Comics, Movies

Besouro Azul

Com Bruna Marquezine no elenco, DC aposta no primeiro filme de seu herói latino de poderes genéticos vindos de um inseto

Texto por Carolina Genez

Foto: Warner/Divulgação

Após se formar na faculdade, o jovem latino Jaime Reyes volta para casa e encontra sua família em difíceis condições financeiras. Sua vida vira de ponta cabeça, porém, quando entra em contato com escaravelho de origens alienígenas. A história de origem foi contada nos quadrinhos em 2006, sendo ele o terceiro personagem a assumir o manto do Besouro Azul.

Agora o herói ganha os cinemas. Só que ainda é um mistério onde Besouro Azul (Blue Beetle, México/EUA, 2023 – Warner), com direção do portorriquenho Angel Manuel Soto, pode se encaixar no novo universo DC, se ele faz ou não parte dessa nova fase.  Um dos grandes diferenciais (e o grande incentivo da divulgação para nós, brasileiros) é ele trazer o primeiro super-herói latino às grandes telas. Antes passamos por criaturas de outras etnias como a própria Miss Marvel, onde sua cultura se destacava não só na sua vida pessoal, mas também em seu traje de super-heroína. Aqui em Besouro Azul, a cultura é representada pela família, suas dinâmicas e no que ela representa para o protagonista, sendo um dos pontos de destaque do filme, já que é essencial para nos ajudar a criar identificação com aqueles personagens.

Nesse sentido o filme é muito positivo. Ele é o que se propõe a ser para a cultura latina e consegue trazer alguns bons momentos de identificação, principalmente na relação entre o Jaime (Xolo Maridueña) e a irmã Milagro (Belissa Escobedo), uma das melhores personagens. Lógico, Reyes é um personagem latino e traz bastante da cultura mexicana, o que nem sempre pode render uma plena identificação a quem é do Brasil, mas ainda assim tem momentos legais (e, claro, o elenco conta com Bruna Marquezine trazendo um pouco do nosso país). A representação da família de Jayme e Milagro também consegue trazer um teor mais emotivo já que, embora tudo seja muito rápido e conheçamos os parentes bem por cima, a atuação dos atores e química entre eles é bem autêntica. 

O roteiro traz uma história de cunho genético e muito similar à de outros heróis (como o Homem-Aranha): um garoto inteligente e sem grana que, do dia para a noite, ganha poderes inimagináveis garantidos por um inseto. Apesar dos clichês, a fórmula funciona dentro do longa justamente para que se crie uma conexão com Jaime e torçamos por ele. Suas novidades também são bem interessantes já que o escaravelho se conecta a Jaime, tornando-se um só e tendo como principal objetivo protegê-lo. Tudo bem que poderia ser melhor explorada a origem do animal, já que no filme é apenas dito que o tal escaravelho veio do espaço. O traje é estiloso apesar de ter suas fraquezas. E a história rende ótimas cenas de conversa entre o Jaime e o besouro.

Talvez o maior erro do roteiro seja a falta de um vilão mais “pessoal” com o próprio Jaime. Na trama este cargo é ocupado pela Victoria Kord, tia da personagem de Marquezine e a gananciosa e zero empática dona da Kord Industries. Kord  é bem caricata e pouco desenvolvida, sendo basicamente… malvada. Analisando por esse lado, Besouro Azul remete bastante aos filmes do Homem de Ferro, onde temos a Stark Industries, que fabricava armas até que Tony Stark volta para casa após ser sequestrado e decide cessar a produção bélica, um pouco similar à personagem de Marquezine. Além disso, a ideia de Victoria é criar um exército com os poderes do escaravelho, algo meio parecido com o vilão de Homem de Ferro 2. Além da empresária, há seu capanga que, assim como ela, é pouco desenvolvido: tem um passado traumático que só é relembrado em determinado ponto da projeção.

Fora os dois vilões, o restante dos personagens são bem interessantes e cheios de personalidade – em principal Milagro, Jaime, Jenny Kord (a personagem de Bruna Marquezine) e Rudy (o tio de Reyes, interpretado por George Lopez). Os atores também fazem um ótimo trabalho, todos bem dentro da premissa do filme. Bruna é um verdadeiro alívio, tem protagonismo e vai além do interesse amoroso de Jaime. Sua Jenny é forte, inteligente e muito determinada e talvez em futuros filmes acabe ganhando mais destaque.

Os efeitos especiais deixam a desejar em alguns momentos. A ambientação é um dos piores quesitos: não existe grande esforço para fazer aquela cidade parecer real. Nos momentos internos passados na casa dos Reyes a situação melhora, mas quando se vê a cidade com prédios e arranha-céus, a sensação é a de artificialidade.  Sobre as cenas de ação, existem sequências interessantes mas nada muito fora do comum, trazendo muito daquilo que já estamos acostumados em obras do gênero.Besouro Azul tem pontos positivos, porém ele peca ao não explorar a fundo em nenhum dos aspectos mais diretos do protagonista (poderes, representação familiar). Acaba por apostar no seguro, em uma fórmula genérica e já batida de filmes de super-herói. Isso já vimos um monte nas telas.

