Series, TV

O Gambito da Rainha

Minissérie faz jus ao hype com dinamismo e uma cativante adolescente órfa que ganha o mundo através do tabuleiro do xadrez

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Netflix/Divulgação 

À primeira vista, O Gambito da Rainha (The Queen’s Gambit, EUA, 2020 – Netflix) pode não parecer ter o potencial de um hit. O trailer, mais focado em uma frase dita ao longo da série sobre machismo do que no enredo em si, engana. A produção da Netflix é uma surpresa positiva e se tornou a série limitada a mais assistida da história do streaming. O hype é justificável. O xadrez ganha vida nos sete episódios baseados no livro de mesmo nome de Walter Tevis. 

Beth Harmon (Anya Taylor-Joy) é levada para um orfanato após um grave acidente. Lá ela desenvolve a paixão pelo xadrez e um vício em calmantes. Ambos serão formativos para os próximos anos da jovem. Após ser adotada, Beth passa a ter como maior exemplo uma mãe amorosa, porém alcoólatra. Tomando seu primeiro drinque antes mesmo da maioridade, a menina não consegue escapar do abuso de substâncias. 

Ambientada na década de 1960, a série já ganhou pontos pelos acertos no setor de cabelo e maquiagem e pelo design de produção. O xadrez, obviamente, é o principal, mas é surpreendente como temas como identificação, família, saúde mental e solidão percorrem a história. A relação entre Beth e sua mãe adotiva (Marielle Heller, com quem Anya já havia trabalhado no longa-metragem Emma) é construída aos poucos, com a ajuda do xadrez e torna-se um dos elementos mais interessantes de assistir. A dinâmica, as conversas, as trocas de experiência são fascinantes. São duas mulheres que compartilham o amor e o vício. 

Para quem não é praticante, o xadrez pode ser um jogo chato, parado. A série encontra recursos de filmagem e montagem satisfatórios para quebrar a monotonia das partidas. Em alguns jogos, os diálogos quebram ou aumentam ainda mais a tensão. Ao longo da série, Beth enfrenta apenas uma jogadora mulher e todos os seus outros oponentes são homens. A atmosfera de “Clube do Bolinha” do esporte perdura até os dias de hoje. Enxadristas mulheres se manifestaram após a série estrear, afirmando que ainda são minoria e os desafios que Beth Harmon passou para ser aceita continuam atuais.

Anya Taylor-Joy é uma das melhores atrizes a surgir nos últimos anos. Ela, que já mostrou talento no horror em longas como Fragmentado e A Bruxa, em O Gambito da Rainha dá vida a uma complexa personagem que em muitos momentos fala mais pelo olhar. O tema do vício é delicado e a minissérie mostra responsabilidade ao retratá-lo, especialmente nos momentos mais críticos. 

O Gambito da Rainha tornou-se um fenômeno nessess últimos meses. É bem construído e não precisa forçar para engajar. O sucesso também é resultado de uma série de tentativas. Antes do contrato com a Netflix, já tentaram adaptar a história nove vezes – em 2008, o produtor Allan Scott queria que Heath Ledger fosse o diretor do então filme baseado no livro.

Em um ano tão atípico como 2020, uma série que dá destaque ao xadrez ganhou os holofotes e a produção fez jus ao seu hype. Logo de cara, afinal, é impossível largar da história de Beth Harmon, uma cativante menina órfã que encontra o vício, uma mãe e a redenção pelo esporte. 

Movies

Coringa

Joaquin Phoenix encarna com maestria o clássico vilão de Gotham em contundente história que metaforiza a psicopatia da sociedade atual

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Texto por Janaina Monteiro

Fotos: Warner/Divulgação

Sorria, mesmo que seu coração esteja dolorido. Sorria, mesmo que ele esteja partido. Charles Chaplin, que deu vida ao palhaço Carlitos, escreveu esses versos em “Smile”, música composta nos anos 1930 para o filme Tempos Modernos.

