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Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania

Longa-metragem que leva aos cinemas o novo vilão da franquia MCU peca por insistir na saturada fórmula dos filmes da Marvel

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

O filme que abre a Fase Cinco da Marvel Studios é também o 31º a integrar a franquia MCU e o terceiro blockbuster estrelado pelo herói. Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (Ant-Man and the wasp: Quantumania, EUA/Austrália/Canadá, 2023 – Marvel/Disney) já enfrentou críticas desde muito antes de seu lançamento, ainda no final de 2020, quando uma notícia caiu como uma bomba na comunidade nerd: a de que a atriz Emma Fuhrmann, que interpretou Cassie Lang, a filha de Scott Lang (Paul Rudd) em uma breve passagem de Vingadores: Ultimato seria substituída por Kathryn Newton, pegando a todos, inclusive a própria Emma, de surpresa. A substituição repentina e sem prévio aviso atiçou a fúria no Twitter. Com o filme chegando aos cinemas na primeira metade de fevereiro, nem dá para dizer que as críticas prematuras foram infundadas. A garota comum mas que conseguiu emocionar o público com segundos de tela em Ultimato se converteu em uma rebelde estilosa GenZ que segue os passos do pai em passagens pela polícia, apresentando toda uma nova personalidade. E é defendida por Newton com uma apatia de causar incômodo. Digamos que, se uma certa franquia de filmes baseada em uma série literária que narra o romance entre um vampiro e uma humana fosse produzida nos dias de hoje, Kathryn seria escalada para viver a mocinha, tamanha a inexpressividade da atriz.

No filme da Marvel, que explora especialmente o conceito de família e a relação entre pai e filha em um universo repleto de superpoderes e seres e acontecimentos extraordinários, Cassie Lang é a chave que impulsiona a narrativa, uma vez que a garota prodígio desenvolve uma tecnologia capaz de se comunicar com o Reino Quântico, onde Janet van Dyne, a Vespa original (Michelle Pfeiffer), ficou aprisionada por vários anos e de onde Scott Lang foi libertado acidentalmente por um rato em Ultimato.

Ao mostrar sua invenção para o pai, para a madrasta Hope “Vespa” van Dyne (Evangeline Lilly) e para os sogros de Scott, a quem ela agora chama carinhosamente de “avós”, Dr. Hank Pymm, o Formiga original (Michael Douglas) e Janet, Cassie encara a relutância desta última. Embora a misteriosa personagem tenha mantido em segredo o que viveu durante os anos em que esteve presa no Reino Quântico, escondendo a experiência até mesmo de seu marido e filha, ela está prestes a revelar algo que parece ter sido um episódio traumático quando todos são sugados repentinamente para dentro do próprio Reino Quântico. E é neste universo que se desenrola todo o filme. Enquanto Vespas e Formigas tentam escapar do Reino, se deparando com toda a sorte de perigos e criaturas bizarras, temos acesso, por meio de flashbacks, ao background da personagem Janet e descobrimos a razão pela qual ela não queria retornar àquele universo de jeito nenhum.

O longa ainda introduz nos cinemas os vilões Kang, o Conquistador (Jonathan Majors), e Modok (Corey Stoll). Kang já havia dado as caras na série original Loki, da plataforma Disney+, que também integra o MCU. Já no caso do grotesco Modok, trata-se de sua primeira aparição live action. A trama recicla um personagem de Homem-Formiga de 2015, o ex-pupilo de Hank, Darren Cross que se tornou vilão já naquele filme e agora mostra seu terrível destino como um ser aprimorado ciberneticamente e que possui uma enorme cabeça. Assim como em Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, que apresenta ao público Talokan, o reino submarino onde vive Namor, Quantumania insere na já vasta mitologia do MCU novos cenários e novas nações, o que expande as possibilidades para o futuro da franquia além de respeitar o legado da mídia original do herói, os quadrinhos.

O grande porém é que o filme dirigido por Peyton Reed (o mesmo dos dois longas anteriores do Formiga) insiste na fórmula saturada da Marvel Studios e se apresenta como uma produção perfeita para a geração TikTok, imediatista, com ânsia de ação ininterrupta e clímax instantâneo e constante. Uma sucessão de rápidos eventos potencialmente grandiosos toma a tela, mas roteiro e direção não se preocupam e nem se esforçam muito em desenvolver uma história, o que torna o conjunto da obra quase esquecível. Lá pelo final do filme, nem lembramos que Bill Murray fez uma participação no longa. E quem se lembra da presença do veterano ator de Os Caça-FantasmasFeitiço do TempoEncontros e Desencontros e outras obras celebradas, pergunta-se apenas o que ele estava fazendo ali, pois seu personagem, Krylar, surge e sai de cena completamente deslocado. Também, pudera: nos quadrinhos, Krylar é pouco conhecido e nem mesmo pertence às histórias do Homem-Formiga.

