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Gilberto Gil

Oito motivos para não perder o novo show do artista, estrela de vários festivais no Brasil em 2022 e que acaba de voltar de turnê pela Europa

Texto por Abonico Smith

Foto: Fernando Young/Divulgação

Ele tem em Abelardo Barbosa, o Chacrinha, celebridade citada em uma das famosas músicas suas, a clássica “Aquele Abraço”. Contudo, quem está com tudo e não está prosa é o próprio Gilberto Gil, que está com a agenda cheia nesta temporada em que acabou completar 80 anos de idade.

Gil acaba de voltar de uma bem-sucedida turnê pela Europa, onde foi acompanhado por alguns de seus descendentes no palco. Também acaba de estrear em streaming o reality show Em Casa com os Gil, onde é o protagonista ao lado de toda a sua família. Participou de grandes festivais brasileiros (MITA, Coala, Rock in Rio), com shows concorridos de público e bastante incensados pela crítica. Também percorre o país apresentando-se aqui e ali, em grandes e importantes cidades, com sua banda de apoio, formada majoriamente por gente que carrega o talento e o sobrenome Gil em seu DNA.

Por estar bastante incensado que todos os ingressos para a sua passagem por Curitiba (Teatro Positivo, dias 27 e 28 de outubro), depois de cinco anos sem cantar na capital paranaense, estão esgotados. Quem sabe alguma mágica acontece e, se você não comprou a sua entrada, algum bilhete “premiado” aparece disponível voando por aí?

De qualquer maneira, aí vão oito motivos para não perder (pode não ser um destes mas que seja algum próximo) um concerto de Gilbert. Gil bem à sua frente

Tropicália

Ao lado do amigo e conterrâneo Caetano Veloso, Gil bolou todos os conceitos, preceitos e possibilidades sonoras do movimento que abalou as estruturas da música brasileira no biênio 1967-1968, provocou muita polêmica e desde então vem, década após década, vem rendendo frutos e discípulos maravilhosos para nossos ouvidos escutarem e os olhos verem em ação nos palcos da vida. Expandindo toda e qualquer fronteira, sempre observando e absorvendo tudo o que pudesse, adentrando as várias regiões do país ou mesmo pegando coisas boas lá de fora. Se não fosse a ação feita pela Tropicália lá atrás, que sacodiu a poeira da estagnação da bossa nova e projetou um belo futuro, onde vieram a se encaixar nomes como Sérgio Sampaio, Walter Franco, Chico Science & Nação Zumbi, Paralamas do Sucesso, Los Hermanos, Ana Cañas, Francisco El Hombre, Charme Chulo e Johnny Hooker, por exemplo.

Família no palco

Com 80 anos de idade completados em 26 de junho e dono uma carreira musical ímpar, Gil agora desfila nos palcos toda a sua generosidade em ceder espaço para seus descendentes (filha/os, neta/os, nora) como integrantes de sua banda de apoio. Aliás, quase todo mundo que o acompanha carrega no DNA traços da família Gil – o que faz pensar o quanto os tentáculos deste sobrenome poderoso de três letrinhas se alastraram pelo Rio de Janeiro e que, de uma ou outra maneira, cada profissional da música que esteja radicado na Cidade Maravilhosa está de uma ou outra maneira, até no máximo seis graus de separação (quando muito isso, olha lá!) de Gilberto Passos Gil Moreira. O mais recente membro do clube com o branding Gil é a neta Flor, de apenas 13 anos, com quem chegou a dividir recentemente os vocais principais, no Rock In Rio, em uma versão bilíngue de “Garota de Ipanema”. 

Reality show

Por falar em família, se você tem acesso ao streaming da Amazon Prime não deixe de assistir Em Casa com os Gilreality show criado pela Conspiração Filmes para documentar – da criação à realização de uma turnê de quinze datas feita meses atrás por alguns países europeus, passando por várias reuniões com a participação de todos os membros do clã, que, de uma ou outra maneira, aparecem em cena passando pelo sítio do artista em Araras, onde ele se isolou durante a pandemia da covid-19. Tem até a bisneta Sol de Maria. É interessante ver toda a dinâmica familiar regida por Gil e a esposa Flora, que coordena não só a carreira do artista como também organiza e rege tudo o que envolve os encontros familiares.

