Music

Bruce Dickinson

Oito motivos para não perder o show da turnê The Mandrake Project, referente ao novo álbum solo do vocalista do Iron Maiden

Texto por Daniela Farah

Foto: John McMurtrie/Divulgação

Existe um caso de amor declarado entre a cidade de Curitiba e Bruce Dickinson, o icônico frontman do Iron Maiden. Volta e meia ele está na capital paranaense para se apresentar ao vivo. Quando não vem pilotando o boieng que pertence à sua longeva banda, dá um pulo para reforçar outras atividades paralelas: lançar um disco solo, visitar a fábrica que produz a cerveja artesanal oficial do sexteto britânico ou, ainda, segundo algumas línguas mais ferinas, descansar um pouquinho do corre em uma suposta mansão comprada ali nas redondezas da Pedreira Paulo Leminski justamente para aproveitar o vai-vem frequente. Bruce está tanto por aqui que (isso sim, fato!) vereadores locais propuseram, semana passada, entregar-lhe a cidadania honorária da cidade. O veterano artista agora tem um “curitibano” para o seu gentílico.

Na próxima quarta-feira, 24 de abril, Dickinson sobe mais uma vez ao palco em Curitiba. Agora para dar o pontapé inicial da perna brasileira da nova turnê, referente ao álbum The Mandrake Project. Lançado agora em primeiro de março, o sétimo trabalho de estúdio de sua discografia solo ganhou um intenso cronograma que, após a capital paranaense, pousará em outros seis locais pelos dias posteriores. Porto Alegre (25), Brasília (27), Belo Horizonte (28), Rio de Janeiro (30), Ribeirão Preto (2) e São Paulo (4) completam a agenda em nosso país. Para ingressos e outras informações sobre todos estes sete concertos você pode ter clicando aqui.

O Mondo Bacana elaborou oito motivos pelos quais você não pode perder esta nova passagem por aqui do gogó mais idolatrado do heavy metal.

Ele mesmo

Claro que o primeiro motivo é o próprio Bruce Dickinson! Não haveria como ser diferente com esse artista que conquistou fãs no mundo todo. Com mais de 40 anos de estrada e 90 milhões de álbuns vendidos como vocalista do Iron Maiden, Bruce é muito mais que uma voz icônica. Não se engane, porém: o cara não é apenas um mestre do metal. Ele também domina os céus, voando como um pássaro de aço sua própria frota de aeronaves. Ele até mesmo se aventurou no mundo das cervejas, criando uma poção mágica que transforma os fãs em devotos fervorosos. Então, enquanto outros se contentam em apenas fazer música, Dickinson eleva o jogo, conquistando os palcos e os céus com um sorriso sarcástico e um grito de guerra. É o rei do metal, o capitão dos céus e o mestre da ironia. Duas máimas pairam sobre Bruce: ele não para quieto e ninguém nunca sabe o que virá na sequência. 

Sete álbuns solo

Largar uma banda como o Iro Maiden no auge do sucesso para se dedicar a uma carreira solo precisa de muita coragem. Qualidade essa que Bruce Dickinson já demonstrou ter de sobra, aliás. Inclusive, suas primeiras aventuras solo foram baseadas no puro experimentalismo, fugindo do heavy metal tradicional do Iron Maiden. Isso causou confusão nos fãs, que não abraçaram muito os primeiros projetos. O vocalista, então, entendeu e resolveu fazer sons mais assertivos, para as multidões sedentas de distorção e solos de guitarra. A turnê relativa ao novo álbum The Mandrake Project faz um apanhado das melhores fases do artista – Bruce já avisou que as mais experimentais como a dos discos Skunkworks (1996) e Tattooed Millionaire (1990) vão ficar de fora dessa vez.

The Mandrake Project

Apresentar o recém-lançado disco é a razão da vinda do Bruce Dickinson para o Brasil desta vez. Não que ele precise de uma, claro, mas agitado como é, sempre acaba encontrando um projeto novo para se divertir. O novo projeto solo do vocalista alcançou números interessantes pelo mundo, chegando ao top 10 na Alemanha, Suécia, Finlândia, Suíça, Reino Unido, Brasil, Bélgica, Itália, Holanda, França e México. Até agora figuraram no set list dos shows as faixas “Afterglow Of Ragnarok”, “Many Doors To Hell”, “Rain On The Graves”, “Resurrection Men”.

Bongôs

Isso mesmo! Durante a divulgação do novo projeto, Bruce contou uma história curiosa: ele queria ser baterista na época da escola e tinha o sonho de tocar bongôs. Durante a gravação de The Mandrake Project, ele jurou tê-los ouvido. Só que não: era apenas um barulho feito pela guitarra!). Então ele resolveu incluir os tais bongôs. Agora fica o questionamento: será que ele vai tocá-los ao vivo também?