O resultado é um longa com cara de episódio regular de uma série genérica da Marvel/Disney. A grande batalha final, por exemplo, é entediante, por mais que os investimentos em CGI tenham a pretensão de torná-la apoteótica. A narrativa não se serve dos efeitos especiais – muito pelo contrário, parece ter sido concebida apenas com o objetivo de empregá-los. Quanto à ação, não há senso de urgência, há piadinhas em excesso na vã tentativa de transformar este novo exemplar do Formiga em um filme divertido e familiar, com alto teor de fantasia e sci-fi, só que o longa não tem identidade. Não há nada que o destaque entre seus pares. Para completar, Modok é sempre desnecessário. O ponto positivo é o fato de a Marvel Studios estar, cada vez mais, explorando o conceito de multiverso, que é a tônica das fases quatro, cinco e seis do MCU, compondo, desse modo, a Saga do Multiverso.

Uma curiosidade é que em Quantumania podemos enxergar paralelos entre o MCU e Star Wars. Os seres bizarros apresentados neste filme remetem às criaturinhas esquisitas que vimos especialmente em O Retorno de Jedi. Toda a construção visual do Reino Quântico, de fato, lembra muito o pai dos blockbusters. O próprio Peyton Reed afirmou em entrevistas ser um grande fã do trabalho de George Lucas – portanto, as referências visuais não são à toa. Contudo, outra similaridade entre as obras não é assim tão empolgante: assim como Star Wars, o MCU vem sofrendo um desgaste contínuo e pecando pelo excesso.

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Destacamento Blood

Com humor e críticas sociais afiadas, Spike Lee conta a história de quatro veteranos da Guerra do Vietnam em tempos de Donald Trump

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Netflix/Divulgação

Antes de começar o texto propriamente dito aqui vai um aviso. Se você estiver lendo este texto antes de assistir ao filme, prepare-se para cenas de violência não-ficcional. Grande violência. São poucas, mas não deixam de ser impactantes.

Spike Lee é, possivelmente, um dos diretores de maior autoralidade em atividade. Um “Spike Lee joint” é reconhecível sem muito esforço, e o discurso de suas obras, além de coeso entre as partes, é sempre imerso em realismo e crítica social. Não é diferente com Destacamento Blood (Da 5 Blood, EUA, 2020 – Netflix), que retrata uma viagem de quatro veteranos da Guerra do Vietnam ao país, em busca do cadáver de seu comandante (interpretado pelo recém-falecido Chadwick Boseman) e do ouro escondido pela tropa. Essa premissa acaba por dividir o filme em dois, sendo uma fração responsável por introduzir os protagonistas e o enredo enquanto a outra é seu desenrolar, inteiramente na selva vietnamita. Tal distinção é não somente temática, mas principalmente fotográfica, visto que a direção de Spike Lee opta por uma simplificação da mise-en-scène nos primeiros minutos, enquanto a direção de fotografia traz uma iluminação constante, amena e desinteressante.

Ao adentrar a selva, no entanto, o longa toma sua forma mais densa, bela e carregada de subtexto, fatores amplificados pela construção dos personagens. Em primeiro lugar, temos os Bloods, cada um interpretado por seu próprio colosso do cinema americano – Otis (Clarke Peters), Eddie (Norm Lewis), Melvin (Isiah Whitlock Jr) e Paul (Delroy Lindo), que se destaca pelo contraste. Sem delongas, ele é o eleitor de Donald Trump, um espelho da realidade estadunidense de hoje – um assunto a se tratar mais à frente. O filho deste, David, também os acompanha, em uma ótima atuação de Jonathan Majors. 

Cada qual com sua particularidade, os cinco demonstram uma química invejável, calcada no trauma da guerra mas munida do respiro dos anos que seguiram. Tanto quanto a jornada militar, os anos subsequentes pautam os diálogos e interações, tornando seus personagens reais, inseridos num mundo tão real(ista), cuja mimese dos problemas que definem as sociedades estadunidense e vietnamita escancara a realidade que retrata. Não à toa, Lee e seu montador, Adam Gough, insistem em fortes imagens reais dos eventos e personalidades retratadas. É empurrando a factualidade do contexto que permeia Destacamento Blood que o diretor e roteirista potencializa sua mensagem, extrapolando as vidas de seus personagens, e até mesmo seu discurso, que passa a ecoar – quase que literalmente – um momento crítico na História. 

Este é um filme completamente imerso em sua temporalidade, com completa consciência disso e, portanto, capaz de abusar dela.  Um espelho, como dito anteriormente, mas também um comentário – um tanto otimista – da situação politicorracial dos Estados Unidos e (por que não?) do mundo. Se não pela história envolvente, a química do elenco ou a capacidade de Spike Lee de pincelar humor num assunto tão sóbrio e sério, Destacamento Blood é um filme que deve ser assistido por sua capacidade de manipular o contexto histórico em que se insere e, com um belo uso da linguagem cinematográfica, criar uma reflexão propositiva desse mesmo contexto.