Movies

A Última Festa

Elenco de ícones da geração Z protagoniza dilemas que podem parecer clichês mas passam longe da resolução à moda antiga

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: H2O Filmes/Divulgação

Escrito e dirigido pelo cineasta Matheus Souza, este é, sem sombra de dúvidas, um filme jovem, ambientado no intenso clima das redes sociais.  E esse clima se evidencia durante toda a história: seja pela narrativa recheada com elementos dignos de um melodrama juvenil, pela trilha sonora ambientada no dream pop que nos invadiu depois de 2010 ou até pelos diálogos entre amigos (ou amigxs?) que afrontam os principais personagens. São dilemas que, para nós podem até parecer morais, mas para a nova geração é apenas uma singela escolha. Simples assim. Direto assim.

A Última Festa (Brasil, 2023 – H2O Films) é ambientado na história de quatro jovens em sua festa de formatura, numa uma história que tem de tudo: amizades sinceras e não tanto, traições, nudes, brigas, crises existenciais, challenges e hashtags. Mas não apenas isso.

Dividido em quatro atos que decorrem simetricamente com o andar do roteiro, o longa-metragem apresenta alguns dos atores da nova geração nacional, como a badalada Marina Moschen; Christian Malheiros, que soube brilhar em produções de streaming com Sintonia e 7 Prisioneiros; mais Thalita Meneghim, Giulia Gayoso e Victor Meyniel. São jovens que se afiançam como novos talentos também na televisão, além de serem verdadeiros influenciadores da juventude. Afinal de contas, somando todos os seguidores destes nomes apenas no Instagram, chegamos ao número estimado de oito milhões de seguidores. Nada mal, né?

Rodado em Portugal ao longo de cinco semanas (e antes da pandemia), o filme é um retrato fiel da juventude que não entendemos (e também não conhecemos). São dilemas (e dogmas) que podem parecer clichês, mas que também são resolvidos de uma nova maneira, passando longe da moda antiquada. 

Tudo na produção parece altamente instagramável, aparentando que o filme também poderia ser exibido em formato reels. O ritmo é frenético, embora a história, principalmente no começo, pareça que não vai levar a lugar algum. E tudo isso é possível graças a um cuidado que abarca boas atuações, diálogos intimistas e uma ótima direção de câmera. O filme tem tudo para agradar quem procura um drama contemporâneo e, principalmente, a tão digital geração Z. 

Em resumo, é certeza que você não vai arrastar o dedo pra cima na procura de um próximo vídeo. Talvez você até descubra quem você seja.

Movies, Music

Bowie: Moonage Daydream

Película com acesso a muito material inédito da trajetória de David Bowie é um bilhete de loteria transformado em ode à arte

Texto por Fabio Soares

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Brett Morgen é uma sujeito de sorte. Às vésperas de completar 54 anos, o diretor californiano (que esteve à frente de Cobain: Montage of Heck, filme de 2015 sobre a vida do líder do Nirvana) obteve acesso a milhares de arquivos de imagens, manuscritos e registros sonoros de David Bowie, tudo disponibilizado pela família do cantor. Aliás, o termo “cantor” transforma-se em definição diminutiva e errônea diante da mastodôntica importância do britânico, morto em janeiro de 2016 e que hoje faria 76 anos de idade.

A película Bowie: Moonage Daydream (EUA, 2022 – Universal Pictures) foi exibida em cinemas no Brasil por somente uma semana durante a segunda quinzena do último mês de setembro. Ela não é um documentário. Também não é um filme. Muito menos um videoclipe com exacerbada extensão. É um bilhete de loteria transformado em ode à arte.

Com narração do próprio Bowie, este acontecimento multissensorial convida o espectador a mergulhar (sem tanque de oxigênio) por águas tortuosas. O jogo de imagens incomoda, instiga, provoca. Morgen sabia que o acesso a registros nunca antes divulgados era um bilhete de loteria valioso demais para ser desperdiçado. A marcial trilha sonora ainda é um personagem à parte. Há Bowie para todos os gostos. Do lirismo de “Rock and Roll With Me” à urgência de “Cracked Actor”, passando pela fase dançante da monumental retorno da carreira após breve hiato no início dos 1980, tudo impressiona, é grandioso e magistral.

