Longa nacional de terror mostra que uma boa e assustadora história também pode ser baseada em problemas sociais do nosso dia a dia
Texto por Frederico DiLullo
Foto: Moro Filmes/Divulgação
Sim, já é uma realidade: o terror emerge como uma vertente ousada no cenário cinematográfico brasileiro contemporâneo. Com uma rica diversidade cultural como pano de fundo, essa categoria tem conquistado espaço e admiradores, revelando-se uma poderosa ferramenta para a expressão de temores e angústias do dia a dia.
Essa diversidade está presente em Destino das Sombras (Brasil, 2023 – Moro Filmes), que estreia no próximo dia 10 em algumas capitais. Com direção de Klaus’Berg, doutor em Comunicação Social e cofundador do canal virtual de humor TV Quase, o longa conta a história dos amigos Sérgio e Marcos, que decidem passar um fim de semana em um sítio para se afastarem dos problemas familiares que abatem o segundo e a sua pequena filha, Eduarda. No entanto, eles logo descobrem que o lugar possui uma história obscura, onde o real e o subconsciente começam a se misturar. O que é real, afinal? E o que é fantasia? Esse contexto ainda é marcado por misteriosos casos de desaparecimento de crianças na região.
Incertos sobre a veracidade dos relatos sobrenaturais contados pelas poucas pessoas que vivem ali, os amigos acabam enfrentando ameaças reais ocultas pela escuridão. Conforme a trama vai se desenrolando, as linhas temporais do passado e do presente se fundem numa só, onde algumas respostas sobre desparecimento de crianças começam a ser revelados.
Um outro ponto interessante é a trilha sonora envolvente, que conduz a narrativa de forma evocativa cada situação. E todos esses axiomas levam o filme a ser uma narrativa de horror e suspense que parte do grande medo social que é o desaparecimento infantil. Esse trauma real exibe uma tríade junto ao psicopatológico e o sobrenatural.
Destino das Sombras é um bom filme de terror, vai agradar aos fãs do gênero. Carrega uma história interessante e atmosfera de suspense bem construída. De quebra, também consegue ser assustador sem recorrer a clichês ou sustos fáceis.
Oito motivos para não deixar de assistir à cinebiografia do ídolo do rock, escrita, produzida e dirigida por Baz Luhrmann
Texto por Abonico Smith
Foto: Warner/Divulgação
Nesta quinta-feira estreia em circuito nacional o primeiro longa-metragem em nove anos assinado pelo diretor, produtor e roteirista Baz Luhrmann. Elvis (Austrália/EUA, 2022 – Warner) chega aos cinemas simultaneamente a outros países da América latina, como México e Argentina – portanto, não dá para se cravar que a “coincidência” de data com a estapafúrdia ideia de se celebrar do Dia Mundial do Rock um dia antes (13 de julho). Por vários motivos, aliás. Primeiro, porque não existe um dia ou sequer um marco específico para se comemorar como o mais significativo para o gênero, que não brotou do nada, não foi inventado por ninguém em especial e foi formado graças a toda uma conjuntura de fatos históricos e sociais. Depois porque escolher 13 de julho por causa de realização do Live Aid em 1985, simultaneamente em dois continentes, é de uma tacanhice só em relação a toda a história do rock. Em relação à trajetória dos grandes festivais, aliás, todo mundo sabe da insignificância do Live Aid perante a antecessores como Woodstock (1969, o que levou mais gente na história), Monterey (1967, o realmente primeiro evento gigante do tipo) e ainda mesmo o nosso Rock In Rio (que, seis meses antes, colocou o Brasil na rota dos grandes festivais e ainda trouxe o Queen de volta aos palcos antes mesmo do Live Aid). Por fim, nada disso de Dia do Rock é mundial. A alcunha nasceu de um papo-furado inventado por uma estação de rádio paulistana para justificar um evento com vários shows com a participação de bandas de rock da cidade (e brasileiro adora acreditar em fake news!).
O Mondo Bacana destrincha oito motivos pelos quais, apesar do tal do “Dia do Rock”, você não pode perder o filme que leva às telas um pouco da biografia daquele que não só foi um dos grande pioneiros do gênero, como também cravou seu nome no panteão dos maiores ícones musicais de todo o século 20.
