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Plebe Rude + Relespública – ao vivo

Uma noite entre mods e punks com carreiras longevas, repertórios matadores e muita fúria em forma de rock’n’roll

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Plebe Rude

Texto por Getulio Guerra
Fotos: Murilo Ribeiro

Jokers Pub, noite de sábado, 8 de junho de 2019. Casa cheia pra ver dois dinossauros da cena roqueira nacional no bar mais tradicional do rock curitibano. DJ Ronypek era um dos fanzineiros responsáveis pelo Ordem & Protesto – o fanzine mais foda da cidade, distribuído mundo afora nos anos 1980. Entre um IPA e um APA, a discotecagem já antevia a vibe da noite com “Festa Punk”, dos Replicantes (“Quero uma festa com os Kennedys / Eles é que sabem o que é hardcore / Depois pra resfriar, pra afastar os junkies/ Poguear um monte ouvindo Circle Jerks”)

Sobe ao palco a primeira banda da noite. A Relespública com o trio clássico é matadora! Não consigo pensar em outra formação que não seja Moon-Fábio-Ricardo fazendo aquele som… A banda curitibana tem hits, mesmo que no underground e o anexo todo do Jokers socado, inclusive os camarotes, e cantando junto com Fábio Elias – em sua melhor forma possível, mental-física-espiritualmente. Ele conta que abrir para a Plebe no Jokers já era um sonho antigo, da banda e do Sandro – o dono da porra toda da conceituada casa. Fabio brinca que sua guita não está afinando talvez por causa do frio. Diz que quando foi comprar na loja ela afinava mas ali no palco, não. Oferece a cover “I Cant Explain”, do Who, a Serguei e Andre Matos, ambos falecidos horas antes desse show.

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Relespública

A Plebe Rude é uma banda que tem uma egrégora que é muito foda! Era “só” a predileta do Renato Russo em Brasília. E isso é uma baita responsa, pra vida inteira. O André e o Phillipe se conhecem e tocam juntos há muito tempo, desde a fundação da banda em 1981. E lá se vão quase 40 anos de estrada… A leveza da relação, o respeito que um tem pelo outro (que deu pra ver no recente DVD Primórdios) é bonito. E somados ao Clemente, que tem também uma presença de espírito maravilhosa, e o Capucci, que é de outra geração mas veio com discrição e precisão juntar-se aos dinossauros… Vira um quarteto e tanto.

Eu ouço os caras desde o lançamento do primeiro disco, O Concreto Já Rachou, de 1986! Aquele discurso pertinente daqueles primeiros tiros (“Proteção” e “Até Quando Esperar”) bateu forte no então jovem de 15 anos que já ouvia Inocentes (cujo bandleader é o Clemente, desde a formação da banda, também em 1981), Cólera, Garotos Podres, Replicantes, Camisa de Vênus… Tinha aquela estética e pegada pós-punk, sem tosquices nem exageros, que até hoje se mantém com integridade.

Abonico Smith – editor deste site – entrevistou os punks velhos horas antes do show, descobrindo que logo entram em estúdio pra gravar um novo disco. Será uma ópera punk com quase trinta músicas e que servirá de base para um musical. Neste disco será contada a História da humanidade. De três mil anos pra cá, desde quando o homem se tornou bípede. A ideia iniciou de uma canção inédita já há três décadas, que se chama “Evolução” e foi tirada pela Plebe da gaveta. Em breve este bate-papo estará disponível aqui no canal do Mondo Bacana no YouTube.

Mas voltemos ao show do Jokers. Phillipe fala, depois de “Um Outro Lugar”, que esta canção tem 30 anos e ele não pensava que teria de ficar cantando ela hoje. Não imaginava que teríamos um presidente que ficaria fazendo gracinhas em relação à cor das pessoas, à cultura quilombola e a outras coisas. A base do set list fica nos dois históricos primeiros discos, mas ainda dá espaço a novidades e faixas posteriormente incorporadas ao repertório da banda, como “Medo”, clássico do Cólera (“Redson não está morto!”, avisa alguém da banda).

Cortinões fechados, sem bis de nenhuma das bandas. Esse é o último concerto desta tour referente a Primórdios! Compro um botton da Plebe, carrego um pouco meu celular numa tomada do hall, pago minha ficha e pego o rumo do Xaxim. É… Alguns artistas ainda me tiram de casa.

Set list Relespública: “Boogie”, “Nós Estamos Aqui”, “Mudando os Sentidos”, “Dê Uma Chance Pro Amor”, “Nunca Mais”, “Eu Soul”, “I Can’t Explain”, “Sol em Estocolmo”, “Capaz de Tudo”, “Mod de Viola”, “In The City”, “Garoa e Solidão”, “Boatos de Bar/A Fumaça é Maior Que o Ar”,  “Camburão” e “Minha Menina”.

Set list Plebe Rude: “Voz do Brasil”, “Brasília”, “Johnny Vai à Guerra (Outra Vez)”, “Dança do Semáforo”, “Luzes”, “Censura”, “Um Outro Lugar”, “Anos de Luta”, “O Que Se Faz”, “Sua História”, “A Ida”, “Esse Ano”, “Bravo Mundo Novo”, “Pressão Social”, “Tá Com Nada”, “Códigos”, “Sexo & Karatê”, “Medo”, “Minha Renda”, “Proteção”, “Plebiscito”, “Disco em Moscou” e “Até Quando Esperar.

