Music

Ritchie

Oito motivos para não perder a turnê criada para celebrar os 40 anos de lançamento do megahit nacional “Menina Veneno”

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Quarenta atrás o país todo foi varrido por uma enxurrada vinda da Inglaterra. Richard David Court havia chegado ao Brasil exata uma década antes, justamente quando a música brasileira conhecia um meteoro avassalador chamado Secos & Molhados, que saiu em pouca semanas do anonimato ao status de megavendedor de discos no mercado nacional. Ritchie, em 1983, conseguiu o mesmo feito. Cantando em português com um ligeiro sotaque ainda persistente, já em janeiro ele começou a provocar frenesi nas emissoras de rádio de norte a sul com uma música que ainda sequer havia sido lançada (no caso, seu primeiro compacto, programado pela gravadora CBS para chegas às lojas em abril). Doze meses depois, terminou a temporada vendendo mais cópias de seu álbum de estreia que o megassucesso planetário da época, Thriller, de Michael Jackson. Heresia das heresias, também superou ainda o maior nome do mercado fonográfico nacional, Roberto Carlos. Detalhe: dois artistas da mesma gravadora, que perderam a corrida para um então joe nobody.

Ritchie possui uma biografia muito interessante para ser contada. Após o estrelato instantâneo, enfrentou vários problemas de bastidores que, financeiramente e em questão de popularidade, fizeram sua carreira desabar de uma maneira também muito rápida. Isto, porém , não é o caso de se esmiuçar neste texto. E sim celebrar seu retorno aos palcos em grandioso estilo. O cantor e compositor está desde agosto em uma turnê por todo o território nacional que celebra os 40 anos do estouro do hit “Menina Veneno” (cujo compacto 7” fora antecipado com urgência para fevereiro e ganhou o disco duplo de platina, com mais de 500 mil exemplares comprados, algo raríssimo para o formato por aqui) e o álbum Vôo de Coração (mais de 1,3 milhão de cópias). Depois de passar por várias cidades, o artista agora reserva às capitais do Sul o calendário desta semana de outubro. Na próxima quarta (dia 18), ele passa pelo Teatro Guaíra, em Curitiba (clique aqui para saber mais sobre horário e ingressos). Na sexta (20) a escala é no Teatro Bourbon Country, em Porto Alegre (mais informações aqui). No sábado, a trinca se fecha no Centro de Eventos da UFSC, em Forianópolis (mais informações aqui). E até o fim do ano, o show será realizado em cidades do Nordeste (Sergipe, Bahia, Ceará, Piauí e Pernambuco) e no Rio de Janeiro (mais informações aqui).

Mondo Bacana disseca abaixo oito motivos para você não deixar de assistir à turnê A Vida Tem Dessas Coisas

“Menina Veneno”

Tudo começou em janeiro de 1983, com uma fita de rolo enviada pela CBS para o divulgador da companhia em Fortaleza. O compacto, estava previsto para chegar às lojas somente em abril. De uma hora para outra, a gravadora foi surpreendida com o fenômeno: a canção, sem qualquer iniciativa extra, foi adotada instantaneamente por várias emissoras e caiu no gosto dos ouvintes, que a faziam ser executada mais de 14 vezes por dia em todas elas. Logo, “Menina Veneno” foi “descendo” por todo o território nacional e virou febre no país todo. Logo Ritchie era presença constante em todos os programas de auditório da TV e a canção passou a tocar direto nos bailes funk da Rocinha e nos radinhos sintonizados nas comunidades ribeirinhas da Amazônia. Todo este estouro meteórico ainda rendeu uma versão em espanhol gravada pelo próprio britânico (e incluída pela ex-CBS e hoje Sony na versão em CD de Vôo de Coração lançada em 2008, para marcar os 25 anos do disco). A ideia da letra veio do livro O Homem e Seus Símbolos, com Carl Gustav Jung como autor de um dos capítulos, abordando a relação íntima do homem com seu inconsciente obtida sobretudo por meio dos sonhos. Segundo Jung, são quatro os arquétipos femininos manifestados neles. Um deles é o da “donzela venenosa”, a mulher fatal, que detém o poder de seduzir e capturar a alma masculina.

Abajur cor de carne

Não, não é e nunca foi um virundum. Você nunca entendeu errado nestes 40 anos. A cor do abajur não é carmim. É cor de carne, mesmo. O verso que contém esta pérola lírica da música brasileira já na primeira estrofe de “Menina Veneno” é obra da prodigiosa cabeça do letrista Bernardo Vilhena, que quis remeter uma sensação visual da sedução feminina diretamente à atriz e cantora germânica Marlene Dietrich quando ela ficou hospedada no chiquérrimo hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, em 1944, e declarou ter amado os abajures do local. Os objetos tinham uma cor de pergaminho. Segundo Vilhena, a expressão em alemão, quando traduzida literalmente, vira “cor de carne”. Em entrevista publicada pelo site Scream & Yell, ele explicou alguns termos utilizados na letra do hit. “Na minha cabeça de letrista, o cor de carne com o lençol azul e as cortinas de seda montavam todo um cenário interessante. O refrão, por sua vez, tem uma ligação forte com as artes plásticas, uma área à qual eu sempre fui muito ligado. Eu tinha uma amiga, a Regina Vater, que tinha um trabalho de retratos das camas de hotel que ela dormia, e mandava isso como cartões postais. ‘Toda cama que eu durmo só dá você’ era um verso dela. Era uma gíria da época, o ‘só dá o fulano’. São as coisas fundamentais dessa letra, dessa canção.”