Baz Luhrmann
Todo mundo sabe que os filmes do australiano são intimamente ligados à música. Sua estreia nas telas mundiais, em 1996, foi com a recriação da história shakespereana de Romeu e Julieta para o fim do século 20. Cinco anos depois, recriou o mundo de amor, boemia, sexo e drogas do salão de festas/bordel Moulin Rouge na Paris da virada do século 19 para o 20. Na releitura do clássico romance literário O Grande Gatsby, de 2013, mergulhou Leonardo DiCaprio na vida hedonista dos anos 1920. Para a Netflix, assinou a série The Get Down, com onze episódios com uma história de ficção passada no Bronx nova-iorquino com elementos históricos e alguns fatos reais ligados aos primórdios do hip hop. Por falar em rap, o ritmo-e-poesia – em peso igualmente dividido com o soul, a disco music, o rock e a música pop em geral – é algo valioso para as trilhas sonoras destas produções. Luhrmann também capricha demais nos cenários e figurinos, sempre exagerando em cores, brilhos, plumas, paetês, maquiagens e purpurinas. Sua montagem é ligeira e cheia de referências pipocando de tudo quanto é lado da tela, que fazem as histórias se parecerem com extensos videoclipes. Portanto, nada mais natural do que agora apostar em um nome de suma importância na música de todos os tempos: Elvis Presley. E com duração de 2h39min que passa voando!
Tom Parker
O filme se chama Elvis e se passa durante quase todo o tempo de carreira profissional do cantor. Entretanto, Luhrmann acerta em cheio ao mudar o ponto focal da narrativa contada nas telas. Presley vira o protagonista das lembranças daquele que foi seu grande empresário e criador artístico, Coronel Tom Parker. Vivido por Tom Hanks (foto abaixo), Parker mostra neste filme como usou suas habilidades de ilusionista – profissão que exercera antes de mergulhar na persona de poderoso chefão do entretenimento – para cravar seu pupilo na história da música do Século 20 e no coração de milhares de fãs. Hanks pode entregar uma atuação não muito com o seu brilho habitual, mas certamente seu personagem se revela uma peça fundamental para que o espectador compreenda de fato toda a mitologia que passou a cercar o artista dos anos 1950 para cá.
Sangue branco, coração negro
Elvis era um comportado menino de família de classe média baixa do interior dos Estados Unidos. Só que ele vivia na região de Memphis, cidade do estado Tennessee, onde, apesar do conservadorismo da região do Cinturão Bíblico, havia uma forte efervescência cultural dos negros. Quando criança, encantou-se não só com a sonoridade como também toda a performance do gospel. Depois, aos poucos, entrou em contato com o blues e o rhyhtm’n’blues da Beale Street, a rua boêmia que abrigava apresentações de cantores como Sister Rosetta Tharpe, Arthur “Big Boy” Cudrup, BB King e Little Richard. Aos poucos, foi pegando do repertório destes ídolos uma canção aqui e outra ali, modificava os arranjos acrescentando toques de country’n’western, apresentava-se sacolejando o quadril e “recebendo todos os santos possíveis” e montou um poderoso repertório inicial com mísseis como “Trouble”, “Hound Dog” e “Tutti-Frutti”.
Galã em duas frentes
Quando James Dean bateu seu carro e morreu aos 24 anos de idade, no dia 30 setembro de 1955, Hollywood perdeu o ator em quem apostava todas as suas fichas para ser o maior galã pronto para ser consumido pela juventude daquela década. A lacuna entretanto, não demorou muito a ser preenchida. Em janeiro de 1956, já sob o comando de Parker e com seu passe comprado pela gigante RCA do pequeno selo local Sun Records, Elvis, com seus 21 anos recém-completados, lançava seu álbum de estreia e mal poderia prever o futuro estrondoso que logo viria a atropelar sua vida. Charmoso, estiloso (com seu topete e até mesmo um impecável terno cor-de-rosa), bonito e, o principal, com um gogó invejável, capaz de confundir muita gente que, sem conhecer sua imagem, achava se tratar de um cantor negro. O terreno não tardou a ser preparado para que o grande amante do cinema também perseguisse o reconhecimento na carreira de ator. Em virtude da voracidade financeira do Coronel, houve uma overdose de Elvis cantando e atuando em longas-metragens – muito por causa de um prévio trabalho de antecipação para ocupar o vazio provocado pelo seu afastamento dos holofotes nos dois anos em que serviu o exército americano em uma base alemã. Tudo um amontoado de história descartável mas feito sob medida para manter o mito em voga e colocar a caixa registradora tocando sinos com a entrada de muitos dólares em caixa. No filme de Luhrmann, a velocidade com que se passa a fase hollywoodiana de Elvis dá um belo exemplo de quanto tudo isso no fundo foi esquecível para sua carreira na música.
