depois da Tropicália, quiçá o movimento artístico-musical mais original da cultura brasileira. Suas canções são objeto de análises semântico-discursivas em salas de aula Brasil afora e apreciadas por gênios da música pop internacional como David Byrne e Beck.

Caetano sempre foi um crítico de cultura, contraditório por natureza, apaixonado por artes (sobretudo o cinema) e nunca deixou de mostrar sua indignação pelas injustiças sociais desde a época dos festivais – quando ele cobrava a reação dos jovens que “queriam tomar o poder”. Como sobrevivente da ditadura e do exílio, Caetano tem respaldo e direito de se manifestar e discursar como bem entende. A diferença é que ele já não precisa gritar. Aos 78 anos, sussurra e canta sua revolta em modo acústico. Assim como fez em “Podres Poderes”, canção-manifesto que não poderia deixar de ser lembrada na live, cujo set list contou com vários de seus sucessos, a maioria espalhada entre as décadas de 1970 e 1990. Muitos deles inseridos em novelas e minisséries da Globo, como a primeira do repertório do show, “Milagres do Povo”. Aliás, só mesmo um milagre para nos salvar deste ano pandêmico.

Tranquilo e sereno, Caetano continuou passeando pelo seu repertório com uma série de canções-homenagem. “Tigresa”, composta para uma personagem vivida em novela por Sônia Braga; “Sampa”, uma declaração de amor para a cidade de São Paulo; “Cajuína”, sobre a morte de Torquato Neto; “Leãozinho”, que feita para o baixista Dadi (Tribalistas, A Cor do Som, Novos Baianos). E por falar em Novos Baianos, ao cantar “Coisa Acesa”, ele lembrou merecidamente Moraes Moreira, morto após um infarto no último mês de abril.

Pela primeira vez, cantou “Pardo”, que compôs para a talentosa Céu. Seus filhos também contribuíram com obras autorais. “Talvez”, lançada pelo baiano nas plataformas digitais no dia da live, foi cantada em dueto com seu autor Tom. A pedido da mãe, Zeca comandou a tocante “Todo Homem”, feita pelos quatro para a turnê Ofertório. “Sertão” é outra que veio deste show. Seu coautor Moreno encerrou a live com a sua animada “How Beautiful Could A Being Be”. Também em inglês, Caetano mandou uma inesperada “Nine Out Of Ten”, do conceituado álbum Transa (lançado em 1972 e gravado no ano anterior, ainda durante o exílio em Londres), na qual ele dispara: “I’m aliiiiiive”.

Como todos esperavam, Caetano aproveitou o espaço na mídia para tecer críticas ao (des)governo federal. Lamentou o fato de, no meio de uma pandemia, o país ter há três meses um ministro da saúde interino e um ministro do meio ambiente “que é contra o meio ambiente”. Lembrando os indígenas mortos pela covid-19, entoou “Um Índio”.

Além disso, falou um pouco sobre o seu próximo projeto, em parceria com o Balé Folclórico da Bahia, que está pausado por conta da pandemia. Ao perguntar como poderiam ser feitas as doações para o grupo, por meio do link de seu Instagram, Caetano brincou: “preciso ler a minha bio”. Moreno teve que explicar a painho o que significava isso.

A live deixou evidente que Caetano foi capaz de construir um legado cultural com sua obra, filhas-canções e filhos de carne e osso. Um alento para o futuro da MPB. E quando o pai errava a letra de alguma canção, Moreno o ajudava, com sua tranquilidade de um monge.

Enquanto o futuro está nas mãos dos bioquímicos e aguarda pelo milagre da vacina, “Desde que o Samba é Samba” (gravada no álbum Tropicália 2, lançado em 1993 em dupla com Gilberto Gil) se torna um mantra capaz de deixar nossa cuca e mundo um pouco mais odara. Seus versos dizem: “Solidão apavora/ Tudo demorando em ser tão ruim/ Mas alguma coisa acontece/ No quando agora em mim/ Cantando eu mando a tristeza embora”.