Bernardo Vilhena

O poeta e letrista não foi fundamental apenas no compacto inicial da carreira de Ritchie. Os dois compuseram juntos nove das dez faixas do álbum também. Vindo da cena da poesia carioca dos anos 1970 (que revelara também nomes como Chacal, Waly Salomão e Antonio Cícero), Bernardo pincelou jogos de trocadilho com as palavras (“Do princípio ao sim”, “Vamos botar fogo em Copacabana”, “Tanto tempo entre o não e o fim”) e permeou as letras de Ritchie com o imaginário cotidiano de jovens pulsantes e radiantes de um Rio de Janeiro zona sul do começo dos anos 1980. A abordagem traz festa na madrugada, encontro no elevador, comunicação pelo interfone, quase sempre em situações envolvendo duas pessoas exalando hormônios sexuais. Basta ver a letra de “Casanova”, cujo título remete ao escritor italiano que virou sinônimo de amante libertino e sedutor sexual. Verso após verso, a canção vai descrevendo o cenário de ardente lascívia fugaz entre um casal. Virou tema de abertura de novela (Champagne, 1983), tocando diariamente no horário nobre da Rede Globo para ouvidos castos e inocentes de uma boa parcela da população brasileiro. Isso ainda em tempos de censura federal e governo militar. Vilhena é autor de versos de outros clássicos do rock nacional como “Mais Uma de Amor (Geme Geme), “Vida Bandida” e “Vida Louca Vida” (Blitz, Lobão, Cazuza).

Synthpop em português

Lauro Salazar, tecladista então radicado em Munique e ligado a trabalhos de pesquisa de timbres para fabricantes de sintetizadores, foi o pulo do gato de Voo de Coração. O álbum de estreia de Ritchie tinha uma ficha técnica de respeito. Liminha no baixo, Lobão na bateria, Zé Luis no saxofone e participações especiais de Lulu Santos e Steve Hackett (Genesis) nas guitarras. Só que o trabalho desenvolvido por Salazar nos arranjos foi fundamental para aproximar a sonoridade de uma novidade que bombava no exterior (sobretudo no Reino Unido e na Europa ocidental) e ainda era pouco conhecida no Brasil: o synthpop. Tinha a vertente mais dançante, voltada para as pistas, com nomes como Depeche Mode, Soft Cell, OMD, Pet Shop Boys e Eurythmics. Também havia quem conjugasse a sedução rítmica com uma linguagem mais pop, com destaque pata os teclados mas também para os instrumentos mais tradicionais do rock e um apuro mais fashionista nos figurinos e cabelos. Esta turma ganhou o nome de new romantic, vertente que abrigava Duran Duran, Culture Club, Visage e Spandau Ballet. Ritchie, por sua vez, unia lá em 1983 as partes em suas performances e gravações.

Outros hits

Vôo de Coração tinha dez faixas e rendeu cinco grandes hits. Portanto, tenha certeza de que a batida de samba jazzyde “A Vida Tem Dessas Coisas”, o tecnopop “Casanova”, a balada que dá nome do álbum e o tom caribenho de “Pelo Interfone” estarão presentes no set list. Assim como sucessos posteriores “A Mulher Invisível”, “Só Pra o Vento”, “Transas”, “Loucura e Mágica” e “Telenotícias”. 

B-sides

Uma carreira tão vasta e extensa, mesmo com um abandono no cenário musical no meio do caminho e intervalos maiores de gravações e lançamentos dos anos 1990 em diante, traz muitas pérolas escondidas do grande público. Ritchie, que não é bobo nem nada, traz de volta algumas faixas que pouca gente conhece (ou pela menos se lembra de já ter ouvido lá atrás). É o caso, por exemplo, de “Preço do Prazer” e “No Olhar”, que abriam os dois lados do vinil de Voo de Coração e sequer foram exploradas pelas rádios. Ou então “Shy Moon”, belíssimo dueto para o qual fora chamada por Caetano Veloso em seu álbum Velô (de 1984) e que habitou a trilha sonora da novela Um Sonho a Mais(1985). Por falar em dramaturgia da Rede Globo, outros dois fonogramas são resgatados. “Um Homem em Volta do Mundo” estava em Cara & Coroa (1995). Já “Mercy Street”, melancólica e reflexiva canção de Peter Gabriel, foi regravada por Ritchie para a abertura da minissérie O Sorriso do Lagarto (1991). Quer mais lado B? O cantor também pinça do álbum do Tigres de Bengala as faixas “Agora ou Jamais” e “Elefante Branco”. Vale lembrar que este fora um supergrupo de um disco só criado em 1993 por Court mais os músicos Vinicius Cantuária, Claudio Zoli, Dadi, Mu Carvalho e Billy Forghieri, todos de grandes serviços prestados à música pop brasileira. Ah, tem ainda “Lágrimas Demais”, do álbum Auto-Fidelidade (2002), o último de repertório composto por faixas autorais inéditas.