Repertório clássico

Não faz muito tempo que Gil deu uma declaração tão polêmica quanto provocativa: ela passara a gravar pouco ou quase nada porque, de uma forma ou de outra, todas as músicas já haviam sido compostas e registradas. Claro que isso é uma hipérbole, mas não deixa de ser algo que faz pensar. Afinal, quanto mais oferta há de obras e artistas neste oceano que é a internet com suas plataformas de comunicação e divulgação, menos chance de se ter tanto um lugar verdadeiramente ao sol como ainda alcançar uma popularidade que tenha a mesma eficácia ou impacto de outrora. Portanto, nada mais natural também que o repertório da atual turnê de Gil seja um belo passeio por clássicos de várias fases de sua extensa trajetória. Afinal, se Gil conseguiu enfileirar hit atrás de hit nos tempos em que as rádios ainda tocavam a boa música brasileira do presente ou pelo menos algumas belezas não muito conhecidas pela massa, tudo o que menos se precisa enfiar em um show seria um punhado de faixas recentes que quase ninguém conhece ou já ouviu, só pela obrigação de se divulgar um disco novo e a justificativa de fazer (mais) uma turnê.

Laços com o reggae

Um dos destaques do repertório clássico de Gil é a sua forte conexão com o reggae. No disco Realce, de 1979, ele verteu português o clássico “No Woman No Cry”, de Bob Marley (Gil tinha acabado de assinar com a recém-inaugurada filial Warner, que era dirigida pelo seu ex-diretor na Phillips, o já falecido André Midani; Bob Marley era um dos grandes nomes do selo Island, representado em nosso país pela Warner, que inclusive chegou a trazer o artista jamaicano para cá). Vinte anos atrás ele chegou a gravar um álbum (Kaya N’Gan Daya) dedicado só ao gênero, com um monte de releitura de Marley inclusive. E em uma ou outra música tocada ao vivo sua o arranjo traz traços de reggae.

Fase pop

Depois de assinar com a  Warner, Gil também passou a desenvolver uma fase tão pop quanto polêmica. Sem deixar de lado a música brasileira, empunhou a guitarra e soube misturar o popular com o pop. Muitos críticos passaram a torcer o nariz para o Gil dos anos 1980, mas não há dúvida de que dali saiu muita coisa boa que ainda levou o artista a ganhar um público mais abrangente que o das rádios FM voltadas à elite cultural. São desta época pérolas dançantes (como “Palco”, “Toda Menina Baiana”, “Realce”, “A Gente Precisa Ver o Luar”, “Andar Com Fé”, “Vamos Fugir”, “Extra”, “Punk da Periferia”, “Extra II”, “Pessoa Nefasta”, “Nos Barracos da Cidade” e “Não Chores Mais”) e baladas de arrepiar (como “Drão”, “Tempo Rei”, “Super-Homem, a Canção” e “Se Eu Quiser Falar Com Deus”.) Ainda tem obras compostas por ele e gravadoras originalmente por outros artistas na época ( “A Paz”, “Um Trem Pras Estrelas”, “A Novidade”). Muitas destas citadas aí são presença constante no repertório dos concertos mais recentes.