Set list: “Milagres do Povo”, “Tigresa”, “Coisa Acesa”, “Pardo”, “Sampa”, “Pulsar”, “O Homem Velho”, “Luz do Sol”, “Um Índio”, “Cajuína”, “Talvez”, “Queixa”, “Sertão”, “Reconvexo”, “Nu com a Minha Música”, “Desde que o Samba é Samba”, “Trilhos Urbanos”, “Diamante Verdadeiro”, “Podres Poderes”, “Nine Out Of Ten”, “Qualquer Coisa”, “Tá Combinado”, “Todo Homem”, “Odara”, “Leãozinho”, “Sozinho” e “How Beautiful Could a Being Be”.

Movies

Coringa

Joaquin Phoenix encarna com maestria o clássico vilão de Gotham em contundente história que metaforiza a psicopatia da sociedade atual

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Texto por Janaina Monteiro

Fotos: Warner/Divulgação

Sorria, mesmo que seu coração esteja dolorido. Sorria, mesmo que ele esteja partido. Charles Chaplin, que deu vida ao palhaço Carlitos, escreveu esses versos em “Smile”, música composta nos anos 1930 para o filme Tempos Modernos.

Mas como sorrir quando se é miserável de alma e conta bancária? Quando se é vítima de toda a sujeira mais imunda que o ser humano pode produzir? Quando o bullying e o abandono se arrastam pela vida adulta? Quando você perde emprego, vive sozinho, deprimido, e, pra piorar, sofre de transtorno psicótico? Esse é o dilema de Coringa (Joker, EUA, 2019 – Warner). No filme que leva o nome em português do personagem, o vilão se transforma em herói retratado de forma humanizada pelo diretor Todd Phillips (mais conhecido pela trilogia Se Beber Não Case). O aguardado e aclamado longa sobre um dos antagonistas de Batman, vencedor do último Leão de Ouro em Veneza, estreia nesta quinta-feira no Brasil cercado de polêmicas e protagonizado por Joaquin Phoenix, um ator com estrutura física e psicológica para viver o papel que já foi interpretado por Heath Ledger (morto por overdose acidental de medicamentos logo após terminar as filmagens de Batman: O Cavaleiro das Trevas), Jared Leto e Jack Nicholson.

O Coringa de Phoenix sorri por conta de sua psicose acompanhada de um distúrbio neurológico (ele ri incontrolavelmente a ponto de quase sufocar) e do seu trabalho como palhaço de rua. Arthur, na verdade, chora através de suas risadas histéricas. Ele é o freak, o weirdo, em busca de sentido de pertencimento no mundo cada vez mais apático e egocêntrico. Faz parte da escória da humanidade, que de tanto sofrer assume a personalidade de Joker e se transforma num monstro guiado pela violência nua e crua, similar à praticada por jovens armados em escolas e cujos massacres são exibidos e reexibidos pelos telejornais. Por isso a preocupação com a censura: no Brasil, o filme não é recomendado para menores de 16 anos.

A introdução mostra o drama de Arthur em seu ambiente hostil. Gotham City está infestada por ratos reais, numa analogia à Nova York do início dos anos 1980 quando o número de habitantes roedores quase ultrapassou a população. Arthur mora com a mãe num prédio decadente do Bronx e sonha em ser comediante de stand-up. O tempo todo ele é esculhambado, ridicularizado por colegas, agredido por gangue de adolescentes, refém de sua doença, dos remédios e da pilhéria da sociedade em que vive.

Phillips, que coescreveu o roteiro, conseguiu de forma soberba traduzir essa personagem dos quadrinhos capaz de causar tanto fascínio e terror. E humanizar o vilão, digno de pena. Todo o sofrimento serve como base de seu comportamento no decorrer da trama. Arthur não chega a ser um psicopata, pois consegue sentir compaixão: cuida da mãe tão perturbada quanto ele. E como todo psicótico, encontra fuga numa realidade paralela. Quando assiste, por exemplo, ao seu talk show preferido, chamado Live With Murray Franklin, imagina-se dentro do programa. Delira e encontra no apresentador  (interpretado por Robert De Niro) o pai que nunca teve. O mundo de Arthur está em vias de explodir quando perde o emprego, momento em que seu alterego passa a dominar.