De volta ao futuro

A turnê de Ritchie não será baseada só no melhor de sua carreira musical. Traz ao palco um grande apuro visual também, com tecnologia de ponta e gente de primeira na ficha técnica. Jorge Espírito Santo (ex-MTV, ex-Fantástico) assina a direção geral. Césio Lima (Rock In Rio) está na iluminação. Alexandre Arrabal e Kiko Dias bolaram uma direçãoo de arte que traduz à atualidade o futurismo de computadores e hologramas que, 40 anos atrás, já habitavam as letras de Vôo de Coração e a capa do compacto de “Menina Veneno”. Portanto, não será uma experiência só para ser ouvida no conforto das poltronas.

Inimigo do Rei

Reza a lenda que a promissora carreira de Ritchie fora sabotada por ninguém menos que o maior da música popular brasileira. Tudo porque o britânico, já em seu primeiro disco, ousou “ultrapassar” a fronteira e ameaçar as próximas vendagens de Roberto Carlos. Muita já se comentou, escreveu e discutiu sobre isso. Court passa longe de defender esta hipótese sobre o Rei, embora confirme uma história ouvida da própria boca de um programador radiofônico: a de que este cara recebera “jabá” da gravadora (de ambos, a CBS) para NÃO TOCAR suas músicas. A queda repentina nas vendagens depois da ascensão meteórica mais alguns sérios problemas de relacionamento vividos nos bastidores podem ter afetado e muito a trajetória profissional de Ritchie lá atrás, a ponto dele mudar de carreira – abandonou os palcos e estúdios nos fim dos anos 1990 para trabalhar com o desenho, o desenvolvimento e a implantação de softwares de áudio em websites, chegando a trabalhar em parceria com o músico, produtor e inventor inglês Thomas Dolby (autor e cantor de “She Blinded Me With Science”, hit do synthpop mundial em 1982) para a sua empresa, a Beatnik Inc. Polêmicas, invenções e especulações à parte, não deixa de ser bastante interessante para um artista, aqui no Brasil, carregar para sempre esta história peculiar em sua biografia. Mesmo porque hoje o reconhecimento de sua obra musical, com o tempo, superou todos os perrengues.

Music, Theatre

O Fantasma de Friedrich – Uma Pop Ópera Punk

Indo de Sex Pistols a Billie Eilish, musical revive Nietzsche para falar sobre saúde mental, perdas, amadurecimento e a beleza da vida

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Gutyerrez Erdmann/Divulgação

Quando as cortinas do Guairinha se fecharam após o musical O Fantasma de Friedrich – Uma Pop Ópera Punk, a comoção tomou conta da plateia. Era a segunda noite de espetáculo (apresentado durante quatro dias seguidos no mês de maio) e, em meio aos aplausos e gritos de “Bravo!”, o diretor e dramaturgo Dimis, da produtora curitibana Bife Seco, subiu ao palco para agradecer o carinho do público. Afinal, mais uma vez a casa estava cheia (a capacidade do Guairinha é para 500 pessoas). “Pra quem dizia que não iríamos ter público, aqui está a resposta”, foi mais ou menos essa frase que Dimis disse.

Bem, a cidade sempre teve a fama de ser um local para “teste” para muitas companhias de teatro, que fazem questão (ou faziam antes da pandemia) de estrear suas montagens por aqui. Por isso, não é a toa que a capital paranaense sedia até hoje o maior evento de artes cênicas da América Latina, o Festival de Curitiba, antes conhecido como Festival de Teatro de Curitiba.

Mas será que essa aposta pessisimista teria surgido por se tratar de um espetáculo musical? Será, ainda, que essas opiniões se referiam à extensa duração da peça ao estilo Broadway (duas horas e meia, com direito a um intervalo)? Seria “loucura”, então, sair de casa para assistir a um espetáculo que trata justamente da saúde mental, perdas, amadurecimento e beleza da vida, com a ilustre “presença” fantasmagórica do filósofo alemão-bigodudo Friedrich Nietzsche? Ou seria “insanidade” ir ao teatro para escutar vozes afinadíssimas que intepretam 18  composições originais? 

Nein! Nein! Nein! Nein!

De jeito nenhum! 

