Movies

Homens à Beira de um Ataque de Nervos

Comédia desperdiça um elenco experiente em aventura masculina que banaliza a interação entre os gêneros sexuais

Texto por Taís Zago

Foto: Synapse/Distribuição

Sete homens, com idades entre 18 e 70 anos, estão à beira de um ataque de nervos. Crises criativas, estresse no relacionamento, luto mal trabalhado, transtornos de ansiedade, entre outros problemas cotidianos e tipicamente urbanos levam o grupo a toparem uma experiência de convivência e autoconhecimento na natureza. E lá se vão Hippolyte (Thierry Lhermitte), Antoine (François-Xavier Demaison), Ivan (Pascal Demolon), Eliott (Max Baissette de Malglaive), Romain (Ramzy Bedia), Michel (Laurent Stocker) e Noé (Michaël Grégorio) ao encontro da guru/xamã/terapeuta Omega (Marina Hands) em busca de salvação e/ou solução para todos os seus problemas.

Em Homens à Beira de um Ataque de Nervos (Hommes au Bord de la Crise de Nerfs, França/Bélgica, 2022 – Synapse) estamos diante de uma comédia francesa bem clássica estruturalmente – homens rabugentos e irritados acabam mostrando que possuem corações de ouro quando colocados diante de desafios. Companheirismo, camaradagem, carinho – o pacote completo da ternura fraternal. E, claro, o humor, daquele tipo companheiro, autodepreciativo e “agridoce” que marca bastante as obras europeias feitas para as grandes massas.  

A princípio, a história nos engana – parece enveredar para o lado da critica às formas de terapias alternativas impulsionadas por rituais inspirados em xamanismo, que buscam a conexão com a terra e com o “eu interior” por meio de alucinógenos, enfrentamento de medos e situações limite como forma de provocar catarse pela exaustão do corpo físico. Mas já nos primeiros 30 minutos percebemos que o assunto é, relativamente, levado a sério por todos os envolvidos. E isso, infelizmente, não favorece a obra. Ao deixar de lado o humor ácido, acaba por adocicar demais uma situação pouco verossímil. Os homens envolvidos, contrariando suas naturezas, entregam-se facilmente, sem grandes restrições, a todos os experimentos guiados pela mão, claramente amadora, de Omega. Isso não favorece e nem acrescenta muito, para imagens positivas femininas ou masculinas – apenas banaliza a interação entre os gêneros sexuais, que, apesar dos esforços, se mostra extremamente convencional – os homens buscando o colo materno enquanto a mulher exala maturidade e bondade por todos os seus poros. Evidentemente tudo que os moços precisavam era de um bom “lote para carpir”, uma “louça pra lavar”, uma sauna fervente e um banho gelado de cachoeira, et voilà. A vida volta a ser bela.

Qualitativamente trata-se de um filme bem feito, com uma natureza exuberante em belas locações e personagens pitorescos. As atuações são boas, até porque estamos diante de um elenco experiente e já bastante conhecido pelo público europeu. Contudo, talvez seja exatamente isso que tenha sido um empecilho para realmente nos convencer da autenticidade dessa aventura masculina. Um time de atores mais amadores ou desconhecidos poderia ter sido escolha melhor para o propósito. Ou talvez se tivesse sido optado por um final não tão feliz e idílico. Ou mesmo se tivessem nos poupados da parte onde os homens é que “salvam” a mulher a qual deveria guiá-los pelo caminho da reflexão. 

Em alguns momentos Homens à Beira de um Ataque de Nervos foi demais. Em outros foi de menos. Apesar de dirigido por uma mulher, Audrey Dana (que também assina o roteiro), o longa não consegue fugir de muitos clichês sobre os sexos e suas posturas predeterminadas na sociedade em relação a seus pares. As armadilhas são muitas, e escapar delas nem sempre é fácil. Mesmo assim é um filme divertido e gostoso de se assistir. Só não pode ser levado muito a sério.

Series, TV

Euphoria

Segunda temporada da cultuada série continua a maravilhar com suas transgressões na narrativa e os dramas de coming of age

Texto por Taís Zago

Foto: HBO Max/Divulgação

Nunca faltou, em canais de streaming, filmes ou séries do estilo coming of age, onde as agruras da adolescência são esmiuçadas de todas perspectivas possíveis. Pegando como exemplo o canal com mais assinaturas mundo afora, a Netflix, temos uma enxurrada disso nos últimos cinco anos. Do ponto de vista de pessoas com necessidades especiais temos a adorável Atypical (2017-2021). Para a fixação sexual na puberdade, temos a bagunça de Sex Education (2019-) ou a mais comportada – mas não menos engraçada – Never Have I Ever (2020-). Já com foco no público latino temos a escrachada On My Block (2018-2021), com dramas (quase) reais. Para os que gostam de fantasia ou terror, temos The Chilling Adventures Of Sabrina (2018-2020) ou Riverdale (2017-). Os amantes de quadrinhos sombrios foram agraciados com The End Of The Fxxxing World (2017-2019) e I Am Not Okay With This (2020). Ainda tem todo o escopo das direcionadas aos fãs de sci-fi, sendo a mais famosa Stranger Things (2016 -)