O turning point acontece quando ele descobre a verdade sobre sua mãe, sobre o seu passado, sua doença, sobre o pai que nunca conheceu e que poderia ser o mesmo pai de Bruce Wayne, o Batman, super-herói nascido em berço de ouro. Thomas Wayne, bem ao estilo Donald Trump, é candidato a prefeito de Gotham e se refere aos pobres como sendo palhaços. O filme, aliás, faz um paralelo surpreendente com a história de Batman e confronta as duas personagens, dando uma suposta prévia do novo filme sobre o Homem-Morcego.

Na mente do Joker (o nome original do Coringa, em inglês), Arthur passa do homem ridicularizado, vítima de chacota e agressão, ao palhaço vingativo, terrorista. Sua satisfação vem através da violência. Em vez de estourar seus miolos, Arthur decide eliminar quem o ridicularizou. E poupa aqueles que o trataram bem, na maioria das vezes também minorias.

Cenas chocantes não faltam no filme, que alimentam a polêmica de fomentar atos de violência. Entretanto, o roteiro consegue a proeza de, em algumas delas, nos fazer rir com uma certa culpa por conta da atitude perturbada do protagonista. Phillips e Phoenix transformam em arte cenas de dança em que o Coringa comemora e parece emular Carlitos, incorporando gestos de tai chi. Aliás, o balé do Coringa foi feito de improviso. Joaquin e Todd não gostaram do primeiro resultado e o ator, gênio, começou a dançar, o que rendeu uma cena de beleza poética e transformou em marca registrada desse Joker.

A tensão é mantida do início ao fim, garantida pela riqueza da personagem e o brilhantismo do ator. Como é possível esperar qualquer coisa da mente de um psicótico, há tomadas tão carregadas de suspense que o espectador sente aquele frio na espinha. Somando a isso, a trilha sonora do filme é fundamental na manutenção dessa condição de ansiedade e expectativa. Muitas vezes, por si só, uma canção é capaz de dar sentido à determinada sequência. Como “Send In The Clows” (gravada originalmente por Frank Sinatra e interpelada por uma das vítimas do Coringa) e “Smile”, de Chaplin, sobre quem há faz várias referências durante esta história (o homem por trás de Carlitos era um gênio, filho de mãe doente mental e que acabou tendo fama de pedófilo).

Além de close-ups reveladores e movimentos de câmeras sempre em sintonia com o tom sombrio do filme, Phillips também faz uso de elementos não verbais para mostrar o conflito de personalidade e a angústia de Arthur. Exemplos disto são as cenas em ele aparece numa escadaria, sinônimo de verticalidade, representando os planos do espírito, da mente, a ligação entre o céu e a Terra. A trama, aliás, é tão bem costurada que o espectador não consegue definir quais são momentos de delírio e sanidade da personagem até que, quase na metade do filme, um flashback desnecessário surge como uma explicação para os improváveis desatentos.

Muito mais que a história de um conflito pessoal, Coringa é a metáfora de uma sociedade que caminha para uma psicopatia, na qual seus cidadãos usam da violência, desprezo, abandono para resolver diferenças e exigir seus direitos, num mundo em que a raiva toma conta e os fins justificam os meios. Essa sociedade exclui, ignora, marginaliza e trata essas pessoas como meros clowns.

Quando o protagonista se transforma em vigilante, há referências claras a Guy Fawkes e críticas evidentemente políticas a injustiças sociais, como o fato da extinção do serviço social que garante os remédios de Arthur.

Coringa é um soco na cara. Pisa na ferida e escancara a violência de modo brutal, pura, ácida, nua e crua. É um papel tão forte, poderoso, trágico que só um Phoenix (irmão do ator River, morto por overdose em 1993, aos 23 anos de idade) para encará-lo de forma esplêndida. O ator emagreceu 23 quilos para encarnar o vilão e lembra Christian Bale em O Operário (Bale, aliás, foi Batman nas telas). Nessa nossa sociedade delirante, nem todos são psicóticos, mas pobres mortais são, sim, todos palhaços.