Mesmo porque os musicais estão conquistando o Brasil. Assim, O Fantasma de Friedrich vem se juntar a essa tendência que traz uma estética jovem e arrojada para os palcos, com números musicais que encantam o público da nova geração ao adicionar aura lúdica e fabulosa para abordar um tema sério.

A obra, escrita e dirigida por Dimis, foi criada em parceria com o maestro e compositor Enzo Veiga, mestre em teatro musical pela New York University que fez carreira nos palcos americanos. Agora, além de O Fantasma de Friedrich, Enzo também assina a trilha do musical Sparks, no segmento Off-Broadway, em Nova York. E para compor o elenco de 14 artistas, novos talentos da geração Z foram escolhidos durante um processo de audição que contou com mais de 300 candidatos do Paraná, São Paulo e Santa Catarina.

Depois de seis anos de produção e ensaios, o musical teve estreia nacional em 18 de maio, trazendo a história de Alana (Laura Binder), uma jovem melancólica (mezzo Dorothy, mezzo Alice) que vive atormentada pelo desaparecimento de sua irmã Lana. Ao descobrir que ela havia sido levada ao Hospital das Graças, Alana força a própria internação. Sempre acompanhada do seu urso de pelúcia, Adolfo, Alana começa a buscar pistas que levem ao paradeiro de Lana e, para isso, conta com a ajuda de grupo de adolescentes insurgentes, que desafiam a intimidadora equipe de enfermagem (claramente inspirada em O Estranho no Ninho). Durante a investigação, a jovem acaba se deparando com um livro sobre Nietzsche e libera o fantasma rabugento e existencialista, que fora vítima de sua própria mente e morrera em um hospital psiquiátrico. 

Quem dá vida ao fantasma é Ranieri Gonzalez, o Van Gogh de Vermelho Sangue Amarelo Surdo, peça de Edson Bueno que fez enorme sucesso no Festival de Teatro em 2003, há exatas duas decadas. Hoje, aos 36 anos de carreira, Ranieri e seu bigodão nietzschiano mostra, mais uma vez, porque é um dos grandes nomes do teatro paranaense.

O primeiro ato impressiona e traz um texto inteligente, interpretações sedutoramente cômicas e a potência das vozes do elenco, que se mostra muito bem entrosado. Mas, ao contrário de muitos musicais por aí, cujas canções podem se soar maçantes, boa parte do repertório traz composições vigorosas, com referências que vão de Sex Pistols a Billie Eilish e conduzidas por uma banda ao vivo, o que faz toda a diferença. 

As canções dão sustância ao espetáculo e são inseridas de forma coesa no contexto, já que não se tratam de meros textos musicados. Algumas, eu diria, têm grande potencial para tocar na sua playlist. Tanto é que o elenco se reuniu num evento paralelo no Café do Teatro (próximo ao Guairinha) para interpretar parte do set list

Depois do intervalo, foi possível escutar na plateia frases impacientes (tipo “quanto falta pra terminar?”), mas todos continuaram lá para conferir o desfecho que, digamos, é um tanto previsível e apressado. As enfermeiras, que antes intimidavam os jovens pacientes, transformam-se em quase BFF. 

Quando o fantasma de Nietzsche ressurge, entre uma fala e outra, aparecem no roteiro aforismos e pinceladas de conceitos como niilismo e eterno retorno, que se adaptam à contemporaneidade dos memes. E, no gran finale, a célebre frase do alemão, de Assim Falou Zaratustra, é dita: “é preciso ter o caos dentro de si para dar a luz a uma estrela dançante.”

Sim, o musical é um grito de socorro – sobretudo após o susto proporcionado pela pandemia – contra os efeitos nocivos dos meios digitais e as doenças mentais que afligem jovens e cada vez mais jovens: depressão, ansiedade, hiperatividade, déficit de atenção (e que daria uma bela música dos Titãs!). Além disso, funciona como uma pílula de esperança, de resistência contra esse cenário desumano, demasiado desumano. Assim, depois da curta temporada de estreia em terras curitibanas, O Fantasma de Friedrich está prontíssimo para assombrar outras plateias Brasil afora. 

Music

Pitty – ao vivo

Em show de aniversário do álbum de estreia, cantora se emociona com lembranças, se vê madura e poderosa e “ressignifica” o passado

Texto por Marcos Bragatto (Rock em Geral)

Foto de Amanda Respício (Rock em Geral)

Um riff de guitarra bem distorcido quebra o silêncio no palco. Um átimo de segundo depois, o mesmo riff e a mesma distorção que, com as luzes agora acesas, vê-se que vem de uma guitarra atravessada no tronco de uma garota. Não uma qualquer, mas A garota, dona da festa toda e de mais um pouco. Garotas com guitarras costumam seduzir aos borbotões e é assim que dois varões, um de cada lado, juntam-se a ela no meio do palco, ao passo que outro, atrás, espanca os tambores sem dó e assim se faz a mágica do riff no rock’n’roll, condutor principal da tal música. É assim que Pitty, a tal garota com guitarra, comanda o singelo começo de “O Lobo”, a tal música, na noite de 29 de abril, um sábado, em uma Fundição Progresso com gente jorrando pelo ladrão, no Rio de Janeiro.