Mas nada, NADA MESMO – e nisso podem ser incluídos os outros canais – se compara à série Euphoria (EUA), da HBO Max. A segunda temporada iniciou em janeiro de 2022, e está em pleno andamento. Ou melhor, em plena ascensão, já que a cada episódio quebra (seus próprios) recordes de visualização. É a queridinha da geração Z, é tema de inúmeras postagens semanais no Tik Tok ou polêmicas no Twitter. Não que isso sirva de incentivo para adultos também assistirem a ela. Eu, por exemplo, descobri a série na sua estréia em 2019, quando HBO Max ainda estava se despedindo do formato HBO GO, portanto bem antes do hype se espalhar por todos cantos do mundo. Eu nem mesmo sabia que a protagonista Zendaya já era bastante conhecida por sua carreira musical e por séries infantojuvenis da Disney.

O que prende em Euphoria é que viramos um pouco o adolescente que é retratado, independente da nossa idade. O drama é tão atual, tão real, tão próximo que todo mundo conhece (ou foi) alguém com alguma das dúvidas e angústias dos personagens. E o tom é sério. Mesmo que adentre por vezes um humor cáustico e absurdo. Não tem mesmo muito o que rir por aqui: é uma seriedade púbere, a certeza que a vida sempre vai acabar no próximo porre, no próximo amor ou no próximo high. Mas, curiosamente, nada soa falso ou montado nessa obra. E vejamos que, em uma série onde a protagonista é viciada em drogas (no caso de Rue pode ser qualquer uma indo do fentanyl à morfina), a presença de um imaginário fantástico, do surreal, do lúdico ou do assustador é uma constante.

Para viajarmos sem tomar as drogas embarcarmos na trip com Rue (Zendaya). Se quisermos experimentar todo o ressentimento, a raiva, o medo e a autodepreciação de quem ainda não consegue se aceitar, Nate (Jacob Elordi) é o cara. Se preferirmos nos aprofundar nos dramas de uma menina trans, brilhante e talentosa, que está descobrindo sua sexualidade e seu lugar no mundo, a pessoa indicada é Jules (Hunter Schafer). Se formos explorar as questões de autoimagem e autoestima, Barbie (Barbie Ferreira) e Cassie (Sydney Sweeney) são praticamente estudos de caso. Se decidirmos mergulhar na vida de alguém que nunca conheceu na vida nada diferente de violência, o personagem é Fezco (Angus Cloud). Se nos identificamos com a durona com coração mole, nos enxergamos em Maddie (Alexa Demie). E se nos sentimos descolados de nossa realidade, veremos em Lexi (Maude Apatow) o espelho. Euphoria nos inunda com situações inesperadas e com histórias belas e comoventes. Não tem um único momento novelesco. Não tem nenhum exagero descabido. Não peca em nenhum detalhe, dos figurinos à música. Aliás, a trilha da série é sensacional e vale muito buscar a playlist oficial no Spotify. 

O criador, Sam Levinson, faz tudo: dirige, escreve e produz, o que torna a série quase um one man show, e colhe muitas criticas dos fãs por se recusar a colaborar com outros artistas, salvo em algumas exceções. Euphoria, assim como In Treatment (HBO Max), também é inspirada em uma série de TV israelense, porém em muito supera a sua modesta matriz. Fica bastante evidente que Levinson é o fruto de uma família afluente e ligada ao audiovisual. Mesmo ainda dando seus primeiros passos no ramo, desfrutou de certos privilégios e liberdades criativas e isso fica bem claro na sua forma transgressora e livre de montar os episódios. Não existe ritmo que não possa ser quebrado, flashbacks ou mininarrativas que não possam ser inseridas nos capítulos, sonhos que não se misturem perigosamente com a realidade ou até uma crueza que, muitas vezes, adentra a crueldade. Sam entrou chutando a porta, e o resultado é, felizmente, maravilhoso.