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Represálias

Por evocar a violência e transformar o vilão em herói, embora a Warner negue isso, o filme vem sofrendo represálias e chegou a ser proibido em Aurora, cidade norte-americana onde um rapaz supostamente inspirado no Coringa abriu fogo numa sala de cinema matando doze pessoas em 2012. O medo é que este novo filme inspire novas tragédias. O diretor Todd Phillips, porém, diz que não é justo fazer essa associação. “É um personagem de ficção num mundo fictício que existe há 80 anos”, justificou Phillips numa entrevista.

A Warner divulgou um comunicado respondendo a uma carta escrita por familiares do massacre de Aurora, enfatizando que violência por arma de fogo é um assunto crítico e que o estúdio tem uma longa história de doações a vítimas de violência, incluindo esta cidade do estado do Colorado. “Ao mesmo tempo, a Warner Bros acredita que uma das funções da arte de contar histórias é provocar diálogos difíceis sobre questões complexas. Não se engane: nem o personagem fictício Joker, nem o filme, é um endosso de qualquer tipo de violência no mundo real. Não é esta a intenção do filme, dos cineastas ou do estúdio manter esse personagem como um herói”, declarou a empresa.

Movies

Albatroz

Trama marcada por um misterioso crime e protagonizada por Alexandre Nero mira alto demais e soa pretensioso

Albatroz

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Downtown Filmes/Divulgação

Bráulio Mantovani é, atualmente, um dos roteiristas mais prestigiados do país. Daniel Augusto dirige seu primeiro longa, enquanto Fernando Garrido estreia coassinando o roteiro. Estes são os nomes que realizaram Albatroz (Brasil, 2019 – Downtown Filmes), protagonizado por Alexandre Nero e Andréa Beltrão e que chega às salas de todo o país nesta quinta-feira.

A trama é tecida em volta do sinestésico Simão Alcóbar (Nero), cujo estranhamento em relação aos eventos do filme lembra Mr Nobody, de Jaco Van Dormael. Simão, ex-fotógrafo com premiações no currículo, é obrigado por Alicia (Beltrão) a viajar para Albatroz, cidade onde seu antigo relacionamento se iniciou, para salvar sua esposa, Catarina (Maria Flor). A partir daí, flashbacks e pulos temporais se intercalam com um interrogatório policial – há um homem morto no escritório de Alicia e seu livro se torna objeto de investigação. Conveniente razão para que haja narrações em voice over, aliás. Sem entregar muitos spoilers, a história de Albatroz ainda conta com uma neurocientista, Dra. Weber (Andréia Horta).

Enquanto trabalha com realidades confusas, a trama disserta sobre sonhos e conflitos morais envolvendo a morte e religião. Talvez pela constante dualidade Israel-Palestina ou nazi-israelita que permeia a obra que Albatroz contém uma maioria assombrosa de nomes e sobrenomes gringos – fator que distancia o longa do ideário brasileiro. Sobrenomes como Henricksehn e Weber são antagonistas, enquanto uma desnecessária cena explicando a origem judia do sobrenome de Simão se faz presente para anunciar a dicotomia.

Por mais que exprima tais diálogos morais, Albatroz não se excede nos mesmos. Pode-se dizer, porém, que não mergulha neles. A plasticidade de certos fragmentos do roteiro produz certa plasticidade em todo o subtexto da trama. E é por tal artificialidade que o filme é repleto de meias-atuações. Andréia Horta e Marcelo Serrado, que faz uma ponta, não induzem quaisquer sensações, enquanto a constante face assustada de Andrea Beltrão cansa na metade final. Maria Flor, por sua vez, tem pouco espaço para brilhar, embora traga maior peso à personagem que as atrizes citadas anteriormente. Nero cambaleia, mas performa de forma sólida, entregando um bom protagonista, cujas cenas mais naturais são diálogos com Renée, interpretada pela ótima Camila Morgado.