É o show que marca o aniversário de 20 anos – olhe só, vejam vocês – do álbum de estreia da cantora, Admirável Chip Novo, e o plano é tocar todas as músicas dele e otras cositas mas. É uma turnê revivalista, sim, mas Pitty, dada a rebeldias e não é de hoje, trata logo de desfazer o conceito e dizer que a apresentação é “uma ressignificação, o Chip Novo hoje”. Olhando para o palco, com o cenário criado para essa turnê, dá pra entender. Passarelas laterais com uma outra atrás da bateria, um telão low profile com cortinas sobrepostas ao fundo que recebem efeitos de luz simples, mas bastante eficientes. No começo, a imagem da “garrinchinha de botas e pernas tortas” no telão dá lugar ao mulherão em que ela se converteu que surge já de guitarra em punho, atrás da banda, no alto, detonando em “Teto de Vidro”.

É a abertura do álbum com a tríade matadora que tem ainda “Admirável Chip Novo” e a entrada de bateria, agora conduzida por Jean Dolabella (do Ego Kill Talent e com o Sepultura no currículo), e “Máscara”, coisa de arrasar quarteirão. E é isso que acontece com o povaréu que não se incomoda nem um pouco em participar, em frenético pula-pula e cantando tudo a plenos pulmões. As músicas são intervaladas por trechos de conversas da pequena Pitty (em ligação a cobrar de Salvador para o Rio) para tratar do envio do material que se tornaria esse disco e ainda se impondo ante a interesses da gravadora, que não curtiu, à época, a vontade da cantora de que “Máscara” fosse o primeiro single do disco. O resto é história e é muita história que se passa na cabeça de quase todo mundo ali – há jovens e muitos jovens há 20 anos ou mais, quando Chip Novo saiu.

Assim Pitty se esforça para segurar o choro e suplantar e emoção em várias passagens. Honra seja feita, embora tenha saído dos cafundós de Salvador, foi no Rio, por força da sede da gravadora, que ela deu os primeiros passos na carreira, tocando em tudo o que é canto underground da cidade, muitas vezes para alguns gatos pingados e em condições bem acanhadas, para dizer o mínimo. Diferentemente do trio que a acompanha – além de Jean, tem o ótimo guitarrista Matin Mendonça e o baixista Paulo Kishimoto – ela viveu tudo isso, o que carrega o espetáculo com mais emoção ainda. Pena que, nesse show, não tenha entrado nenhuma citação aos guerreiros da época: o guitarrista Peu, falecido em 2013; o baixista Joe, desafeto depois de questões levadas à justiça trabalhista; e o batera Duda.

show de íntegra do disco segue o desafio de tocar músicas que podem não ser tão conhecidas assim e que não eram executadas com frequência ao vivo nem na época em que foram lançadas. E também de tocar ou não todas elas na ordem em que foram gravadas – porque uma coisa é bolar uma sequência de disco, outra é de como apresentá-las no palco. É claro que Pitty foi na decisão corajosa de manter a ordem do CD, respaldada pelo fato de nada menos que cinco singles terem sido lançados na época, todos com boas execuções radiofônicas, em um tempo em que isso fazia a diferença. E, no fundo, no fundo, ela sabe que fã da Pitty – fã de rock – é quase sempre do tipo que conhece tudo. É o que acontece com a cantoria comendo solta em praticamente todas as músicas, em umas mais, noutras menos. E ainda tinha aqueles esperando justamente as menos tocadas ao longo da carreira.

Como por exemplo “Do Mesmo Lado”, rock enguitarrado dos bons, no qual Pitty canta “escondida” atrás de uma cortina branca e recebe focos de luzes coloridas, de modo que sua silhueta aparece distorcida e borrada, de acordo com os movimentos, em excelente efeito visual. Dá pra lembrar que “Só de Passagem” é uma pedrada nu metal das boas, e aí brilha Dolabella detonando na bateria; e a já citada “O Lobo” vira um rockão daqueles de obediência ao riff. Dentre os hits, vale destacar a lentinha “Equalize”, não pela música em si, mas por evidenciar uma Pitty bem resolvida com a sensualidade que parecia lhe incomodar. Se antes tinha dificuldade até para cantar uma letra mais de relacionamento/romântica, hoje desfila o corpo de modo soberano pelo palco e não só nessa música. E ainda recomenda ao público que “solte a pélvis”. É a tal da – repita-se – menininha convertida em mulherão.