Mas como sorrir quando se é miserável de alma e conta bancária? Quando se é vítima de toda a sujeira mais imunda que o ser humano pode produzir? Quando o bullying e o abandono se arrastam pela vida adulta? Quando você perde emprego, vive sozinho, deprimido, e, pra piorar, sofre de transtorno psicótico? Esse é o dilema de Coringa (Joker, EUA, 2019 – Warner). No filme que leva o nome em português do personagem, o vilão se transforma em herói retratado de forma humanizada pelo diretor Todd Phillips (mais conhecido pela trilogia Se Beber Não Case). O aguardado e aclamado longa sobre um dos antagonistas de Batman, vencedor do último Leão de Ouro em Veneza, estreia nesta quinta-feira no Brasil cercado de polêmicas e protagonizado por Joaquin Phoenix, um ator com estrutura física e psicológica para viver o papel que já foi interpretado por Heath Ledger (morto por overdose acidental de medicamentos logo após terminar as filmagens de Batman: O Cavaleiro das Trevas), Jared Leto e Jack Nicholson.

O Coringa de Phoenix sorri por conta de sua psicose acompanhada de um distúrbio neurológico (ele ri incontrolavelmente a ponto de quase sufocar) e do seu trabalho como palhaço de rua. Arthur, na verdade, chora através de suas risadas histéricas. Ele é o freak, o weirdo, em busca de sentido de pertencimento no mundo cada vez mais apático e egocêntrico. Faz parte da escória da humanidade, que de tanto sofrer assume a personalidade de Joker e se transforma num monstro guiado pela violência nua e crua, similar à praticada por jovens armados em escolas e cujos massacres são exibidos e reexibidos pelos telejornais. Por isso a preocupação com a censura: no Brasil, o filme não é recomendado para menores de 16 anos.

A introdução mostra o drama de Arthur em seu ambiente hostil. Gotham City está infestada por ratos reais, numa analogia à Nova York do início dos anos 1980 quando o número de habitantes roedores quase ultrapassou a população. Arthur mora com a mãe num prédio decadente do Bronx e sonha em ser comediante de stand-up. O tempo todo ele é esculhambado, ridicularizado por colegas, agredido por gangue de adolescentes, refém de sua doença, dos remédios e da pilhéria da sociedade em que vive.

Phillips, que coescreveu o roteiro, conseguiu de forma soberba traduzir essa personagem dos quadrinhos capaz de causar tanto fascínio e terror. E humanizar o vilão, digno de pena. Todo o sofrimento serve como base de seu comportamento no decorrer da trama. Arthur não chega a ser um psicopata, pois consegue sentir compaixão: cuida da mãe tão perturbada quanto ele. E como todo psicótico, encontra fuga numa realidade paralela. Quando assiste, por exemplo, ao seu talk show preferido, chamado Live With Murray Franklin, imagina-se dentro do programa. Delira e encontra no apresentador  (interpretado por Robert De Niro) o pai que nunca teve. O mundo de Arthur está em vias de explodir quando perde o emprego, momento em que seu alterego passa a dominar.

O turning point acontece quando ele descobre a verdade sobre sua mãe, sobre o seu passado, sua doença, sobre o pai que nunca conheceu e que poderia ser o mesmo pai de Bruce Wayne, o Batman, super-herói nascido em berço de ouro. Thomas Wayne, bem ao estilo Donald Trump, é candidato a prefeito de Gotham e se refere aos pobres como sendo palhaços. O filme, aliás, faz um paralelo surpreendente com a história de Batman e confronta as duas personagens, dando uma suposta prévia do novo filme sobre o Homem-Morcego.

Na mente do Joker (o nome original do Coringa, em inglês), Arthur passa do homem ridicularizado, vítima de chacota e agressão, ao palhaço vingativo, terrorista. Sua satisfação vem através da violência. Em vez de estourar seus miolos, Arthur decide eliminar quem o ridicularizou. E poupa aqueles que o trataram bem, na maioria das vezes também minorias.