Music

Milton Nascimento – ao vivo

Bituca se despede dos palcos aos 80 anos de idade em espetáculo que emocionou um Mineirão lotado e outros tantos pelo streaming

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: Globoplay/Reprodução

A aparente fragilidade de Milton Nascimento ao fim de seu último show esconde um detalhe marcante: foi o cantor e compositor carioca/mineiro/universal que escolheu o seu momento de sair dos palcos. Não foi uma fatalidade. Não foi a morte. Claro, alguém mais pragmático dirá – com razão – que Milton já não tem a mesma voz e a mesma força de antes, mas, o fato de sair numa última excursão pelo país – e exterior – com uma ótima banda e um repertório que passa a maior parte de sua carreira a limpo, é, repito, um ato de força e fé. Este concerto no Mineirão lotado é um dos eventos que proporcionam ao espectador comum ver a História acontecendo diante de seus olhos. Não importa se a pessoa esteve lá ou viu a transmissão ao vivo do evento pelo Globoplay. Este 13 de novembro de 2022 foi o dia em que Milton, com 80 anos de idade recém-completados, pisou pela última vez num palco e nada mais pode ser feito ou dito.

Não cabe aqui qualquer crítica à forma vocal de um artista que teve na voz a sua principal marca. Se o registro outrora vigoroso e pungente emocionava a tantos, hoje é a prova de um esforço hercúleo que, se causa estranheza inicial, reveste de emoção inédita uma série de canções que nos acompanham há tempos. Ouvir, por exemplo, “Amor de Índio”, que Milton registrou ao vivo em 1986, em seu álbum A Barca dos Amantes, com a voz atual dá ao conto de amor e vivência uma dimensão além da vida humana, talvez a interpretação mais justa para tal obra. Assim acontece com várias outras canções. “Volver a los 17”, “Morro Velho”, “Tudo que Você Podia Ser”, “Cais”, “Ponta de Areia”, todas passam a ser entoadas por um homem-entidade que parece ter, enfim, testemunhado tudo o que ele mesmo podia ser. E foi.

Milton consegue algo muito sincero e sério na arte de cantar e se apresentar para um público: morrer estando vivo. Sua persona artística faz uma despedida justa, intensa e revestida de sentimento, mas que não tem um traço único de tristeza. É uma saída triunfal, magnânima, generosa, superior. Digna de sua obra.

E, por falar em obra, o show A Última Sessão de Música, em sua última apresentação, trouxe um set list praticamente perfeito. Foi um registro cronológico dos maiores e mais significativos hits da carreira de Milton Nascimento, com espaço para canções pouco lembradas (“Outono”, “Vera Cruz”) mas que fez desfilar colossos como “Maria, Maria”, “Para Lennon e McCartney”, “San Vicente”, “Nos Bailes da Vida”, “Canção da América”. Todos em versões únicas, proporcionadas pelo que Milton é hoje.

Teve espaço para convidados queridos. Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta e Wagner Tiso representaram o núcleo do Clube da Esquina. Samuel Rosa, com quem Milton cantou uma rara versão de “O Trem Azul”, veio como um representante contemporâneo da música de Minas Gerais. Nelson Angelo surgiu para cantar sua canção “Fazenda”. Teve espaço também para um bloco em homenagem à dupla Pena Branca & Xavantinho, marcada pela passagem de “O Cio da Terra” e “Calix Bento”, que formou um belo medley com “Peixinhos do Mar” e “Cuitelinho”.

Para o bis, Milton reservou “Coração de Estudante”, dele e de Wagner Tiso, que voltou ao palco para uma versão piano e voz. Teve ainda “Travessia” e o fecho emocionante com “Encontros e Despedidas”. É digna de nota a presença do vocalista Zé Ibarra ao longo do show, como uma espécie de alívio vocal para os limites de Milton, funcionando de contraponto para as notas altas, que o velho Bituca já não consegue alcançar.

No fim da última sessão de música com Milton Nascimento, o público teve a certeza de ter feito parte de uma celebração rara, delicada, mas forte simultaneamente. É um desses eventos que ainda irão ecoar por muito tempo e que, pleno 2022, nos dão a chance de reencontrar nosso caminho para um Brasil que nos acolhe e com o qual podemos sonhar de olhos abertos.

Obrigado, Bituca.

Set list: “Os Tambores de Minas”, “Ponta de Areia”, “Catavento”, “Canção do Sal”, “Morro Velho”, “Outubro”, “Amor de Índio”, “Vera Cruz”, “Pai Grande”, “Que Bom Amigo”, “Para Lennon e McCartney”, “Um Girassol da Cor de seu Cabelo”, “Cais”, “Tudo que Você Podia Ser”, “San Vicente”, “Clube da Esquina 2”, “Lília”, “Nada Será Como Antes”, “A Última Sessão de Música”, “Fé Cega, Faca Amolada”, “Paula e Bebeto”, “Volver a los 17”, “O Trem Azul”, “Calix Bento”, “Peixinhos do Mar”, “Cuitelinho”, “Canção da América”, “Caçador de Mim”, “Nos Bailes da Vida”, “Tema de Tostão”, “Fazenda”, “Bola de Meia, Bola de Gude” e “Maria, Maria”. Bis: “Coração de Estudante”, “Travessia” e “Encontros e Despedidas”.