O show é todo fechadinho em 1h40 e bolado para ser mesmo especial. É repartido em três blocos. Se o primeiro tem as 11 músicas do álbum Admirável Chip Novo, o segundo traz um complemento da época, com “Seu Mestre Mandou”, espécie de sobra, que se converte em nervoso hardcore dos tempos do Inkoma, e três covers, com destaque absoluto para “Love Buzz”, da banda holandesa Shocking Blue, eternizada na voz de Kurt Cobain, do Nirvana. No bis, é a hora da representatividade dos outros álbuns da cantora. Aí realçam “Memórias”, esticada com uma jam session em que cada músico é apresentado e sola em seu instrumento e tem Pitty refestelada no solo, e o arremate com “Me Adora”, a canção mais pop/colante dela e talvez a de maior sucesso, para terminar a altíssimo astral.

Em suma: o show é verdadeiro espetáculo planejado para uma ocasião especial e que tem vida própria. O que lhe dá, e antemão, o status de imperdível.

Set list: “Teto de Vidro”, “Admirável Chip Novo”, “Máscara”, “Equalize”, “O Lobo”, “Emboscada”, “Do Mesmo Lado”, “Temporal”, “Só de Passagem”, “I Wanna Be”, “Semana Que Vem”, “Seu Mestre Mandou”, “Sailin’ On”, “Love Buzz” e “Femme Fatale”. Bis: “Setevidas”, “Memórias”, “Na Sua Estante” e “Me Adora”.

festival, Music

Lollapalooza Brasil 2023 – ao vivo

Billie Eilish, Modest Mouse, Jane’s Addiction, Paralamas, Aurora, Baco Exu do Blues, Tove Lo e Cigarettes After Sex: shows que marcaram o festival

Billie EIlish

Texto por Abonico Smith

Fotos: Reprodução

Entre os dias 24 e 26 de março foi realizada a décima edição brasileira do festival Lollapalooza, a última em parceria da produtora T4F com a americana LLC, detentora da marca do evento. Depois de cinco recentes cancelamentos de concertos programados para este ano, todo mundo foi surpreendido com a não vinda ao Brasil do headliner da última noite, o canadense Drake, horas antes dos portões do Autódromo de Interlagos serem abertos. A desculpa oficial do artista, esfarrapada, não colou: a de que estariam faltando pessoas de sua equipe no país. Entretanto, ele foi visto na madrugada anterior festando em Miami em conjunto com o rapper 50 Cent. E mais: estas pessoas de sua equipe já estavam em SP instalando no autódromo os telões e o material de seu espetáculo. Mas como é sempre melhor falar de coisas boas, deve também ser registrado um marco desta edição: pela primeira vez o line-up estava dividido quase igualitariamente entre artistas dos dois gêneros.

O Mondo Bacana comenta um pouco dos oito shows que deixarão esta edição do Lolla na história dos grandes festivais de música pop do Brasil.

Billie Eilish

Única headliner originalmente anunciada a se apresentar em Interlagos (além de Drake, o Blink 182 também não veio para cá), ela já era aguardada havia algum tempo por aqui. Afinal, este seria seu primeiro concerto no país, já que o anterior fora cancelado por causa da pandemia. Em cima daquele palco enorme, tendo a companhia apenas de seu inseparável irmão e produtor Phinneas e um baterista, ela – com o verde e amarelo predominando no figurino grande e largo sobre a malha preta que lhe escondia o corpo – entregou o que prometia: uma boa coleção de letras intimistas a respeito de observações, sensações e sentimentos de uma garota vivendo os anos finais de sua adolescência. Intimista também foi sua performance: sem muitos pulos, correrias ou coreografias ensaiadas, era quase apenas ela cantando ao microfone. Quer dizer, cantando às vezes. Billie só cantava o necessário e muitas vezes sua voz ecoava pelo autódromo junto com os instrumentos também pré-gravados. O que deixava o show redondo, sem espaço para improvisos ou erros. Só que teve momentos em que os manos abriam mão do playback e se arriscavam em momentos semiacústicos para mostrarem que não são uma fraude ao vivo: foram cerca de meia dúzia de canções com Phinneas dedilhando o violão ou o piano para a irmãzinha soltar o gogó de alcance não muito grande.

Modest Mouse

Quem foi a genial pessoa responsável pela grade de shows que conseguiu jogar o grupo para uma tarde de sexta-feira? Modest Mouse – um dos ícones do indie rock americano dos anos 2000 – não é para a GenZ, é para gente mais velha. Melhor: para quase todo mundo que não tem a) grana disponível de salário ou frilas para pagar o caro ingresso do festival; b) saco ou corpo para aguentar ficar um dia sequer em uma maratona de shows; c) horário disponível para ir assistir a uma banda tocar às quatro da tarde de sexta-feira. Sob um sol escaldante, o vocalista Isaac Brock estava vermelho feito um camarão, à frente de seu quinteto que foge da musicalidade óbvia e mistura lo-fi, folk e psicodelismo em doses nada comerciais. O resultado foi uma banda competentíssima tocando para quase ninguém, sendo a maior parte disso gente que desconhecia por completo o repertório loteado entre sua boa discografia. Hits como “Float On” e  “Dashboard” ficaram desperdiçados  naquela escala gigantesca ao ar livre. De qualquer maneira, quem viu in loco ou pelo streaming foi abençoado pela tardia estreia do Modest Mouse em solo brasileiro. Antes tarde do que muito mais tarde. Antes de tarde durante a semana do que nunca.