Cenas chocantes não faltam no filme, que alimentam a polêmica de fomentar atos de violência. Entretanto, o roteiro consegue a proeza de, em algumas delas, nos fazer rir com uma certa culpa por conta da atitude perturbada do protagonista. Phillips e Phoenix transformam em arte cenas de dança em que o Coringa comemora e parece emular Carlitos, incorporando gestos de tai chi. Aliás, o balé do Coringa foi feito de improviso. Joaquin e Todd não gostaram do primeiro resultado e o ator, gênio, começou a dançar, o que rendeu uma cena de beleza poética e transformou em marca registrada desse Joker.

A tensão é mantida do início ao fim, garantida pela riqueza da personagem e o brilhantismo do ator. Como é possível esperar qualquer coisa da mente de um psicótico, há tomadas tão carregadas de suspense que o espectador sente aquele frio na espinha. Somando a isso, a trilha sonora do filme é fundamental na manutenção dessa condição de ansiedade e expectativa. Muitas vezes, por si só, uma canção é capaz de dar sentido à determinada sequência. Como “Send In The Clows” (gravada originalmente por Frank Sinatra e interpelada por uma das vítimas do Coringa) e “Smile”, de Chaplin, sobre quem há faz várias referências durante esta história (o homem por trás de Carlitos era um gênio, filho de mãe doente mental e que acabou tendo fama de pedófilo).

Além de close-ups reveladores e movimentos de câmeras sempre em sintonia com o tom sombrio do filme, Phillips também faz uso de elementos não verbais para mostrar o conflito de personalidade e a angústia de Arthur. Exemplos disto são as cenas em ele aparece numa escadaria, sinônimo de verticalidade, representando os planos do espírito, da mente, a ligação entre o céu e a Terra. A trama, aliás, é tão bem costurada que o espectador não consegue definir quais são momentos de delírio e sanidade da personagem até que, quase na metade do filme, um flashback desnecessário surge como uma explicação para os improváveis desatentos.

Muito mais que a história de um conflito pessoal, Coringa é a metáfora de uma sociedade que caminha para uma psicopatia, na qual seus cidadãos usam da violência, desprezo, abandono para resolver diferenças e exigir seus direitos, num mundo em que a raiva toma conta e os fins justificam os meios. Essa sociedade exclui, ignora, marginaliza e trata essas pessoas como meros clowns.

Quando o protagonista se transforma em vigilante, há referências claras a Guy Fawkes e críticas evidentemente políticas a injustiças sociais, como o fato da extinção do serviço social que garante os remédios de Arthur.

Coringa é um soco na cara. Pisa na ferida e escancara a violência de modo brutal, pura, ácida, nua e crua. É um papel tão forte, poderoso, trágico que só um Phoenix (irmão do ator River, morto por overdose em 1993, aos 23 anos de idade) para encará-lo de forma esplêndida. O ator emagreceu 23 quilos para encarnar o vilão e lembra Christian Bale em O Operário (Bale, aliás, foi Batman nas telas). Nessa nossa sociedade delirante, nem todos são psicóticos, mas pobres mortais são, sim, todos palhaços.

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Represálias

Por evocar a violência e transformar o vilão em herói, embora a Warner negue isso, o filme vem sofrendo represálias e chegou a ser proibido em Aurora, cidade norte-americana onde um rapaz supostamente inspirado no Coringa abriu fogo numa sala de cinema matando doze pessoas em 2012. O medo é que este novo filme inspire novas tragédias. O diretor Todd Phillips, porém, diz que não é justo fazer essa associação. “É um personagem de ficção num mundo fictício que existe há 80 anos”, justificou Phillips numa entrevista.