1972

Você já considerou a ideia de voltar ao tempo? Tanto a literatura quanto o cinema garantem frequentemente essa ida ao passado. Agora Bruce tem prometido aos quatro ventos que a apresentação dele vai ser exatamente como em 1972. “Será um show analógico e autêntico”, comentou o artista em uma coletiva. O resgate do passado é um movimento que acontece na História quando a humanidade sente que está avançando muito rápido – como, de fato, estamos. Dickinson não é o primeiro artista a querer trazer de volta essa sensação em um concerto, mas agora bate aquela curiosidade a respeito de como ele fará isso. Será que a viagem vai ser de DeLorean ou TARDIS?

The Chemical Wedding

Bruce prometeu em entrevista que incluiria muitas faixas de The Chemical Wedding no set list da turnê. O quinto álbum de sua carreira solo foi lançado em 1998 e foi nesse aí que ele deixou os experimentalismos de lado. O peso do trabalho, produzido pelo mesmo Roy-Z de The Mandrake Project, agradou demais aos fãs. E sobre trazer essas músicas para a turnê, bem, ele não mentiu. Nos sets lists de até então, a seleção de músicasdos dois discos está praticamente em pé de igualdade. “The Chemical Wedding” e “The Alchemist” integram a lista oficial, enquanto “Book Of Thel” e “The Tower” costumam chegar no bônus do bis. Para saber se vai acontecer, entretanto, só estando por lá!

“Tears Of The Dragon”

Bem, esta é uma daquelas músicas que até aqueles que vivem debaixo de uma pedra já ouviram falar. Lançada em 1994, no álbum Balls To Picasso, “Tears Of The Dragon” é tipo a marca registrada de Bruce Dickinson, Mesmo que você não tenha ideia de quem seja Bruce, aposto que já se deparou com essa música em algum lugar. Inclusive ele, como bem conhece seu público brasileiro, sabe que não pode chegar por aqui e não tocar essa.

Cidadão honorário de Curitiba

Sabe aquela brincadeira de que um artista que veio tanto ao Brasil deveria fazer um CPF? Nesse caso, a gozação virou verdade! Ou quase isso. A cidadania honorária de Paul Bruce Dickinson saiu no último dia 17 de abril, após votação da Câmara Municipal de Curitiba. Entre as justificativas está o fato de que Dickinson escolheu a curitibana Bodebrown como a primeira cervejaria oficial do Iron Maiden fora da Inglaterra, criando a Cerveja Trooper Brasil IPA – Iron Maiden. Bruce não só virou curitibano como agora vai começar por aqui o giro pelo Brasil com a The Mandrake Project Tour.

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Ranking Roger (1963 – 2019)

Toaster do grupo Beat, expoente do movimento Two Tone, foi um símbolo dos descendentes caribenhos na música pop britânica

ranking roger

Texto por Emmanuel do Valle (Célula Pop)

Foto: Reprodução

Figura de proa no movimento Two Tone, que aglutinou de vez o ska jamaicano ao som pop britânico da virada dos anos 70 para os 80, Ranking Roger morreu aos 56 anos no último dia 26 de março. Alçado à popularidade como um dos frontmen do Beat – banda fundamental do período, também conhecida como English Beat nos Estados Unidos – ao lado do vocalista e guitarrista Dave Wakeling, Roger se destacava pelo toasting, estilo de canto falado próprio dos ritmos da ilha do Caribe. Mais ainda: era um dos símbolos de uma geração de descendentes dos imigrantes afro-caribenhos que aportaram no Reino Unido entre o fim dos anos 1940 e começo dos anos 1970, impactando decisivamente no cenário cultural do país.

Nascido Roger Charlery, em Birmingham (segunda cidade mais populosa do Reino Unido), em 21 de fevereiro de 1963, era filho de um casal que imigrou da ilha caribenha de Santa Lúcia. Na adolescência, tornou-se fã do então nascente punk rock, passando a tocar bateria num grupo chamado Nam Nam Boys. Nos encontros da cena local, fez amizade com os integrantes de um grupo de ska, o Beat, dando uma canja nos shows com sua performance no toasting. Logo estava convidado a se juntar de vez à banda, que não demoraria muito a estourar.

No finzinho de 1979, a formação lançou seu primeiro compacto contendo uma regravação quicante para “Tears Of A Clown” (imortalizada pelo mestre do soul Smokey Robinson) e, do outro lado, “Ranking Full Stop”, na qual Roger comandava o microfone. Único lançamento do grupo pelo selo Two Tone – que batizou o movimento e divulgou novos e importantes nomes como os Specials, o Madness e o Selecter –, o disquinho chegou ao sexto posto da parada britânica em janeiro do ano seguinte e levou o Beat a tocar pela primeira vez no Top Of The Pops, o mais famoso programa musical de TV da BBC.