Ex-ministro da cultura

Entre 2003 e 2008, nos dois mandatos presidenciais de Lula, Gil esteve à frente do Ministério da Cultura, rebaixado à condição de secretaria durante o (des)governo de Jair Bolsonaro. Esta não fora a primeira incursão do cantor e compositor na política. Em 1988, então filiado ao PMDB, elegeu-se vereador em sua cidade natal, Salvador. Em Brasília, porém, driblou desconfiança de colegas do meio artístico como os atores Marco Nanini e Paulo Autran, para realizar um bom trabalho na Esplanada dos Ministérios. Afastado dos palcos pero no mucho (como ministro, em seu primeiro ano de atuação, botou as Nações Unidas para dançar durante o Show da Paz na Assembleia Geral da ONU), implementou uma série de políticas públicas voltadas à difusão cultural, em um tempo onde o governo federal ainda se preocupava, de fato, com o desenvolvimento e o avanço da arte. Em tempos onde a cultura brasileira anda tão combalida e arrasada, nada melhor do que uma nova mudança de governo e um novo ministro como fora Gilberto Gil para reerguer toda essa riqueza de volta.

Imortal da ABL

Em novembro de 2021, Gil foi eleito para uma vaga na Academia Brasileira de Letras, por meio de 21 votos, para ocupar a cadeira de número 20. Sua inclusão no quadro de imortais da ABL se deu uma semana depois da de Fernanda Montenegro. Uma mostra não apenas de que a instituição (que em julho último celebrou 125 anos de existência) mostra estar se abrindo para textos não formais da literatura tupiniquim como também mais uma faceta pública de Gilberto Gil que vai além dos palcos, instrumentos e microfones. E ele merece, também. Primeiro porque nas últimas décadas revelou-se um dos mais hábeis autores musicais de nosso país. E também porque já demonstrava uma certa queda para o fardão já na capa de seu álbum de estreia, de 1968, quando posou, com olhar matreiro, para as lentes do fotógrafo David Drew Zingg como um dos personagens daquele projeto gráfico. Portanto, mais de meio século antes e ainda no auge da Tropicália, Gil – cuja posse na instituição ocorreu em 8 de abril de 2022 – já revelava sua paixão para as letras e antecipava aquilo que ocorreria às vésperas de chegar à oitava década na idade.

Music

Charme Chulo

Quarteto encerra hiato de sete anos sem lançar disco e propõe uma guinada sonora rumo ao pop com as dez faixas de O Negócio é o Seguinte

Texto escrito e organizado por Antonio Carlos Florenzano

Foto: Isabella Mariana/Divulgação

O negócio é o seguinte: acabou hoje a longa espera de sete anos por um novo disco do Charme Chulo. Nesta terça-feira, dia 14 de setembro (na verdade, o dia habitual de lançamentos fonográficos é sempre uma sexta-feira, mas reza a lenda que a banda não quis ficar vinculada ao 17 e à sua maldição recente na História do Brasil!) chegam às plataformas as dez faixas que compõem o quarto álbum da banda curitibana curiosamente batizado… O Negócio é o Seguinte. O novo trabalho indica uma grande guinada rumo ao pop, ao contrário do anterior, o duplo Crucificados Pelo Sistema Bruto (2014), no qual o apontamento para uma sonoridade bem difusa e multifacetada como uma espécie de grito primal para exorcizar todos os perrengues e dificuldades que quase puseram um ponto final na trajetória do quarteto nos anos anteriores.

Em O Negócio é o Seguinte (independente), a linha condutora suaviza tudo – sem descaracterizar, porém, a precisa fusão entre o pós-punk e o rock caipira que norteia a banda desde a sua fundação, em 2003 – e injeta um esmero maior na hora de burilar os arranjos vocais, as bases instrumentais e as linhas melódicas. Também pode ser vista como um resultado da maior maturidade autoral da dupla de compositores – os fundadores, primos e vocalistas Igor Filus e Leandro Delmonico (também responsável pelas guitarras, violões e violas) – durante todo este hiato. Neste longo período, vale ressaltar, Igor, Leandro, o baixista Hudson Antunes e o baterista Douglas Vicente passaram a se dedicar também a outras atividades extramusicais (mesmo porque sobreviver apenas de rock no mercado musical brasileiro é uma tarefa hercúlea e quase impossível), viu os filhos nascerem e crescerem, aproveitaram o tempo para restartar a banda.