A Warner divulgou um comunicado respondendo a uma carta escrita por familiares do massacre de Aurora, enfatizando que violência por arma de fogo é um assunto crítico e que o estúdio tem uma longa história de doações a vítimas de violência, incluindo esta cidade do estado do Colorado. “Ao mesmo tempo, a Warner Bros acredita que uma das funções da arte de contar histórias é provocar diálogos difíceis sobre questões complexas. Não se engane: nem o personagem fictício Joker, nem o filme, é um endosso de qualquer tipo de violência no mundo real. Não é esta a intenção do filme, dos cineastas ou do estúdio manter esse personagem como um herói”, declarou a empresa.

Music

Thirty Seconds To Mars

Oito motivos para você não deixar de ver Jared Leto cantando ao vivo com sua banda em nova passagem pelo país

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Divulgação

Primeira turnê pelo Brasil

O Thirty Seconds to Mars já tocou no país, duas vezes antes e para muito mais gente no Rock In Rio. Só que este é o primeiro giro que eles farão por outras cidades e, o melhor, tocando bem mais pertinho do espectador, deixando de ser um pontinho lá longe em cima do palco. Na última semana de setembro eles – cuja formação atual está reduzida a uma dupla, formada pelos irmãos Jared (guitarra baixo, teclados e voz) e Shannon Leto (bateria), mais músicos contratados para as viagens –  tocarão em três cidades brasileiras: São Pualo (26), Porto Alegre (29) e Curitiba (30). Veja aqui, aqui e aqui (respectivamente) mais informações sobre estes shows  em cada uma dessas cidades por onde passará a Monolith Tour.

Sonoridade interessante

Se está longe de reinventar a roda do rock e propor algo de inovador, o Thirty Seconds To Mars também passa longe dessas bandinhas genéricas que costumam xerocar fórmulas, empastichar suas músicas e encher a grade das programações anuais do Lollapalooza brasileiro. No caldeirão de referências sonoras do Thirty Seconds To Mars entram indie, pop, grunge e o pós-punk britânico mais sintonizado nos tons sombrios do gótico. Elementos que, de certa forma, são compatíveis e formam uma boa mistura no comando da voz de Leto.

Jared boa-praça

Diferente de muito rockstar que usa o palco somente como utensílio teatral para manter-se afastado fisicamente dos seus fãs, Jared procura fazer dos shows de sua banda uma grande comunhão. Conversa sem parar entre as canções, arrisca-se na língua nativa, chama gente para subir ao palco só para anunciar a próxima música, veste literalmente a banda do país onde está. No Rock In Rio, em 2013, chegou ao ponto de manter os outros companheiros de grupo tocando e se mandar para a tirolesa, cantar pendurado nela para descer por ela e ainda correr ao palco para terminar a música. Portanto, estando bem mais próximo da plateia, é bem provável que ele possa passar ao seu lado e esbarrar em você.

Críticas afiadas aos EUA

Em 2018, o Thirty Seconds To Mars completa vinte anos de banda. Entretanto, nega-se a olhar para o passado, revisitando o que já foi feito. Pelo contrário. Jared Leto segue em frente, procurando novos trabalhos, muito provavelmente influenciado pelo modus operandi de ator. Por isso, no final de 2015, quando a banda se desligou da gravadora à qual pertencia, preferiu seguir pelos próprios trilhos, montando selo próprio e compondo um repertório muito mais politizado do que o de outros discos já gravados. O álbum America, lançado no último mês de abril e base de metade do repertório da atual Monoltih Tour, é uma pedrada atrás da outra no telhado de vidro do governo Donald Trump. O primeiro single, “Walk On Water”, por exemplo trata da questão da vergonhosa política de imigração que o presidente norte-americano quer impor em seu país. A crítica não engoliu muito bem o disco, sobretudo o maior flerte com um pop de cara mais eletrônica. Entretanto, não deixou de dar destaque à verve irônica e politizada das letras escritas por Jared.