O grupo era um sexteto racialmente miscigenado: três ingleses brancos oriundos da classe operária de Birmingham (o já citado Dave Wakeling, o guitarrista Andy Cox e o baixista David Steele) e três negros de origem caribenha: além de Ranking Roger (então com apenas 16 anos), havia o baterista Everett Morton e o veterano saxofonista Lionel Augustus Martin, o Saxa, já beirando os 50 anos, e que ao longo da carreira havia acompanhado nomes históricos do ska como Laurel Aitken, Desmond Dekker e Prince Buster. Era um símbolo de que não só a influência como também a presença negra na música pop britânica havia chegado para ficar.

O dado negro na música e na cultura pop britânicas é relativamente recente em comparação com suas correspondentes norte-americanas. A explicação é simples, mas vem de longe. Como matriz colonial, o Reino Unido utilizou mão de obra escrava de africanos majoritariamente em suas colônias (entre elas os Estados Unidos), e não em seu próprio território – a escravidão foi legalmente abolida dentro do país em 1772, embora tenha continuado na prática, de forma sub-reptícia, ainda por quase um século.

Desta forma, até a Segunda Guerra Mundial, a população afrodescendente no Reino Unido não passava de 1% do total, ou pouco mais de 10 mil. Com o país em ruínas ao fim do conflito após os bombardeios alemães, além das expressivas perdas humanas, havia a necessidade urgente de se reconstruir. O governo britânico então passou a incentivar a imigração de habitantes das colônias, inclusive concedendo cidadania do país por meio do British Nationality Act, de 1948.

Em 22 de junho do mesmo ano, o navio HMT Empire Windrush desembarcou no porto de Tilbury, perto de Londres, com cerca de 800 imigrantes oriundos das chamadas Índias Ocidentais (ou o conjunto de colônias do Caribe). O nome da embarcação virou símbolo do fluxo que se estendeu até o início dos anos 1970, já em meio ao processo de descolonização do antigo Império Britânico: os imigrantes afro-caribenhos do período – entre eles, o teórico cultural jamaicano Stuart Hall e os próprios pais de Ranking Roger – ficaram conhecidos como “geração Windrush”.

A chegada massiva de imigrantes começou aos poucos, a partir dos anos 1960, a se fazer notar na cultura britânica. Incorporado ao mainstream da música pop mundial só em meados dos anos 1970, o reggae já marcava presença nas paradas do Reino Unido mesmo em plena Swingin’ London. Antes disso, outros gêneros como o ska e o rocksteady já haviam sido incorporados ao repertório dos mods – tribo urbana juvenil oriunda da classe operária, que ganhou notoriedade no país naquela década – ao lado do soul e do rhythm & blues norte-americanos.

Em abril de 1969, o astro jamaicano do ska Desmond Dekker chegou ao topo da parada britânica de singles com seu clássico “Israelites”. No ano seguinte, ele arrastou multidões de jovens como a principal atração de um festival de música caribenha realizado no estádio de Wembley. Enquanto isso, em 1971, o censo britânico apontava uma população de cerca de 304 mil habitantes de origem afro-caribenha no país, trinta vezes mais do que os números praticamente estáveis das quatro primeiras décadas do século.

Previsivelmente, houve forte reação das alas conservadoras da política e da sociedade britânicas. Ainda em abril de 1968, o parlamentar conservador Enoch Powell fez um inflamado discurso anti-imigração que ficou conhecido informalmente como “Rivers Of Blood” (“Rios de Sangue”) e entrou para a História do país. Citando uma conversa que havia tido com trabalhador de meia-idade pouco tempo antes, Powell afirmava que, caso os fluxos migratórios não fossem contidos, “neste país, dentro de 15 ou 20 anos, o negro terá o domínio sobre o branco”.

Dez anos antes, os distúrbios raciais ocorridos no bairro de Notting Hill marcaram o primeiro grande tumulto deste tipo no país. Ao longo da década de 1970, eles se tornariam mais frequentes, graças ao crescimento de grupos de extrema-direita com matizes neonazistas, como o National Front e o British Movement, que organizavam passeatas e ataques a áreas urbanas com grande concentração de imigrantes, como na chamada Batalha de Lewisham, que envolveu milhares de pessoas no bairro do sudoeste de Londres em agosto de 1977.

