Music

Scott Walker (1943 – 2019)

Quem foi o cara que misturou tristeza e posicionamento político em suas canções e foi influência suprema de David Bowie e o britpop

scottwalker

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: Reprodução

Certas notícias a gente torce para nunca escrever. A morte de Scott Walker, ocorrida no último dia 25 de março, por exemplo, é uma delas. Certamente quase um desconhecido por aqui, Scott era um desses artistas que expandiu as fronteiras da música popular no século 20. Em alguns momentos, sua carreira esteve em pé de igualdade com Beatles e Rolling Stones em termos de influência e até mesmo popularidade. Sua obra foi responsável por influenciar centenas de outras bandas e cantores e seu estilo de cantar e compor transformou para sempre o rock. Entre seus herdeiros musicais estão David Bowie, Jarvis Cocker, Marc Almond, Richard Hawley, Suede, Radiohead, Blur, Last Shadow Puppets e todo vocalista ou banda pop que resolveu subir num palco cantando as agruras da vida.

Sim, porque Scott se tornou notório a partir de uma combinação improvável de vocais operísticos/barítonos com capacidade de evocar referências literárias/artísticas que lhe permitiam cantar sobre a questão política da Primavera de Praga em pleno 1968, fazer referências a filmes cult como O Sétimo Selo, do diretor sueco Ingmar Bergman – muito antes desta ideia atual de cultsequer existir – e, ao mesmo tempo, forjar um padrão de pop orquestral e belo, versando sobre amor não correspondido, arrependimento, tristeza, solidão. Além disso, suas canções abriam espaço para suicidas, ressentidos, drogados, vagabundos noturnos. Scott Walker tinha a capacidade de colocar pra baixo o mais esfuziante ser e escrevo isso sem tom pejorativo.

Scott era americano, nascido Noel Scott Engel em 9 de janeiro de 1943. Saiu da improvável cidadezinha de Hamilton, Ohio, para fazer fama na Inglaterra, em meados dos anos 1960. Formou com John Maus e Gary Leeds o Walker Brothers. Claro, não eram irmãos, muito menos se chamavam Walker. Fizeram sucesso arrebatador na Inglaterra, especialmente com versões de clássicos como “Make It Easy On Yourself” e “The Sun Ain’t Gonna Shine Anymore”, canções belíssimas e tristíssimas. Seu registro vocal característico misturava influências operísticas e mesmo do teatro japonês – algo impensável para a época. Tal fato virou a cabeça de um iniciante David Jones, que se chamaria David Bowie em seguida, que deve sua marca vocal registra a Scott.

Com o fim dos Walker Brothers em 1968, Scott impôs-se como artista solo. Ele já vinha lançando sua série de álbuns homônimos/numerados, que culminou com Scott 4, em 1969. Deste período vêm pérolas próprias e de outros compositores, como “Montague Terrace (In Blue)”, “Jackie”, “The Girls From The Streets”, “Windows Of The World”, “It’s Raining Today”, “Copenhagen”, “The Seventh Seal” e até a inacreditável “Old Man’s Back Again (Dedicated To The Neo Stalinist Regime)”, que, como o título diz, fala sobre a política da URSS em relação ao mundo em 1969. A preferida pessoal deste que vos escreve, no entanto, é a lindíssima e cortante: “The Lights Of Cincinatti”, com os versos:

“And I can see them shining
Through the willows and the pines,
The lights of Cincinatti
Oh, so many miles behind,
I could build myself a new life
And make it on my own,
But the lights of Cincinnati
Will keep calling me back home.”

Escrever e gravar sobre estes temas, buscando expandir fronteiras musicais não são traços de um popstar, certo? Scott tornou-se um artista recluso, quase uma lenda. Seus álbuns posteriores à quadrilogia Scott são menos inspirados, ainda que tragam momentos impressionantes. Os anos 1970, no entanto, foi mais das crias estéticas de Scott do que dele mesmo. O grande acontecimento para ele foi o retorno dos Walker Brothers originais em 1978, a bordo do disco Nite Flights, que apenas marcou a reunião do trio inicial, enquanto o mundo estava ouvindo disco music e punk rock.

