Movies

A Alegria é a Prova dos Nove

Pièce de résistance que descende do cinema marginal brasileiro aposta na abordagem de tabus sexuais e outros assuntos sociais espinhosos

Texto por Abonico Smith

Foto: Mercúrio Produções/Divulgação

Helena Ignez é um símbolo do cinema marginal brasileiro. Nascida em Salvador, onde era modelo e começou a fazer teatro, namorou Glauber Rocha, com quem fez a transição para atuar nas grandes telas. Depois se relacionou com Julio Bressane e se casou com Rogerio Sganzerla. Atuou em muitos filmes durante a década de 1960, entre eles Assalto ao Trem Pagador, O Bandido da Luz Vermelha, A Mulher de Todos e Copacabana Mon Amour. Depois foi rareando os trabalhos até dar dois grandes intervalos na carreira. Retomou-a após a morte do marido em 2004, estreando como diretora.

Para celebrar este mês de maio e a chegada aos 86 anos de idade, Helena vê a chegada de seu mais novo longa-metragem ao circuito nacional depois de passagem por festivais, onde conquistou alguns prêmios. Com o nome de Ignez em diversas funções da ficha técnica (produção executiva, direção, roteiro, protagonista do elenco) A Alegria é a Prova dos Nove (Brasil, 2023 – Mercúrio Produções) é um retorno fidedigno ao espírito do cinema alternativo brasileiro sessentista. Irreverente, desafiador, provocador e, sobretudo, ousado, não apenas nas temáticas abordadas como também pelo formato. Aqui não há uma trama formal, com introdução, desenvolvimento e conclusão, sendo desenvolvida ao longo dos cem minutos de filme. A história de uma artista octogenária que emplaca uma bem sucedida trajetória de sexóloga e conta com a ajuda de algumas amigas para promoverem ações feministas e que têm o objetivo de ensinar as mulheres a terem um conhecimento maior de seu corpo e da exploração de seu próprio prazer durante as relações, aparece em uma montagem sequencial de pequenos esquetes até chegar ao grande clímax performático (em todos os sentidos que você queira colocar aqui, aliás) no happening que serve como sequência de encerramento.

Contando com um numeroso elenco que mistura sua filha e também diretora de cinema Djin Sganzerla, nomes da dramaturgia underground paulistana (como Mario Bortolotto e Fernanda D’Umbra), músicos dando vazão ao seu lado ator (Ney Matogrosso, Dan Nakagawa, Negro Léo) e mulheres que pesquisam, fazem, vivem e respiram cinema também nos bastidores (Michele Matalon, Thais de Almeida Prado, Danielly OMM, Barbara Vida), A Alegria é a Prova dos Nove enfileira diálogos francos e objetivos sobre assuntos que são tabus para a sociedade brasileira. Começa com a violência sexual praticada pelos homens e passeia pela dificuldade feminina de chegar ao orgasmo, o uso medicinal da cannabis e drogas químicas, os padres prafrentex dentro de uma retrógrada igreja católica, o opressor modus operandi da extrema-direita e até mesmo o massacre impiedoso sofrido pelos palestinos em seu próprio território.

Além das aulas e workshops promovidos pela celebrada Jarda Ícone, a personagem vivida por Helena, a costura do roteiro fica com o reencontro dela com o fotógrafo e ativista dos direitos humanos Lirio Terron (Ney Matogrosso), com quem mantém um longo relacionamento que muitas vezes passa da amizade para a cumplicidade e a confidencialidade. Jarda e Lirio viajaram nos anos 1970 para a parte saariana de um Marrocos ainda controlado por militares franquistas e agora dividem boas e más memórias do aconteceu por lá, uma delas mantida em segredo até então.

Feito durante um intervalo de terror vivido em nosso país, que juntou a pandemia da covid-19 com o desgoverno de quatro anos sob as ordens do inominável, A Alegria é a Prova dos Nove se caracteriza, mais do que nunca como uma enorme pièce de résistance que a arte brasileira provou ser durante este metuendo período que terminou (ou ao menos parece ter terminado) recentemente. Serve ainda como a contundência necessária para um cinema nacional tão combalido por bilheterias que impulsionam comédias irrisórias que mais parecem uma extensão daqueles horríveis programas de humor do Multishow. Mesmo com uma distribuição independente e de pouco poder de alcance frente a grandes empresas do ramo, revela que a chama da contestação do estabilishment e da fuga da obviedade e do que é raso permanece acesa.

Music

Floripa Eco Festival – ao vivo

Jorge Ben Jor, Planet Hemp, Baco Exu do Blues, Donavon Frankenreiter, Emicida e outros grandes shows aliados à discussão sobre sustentabilidade

Jorge Ben Jor

Texto e fotos por Frederico Di Lullo

Um festival Massa. Com M maiúsculo. No dia 18 de setembro, todos os caminhos levaram ao Eco Festival, com shows nacionais e internacionais de renome, lembrando até os bons e velhos Planetas Atlântida que rolavam na temporada de verão de Florianópolis na primeira década (e parte da segunda) deste milênio. Como esse é um papo saudosista, esse detalhe fica para outro momento. Vamos, então, viver o hoje e falar um pouco do que vivemos na atualidade. 

Infelizmente, a cidade sofre com acessos restritos e, por isso, naquele sábado chegamos ao Centro de Eventos Luiz Henrique da Silveira quando o Floripa Eco Festival já estava aquecendo todos os presentes. Era a vez de Mike Love, num tremendo pôr-do-sol, agitar a todos com seu reggae, numa perfeita simbiose com o fim de tarde da capital catarinense. Assim, o músico havaiano passou pelos principais sucessos de sua extensa carreira. Sem dúvida, apreciar a performance dele em “Permanent Holiday” e “Human Race” foi um dos pontos altos do evento. E isso que ele estava só começando!