Documentários da banda

Regularmente, o Thirty Seconds To Mars produz um documentário mostrando os bastidores de um disco, turnê ou gravação de videoclipe. Sempre com o próprio Jared assumindo a direção dos projetos e assinando com o pseudônimo de Bartholomew Cubbins. O mais recente deles chama-se A Day In The Life Of America e mostra, segundo Leto, “a América na sua mais imperfeita glória”. Ele pediu para que as pessoas gravassem no celular e enviassem à banda as suas histórias pessoais, contando fatos que as inspiram, transformam e desafiam, de preferencia ocorridos naquele momento ou horas antes. Tudo gravado no Dia da Independência dos EUA, 4 de julho. Outras excelentes opções de documentários da banda são Artifact (2012) e Edge Of The Earth (2014). O primeiro escancarou algumas das facetas mais obscuras e chocantes do mercado fonográfico, contando inclusive com a participação de figurões doe altos escalões do meio. Já o segundo acompanha as dificuldades sofridas pela banda para ser a primeira de toda a História a gravar um videoclipe (no caso, para a faixa “A Beautiful Lie”) no continente Ártico. Eles foram até uma pequena e remota vila no norte da Groenlândia para fazer todas as cenas. O objetivo era chamar a atenção de todo o planeta para os efeitos promovidos pelo aquecimento global.

Ambivalência de qualidade

Afinal, Jared Leto é um ator que virou cantor ou um cantor que virou ator? Depende do ponto de vista que você olhar as duas carreiras paralelas dele. Seu primeiro trabalho relativamente conhecido foi como Jordan Catalano na série de TV My So-Called Life(exibida entre 1994 e 1995 e que aqui no Brasil recebeu o nome de Minha Vida de Cão), na qual contracenava com a então adolescente Claire Danes. Até o fim dos anos 1990 fez alguns trabalhos sem muita repercussão no cinema, até emplacar uma série de filmes cultuados como Clube da Lutae Garota, Interrompida em 1999 e, no ano seguinte, Psicopata Americanoe Réquiem Para Um Sonho. Quando o Thirty Seconds To Mars finalmente lançou seu primeiro álbum já era 2002 e o nome de Leto já havia sido relacionado com o mundo de Hollywood.

Clube de Compras Dallas

Desde que lançou o primeiro álbum, Jared manteve a carreira de ator em segundo plano, priorizando os compromissos de shows e gravações de áudio e vídeo com a banda. Mas em 2013 não teve jeito: ao fazer o papel da transgênero Rayon em Clube de Compras Dallas, dominou o destaque como ator coadjuvante da temporada e fez o rapa nas premiações da categoria nos dois primeiros meses. A série de troféus culminou com Leto batendo adversários como Bradley Cooper (em Trapaça), Jonah Hill (em O Lobo de Wall Street) e Michael Fassbender  (em 12 Anos de Escravidão, longa vencedor do principal prêmio da noite). Sua performance foi tão intensa que mesmo já tendo passado duas décadas fica difícil esquecer de sua atuação ao lado do cowboy soropositivo Ron Woodroof, interpretado por Matthew McConaughey (que também ganhou o Oscar de ator principal pelo mesmo filme).

O Coringa do Esquadrão Suicida

Se existe um vilão megacultuado no universo de super-heróis da DC este é Coringa. Histriônica, enigmática, colorida, muitas vezes cruel, sua personalidade tem garantido ao personagem performances memoráveis de grandes atores no cinema. Jack Nicholson fez o trabalho no primeiro filme do Batman nos anos 1980/1990, sob a direção de Tim Burton. Depois, quando Christopher Nolan assinou a trilogia que adaptava a saga dos quadrinhos O Cavaleiro das trevas, foi a vez de Heath Ledger encarná-lo – o que, inclusive, teria contribuído para a overdose não acidental de remédios que matou o ator logo após as gravações. Quando a Warner anunciou que levaria aos cinemas o time de antagonistas chamado Esquadrão Suicida, Ledger assumiu a vez de Coringa, agora como o par romântico da espevitada Harley Quinn de Margot Robbie. A galeria de grandes atores ganhou recentemente um novo integrante, Joaquin Phoenix, já anunciado como o Coringa de seu filme solo, que chegará às telas em outubro de 2019. Enquanto isso, especula-se o retorno de Leto como o mesmo personagem no segundo longa do Esquadrão Suicida, ainda sem previsão de data de lançamento.