O grande mérito do filme fica a cargo da direção, em seus aspectos mais conceituais, e da montagem de Fernando Stutz. O ótimo uso narrativo de elipses e da sinestesia de Simão fazem Albatroz fluir em seus primeiros momentos, recheando a trama de mistério. A constante sobreposição de imagens – fotografias do protagonista – bebe da fonte do laureado Cinema Novo (como bem apontou um colega crítico), tornando-se ostensiva após o segundo ato. A utilização de flashes brancos e coloridos em momentos de tensão traz dinâmica à montagem, que tem suficiente espaço para brincar com a compreensão fílmica do espectador.

Assim, Albatroz até empolga em certos momentos, mas a pretensão de Mantovani em buscar a criação de uma obra transcendental não se paga, criando uma trama “espertinha” e pouco orgânica. Por sorte, a direção e a montagem criam dinamismo e induzem o espectador, com certo mistério, a acompanhar o filme sem se cansar.

>> Atenção: este filme pode causar em incômodo em pessoas com epilepsia e fotossensibilidade

Music

Franz Ferdinand

Oito motivos para não perder o novo show da banda escocesa que toca novamente ao Brasil esta semana

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Texto de Abonico R. Smith

Foto: Divulgação

Já são seis álbuns (um em conjunto com outra banda, o Sparks) em dezesseis anos de carreira. Vindo de uma turma de amigos formada na escola de arte na cidade escocesa de Glasgow, o Franz Ferdinand não tardou a dominar o mundo com sua música que mistura uma forte herança do pós-punk, riffs de guitarra que te pegam de jeito, batidas que são um convite irresistível à dança onde quer que você esteja e aquele vocalista gato que arranca suspiros de desejo de boa parte do público feminino. Depois de várias passagens pelo Brasil, eles estarão por aqui novamente semana, para três apresentações: dia 11 de outubro (quinta) em Curitiba, 12 (sexta) em São Paulo e 13 (sábado) em Natal (mais informações sobre estes shows você tem aqui, aqui e aqui, respectivamente).

Por isso, o Mondo Bacana cita oito motivos pelos quais você não deve deixar de ver algumas dessas gigs, duas vinculadas ao projeto Popload Gig e a última dentro do festival Mada.

Geração “renascimento do rock”

Lá pelo final dos anos 1990 rolavam altos comentários de que o rock estava “morto”. A popularidade crescente da música eletrônica, o fato de pela primeira vez em um ano mais picapes terem sido vendidas em Londres do que guitarras e o direcionamento da indústria fonográfica mainstream para as cantoras pop deu aquela sensação de abatimento completo do gênero e que nada mais de interessante poderia sair de lá. Até que, na virada do século, vieram os Strokes, White Stripes e todo um resto de excelentes bandas. O Franz Ferdinand, formado em 2002, é um destes nomes que “salvaram” o rock para quem insistia em matá-lo de qualquer jeito.

Sangue escocês

Uma coisa é fato no rock britânico: se uma banda vem da Escócia são grandes a possibilidade dela trazer algo contagiante e uma boa proposta musical. Não se sabe se é por causa do whisky, das trufas, das highlands, do tempo instável que muda a cada cinco minutos ou da fama de Glasgow de ser uma cidade com veia artística pulsante e eternamente efervescente. A lista de bons sons alternativos que vêm do país ao norte da Grã-Bretanha é enrome. Fazem parte dela Jesus and Mary Chain, Primal Scream, Teenage Fanclub, Belle and Sebastian,  Mogwai, Pastels, Glasvegas, Fratellis, Travis, Camera Obscura, Sons and Daughters, Delgados, Aztec Camera, Vaselines, Beta Band… Precisa mais exemplos?

Vocalista gato e classudo

Não bastassem as mulheres morrerem de amores e suspiros por Alex Kapranos, o cara ainda canta muito bem. Compensa o vozeirão grave, que tenderia a soar monocórdico, com uma boa dicção, mesmo tendo aquele sotaque escocês, e aquele carisma em cima do palco. E, convenhamos, o cara veio da escola de arte e é um crítico gastronômico de primeira. Chegou a publicar um livro falando sobre as comidas que experimentou durante as viagens do início de carreira de sua banda.