Afinal, em quase vinte anos de trajetória muita coisa mudou. Não apenas os integrantes, as suas vidas, mas também o mercado musical. Daqueles garotos que, como muitos outros, amavam o Morrissey e o Trio Parada Dura (mas não necessariamente ao mesmo tempo) e no fim da adolescência resolveram montar uma banda, muita coisa se transformou e hoje, na casa dos quarenta anos (ou próximo dela), eles fazem uma revisão do passado sem deixar de continuar olhando e seguindo em frente. Os mesmos, porém diferentes. E a principal diferença é que desta vez quem assumiu a frente nas composições assinadas pela dupla foi Delmonico, que compôs a maior parte das letras, melodias e bases harmônicas. Igor, agora, ficou mais restrito à condição de “intérprete”, embora todas as decisões sobre a finalização de versos, tons e arranjos sejam tomadas em dupla. Leandro, mais próximo do pop e estudioso autodidata da estrutura de canções populares, é o comandante desta transição e chega, pela primeira vez, a assumir os vocais principais em uma faixa.

É exatamente destas mudanças que trata O Negócio é o Seguinte. Dez músicas novas que mantém o pezinho ali no pós-punk e a alma encharcada na caipirice mas arem o leque da diversidade sonora apontando para novos caminhos que, ao contrário da louca e desvairada profusão do disco anterior, aqui há uma espinha dorsal mais pop, formada por uma abençoada conjunção de melodias grudentas e maior aproximação com a música popular brasileira, indo do tecnobrega paraense à carioquíssima bossa nova. Já nas letras, a ironia rock’n’roll permanece bastante equilibrada naquele blend bem charme chulo com a veia sacana a la Dalton Trevisan. Os alvos da vez agora são a alta sociedade curitibana, o gabinete bolsominion do ódio, a depressão espalhada pelo mundo, a vaidade das redes sociais, o começo da banda que nunca mais voltará.

A pedido do Mondo Bacana, Leandro e Igor dissecam todas as novas músicas abaixo e ainda comentam detalhes e curiosidades sobre as gravações e os conceitos por trás do título e da capa do novo álbum, que pode ser escutado logo abaixo.

FAIXA A FAIXA

NOME DO DISCO

Leandro: “O batismo segue algo muito recorrente na banda: criamos os títulos antes das músicas e dos álbuns. Foi assim com Nova Onda Caipira (2009) e Crucificados Pelo Sistema Bruto (2014). “O negócio é o seguinte” era uma expressão muito utilizada pelo meu pai. Eu a achava engraçada e pretensiosa. Como o disco é bem pop, fizemos um trocadilho com a coisa do business, o negócio. Algo do tipo “está aí o disco pra você ouvir”. Mas pode ser também uma falsa expectativa , já que o ‘negócio’ nem pode ser grande coisa (risos)… São expressões brasileiras que adoramos, né?”

A CAPA

Leandro: “A ideia partiu do Carlos Bauer, designer do disco e de uma das camisetas da campanha de crowdfundingfeita para ele. É uma miniatura de um bar. Tem poucos centímetros. Essas miniaturas são utilizadas em ferrorama, são coisa de colecionador.”

BASTIDORES DA GRAVAÇÃO 

Leandro: “A pré-produção e as gravações ocorreram entre dezembro de 2020 e março de 2021 no estúdio Arnica, em Curitiba. A escolha partiu do produtor, Rodrigo Lemos (que já tocou em bandas curitibanas como Poléxia, Lemoskine e A Banda Mais Bonita da Cidade), que já trabalha há um certo tempo com o estúdio. Ele já havia contribuído com parte da produção de Crucificados Pelo Sistema Bruto (2014), mas em O Negócio é o Seguinte ele assina sozinho a produção do álbum inteiro, tendo uma participação fundamental na evolução da sonoridade. A maioria das músicas teve pouco tempo de amadurecimento, pois foram compostas poucos meses antes de entrarmos em estúdio. Portanto, tivemos que ajustar várias coisas com o Lemos.”