A montagem do longa também merece destaque. A sobreposição de camadas visuais, misturadas a imagens de apresentações ao vivo, elevam a experiência audiovisual a outro patamar. Tente não se emocionar com Bowie cantando “Space Oddity” simultaneamente em 1972 e 1997. Perceba, nesta hora, a discreta diminuição de uma oitava na execução noventista.

Os mais esotéricos se surpreenderão com o ascendente em aquário do popstar sobrepor-se ao seu lado capricorniano, fazendo com que ele não criasse raízes em lugar algum, mudasse de país quando lhe desse na telha e carregasse consigo apego ZERO a lugares e pessoas. Desapego este que desabou por completo ao conhecer Iman Mohamed Abdulmajid, a modelo somali por quem se apaixonou em 1992. Mas daí é outra história.

Após a sessão, a vontade de possuir Bowie: Moonage Daydream no modal físico é mais que justificável! Saí da sala de cinema querendo adquirir o DVD, a camiseta, o CD, o vinil, o shampoo ou seja lá qual for o produto oriundo desta obra de arte que extrapole o conceito de documentário.

Só que no streaming (disponível para locação via Amazon Prime no Brasil) podemos consumir a películas uma, duas, quinze, cento e cinquenta vezes! Documento vivo de nosso tempo. Um tempo que é só nosso e que podemos fazer dele o que quisermos.

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Popload Festival 2022 – ao vivo

Depois de dois anos suspenso pela pandemia, evento retorna em novo local e com encerramento monstruoso feito por Jack White e Pixies

Jack White

Texto por Fábio Soares

Fotos: Camila Cara/Divulgação/Popload Festival

Até parece que foi ontem! Há longinquos três anos, Patti Smith encerrava a última edição do Popload Festival com a frase “Até 2020!’ nos telões laterais do palco principal. Ainda realizado no Memorial da América Latina, o festival indie realizado pelo site Popload iniciava ali sua parceria com a gigante produtora T4F. O mundo, porém, seria virado de cabeça para baixo em pouco mais de quatro meses depois daquele 15 de novembro de 2019. A pandemia da covid-19 colocou os festivais em xeque, a cultura em xeque, o entretenimento em xeque. Para chancelas como o Popload, o futuro era cada vez mais nebuloso e incerto.

Trinta e cinco meses após sua última edição, o Popload Festival apostou suas fichas num novo local em um novo feriado nacional (12 de outubro). Em um terreno desapropriado pela prefeitura de São Paulo e anteriormente pertencente ao Clube de Regatas Tietê, surgiu um centro esportivo de mesmo nome. Relativamente próximo ao metrô, o novo espaço revelou-se estrategicamente viável. Para a edição de 2022, um line-up de respeito: Chan Marshall (também conhecida como Cat Power), o australiano Nicholas James Murphy (que também atende pela alcunha de Chet Faker), Jack White e os LENDÁRIOS Pixies, voltando ao Brasil oito anos depois de sua participação no Lollapalooza 2014 (e que, neste ano, debutou em terras cariocas – leia a resenha aqui)

Cat Power

Um público estimado em 14 mil pessoas se deslocou ao Centro Esportivo Tietê. Um palco secundário patrocinado por uma marca de cerveja foi montado para shows menores, só que este que vos escreve gato escaldado em festivais e sua avançada idade o impede de comparecer a tais eventos cedo demais. Sendo assim, cheguei a tempo de presenciar a apresentação de Cat Power desde seu início. A artista possui histórico de apresentações irregulares (para não dizer sofríveis) na capital paulista. Com habitual postura blasé e acompanhada por um trio de músicos, Chan Marshall optou por um repertório “porto seguro”, repleto de covers. Desde Frank Ocean (“Bad Religion”) a Lana Del Rey (“White Mustang”), passando pela manjadíssima “New York, New York”, eternizada por Frank Sinatra, a cantora foi pragmática. Não inventou nada e finalizou sua apresentação de pouco mais de 50 minutos com a maravilhosamente atemporal “The Greatest”.

O clima lounge de Cat Power deu lugar à apresentação do australiano Chet Faker. Absolutamente só no palco, o artista procurou compensar com efeitos visuais no telão calcados numa base eletrônica pré-programada e dançante. Foram 15 canções em exatos 60 minutos. Se não conseguiu arregimentar novos adeptos, Murphy provou que possui uma fiel base de aficionados que conhece seu repertório de cor e salteado. Será figura fácil em futuros festivais brasileiros, com certeza.