Dois por um

Os fãs de primeira hora do Franz Ferdinand podem até ter ficado tristes quando, em 2016, foi anunciada a saída do guitarrista/tecladista Nick McCarthy, figura central ao lado de Kapranos nos vocais e nas composições da banda. Entretanto, Alex, o baixista Bob Hady e o baterista Paul Thomson não deixara por menos. Incorporaram logo dois outros nomes de primeira para o line up loficial. Vieram o guitarrista Dino Bardot e o produtor Julian Corrie, que aqui se divide entre guitarras e sintetizadores. Ambos, por sinal, também fazem os vocais de apoio para Kapranos nos shows. Esta está sendo a primeira grande turnê após o batismo em estúdio.

Always Ascending

Normalmente o Franz Ferdinand costuma abrir o set list dos shows com esta música nova, que também abre o novo disco, além de dar nome a ele. Em estúdio ela faz o grupo soar muito mais eletrônico, tal qual nunca havia sido antes. Também, pudera: quem assina a coprodução do trabalho, ao lado do próprio FF, é o francês Philippe Zdar, uma das metades do duo francês Cassius, representante de primeira grandeza do electrohouse que colocou o país em sintonia com as pistas de dança do fim dos anos 1990 para cá. Ao vivo, porém, a música acaba ganhando uma pegada mais rock e meio que se junta ao clima dançante de outras mais antigas.

Disco novo

Fazer turnê de disco novo para um artista que já tem bom tempo de estrada pode se tornar um saco para aqueles fãs que só querem saber de ver e ouvir os seus ídolos tocando somente os hits. Nesta turnê, em especial, entre cinco e sete faixas do álbum Always Ascending (são dez no total!) têm figurado no repertório das últimas apresentações. Entretanto, canções como “Glimpse of Love” e “Finally” não costumam constrastar tanto com o resto do material mais antigo. Portanto, quem gostou do novo disco não vai reclamar. Quem ainda não o conhece também não.

Velharias clássicas

Não tem erro. Metade do repertório da cada show vem pelo menos dos clássicos perpetrados nas rádios e pintas da dança pelos dois primeiros álbuns do FF. “Take Me Out”, “Do You Want To”, “Michael”, “The Dark Of The Matinée”, “Walk Away”, “This Fire”… Com toda a certeza todas estas estarão permeando o set de qualquer apresentação deles que você vá ver. E mesmo já tendo ouvido umas quatro mil vezes cada, vai chegar na hora do vamos ver ao vivo e você estará lá, dançando sem parar e cantando tudo junto com Kapranos, a plenos pulmões.

Pós-punk na veia

Imagine uma apresentação de mais uma hora com batidas pós-punk, uma atrás da outra, quase interrupções. Um show do Franz Ferdinand é assim. Fica impossível não sair com o suor escorrendo, expressão extenuada mas com a alma bem feliz. A receita disso é justamente a força rítmica que o FF imprime possui. Um dos nomes mais signifcativos entre aqueles que incorporaram uma espécie de releitura do pós-punk no início deste século, o grupo escocês prova que, lá naquele já longínquo ano de 1978, quarenta anos atrás, os músicos do punk insatisfeitos com a agressividade e verborragia desbocada do gênero estavam mais do que certos ao desacelerar os andamentos e torcar a temática dos pontiagudos questionamentos socioeconômicos por uma verve mais artsy, incorporando elemento de vanguardas culturais do Século 20 e propostas mais ousadas de conteúdo e referências. Mesmo tendo sido eclipsado pela primeira geração de astros que, com a MTV, aprendeu a técnica de transformar a carreira em algo audiovisual (Madonna, Prince, Michael Jackson, Cyndi Lauper), o pós-punk, assim como seu predecessor punk, resistiu bravamente por todo este tempo e continua firme e forte até hoje.