NEM A SAUDADE

Leandro: “Esta sempre esteve entre as mais cotadas para o posto de single de disco. Foi a música que mais chamou a atenção do Lemos no início do processo. Ele cortou a introdução (que virou o solo de saxofone) e deu mais urgência para a canção. Nos incomodava o fato dela ser muito curta e objetiva, mas com o tempo nos conformamos com isso. O refrão é realmente o grande recado dela.”

Igor: “Como evolução musical, considero a melhor composição feita pela banda. Sertanejo clássico com indie rock, nada mais Charme Chulo. Muitas histórias, muita saudade, dos amigos e amigas que fizemos na longa estrada da banda, já com quase 20 anos.”

Leandro: “Uma das nossas buscas foi equilibrar o clima saudoso daquele sertanejo clássico presente em canções singelas como ‘A Majestade, o Sabiá’ ou ‘Tocando em Frente’ com uma base roqueira. É quase, parafraseando o D2, a nossa ‘à procura do rock sertanejo perfeito’ (risos). A letra, enxuta e objetiva, versa sobre voltar ao passado e não se identificar mais com aquilo.”

TUDO QUÍMICA

Leandro: “Única composição majoritária do Igor no disco. Não passou por muitas mudanças durante o processo de pré-produção, mas ganhou em sofisticação com os arranjos do Lemos. Uma das canções que mais cresceram em estúdio. O final ficou bem grandioso com a repetição do verso “não, não me leve a mal…”

Igor: “Leandro, mentor do álbum, deu a pinta com a melodia e letra da introdução e eu uni ao um velho riff, da melodia do refrão. Bingo! A letra foi a única coisa que praticamente teve minha iniciativa no disco (fui muito mais um interprete do que letrista desta vez!) e novamente inspirada em uma conversa com o amigo Leonardo Scholz (vocalista do grupo Leis do Avesso) sobre como as pessoas hoje em dia só são tristes se querem, dada a quantidade de remédios, tratamentos, terapias e diagnósticos que existem. Então todas as músicas são felizes, coloridas, agradáveis. Essa coisa de dark, de romantismo, do desajuste, é absolutamente ultrapassado e ingênuo.”

Leandro: “A grande composição do Igor no disco, o que explica a pegada pós-punk, tão presente no começo da banda. Certamente estará entre as músicas de trabalho, principalmente por agradar aos fãs mais antigos.  Destaco o trabalho do Rodrigo Lemos na produção, que soube potencializar todo esse sentimento. Um belo dia cheguei pro Igor e mostrei à introdução que eu tinha bolado… ‘Não, não me leve a mal, só vem sem pressão’… Ele pegou aquilo e transformou nesse pequeno monstro!”

FEIO FAVORITO

Leandro: “Quem ouve essa faixa não imagina o trabalho que tivemos para arredondá-la. Quase utilizamos três tempos diferentes no registro, mas conseguimos encontrar um equilibro no final. Passou por mudança de tom na voz e ganhou alguns reforços percussivos também. Gostamos muito da letra e da proposta da música e sempre a consideramos um dos carros chefes do disco. No entanto, achei-a um tanto quanto ousada para ser música de trabalho.”

Igor: “Imagem forte, humor ácido, musicalidade perigosa, referências ousadas, brincando sem medo na linha tênue do gosto duvidoso. E tudo isso é apenas Charme Chulo. Estamos em casa: entre e sinta-se à vontade!”

Leandro: “A música mais complexa do disco, que deu mais trabalho, certamente. Buscamos misturar nossa caipirice ao pop e ao ragga. O riff de guitarra busca imitar um acordeon e foi o primeiro instrumental que compus para o disco. No entanto, sua origem era mais country rock. Com a temática da letra – um pequeno manifesto sobre os dilemas de quem sofre com o massacre vaidoso das redes sociais – buscamos um ar mais dançante e divertido.”