Movies, News

Oscar 2018

Nonagésima edição dos Academy Awards é marcada pela tendência da previsibilidade, a limitação do improviso e a pulverização de prêmios

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Academy Awards/Divulgação

Os Academy Awards, já em sua edição de número 90, confirmaram uma tendência que vem se acentuando ao longo dos últimos anos: a cerimônia de entrega da maior premiação da indústria cinematográfica, se já era chata, agora está ficando cada vez mais chata.

Cinéfilos, críticos e estudiosos de cinema têm como acertar quase todos os vencedores da noite. Os discursos foram cada vez mais uniformizados em virtude não só desta previsibilidade (neste ano, os quatro vencedores nos quesitos de atuação foram repetidos em todas as premiações da temporada, por exemplo) como da limitação de tempo (cada vez que a orquestra começa a tocar uma musiquinha no fosso é sinal de que o laureado está se estendendo demais). Quem vence sobe ao palco com discursos prontos e o nome dos agradecimentos em um papel, sem dar aquele espetáculo de outrora, com choros, soluços e improvisos. As apresentações musicais ficaram também mais curtas e teatrais e, por isso, menos impactantes. As piadas do apresentador Jimmy Kimmel, bem menos viscerais. Até os vestidos, outrora surpreendentes desde a entrada no tapete vermelho, ficaram ais discretos e menos escandalosos. E o “momento surpresa” (em 2018, nomes como Guillermo Del Toro, Mark Hamill, Emily Blunt, Lupita Nyongo’o, Gal Gadot, Lin-Manuel Miranda e Margot Robbie foram convocados por Kimmel para sair do teatro, atravessar a rua, invadir uma sessão de cinema, paralisar o filme e surpreender a incauta plateia que estava lá e de nada sabia ao distribuir sanduíches, chocolates e outras guloseimas), pelo menos para quem assiste à transmissão mundo afora, via satélite, já não é mais tão surpresa assim. Tão como a presená (em mais uma temporada!) de Meryl Streep e Denzel Washington entre os indicados, mesmo que em trabalhos de menor expressão e ausentes em quase todas as outras categorias.

Poucas são as margens para que surja algo diferente do esperado. O tom sócio-político do momento apareceu, com a Academia pedindo (em vídeo e no anúncio dele, feito por três das atrizes que acusaram o executivo Harvey Weinstein de assédio sexual e estupro – Ashley Judd, Annabella Sciorra e Salma Hayek) mais respeito às diferenças e representatividade às mulheres, aos negros, à sigla LGBT. Mas foi Frances McDormand quem acabou roubando a cena, já no final da premiação, ao subir no palco do Dolby Theatre para receber a estatueta de melhor atriz. Ela mandou, na lata, sem apoio de qualquer papel, um recado reto à indústria cinematográfica, ressaltando a força de trabalho feminina e o devido respeito que todas as profissionais desejam no tratamento dispensado a elas nos bastidores.

Surpresa também ocorreu na “participação” do indie rock na festa da Academia. Eddie Vedder, empunhando uma guitarra, tocou sozinho uma canção do cantor e compositor Tom Petty (morto no final do ano passado) enquanto o telão anunciava e homenageava os falecidos mais importantes da indústria cinematográfica nesta última temporada. Sufjan Stevens subiu ao palco para apresentar “Mystery Of Love”, tocante balada composta para a trilha de Me Chame Pelo Seu Nome. Atrás dele quatro músicos de apoio, inclusive uma completamente incógnita e inesperada St Vincent, toda discreta, de preto, também na guitarra.