Music

L7 – ao vivo

Duas aulas de feminismo e resistência, performances juvenis arrebatadoras mais aquela certeza do eterno caráter transgressor do rock alternativo

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Suzi, Jennifer e Donita em Porto Alegre

Texto por Fernando Halal (Porto Alegre) e Abonico R. Smith (Curitiba)

Fotos de Fernando Halal/FHF (Porto Alegre) e Priscila Oliveira/CWB Live (Curitiba)

Um quarto de século após a histórica apresentação no Hollywood Rock, onde ofuscaram até mesmo um tal de Nirvana, as musas do L7 voltaram ao Brasil para uma disputada turnê que percorreu cinco capitais. Mas este é um cenário bem diferente daquele encontrado em 1993. O grunge perdeu vários de seus heróis para as drogas e a depressão. Chris Cornell, Layne Staley, Scott Weiland, todos deixaram uma lacuna difícil de preencher. Kurt Cobain virou mártir absoluto. E o rock, como todos sabemos, jamais teve um movimento de renovação tão forte quanto aquele.

E quanto ao L7 de hoje? Haveria ainda espaço para as notórias excentricidades do quarteto, como jogar absorventes na plateia ou mostrar a bunda para a TV em horário nobre, como na última vez delas por aqui?  Obviamente não. Até porque, no mundo pós-grunge, o politicamente incorreto é uma lembrança remota. Mas não se engane: em Porto Alegre, a noite de 4 de dezembro de 2018 teve peso e sujeira transbordantes. As atrações de abertura do Morrostock Vênus em Fúria seguiram o clima e também se destacaram pela representatividade: teve o dínamo punk Replicantes (da irrequieta vocalista Julia Barth) e, antes deles, Bloody Mary Una Chica Band, o projeto garage noise da multi-instrumentista Marianne Crestai (ex-Pullovers). Em suma, distorção girl power foi o que não faltou.

As cortinas reabriram para a atração principal. No palco, as pioneiras do movimento riot grrrl continuam velozes, lisas, empilhando riff em cima de riff – elas só estão mais sorridentes, e acredite, isso é muito bom. O grupo voltou em 2015 na sua formação mais clássica, após o hiato de quase uma década e meia. Donita Sparks (voz/guitarra), Suzi Gardner (guitarra), Jennifer Finch (voz/baixo) e Dee Plakas (bateria) seguem entregando um show vigoroso e que não evidencia qualquer marca do tempo. O repertório passeia por todas as fases, com destaque para os álbuns Bricks Are Heavy (1992) e Smell The Magic (1990), sempre com uma energia absurda. A chance de testemunhar ao vivo petardos como “Fast And Frightening”, “Pretend We’re Dead” e “Everglade” era o sonho molhado de qualquer jovem espectador da MTV dos anos 1990, e o L7 não decepcionou. Ainda houve espaço para a clássica “Shitlist”, que figurou na trilha sonora de Assassinos por Natureza (1994), além de faixas mais recentes, como “Come Back To Bitch” e “Dispatch From Mar-a-Lago”.

Definitivamente, a idade não chegou para a banda; não é todo dia que se pode testemunhar quatro mulheres na faixa dos 55 anos batendo cabeça, ajoelhando até o chão e fazendo air guitar sem soar datado ou ridículo. Sorte que o L7 nunca foi uma banda qualquer. Muito mais que um show de rock feito para tiazinhas pagarem suas contas, o que se viu foi uma celebração à vida e ao barulho, ao poder feminino, a envelhecer com desprendimento e amor próprio. Não é pouco, mesmo. (FH)

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Donita e Jennifer em Curitiba

O neoliberalismo é uma doutrina opressora, tanto social quanto economicamente. Vamos começar a sentir isso na pele logo a partir da virada do ano. Os britânicos sabem muito bem o que foi o regime mão-de-ferro da primeira ministra Margaret Thatcher entre 1979 e 1990. Já os americanos experimentaram uma versão um pouco menos severa durante os oito anos (1981-1989) em que o republicano Ronald Reagan esteve à frente da Casa Branca.

E o que isso tem a ver com o rock’n’roll? Simplesmente, muito. Afinal, não fosse a apatia geral da juventude do país naquela época talvez não houvesse surgido em torno dos principais centros universitários do país uma geração inconformada que uniu música e atitude e revolucionou o rock daquela época. Esta turma consolidou, com muito punk e hardcore na veia e uma boa dose de um heavy metal mais desacelerado, o que viria a ser chamado posteriormente pela indústria de “alternativo” e mais tarde ficaria conhecido no Brasil sob a alcunha geral de indie.

E quais eram as melhores armas para se enfrentar os tempos bicudos de opressão socioeconômica somada a pessimismo, depressão e desesperança? Um caldeirão de ativismo político repleto de elementos como cinismo, deboche, tosqueira, improvisos, quebra de paradigmas e sobretudo o eterno desafio ao estabilishment. Foi nos porões, muquifos e vans pela estrada afora por todo o país que aquela geração gerou uma série de ícones underground. Uns tornaram-se muito populares, mesmo não sabendo trabalhar direito com os percalços trazidos pela fama, como foi o caso de Nirvana e REM. Outros chegaram a flertar com o sucesso de massa por um curto intervalo de tempo. Vários outros construíram uma carreira consolidada e respeitada e até hoje, ainda na ativa ou não, conquistaram o direito definitivo de morar no coração de uma devotada legião de fãs.