VOCÊ NUNCA IRÁ DANÇAR COMIGO

Leandro: “Do jeito que veio ficou. Precisamos ajustar o tom para adequar o jogo de vozes mas ela sempre foi bastante objetiva, lembrando coisas do Sistema Bruto. O grande charme foi a adição da sanfona, que deu um balanço todo especial pro som.”

Igor: “Mais uma letra esplêndida do parceiro Delmonico, também entre as melhores já feitas, de tirar o fôlego. Cavalo chucro em grande estilo! Entra fritando o pinhão! Explosão de refrão! Cozinha de Douglas e Hudson estonteante. Bem brasileira, bem atual para o nosso som, saboreando até um forrozão, mas sertanejo até a medula. E sabe o que é engraçado? O sanfoneiro do rolê, Diego Kovalski, vem gravar com a gente e ainda diz: ‘como vocês conseguem fazer esse sertanejo durão, dá pra ver que vocês são do rock. Obaaaaa!!! Deu tudo certo!”

Leandro: “Foi a primeira música deste álbum. Hoje percebemos que ela tem um pouco do clima ácido do nosso último disco Crucificados Pelo Sistema Bruto. Trata, com bastante ironia, do exibicionismo das redes sociais. Por se tratar de um modão dançante, achei que uma história de amor não correspondido poderia cair bem.”

RABO DE FOGUETE

Leandro: “Sempre botei muita fé nela como música de trabalho. Nesse ponto, Lemos foi fundamental. Ele conseguiu adicionar elementos do tecnobrega à faixa, fazendo com que ela ganhasse aquela pegada típica do Pará. O take do Igor de voz foi muito emocionante, daquelas músicas que a gente grava quase que de primeira. As guitarras funcionaram e chegue a cogitar um feat com algum cantor do Pará, mas achamos melhor esperar…”

Igor: “Na verdade eu sou o ‘amigo’ da letra, mas a emoção na hora de cantar é toda minha: “É cada bucha, rapaz!” A vida dá umas viradas, às vezes no meio do processo. A arte é o dia a dia e é pura profecia. Certeira desde o dia em que a ouvi pela primeira vez, no dia em que faleceu Moraes Moreira.”

Leandro: “Esta faixa acabou se tornando um símbolo da nossa evolução musical. Ela flerta bastante com o novo pop produzido no Brasil. O Charme Chulo sempre se apropriou da brasilidade pela música caipira, no entanto, resolvemos flertar um pouco com o clima dançante do norte e nordeste do país, fomos beber na pegada de artistas como Jaloo e Duda Beat. A letra, bastante influenciada pelo mestre Dalton Trevisan, acabou combinado bastante com o instrumental.”

QUANDO NÃO DEPENDE DA GENTE

Leandro: “Se depender da audição dos fãs apoiadores, que tiveram acesso antecipado ao disco, esta é a maior surpresa do álbum. Uma faixa lenta e existencial para dividir o disco ao meio, que acabou ganhando em sofisticação nos arranjos. Várias pessoas a destacaram na primeira audição. Ficou bem tocante mesmo.”

Igor:  “Respiro do disco, sem ser menor. Ponto alto é a mixagem de vozes inusitada para o padrão do Charme Chulo, onde as duas vozes, estão no mesmo volume, cantadas em uníssono, vislumbrando novos caminhos. Ao melhor estilo do produtor do disco, parceiro de profunda sensibilidade, conhecimento e admiração pela banda e profissionalismo, Rodrigo Lemos.”

Leandro: “Compor pensando no conceito do disco é algo imprescindível pra gente. Precisávamos de uma balada para dividir o lado A e o lado B do álbum. Esta música surpreendeu bastante, pois conseguimos levar a viola caipira para um lado bem sofisticado. Nos influenciamos por Kings of Convenience. Acho que é a primeira vez que o Charme Chulo chega perto de um clima mais bossa nova.”