Dois vídeos “oficiais” de agradecimento também foram feitos pela Academia para a exibição durante a festa. No primeiro, era para agradecer a todo mundo que vai aos cinemas nestes últimos noventa anos de Oscar. Além de deixar transparecer a guerra que Hollywood anda empreendendo contra as novas tecnologias como a Netflix (que, segundo dizem, anda afastando o público das salas de projeção), a iniciativa também mostro cenas de três recentes filmes de super-heróis (Pantera Negra, Batman – O Cavaleiro das Trevas, Mulher Maravilha). Talvez seja um indicativo da aceitação definitiva deste filão para as indicações e prêmios dos próximos anos. No segundo, porém, a surpresa tornou-se negativa. Depois de mostrar cenas de vários longas de guerra produzidos ao longo das décadas, surgiu no telão um “muito obrigado” a todos os combatentes que lutaram pelo país também durante todo este tempo. Foi o lado republicano, armamentista e white trash da Academia se sobrepondo a democratas, pacifistas e não-políticos. Em tempos de Donald Trump na presidência significou uma forma de também puxar o saco da Casa Branca e do governo dos EUA.

Por fim, a divisão dos prêmios neste ano mostrou-se bastante pulverizada. Apenas dois títulos receberam mais do que duas estatuetas. A fantasia “de monstro” A Forma da Água ficou com a principal, batendo seu maior concorrente Três Anúncios Para um Crime. Com um total de treze indicações, acabou levando apenas outras três (diretor, trilha sonora e design de produção, todas já devidamente previstas). Dunkirk, por sua vez, abocanhou três das oito categorias às quais concorria, todas técnicas (montagem, edição de som, mixagem de som). O Destino de Uma Nação (cabelo & maquiagem, ator), Viva: A Vida é uma Festa (animação em longa-metragem, canção original) e Blade Runner 2049 (fotografia, efeitos especiais) ficaram com dois. Outros filmes de destaque na temporada se contentaram com apenas uma estatueta (Corra!, Trama Fantasma, Me Chame Pelo Seu Nome e Eu, Tonya). Já o vencedor na categoria não falada em inglês foi, mais uma vez um sul-americano, Uma Mulher Fantástica, sobre a luta de uma transexual chilena para ser respeitada pelas pessoas que gravitam ao seu redor no dia a dia).

Em tempos de luta contra incorreções sociais de qualquer tipo e a tentativa desenfreada de mostrar um cinema cada mais universalizado (embora a produção ainda se concentre nos todos-poderosos da indústria cinematográfica dos EUA), o Oscar joga suas fichas na seriedade, na fórmula e no mostrar anteriormente suas mais sérias e respeitosas intenções. Quem perde, contudo, é o público que fica três horas sentado no sofá esperando para ver algo que realmente o surpreenda.

 

VEJA OS GANHADORES DE CADA CATEGORIA

Filme

Me Chame Pelo Seu Nome

O Destino de uma Nação

Dunkirk

Corra!

Lady Bird – A Hora de Voar

A Trama Fantasma

The Post: A Guerra Secreta

A Forma da Água

Três Anúncios para um Crime

 

Diretor

Christopher Nolan (Dunkirk)

Jordan Peele (Corra!)

Greta Gerwig (Lady Bird – A Hora de Voar)

Paul Thomas Anderson (A Trama Fantasma)

Guillermo Del Toro (A Forma da Água)

 

Atriz

Sally Hawkins (A Forma da Água)

Frances McDormand (Três Anúncios Para um Crime)

Margot Robbie (Eu, Tonya)

Saoirse Ronan (Lady Bird – A Hora de Voar)

Meryl Streep (The Post: A Guerra Secreta)

 

Ator

Timothée Chalamet (Me Chame Pelo Seu Nome)

Daniel Day-Lewis (A Trama Fantasma)

Daniel Kaluuya (Corra!)