 

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Ira! – ao vivo

Nasi, Scandurra e banda participam da na Virada Cultural paulistana professorando História com álbum antológico

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Texto e fotos por Fábio Soares

O palco Discos Completos sempre foi, para mim, um dos mais interessantes na história da Virada Cultural paulistana mas seu acesso era dificílimo por um fator determinante: sempre fora realizado no interior do Theatro Municipal com ingressos limitados e disputadíssimos. Em 2018, porém, migrou para o Boulevard São João, ao lado do prédio central dos Correios. E quando foi anunciado que o Ira! executaria o antológico Vivendo e Não Aprendendo na íntegra, gelei.

Era o início de 1987 e meu irmão mais velho chegou em casa com três vinis debaixo do braço recém-adquiridos: Dois (Legião Urbana), Correndo o Risco (Camisa de Vênus) e Vivendo e Não Aprendendo. Para uma criança de 10 anos de idade, a capa de Vivendo…era um deleite: os quatro integrantes representados em pinturas abstratas com fundo amarelo. Dos três foi, disparado, o que mais gostei. Decorei as letras de uma tacada só e vibrei quando “Flores em Você” tornou-se a trilha de abertura da novela global O Outro.

A madrugada de domingo, 20 de maio, em São Paulo inaugurou a temporada da “friaca”: onze graus (com vento dilacerante que proporcionou sensação térmica de menos 36) que não desanimou o público quarentão presente. Pontualmente às quatro e meia da madrugada, Edgard Scandurra, seu filho Daniel (baixo), Nasi, Evaristo Pádua (bateria) e Johnny Boy (teclados) subiram ao palco para início dos trabalhos. O riff indefectível de “Envelheço na Cidade” deu início à celebração com a plateia cantando em uníssono. “Casa de Papel”, um hino contra à inércia, segurou a peteca com seu verso poderoso: “O que vai restar ao seu filho mais novo/ Já que o aço foi trocado pelo plástico/ E sua casa é de papel?”.

O primeiro momento catártico veio com “Dias de Luta”, para mim, a melhor do álbum com sua letra de desesperança quanto ao futuro. Emocionante ver fãs na casa dos cinquenta anos cantarem “Se sou eu ainda jovem/ Passando por cima de tudo/ Se hoje canto essa canção/ O que cantarei depois?”. O duo “Tanto Quanto Eu” e “Vitrine Viva’ mantiveram a sonoridade Jam almejada pelo grupo para este álbum, fato este que culminou na histórica briga entre eles e o produtor Liminha durante a gravação do disco no Rio de Janeiro, forçando o retorno a São Paulo para finalização dos trabalhos sob a batuta de Pena Schimidt.

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Os primeiros versos de “Flores em Você” foram entoados somente pelo público a capella e anteciparam que não é necessário um quarteto de cordas da versão original quando se tem, no palco, um guitarrista como Scandurra. Com um dedilhado primoroso, ele comandou com maestria a comercialmente mais bem-sucedida faixa do disco. Mas, por ironia da História, o responsável pela ideia da utilização do quarteto de cordas na gravação foi Liminha. Já “Quinze Anos (Vivendo e Não Aprendendo)” (com vocal de Edgard) e “Nas Ruas” mostraram que a cozinha do Ira! Versão 2018 vai muito bem, obrigado. Daniel, em nenhum momento, demonstrou sentir a pressão de ser filho de um guitar hero. Pádua é um baterista coeso. Johnny, por sua vez, não limitou-se somente ao teclado, tocando violão em “Nas Ruas”.

A reta final (e mais aguardada) com “Gritos na Multidão” e “Pobre Paulista” lavou a alma dos presentes. Inseridas no álbum como gravações de um show do grupo realizado na extinta boate Broadway, em 1986, anbas causaram comoção e um final apoteótico. Mas para surpresa geral, após todo o disco ser executado, houve um “bis”.

Nasi lembrou que neste mês de maio Psicoacústica, terceiro álbum da banda, completou trinta anos e que uma série de apresentações estão programadas para celebrar o aniversário. Foi a deixa para a execução de “Rubro Zorro” (faixa que abre o álbum), curiosa homenagem a João Acácio Pereira da Costa, nacionalmente conhecido como o Bandido da Luz Vermelha, morto há vinte anos. O ponto fora da curva da apresentação foi a segunda canção do bis. “O Bom e Velho Rock’n ‘Roll”, do irregular álbum Entre Seus Rins, de 2001, poderia muito bem ter sido substituída por “Tarde Vazia”, por exemplo. Mas nada que abalasse a apresentação, que foi com chave de ouro fechada com “Núcleo Base”, do primogênito Mudança de Comportamento, de 1985.

Os primeiros raios da manhã de domingo apontavam quando a banda deixou o palco, às cinco e meia. Já se passaram trinta e dois anos do lançamento de Vivendo e Não Aprendendo. A voz de Nasi já não é a mesma dos tempos de glória mas ninguém reclamou. A quarentona plateia voltou para casa com a alma lavada e com a certeza de que Vivendo…sempre será um marco para quem nasceu nos anos 1970. Eu, inclusive.

Set List: “Envelheço na Cidade”, “Casa de Papel”, “Dias de Luta”, “Tanto Quanto Eu”, “Vitrine Viva”, “Flores em Você”, “Quinze Anos (Vivendo e Não Aprendendo)”, “Gritos na Multidão”, “Pobre Paulista”. Bis: “Rubro Zorro”, “O Bom e Velho Rock’n’Roll” e “Núcleo Base”.