Com uma produção impecável e pontualidade britânica, o Eco Festival continuou com nada menos do que Donavon Frankenreiter. Não se pode deixar de citar aqui que a combinação de surfista e artista é a cara da Ilha da Magia. O cantor mandou um set list com seus maiores clássicos, entre eles as necessárias “Big Wave”, “Free”, “It Don’t Matter” e “Shine”, tudo numa vibe muito especial. Sempre ouvimos que amor de festival tende a ser para sempre. Por isso, acreditamos que casais que assistiram juntos ao show do californiano tendem a ficarem juntos. Mas não foi o nosso caso: pouco antes de Donavon acabar já estávamos posicionados no outro palco para a atração que estava escalada para depois: o aguardado Baco Exu do Blues.

Antes de continuar, não há como deixar de comentar a respeito o objetivo do evento, que une música e sustentabilidade. Numa proposta muito utilizada em 2022, quando muito se fala sobre os impactos de ações da sociedade para um mundo melhor, precisa-se lembrar que, além dos shows de sábado, houve nos dois dias anteriores o Eco Summit. O congresso reuniu conteúdo em prol da sustentabilidade ambiental, por meio de workshops, apresentações, mesas de debate e apresentações de cases de sucesso. Sim, é necessário discutir o entretenimento para além do entretenimento e a Sleepwalkers, empresa que produziu o festival, fez isso de maneira exemplar. Parabéns, amigos!

Baco Exu do Blues

Voltando a aquele sábado, um dos concertos mais aguardados iniciou, apresentando as músicas do recente trabalho Quantas Vezes Você Já Foi Amado?, lançado em janeiro deste ano. Foi assim que as mais de 22 mil pessoas presentes cantaram as já clássicas canções “20 ligações”, “Samba In Paris”, “Lágrimas” e “Mulheres Grandes”. Sim, estamos falando de Baco, caso você não tenha entendido! Também não faltaram “Flamingos”, “Hotel Caro” e “Me Desculpa, Jay Z”. Todo mundo cantou e dançou junto. Foi uma vibe incrível!

Logo após chegou a vez de apresentar a prata da casa. Muita gente que não mora em Floripa ou até mesmo nos limites de Santa Catarina se perguntava quem era essa tal de Dazaranha. Mas os veteranos nativos jogavam em casa e fizeram um show incrível, como sempre, impressionando quem não os conhecia e entregando a qualidade de sempre para quem já os acompanha há mais de 20 anos. E, acredite, praticamente todos os presentes cantaram boa parte dos refrãos das músicas. No repertório não faltaram clássicos como “Fé Menina”, “Salão de Festa a Vapor” “Vagabundo Confesso” e “Com ou Sem”. Pelo menos pra nós, contudo, o ponto alto foi “Afinar as Rezas”, quando se presenciou a maior interação com a plateia. E ainda tinha mais coisa para apresentar…

Sim, apesar do cansaço, como ficar parado na hora de Jorge Ben Jor? E se tem algo que o morador do Copacabana Palace sabe é fazer apresentações memoráveis. Acompanhado por uma banda afiada, Ben Jor colocou todos os presentes para dançar com clássicos como “Take It Easy My Brother Charles”, “Oba, Lá Vem Ela”, “Menina Mulher de Pele Preta”, “Chove Chuva”, “Mas Que Nada”,  “Balança a Pema”, “Magnólia”… Poderíamos citar todo o repertório e ainda faltariam adjetivos para descrever Jorge. O tempo passa e, aos 83 anos, cada vez fica mais evidente que ele é um alquimista e tem a pedra filosofal da imortalidade do corpo –  porque a do trabalho está mais do que assegurada.

Minutos depois, o público foi à loucura quando Emicida iniciou sua performance com uma introdução em vídeo necessária nos tempos atuais. Ele não veio sozinho também: reuniu em cima do palco os maiores nomes do rap nacional na atualidade: Criolo, Rael e Rashid. Cada um no seu momento, participaram do show emplacando os clássicos como “Levanta e Anda”, “Passarinhos”, “AmarElo”, “Libre”, “Paisagem” e “Eminência Parda”. De repente, Marcelo D2 e BNegão se juntam à trupe para uma performance incrível em conjunto na música “Grajauex” de Criolo. Mais uma das cenas que cravaram o festival no coração de todos os presentes.

Tinha tempo para mais? Sim. Eram quase duas da madrugada quando a ex-quadrilha da fumaça pousou no Eco. Era o Planet Hemp, mais Hemp do que nunca! Não dá para negar que é uma das nossas bandas favoritas, seja pela mistura entre rap, rock, reggae e hardcore, tão característica pela sonoridadeou pela ideologia. O fato é a trupe comandanda por BNegão e D2 incendiou tudo até a última ponta, num show fod@ pra c@r@lho, com uma vibe renovada, que nos traz a esperança de um mundo melhor. Começando com “Não Compre, Plante!” e passando por músicas como “Legalize Já“, “Maryjane”, “100% Hardcore”, além da cover de “Crise Geral”, do Ratos de Porão, a banda tirou as últimas forças de energia que ainda restavam da galera presente, fechando o line up com chave de ouro.

Sem dúvida, o Eco Festival foi um dos festivais do ano. E já foi anunciada sua próxima edição, para 2023. Ficamos ansiosos e expectantes por novas experiências musicais. Agora é esperar e descansar.