Gary Oldman (O Destino de Uma Nação)

Denzel Washington (Roman J. Isreal, Esq.)

 

Atriz coadjuvante

Mary J Blige (Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi)

Allison Jenney (IEu Tonya)

Lesley Manville (A Trama Fantasma)

Laurie Metcalf (Ladybird – A Hora de Voar)

Octavia Spencer (A Forma da Água)

 

Ator coadjuvante

Willem Dafoe (Projeto Flórida)

Woody Harrelson (Três Anúncios Para um Crime)

Richard Jenkins (A Forma da Água)

Christopher Plummer (Todo Dinheiro do Mundo)

Sam Rockwell (Três Anúncios Para um Crime)

 

Roteiro original

Doentes de Amor

Corra!

Lady Bird – A Hora de Voar

A Forma da Água

Três Anúncios Para um Crime

 

Roteiro adaptado

Me Chame Pelo Seu Nome

O Artista do Desastre

Logan

A Grande Jogada

Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi

 

Filme estrangeiro (em língua não inglesa)

Uma Mulher Fantástica (Chile)

O Insulto (Líbano)

Loveless (Rússia)

Corpo e Alma (Hungria)

The Square – A Arte da Discórdia (Suécia)

 

Animação

O Poderoso Chefinho

The Breadwinner

Viva: A Vida é uma Festa

O Touro Ferdinando

Com Amor, Van Gogh

 

Documentário

Abacus: Small Enough To Jail

Faces Places

Icarus

Os Últimos Homens em Aleppo

Strong Island

 

Curta-metragem

DeKalb Elementary

The Eleven O’Clock

My Nephew Emmett

The Silent Child

Watu Wite/All Of Us

 

Animação em curta-metragem

Dear Basketball

Garden Party

Lou

Negative Space

Revolting Rhymes

 

Documentário em curta-metragem

Edith + Eddie

Heavy Is a Traffic Jam On The Road 405

Heroin(e)

Knife Skills

Traffic Stop

 

Direção de arte

A Bela e a Fera

Blade Runner 2049

O Destino de uma Nação

Dunkirk

A Forma da Água

 

Figurino

A Bela e a Fera

O Destino de uma Nação

A Trama Fantasma

A Forma da Água

Victoria e Abdul – O Confidente da Rainha

 

Maquiagem e cabelo

O Destino de uma Nação

Victoria e Abdul – O Confidente da Rainha

Extraordinário

 

Fotografia

Blade Runner 2049

O Destino de Uma Nação

Dunkirk

Mudbound – Lágrima Sobre o Mississipi

A Forma da Água

 

Montagem

Baby Driver – Em Ritmo de Fuga

Dunkirk

I, Tonya

A Forma da Água

Três Anúncios Para im Crime

 

Efeitos visuais

Blade Runner 2049

Os Guardiões da Galáxia, Vol.2

Kong: A Ilha da Caveira

Star Wars: Os Últimos Jedi

Planeta dos Macacos: A Guerra

 

Edição de som

Baby Driver – Em Ritmo de Fuga

Blade Runner 2049

Dunkirk

A Forma da Água

Star Wars: Os Últimos Jedi

 

Mixagem de som

Baby Driver – Em Ritmo de Fuga

Blade Runner 2049

Dunkirk

A Forma da Água

Star Wars: Os Últimos Jedi

 

Trilha Sonora

Dunkirk

A Trama Fantasma

A Forma da Água

Star Wars: Os Últimos Jedi

Três Anúncios Para um Crime

 

Canção original

“Might River” (Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi)

“Mystery Of Love” (Me Chame Pelo Seu Nome)

“Remember Me” (Viva: A Vida é uma Festa)

“Stand Up For Something” (Marshall)

“This Is Me”( O Rei do Show)