Scott ressurgiria por algumas vezes lançando discos. Em 1984, com Climate Of Hunter e, onze anos depois, com Tilt, trabalhos que já podem ser entendidos sob o ponto de vista “alternativo”, algo que Walker fez na maioria das vezes que lançou álbuns. Mais recentemente, viriam The Drift, em 2006; Bish Bosch, em 2012; e Soused, colaboração com o grupo americano Sunn O))), lançado em 2014. Walker permanecia oculto, nas sombras, local onde sempre pareceu sentir-se mais adequado e confortável. Seu último trabalho foi a trilha sonora do filme Vox Lux, estrelado por Natalie Portman, em cartaz no Brasil.

Não há mais espaço na música pop para gente como Scott Walker. Se um equivalente seu surgisse hoje, seria desencorajado a seguir carreira na música. Referências literárias? Desejos instrumentais e operísticos? Canções fora dos padrões? Poucas visitas em perfis de redes sociais? Scott é reflexo de um tempo em que havia possibilidade da arte menos popular impregnar outros campos – populares – gerando cultura e novas abordagens. Sem ele, a música pop seria incrivelmente mais pobre e mais óbvia. Que seu talento seja reconhecido por mais e mais pessoas.

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Clipe: Jards Macalé – Trevas

Artista: Jards Macalé

Música: Trevas

Álbum: Título a ser anunciado (2019)

Por que assistir: Entre 1915 e 1962, o norte-americano Ezra Pound escreveu a maior parte de seus Cantos, um poema inacabado em 116 seções e com inspiração plena na poesia épica da antiguidade, aos moldes de Homero (a quem se atribui a autoria de Ilíada e Odisseia). Muitos teóricos consideram esta obra como o mias importante livro de poesia moderna não só dos Estados Unidos como também do mundo ocidental. Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos assinaram em 1960 a versão para o português dos poemas desta obra. Nove anos mais tarde, durante os anos de chumbo da ditadura militar brasileira, Jards Macalé compôs letra e música de “Trevas”, fazendo uma livre adaptação da tradução dos concretistas para o Canto 1 mas acabou não gravando a composição, que acabou se perdendo com o tempo. Uma pesquisa feita em 2016 pelo jornalista Marcelo Froes, que toca a editora literária Sonora e o selo fonográfico Discobertas (dedicado à reedição fonográfica de pérolas esquecidas da música brasileira), revelou a existência da canção, que logo acabou reaproveitada pelo seu autor, que agora, no mês fevereiro, está prestes a encerrar um intervalo de vinte anos sem lançar um álbum de inéditas. Sob a batuta dos músicos e produtores paulistas Kiko Dinucci e Thomas Harres – que também participam da banda de apoio do disco – o velho “Maldito”, aos 75 anos de idade e recuperado após passar um período de dez dias em estado de coma no início de 2018 – mostra estar plenamente conectado com a renovação da MPB, contando com novos parceiros (tanto na composição quanto na gravação) como Ava Rocha, Tim Bernardes, Romulo Froes, Rodrigo Campos, Clima, Harres e Dinucci. E pelo que mostra em “Trevas”, Macalé vai muito bem, obrigado. A música virou uma deliciosa mistura torta de samba e rock, com claras referências à bossa nova no refrão mais ruídos e dissonâncias que flertam com a no wave nova-iorquina. De quebra, há elementos como um solo de guitarra e uma bacia com água, que serviu para que o cantor mergulhasse a cabeça nela e entoasse os versos encaixados no final do arranjo. Já o clipe, dirigido pelo cineasta Gregório Gananian e o poeta e designer Gabriel Kenhart traz uma perturbadora coreografia de Jards entre lasers e a iconógrafa de vários artistas criativamente inquietos – entre eles Oswald de Andrade, James Joyce e Hélio Oiticica. Ah, sim: versos como “Chegamos ao limite da água mais funda/ Levanto o olhar pro céu” e “Trevas, trevas/ Treva a mais negra sobre homens tristes/ Me calo” caem como uma luva para o que pode vir a acontecer nos próximos anos neste país. Mas atente para o detalhe de que, apesar desta faixa ter sido lançada agora em janeiro, a gravação deste novo álbum foi toda realizada em agosto do ano passado. Portanto, antes mesmo do início da campanha eleitoral para os cargos de presidente, senador, governador e deputados federais e estaduais. Zeitgeist?

Texto por Abonico R. Smith