Chet Faker

O momento catártico da noite viria a seguir. Gigantesca era a expectativa para o show solo de Jack White. Afinal foram dois álbuns lançados apenas neste ano: o acústico e etéreo Entering Heaven Alive e o explosivo Fear Of The Down, uma ode ao rock de garagem composta por 12 petardos. Já estava escuro quando o mais bem sucedido multi-instrumentista de sua geração pisou no palco principal do festival executando os primeiros acordes de “Taking Me Back” sob uma azulada iluminação monocromática. Visivelmente à vontade, Jack surfou com segurança sobre seu set list apoiado por um espetacular quinteto com performance crua, calculada e pesadíssima.

Ecos do espetacular disco Lazaretto, de 2014, foram escutados. Além da faixa-título, “That Black Bat Licorice” deu as cartas. Os projetos “em conjunto” do artista não ficaram de fora: o Dead Weather foi ‘homenageado” com “I Cut Like a Buffalo”; os Raconteurs com “You Don’t Understand Me” e o megahit “Steady As She Goes”; e, claro, alguns clássicos em vermelho, preto e branco dos White Stripes. Com a plateia entregue a uma apresentação com volume altíssimo, “Dead Leaves and The Dirty Ground”, “Cannon” e “Icky Thump” desceram como água. Músico extraordinário, White preenche como poucos todos os espaços do palco cumprindo com maestria a expectativa em torno da apresentação. Eram pouco mais de 20h quando os mastodônticos acordes de “Seven Nation Army” foram ouvidos na Zona Norte da capital. O hino cujo refrão é grito de guerra de torcidas de futebol em ¾ do planeta segue gigantesco após quase 20 anos de seu lançamento. As 14 mil vozes da plateia entoaram-no em uníssono num apoteótico encerramento. Foi, disparadamente, a melhor apresentação da noite. O que já era esperado. 

Pixies

Quando digo o termo “esperado” é porque sabemos que um show dos Pixies pode ser imprevisível: em 2014, a apresentação da banda no Lollapalooza foi PÉSSIMA (contrastando com o SWU de 2010 e a HISTÓRICA passagem por Curitiba, em 2004),  acentuada pelo habitual mau humor de Black Francis e a então insegurança da baixista Paz Lenchantin, recém-saída do A Perfect Circle para substituir Kim Shattuck (que viria a falecer em 2019). Os Pixies em 2022, estão mais maduros, mais seguros e mais monossilábicos também. Pontualmente à 20h45, os acordes de “Gouge Away” espalharam-se pela nova Arena Popload como um rastilho de pólvora em mato seco. Como previsto, a interação com o público foi zero. Mas o set foi INACREDITÁVEL! Além de faixas do recentíssimo álbum Doggerel (lançado dias antes da chegada ao Brasil), b-sides também deram as cartas. Nesta galeria estiveram a já manjada (mas não menos maravilhosa) “Head On” (cover de Jesus & Mary Chain) “Cecilia Ann” (cover do Undertones), “Ana” e “Cactus”. Também teve tempo para os clássicos “Debaser”, “Gigantic”, “Here Comes Your Man” e “Hey”. No total, foram 24 canções emendadas quase sem interrupção.

Os Pixies são um dos raros casos em que o repertório é maior que o artista. Após 18 anos de sua primeira apresentação no Brasil, a banda sabe muito bem que a devoção de seu fãs baseia-se no DNA do grupo: uma explosiva mistura de folksurf music, punk, pós-punk e rock ‘n roll em sua enésima potência. Nem as duas vezes em que “Wave of Mutilation” foi executada (a primeira versão, eletrificada; a segunda, acústica) causaram estranheza. O fechamento com “Winterlong” (cover de Neil Young) coroou uma ímpar cápsula “espaço-tempo”.

A celebração indie daquele 12 de outubro então chegava ao fim com um público satisfeito e extasiado pelo simples fato de ESTAR VIVO após mais alguns anos de um pesadelo que, se ainda não acabou, fez-nos mais fortes por amor à música. E que continue assim!