BALANÇO QUALQUER

Leandro: “Surgiu de um riff teimoso que fiz há um bom tempo e se tornou um dos singles do disco.  Colocamos toda a influência do lado pop nela. Foster The People, Blur e um toque caipira na letra. No estúdio, o grande trabalho foi ajustar o groove da faixa. Lemos abusou dos efeitos eletrônicos.

Igor: “A vitória dos sabores e efeitos eletrônicos precisos do disco, com formato de canção rock sessentista, deixando o pop mais puro falar alto. Possivelmente a quarta música de trabalho.”

Leandro: “Uma das minhas letras favoritas. A canção fala sobre os dilemas da vida adulta, sobre aceitar que não dá mais pra exagerar nas coisas. O verso ‘Nego dinheiro e advogado para ser feliz’ diz muito sobre o clima da classe média alta curitibana, onde tudo se resolve com um bom advogado (risos). O riff é bastante influenciado por bandas como Phoenix e Two Door Cinema Club.  Acho que uma das minhas maiores influencias no Charme Chulo é o lado dançante. Meus instrumentais acabam puxando bastante pra isso.”

EU NÃO SEI AMAR

Leandro: “Quase morri para gravar esta viola! Foi a primeira canção que gravei no estúdio. Gosto muito do instrumental (riff e solo). É uma música que acaba surpreendendo a galera também, por ser grudenta e caipira. Minha grande intenção é usá-la para dar um dinamismo ao vivo: o famoso momento em que o vocalista sai do palco.”

Igor: “A viola volta com tudo, na primeira vez em que Delmonico aparece em vocal principal franco e desafetado, abrindo o peito na malemolência gauderio-caipiro-paraguaio da música, de letra quase pueril. Agrega de maneira emocionante, trazendo um outro colorido de vozes para o repertório e ordem do álbum.”

Leandro: “Outra música que surgiu a partir de um conceito. Eu andava com vontade de compor uma música que privilegiasse o instrumental, podendo utilizar ela nos shows para dar um ‘descanso’ pro Igor. No entanto, a canção acabou ganhando uma letra singela e um refrão que não sai da camisa. Tenho muito orgulho do instrumental de viola e continuo achando que será uma ótima música para tocar nos shows. A solução foi assumir os vocais. Outro marco, pois é a primeira faixa que canto inteira no Charme Chulo.”

PERDIDOS NA BAGACEIRA

Leandro: “O grande sentido desta música é a letra. Quanto ao instrumental, destaco a utilização de um banjo no solo e o fato da gente dividir o vocal novamente, como em outras faixas. Eu alterei a ordem dela no disco. Ela entraria um pouco antes, mas achei que ajuda no desfecho, com um recado político e tal.”

Igor: “Outra letra primorosa de Leandro, escancarando com categoria a situação esbagaçada do Estado que não é nação, maturidade no falso lado B do curto álbum, com uma musicalidade mais clássica, a agradar os fãs mais antigos.”

Leandro: “Precisávamos falar sobre o momento político do Brasil, mesmo que isso não combinasse tanto com o clima do disco. Nesse ponto acabei sendo mais passional. Aliás, cheguei a brigar com a família. Como nossa base musical veio do punk rock também, impossível não meter a boca nesse clima de ódio.  Obviamente fazemos isso de um jeito Charme Chulo. O que sinto hoje é que realmente estamos perdidos numa bagaceira e que iremos demorar pra recuperar um clima maduro no Brasil.”

MAIS ALÉM

Leandro: “Acho que conseguimos bolar uma versão razoável de disco pra ela. É complicado competir com a gravação original e os vocais do Tuyo. Precisávamos de um arranjo novo, que combinasse com a banda. Eu e Lemos ficamos algumas horas no estúdio criando uma pegada de baixo e bateria, que remete a Arcade Fire e Beach Boys. Ela acabou conversando bastante com outras faixas mais dançantes e eletrônicas do disco. Fecha bem.”