Jane’s Addiction

Perry Farrell idealizou o Lollapalooza em 1991 como um festival ambulante, que pudesse rodar algumas grandes cidades norte-americanas com uma escalação de excelentes bandas alternativas como suporte para a turnê de despedida de sua banda. Deu tão certo que o Jane’s Addiction se separou mas o Lolla continou trilhando seu caminho de sucesso durante os meados dos anos 1990. Perry, então, quase sempre vem prestigiar a edição brasileira. Agora trouxe a tiracolo a reformada banda que o revelou para o mundo da música. Integrantes originais… ou quase, já que o guitarrista Dave Navarro (que saiu do JA para tocar no Red Hot Chili Peppers) continua afastado dos palcos para tratar da saúde (covid longa como justificativa oficial, rehab longa como rumor alimentado entre os fãs do grupo). De qualquer forma, seu substituto, o também ex-guitarrista do RHCP Josh Klinghoffer, mostrou ser uma escolha acertada. Enquanto o baterista Stephen Perkins e o baixista Eric Avery (que também costuma ser músico de apoio do Garbage) se entendem perfeitamente em uma cozinha rítmica hipnótica e dançante, Josh jorrava os efeitos de pedais que fazem a sonoridade da banda flutuar entre o hard rock, o psicodelismo e o groove. Para completar, uma trinca de dançarinas comandada pela atual mulher de Farrell faziam pole dances sensuais ao fundo do palco, dando um approach cênico diferente às canções. Em Interlagos, o set list foi reduzido por conta do tempo destinado ao show, socado no meio da programação da tarde do segundo dia. De qualquer forma, ficou bem dividido entre os dois primeiros e incensados discos da banda, concebidos entre 1988 e 1990, antes das brigas internas que levaram à implosão precoce da carreira. De qualquer forma, reunidos já nas casas dos 50 e 60 anos de idade, os músicos mostraram por aqui que estão como vinho: quanto mais velhos, melhor. Maturidade e experiência – e um longo hiato interrompido por outras duas reuniões e discos criados em 2003 e 2011 – fizeram bem. Em um sábado fraco de opções, o Jane’s Addiction chegou quietinho e fez uma puta (e despretensiosa) apresentação. Ainda terminou com uma batucada em homenagem ao amigo Taylor Hawkins, que morria havia exatamente naquela data, no ano anterior… horas antes do show do Foo Fighters na Colômbia e de viajar para tocar no Lollapalooza brasileiro.

Paralamas do Sucesso

Ter 40 anos de carreira fonográfica não é para qualquer um. Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone sabem disso e utilizam um arsenal de clássicos colecionados em sua extensa discografia para disparar um show magnífico. É hit atrás de hit  quase sem intervalo para respirar. Foi assim neste Lollapalloza, na tarde de sol de um domingo para uma maioria de plateia formada por GenZ e millennials. O repertório começou com canções mais representativas da faceta ska (“Vital e Sua Moto”, “Patrulha Noturna”, “Ska”, “Loirinha Bombril”) e passeou por toda a galeria das duas primeiras décadas de carreira, misturando reggaedubafrobeat, rock, citações (Tim Maia, Titãs, Raul Seixas) e muita injeção rítmica contínua para não deixar ninguém totalmente parado – pelo menos um dos pezinhos não teve como resistir. Herbert começou enfrentando problemas técnicos, contornados sabiamente com conversas fora do microfone com um roadie enquanto não parava de cantar as letras para a plateia. Tirando este pequeno detalhe, que não chegou a comprometer a apresentação aliás, os Paralamas mostraram toda a sua realeza na música pop nacional. Não precisa de firulas, telões, coreografias, trocas de roupa, andar para lá e para cá no palco ou ao redor dele. Só precisa de música. E muito boa música. Referências para se criar música de qualidade eles sempre tiveram também. São uma banda pós-punk brasilis roots (a sonoridade two-tone em verde e amarelo, inclusive com versos politizados e críticos transformados para a nossa realidade!) e isso ainda faz toda a diferença. Mesmo diante de uma molecada que não chegou a viver os tempos dos vinis e CDs lançados com essas músicas.

Aurora

É só começar a ouvir a sua extensão vocal de soprano que não tem como não embarcar junto nesta fantasia musical que é seu show. Ela mesma parece uma pequena e adorável duende, sempre a saltitar feliz e travessa pelos vastos campos verdes. Seu look também ajuda: vestes claras e em tonalidades pasteis, pés descalços, pele alva e um cabelinho curto e de um chanel tão branco quanto sua melanina norueguesa. Muita gente que estava ali na plateia sabia de cor e salteado as letras, cantava junto e se emocionava por estar na frente de Aurora Asknes. Pudera. A artista faz da voz um belo poder instrumental, além de ser hábil nas palavras para demonstrar seus mais profundos sentimentos acerca da vida e da natureza. Mas também não precisa ser expert na obra dela para se render ao poder desta guria escandinava, solta, espontânea, natural e sem qualquer maquiagem, capaz de provocar um midsommar tão contagiante aqui no hemisfério sul e em pleno cair da tarde de um domingo quente brasileiro.