Dentro deste contexto, era previsível que o componente sociopolítico se tornasse marcante nos grupos do movimento Two Tone, que revigoraria o skae o reggae, fundindo-os à chamada new wave, que despontava na música britânica no fim dos anos 1970. Em maio de 1980, quando o Beat lançou seu álbum de estreia, I Just Can’t Stop It, as canções sobre relacionamentos e os tributos aos velhos mestres do som jamaicano dividiam espaço com afiadas crônicas sociais (“Mirror In The Bathroom”, “Big Shot”) e políticas (“Stand Down Margaret”, que exigia a saída da primeira-ministra conservadora britânica, eleita um ano antes).

O som enérgico do Beat conquistou a molecada e chegou a reverberar até mesmo deste lado do Atlântico: o grupo foi uma das grandes inspirações no som dos primeiros discos dos Paralamas do Sucesso, até mais do que o Police, com o qual se costuma associar o trio liderado por Herbert Vianna. Everett Morton, por exemplo, era influência declarada do baterista João Barone. E o hit paralâmico “Óculos”, de 1984, “pegava emprestado” o riff de marimba de “Hands Off, She’s Mine”, segundo compacto do Beat, que chegou ao nono lugar da parada britânica em março de 1980 – além de ter sido o primeiro lançamento do selo próprio da banda, o Go Feet.

Lançado no ano seguinte, o segundo disco do grupo, Wha’ppen, era mais lento e sombrio, refletindo o momento calamitoso vivido pelo país naqueles primeiros anos de Thatcherismo, com profunda recessão econômica e desemprego recorde, além da série de novos conflitos raciais deflagrados em várias das principais cidades do país entre abril e julho. Apesar disso – e embora tenha sido recebido com maior frieza pelo público –, o álbum ainda oferecia momentos sublimes, como a emocionante “Doors Of Your Heart”, que ganhou um clipe maravilhoso, gravado em plena euforia do carnaval de rua afrocaribenho de Portobello Road.

O terceiro ábum, Special Beat Service, lançado em outubro de 1982, ampliava ainda mais a paleta sonora do grupo: “Save It For Later” – considerada por Pete Townshend uma de suas canções favoritas da vida – puxava mais para um estilo guitar band, enquanto a funkeada “I Confess” remetia aos grupos new romantic. Ambas foram lançadas em single. Mas o grande momento de Ranking Roger era a canção na qual ele apresentava um certo toaster novato chamado Pato Banton, “Pato And Roger A Go Talk”.

Aquele seria o último disco de estúdio da banda, que se despediria no ano seguinte com a coletânea What Is Beat? e uma turnê que incluiu uma participação antológica no US Festival, na Califórnia, em maio de 1983. O grupo se desintegrou aos pares: enquanto Andy Cox e David Steele formaram o Fine Young Cannibals recrutando o vocalista Roland Gift, Everett Morton e Saxa, os mais experientes do grupo, passaram a acompanhar outros artistas, antes de formarem o International Beat, que seguiria na ativa até a década de 1990.

A dupla de frente, Ranking Roger e Dave Wakeling, por sua vez, seguiu junta no projeto seguinte, o General Public, que lançou dois álbuns e teve sucesso com a canção “Tenderness”, de 1984, que volta e meia aparece em coletâneas de flashback de sons oitentistas. Com o fim de mais esta empreitada, Roger lançou um disco solo, formou o Special Beat, com ex-integrantes dos Specials e gravou com Sting e com o Smash Mouth Até trazer o Beat de volta à ativa nos anos 2000 – ou melhor, um dos Beats, já que Wakeling, agora residindo nos Estados Unidos, também fez shows pelo país com o nome da banda. Nunca houve, porém, qualquer animosidade.

A formação que tinha Ranking Roger à frente, da qual também fazia parte seu filho Ranking Junior, chegou a gravar dois álbuns de inéditas: Bounce, de 2016, e Public Confidential, que saiu em janeiro deste ano, na mesma época em que o cantor anunciou pelas redes sociais que havia sido operado de dois tumores no cérebro, além de passar por tratamento contra um câncer no pulmão – antes, em agosto, já havia sofrido um infarto. “Ele lutou & lutou & lutou. Roger era um lutador”, disse o comunicado que anunciou sua morte no perfil oficial do Beat no Facebook, antes de revelar que o cantor falecera “em paz em sua casa, rodeado por sua família”.

Também pelas redes sociais, amigos de bandas contemporâneas como Neville Staple (Specials), Pauline Black (Selecter), Billy Bragg e o UB40 lamentaram a morte de Ranking Roger, que se torna a segunda perda na formação clássica do Beat, após o falecimento de Saxa em maio de 2017, aos 87 anos. O cantor havia recentemente acabado de escrever sua autobiografia, que leva o mesmo nome do primeiro álbum do grupo, I Just Can’t Stop It, e deve ser publicada em breve.