Igor: “Perfeita como fechamento, a nova versão foi bolada dentro da esteira da produção do álbum, para tentar aproveitar essa importante canção da banda, a fim de que pudesse ser tocada ao vivo, na quase impossível tarefa de resguardar a versão single de 2018, com participação especial do Tuyo.”

Leandro: “A dúvida sobre regravar ou não esta música durou até o início das gravações. A versão com o Tuyo, gravada ao vivo em 2018, é muito marcante. Mas não tem como competir com o poderio vocal das meninas, ainda mais ao vivo. Nossa ideia foi trazer a música para um universo mais indie. Criei o arranjo novo com o Rodrigo Lemos no estúdio. As pessoas que já puderam ouvir gostaram bastante do resultado final. Acho que ela não poderia ficar de fora e fecha muito bem o disco.”

Movies, Music

Nico, 1988

Cinebiografia italiana faz um retrato nada romantizado da maior das musas punk em seus dois últimos anos de vida

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Texto por Igor Filus (Charme Chulo)

Foto de Supo Mungam/Divulgação

Senti antes de tudo um grande frisson ao saber de Nico, 1988 (Itália/Bélgica, 2017 – Supo Mungam). Um título como este. Roteiro e direção de uma mulher (ponto de vista feminino) italiana (Susanna Nicchiarelli). Uma biografia musical. O propósito de retratar a tão cultuada Nico, em seus dois últimos anos de vida – e não em seu auge, no Velvet Underground, com Andy Warhol, Lou Reed e companhia. Eu já estava arrebatado logo de cara.

Seres humanos assim possuem, em seus anos de vida menos conhecidos, as histórias mais interessantes, sempre. Algo que nos aproxima. Dessa forma, a película acerta em cheio em seu retrato nada romantizado da nossa “heroína”. Uma deusa que parece mais uma tia sua qualquer, à beira dos 50 anos, se picando com seringas na perna e fazendo turnês baratas em um carro com cinco pessoas, como o Charme Chulo ou qualquer outra banda faz (aliás, familiaridades de cenários, experiências e meio roqueiro sempre assustadoras a este que vos escreve!).

Não é fácil entender o que pode se tornar uma criança sensível, que é a própria personificação da derrota de uma Alemanha nazista, sentindo toda a tragédia que soluções extremistas de um governo de direita podem causar em uma pessoa, quando descobrimos que Nico (batizada Christa Päffgen) buscava aquele som dos escombros de Berlim que sentira na infância, com um imenso gravador que andava consigo para cima e para baixo. Trata-se de algo muito, muito além da música.

A sala vazia da deliciosa poltrona reclinável do cinema onde assisto ao filme é o reflexo direto do próprio desprezo da nossa estrela pela palavra “comercial”. Desprezo que sempre sustentou (“I wanna be me”), como bem ela expõe para entrevistadores de rádios despreparados, que mal a conheciam na época. Durante a biografia, o mau humor, o niilismo e o cheiro de cigarro exalam de Nico, que é capaz, seja como for, de fazer vários à sua volta se apaixonarem involuntariamente ou lhe concederem todas as permissões e perdões que um mito vivo mereceria.

É verdade também que quando o aviso, ao final do filme, diz que o mesmo se baseou em fatos contados por pessoas que viveram as experiências e que existem licenças poéticas na criação de alguns fatos não verídicos, ao meu ver, tira um pouquinho seu mérito realista. Porém não a emoção e a beleza de ser este, antes de qualquer coisa, um bom filme de uma fase específica de um artista específico. Então é bom que se diga mais uma vez.

Nico, a passageira, a caminho das luzes essa noite, dentro desse carro, em plenos anos 1980, mito cult do gótico, fazendo turnê no underground ao lado do filho não reconhecido pelo pai, tentando tê-lo de volta. Filho este em crise existencial de cortar os pulsos, ao som de “Big In Japan” no rádio, vendo do vidro do passageiro o Dia dos Mortos celebrado na Checoslováquia. Ela só pode ser mesmo uma superestrela e mãe de todas as musas punk. Existe romantismo maior do que este?