Baco Exu do Blues

Ele entrou na grade do Lolla como uma rápida solução caseira para suprir o cancelamento quase em cima da hora de Willow, filha do astro Will Smith. E ainda entregou uma das mais emocionantes performances em língua brasileira deste Lollapalooza. Generoso, o baiano de quatro discos lançados nos últimos seis anos fez questão de não brilhar sozinho. No telão, prestou reverência a personalidades negras já falecidas como Marielle Franco, Elza Soares, Muhammad Ali, 2Pac Shakur e Nelson Mandela. E no meio do repertório montado com alguns de seus grandes sucessos ainda cedeu espaço lá na frente para cada uma de suas backings (Aísha, Alma Thomas e Mirella Costa) dividirem as atenções, o microfone e o gogó poderoso. Mirella, por sua vez, protagonizou uma emocionante homenagem à também soteropolitana Gal Costa, ao mandar, a capella, um trecho de “Força Estranha”. Mancando e dando passos lentos, Baco fez o que pode, cenicamente, para superar o estiramento na panturrilha sofrido poucos dias antes. E ainda mandou a letra para espinafrar o grande ausente da noite, Drake, sendo complementado por xingamentos dirigidos pelo público ao astro chiliquento canadense. Mostrou, como Kevin Parker (Tame Impala) na noite anterior, que nem sérias limitações físicas para a locomoção não podem servir como desculpa para não cantar aos fãs.

Tove Lo e Pabllo Vittar

Tove Lo

Outra atração nórdica dominical, a sueca mostrou que um show de música pop pode muito bem ser construído em cima de… música pop. Nada pode tirar o primeiro plano. Pelo contrário. Figurinos podem ser um bom complemento (no caso, uma roupa colante em tons verdes que lhe permitiu fazer o manjado gesto de mostrar os seios à plateia). Coreografias também. Mas um palco deve ser povoado por musicistas tocando seus instrumentos, cantora realmente cantando e dispensando playbacks descarados e a ausência de um time de bailarinos indo para lá e para cá, chamando mais a atenção dos olhos do que os ouvidos. Tove Lo é muito mais discípula de Madonna do que muita gente pode pensar. Ela canta, dança, brinca com a sexualidade diante de uma multidão e mostra ser uma artista de força suficiente para ter um longo futuro pela frente. E olha que ela já tem cinco álbuns feitos de 2014 para cá.

Cigarettes After Sex

Todo ilusionista sabe muito bem que o segredo do sucesso de sua performance está na habilidade de deslocar a atenção do público para um local diferente daquele onde realmente “acontece” o truque. A derradeira das três noites do Lolla, de fato, foi equivalente a um show de ilusionismo. Todo mundo esperando o headliner Drake e depois todo mundo desapontado e xingando o arredio Drake por nem ter viajado ao Brasil. Muita gente comentando o fato de que o DJ e produtor de IDM Skrillex havia sido escalado de improviso para ocupar o horário e o palco anteriormente destinado ao fujão. Muita gente indo embora ao cair da noite, já desesperançoso de que ali em Interlagos acontecesse mais alguma coisa estupenda no autódromo. Espertos, porém, foram aqueles que não arredaram o pé e ficaram no local (ou sintonizados no streaming) até as nove da noite, de olhos bem atentos a um dos palcos secundários. Ali, já aos 45 minutos do segundo tempo do festival, os acréscimos permitiram uma magnífica performance de um singelo trio norte-americano que, por meio da internet, tornou-se objeto de culto nos últimos anos por um pessoal mais antenado. O Cigarettes After Sex veio para impactar com todo o seu minimalismo. Cênico, com seus integrantes tocando quase sempre parados no palco, dispostos geometricamente lado a lado. Sonoro, com somente um vocal (de seu líder e criador Greg Gonzalez) e a mínima movimentação possível de baixo, guitarra e bateria. Havia uma textura de teclados pré-gravados disparada como pano de fundo para a maioria das canções. Mas isso só reforçou a atmosfera etérea e hipnótica do concerto. Fotógrafos não foram permitidos no pit à frente do palco. Quem ficou em casa assistiu a uma transmissão noir, que impôs a ausência de captação de qualquer cor pelas câmeras que não fossem o preto e o branco. Com ares de cabaré decadente, algo tipicamente David Lynch, o CAS fechou as cortinas da décima edição premiando poucos felizardos com algo meio difícil de acontecer em um grande festival. Truque de mestre.