O L7 se equilibra nestas duas últimas categorias. De volta aos palcos e estúdios após um longo hiato que durou de 2001 a 2015, o quarteto prepara aos poucos um novo disco – duas canções já foram apresentadas, “I Came Back To Bitch” e “Dispatch From Mar-a-Lago”, a última um tapa na cara do presidente Donald Trump tal qual faz o Batman no Robin naquele famoso meme. Enquanto isso, Donita Sparks (guitarra e voz), Suzi Gardner (guitarra e voz), Jennifer Finch (baixo e voz) e Dee Plakas (bateria e vocais) continuam espanando a poeira circulando pelos palcos alternativos dos EUA e do mundo. No final de 2018, deram uma circulada por Chile e Brasil, fazendo seis shows em sete dias, no melhor esquema “banda em início de carreira”, apenas trocando a van por aviões em virtude das grandes distâncias do lado de baixo do Equador.

Na noite de 5 de dezembro a banda passou por Curitiba, como headliner da segunda edição do festival Coisarada, realizado no Hermes Bar. E por lá mostraram que continuam com seu teen spirit imutável. O que poderia significar percalço – como gripe, doença e o peso da idade (que hoje varia dos 52 aos 58 anos) – foi tirado de letra durante quase uma hora e meia de show, com muita garra, vontade e alma rock’n’roll. A dupla Sparks-Finch, então, é um caso à parte em sua performance: não faltaram as tradicionais balançadas de cabeça, poses para fotógrafos e tiradas bem-humoradas ao microfone.

O repertório ficou dividido entre os quatro clássicos álbuns lançados entre 1990 e 1997: Smell The Magic, Hungry For Stink, The Beauty Process: Triple Platinum e Bricks Are Heavy, com ligeira tendência preferencial para o último, de onde saíram sete faixas para o set list. A sonoridade, claro, torna-se bem mais crua ao vivo. Sem muitas sutilezas, tal como um monolítico bloco de riff se pequenos solos em bases que trafega entre o punk e o heavy e a adição de melodias pegajosas mais versos curtos, diretos e sem firulas líricas. E, claro, com os tradicionais erros seguidos da parada da banda inteira para começar a mesma música de novo. A beleza da imperfeição.

O começo foi arrasador, com a ousadia de engatilhar quatro clássicos logo de cara (“Deathwish”, “Andres”, “Everglade” e “Monster”). Do meio para o final foi mais um show para fãs de carteirinha, aquelas pessoas que cantam as letras todas, que esperavam ouvir também as duas novidades na noite, que se encatam com o resgate de pérolas “lados B” dos discos. Para o bis foram reservados um cover de heróis delas (neste caso, “American Society”, do obscuro grupo punk de uma early eighties Los Angeles Eddie & The Subtitles) mais o hit “Pretend We’re Dead” (até hoje presente nos playlists de rádios brasileiras de perfil rock) e a cult “Fast And Frightening” (o verso “Got so much clit she don’t need no balls” será sempre um irresistível slogan da banda).

Terminado o show do L7 ficou a feliz sensação de que, mais uma vez, esta mesma geração põe a cara a tapas para mostrar o quão nocivo, transgressor e perigoso o rock ainda pode ser, sobretudo diante de pretensões autoritárias e opressivas de se governar o mundo e controlar a vida das outras pessoas. Sorte que bandas como estas fizeram muitos discípulos por aí. Em Curitiba, as duas atrações de abertura provaram isso: o Shorts, com seu misto de blues, noise e psicodelia; e o ruído/mm, com suas várias ambientações instrumentais que muitos chamam de post-rock. Garanto que, ao sair de um Hermes Bar lotado e plenamente satisfeito com a trinca da noite, ninguém pensou que o rock está morto ou ainda precisa ser salvo. Pelo contrário, aliás. Quem precisa ser salvo são os outros. Pessoas e gêneros musicais. (ARS)

Set list Porto Alegre e Curitiba: “Deathwish”, “Andres”, “Everglade”, “Monster”,  “Scrap”, “Fuel My Fire”. “One More Thing”, “Off The Wagon”, “I Need”, “Slide”, “Crackpot Baby”, “Must Have More”, “Drama”, “I Came Back To Bitch”, “Shove”, “Freak Magnet”, “(Right On) Thru”, “Dispatch From Mar-a-Lago” e “Shitlist”. Bis: “American Society”, “Pretend We’re Dead” e “Fast And Frightening”.