Movies, Series, TV

Black Mirror: Bandersnatch

A possibilidade do espectador comandar os rumos da trama é justamente o que enfraquece o longa da cultuada série britânica

blackmirrorbandersnatch

Texto por Abonico R. Smith

Foto: Netflix/Divulgação

Você pagaria ingresso para entrar no Louvre e pintar o famoso e enigmático sorriso de Mona Lisa em um quadrado branco colocado no rosto dela especialmente para conectar você a Leonardo da Vinci? Ou, então, imagine que, ao inscrever a sua música “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores” no Festival Internacional da Canção de 1968, o cantor e compositor Geraldo Vandré apresentasse somente o refrão completo e a melodia das estrofes, deixando para que completassem a letra as pessoas que estavam na plateia daquele superlotado ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro.

São apenas dois exemplos, bem tosos aliás. Mas podem representar muitas reflexões acerca da “grande novidade” que o recém-lançado longa-metragem Black Mirror: Bandersnatch (EUA/Reino Unido, 2018 – Netflix) propõe. Com duração que pode variar até noventa minutos, o filme permite que você seja o roteirista principal da produção e decida os rumos que o protagonista Stefan Butler (Fionn Whitehead, uma das revelações do jovem elenco de Dunkirk) vai tomando no decorrer da história, que mostra o que acontece a ele durante as semanas em que precisa desenvolver um novo jogo, baseado em um livro interativo, para a empresa mais hypada do mundo dos consoles.

A premissa é feita sob encomenda para a massa que embarca na onda do rótulo geek que assola a cultura pop da década. A trama se passa no ano de 1984, em pleno auge dos games 8-bits. A trilha sonora traz pérolas da época como Thompson Twins e Frankie Goes To Hollywood. A nostalgia da década que insiste em nunca terminar impera na ambiência é proposital. Serve como trunfo para pescar os guardiães do manto sagrado das séries e filmes desses tempos de streaming, a grande maioria formada por aqueles que nunca ou muito pouco viveram daquele tempo do qual sentem eternas saudades. E se você pode justamente escolher assistir a todos os capítulos seguidamente, maratonando uma série durante horas, por que não, justamente, interferir naquilo que você está vendo e ter a sensação de ter o controle do jogo nas mãos?

Este é o grande atrativo de Bandersnatch, o primeiro longa-metragem lançado sob a bandeira da série britânica Black Mirror. Projeto encampado pela Netflix – que há duas temporadas é a distribuidora mundial da série – e desenvolvido secretamente durante dois longos anos, o filme oferece cinco finais diferentes e, para se chegar até eles, um trilhão de combinações possíveis para a escolha dos percursos. Uau! Que máximo! O futuro finalmente chegou ao cinema que está ao alcance de suas mãos! A chance de nunca mais ver o mesmo filme repetidamente.

#SQN… Quem realmente achar tudo isso só vai estar assinando o atestado de bobo manipulado por mais uma gigantesca indústria corporativa do ramo do entretenimento. O que a Netflix quer é justamente dar esta falsa impressão de que você se sente conectado à história apresentada e realmente manipula o destino do pobre Stefan, que entra nesta paranoia de não ser mais capaz de controlar suas ações e seu destino para nunca mais sair dela. E mais: chega-se ao ponto de serem feitas piadas que transformam a própria Netflix em um personagem da história ou estarem espalhados easter eggs que remetem a todos os episódios das quatro temporadas anteriores do seriado. “Mas isso é muito Black Mirror!”, muitos certamente pensarão do outro lado – o da realidade – da tela do computador, do celular ou da TV.

Aí perde-se justamente o maior prazer de uma obra de arte. É justamente a passividade do consumidor que permite o encanto, a admiração, a reflexão. Com a existência da interatividade, o autor pode não deixar de ser por completo o autor, mas com certeza o espectador passa a não mais sê-lo para assinar a coautoria. Neste traslado perde-se todo o poder de deixar-se surpreender pela recepção integral do que o autor teria desejado dizer com tudo aquilo.  O seu livre-arbítrio de escolher que caminhos tomar, sejas por quais razões forem,  destroem todo o fascínio provocativo pela narrativa. O cinema deixa de ser cinema e transforma-se numa mera brincadeira de videogame.

Talvez seja mesmo este um caminho irreversível que resulta da cultura de convergência das mídias, tão venerado pelas novas gerações pouquíssimo afeitas a manter as tradições mais velhas. Mas enquanto o mundo não muda de forma tão radical assim é bom não ir se enganando: não é a vida que está virando Black Mirror, mas, sim, é a velha matrix que continua no poder, desta vez  querendo fazer com que, agora, você acredite deter o controle do jogo.