Dores de amores
Interpretado pelo iniciante Austin Butler, o Elvis Presley retratado por Baz Luhrmann é um sofrido ser que sofre de amor o tempo todo. Amor pela música, pelo extenso fã-clube, pela mãe Gladys (foto abaixo), pela namorada/esposa Priscilla, pelos primos e amigos inseparáveis da Máfia de Memphis e até mesmo por aquele que viria a tornar o maior algoz de sua vida pessoal, seu empresário. Sempre aparece em cena sofrendo, perseguindo alguma satisfação por completar um eterno vazio interior. Por isso mesmo acaba se jogando de cabeça em tudo e talvez receba como consequência uma frustração nunca devidamente trocada por recompensas e prazeres. Esta é uma visão humanizada do ídolo fornecida pelo roteiro escrito pelo diretor em parceria com outros três nomes, o que acentua a carga dramática na história contada e com certeza garante uma proximidade emocional com muito espectador sentado na poltrona do cinema.
Narrativa pela música
Um dos pontos fortes do roteiro fica no uso da trilha sonora como ligação para as cenas seguintes, com determinados trechos de canções clássicas gravadas por Elvis e usadas na trilha de forma remixada, até mesmo com a voz (e versos inéditos) de outros artistas contemporâneos. Duas delas, depois da metade do filme, despertam bastante atenção: “Can’t Help Falling In Love” (ligada a questões pessoais) e “Suspicious Minds” (sobre as dificuldades encontradas após a retomada da carreira musical em 1968, após um badalado/polêmico especial feito para a TV). Quanto a esta última, Luhrmann martela à beça os dois versos iniciais (We’re caught in a trap/ I can’t walk out”) para reforçar a deterioração da relação com o mentor que o levou à fama e fortuna.
Trilha sonora estupenda
Filme com a assinatura de Baz Luhrmann é uma festa só na trilha sonora. Literalmente. Neste além de algumas tradicionais canções cantadas por Elvis são incluídas novidades remixadas com a participação de gente como Jack White, Tame Impala, Diplo, Doja Cat, Nardo Wick, Pnau, Swae Lee e Stuart Price mais samples de trechos gravados por Presley e alguns contemporâneos. Há também outras faixas em que o próprio Austin Butler se arrisca nos vocais sem fazer feio ao personagem que interpreta. Por sua vez, profissionais da música (Gary Clark Jr, Yola, Shonka Dukureh) também aparecem no filme na pele e no gogó de artistas como Arthur “Big Boy” Cudrup, Sister Rosetta Tharpe e Big Mama Thornton, respectivamente. De quebra, aparecem também nomes como Chris Isaak, Steve Nicks, Kacey Musgraves, Eminem, Cee-Lo Green e Måneskin.
Contundência na fase Las Vegas
A imagem de um Elvis inchado, quase sem mobilidade e sempre de indumentária de pedrarias e gosto duvidoso marcou os anos em que o cantor tinha residência em Las Vegas (foto acima). Exatamente por isso, é sempre vista como piada e aquela pálida sombra do que um dia o ídolo fora e representara para a juventude. Luhrmann escancara em seu filme os porquês dessa caricatura grotesca. (Atenção: aqui não há spoiler porque tudo isso faz parte da mais do que conhecida biografia de Presley). Imigrante ilegal, o holandês Andreas Cornelius Van Kujik criu uma naturalidade falsa de estadunidense e assumiu a identidade de Tom Parker – o que, claro, fazia com que não tivesse passaporte e não pudesse mais sair do país. Com a retomada da carreira musical e a fama levada para o resto do mundo por causa dos filmes, Elvis começou a pressionar o empresário para fazer turnês no exterior, especialmente pela Europa e inclusive arrumou um produtor para cuidar disso. Para não perder de vez sua mina de ouro (os contratos assinados com o hotel-cassino lhe garantiam o perdão das altas dívidas contraídas com o vicio na jogatina), usou seu todo o seu poder de persuasão e truques de ilusionista (que sempre tira o foco do público de onde realmente se faz as manobras na cena) para ludibriar Elvis e convencê-lo a trocar o giro por outros países por algumas cidades americanas e realizar um show no Havaí transmitido via satélite para o resto do planeta, o que permitiria – quando toda a tecnologia disponível para isso era cara e ainda pouco acessível ao ramo do entretenimento – as fãs de todo lugar ver um concerto seu. Para garantir o controle total de Presley, fez um médico colar no astro e receitar boletas contra a exaustão, ansiedade e depressão. Este é o momento de maior drama de todo o filme, aliás.
Neste último dia 13 de março foi anunciada a morte do ator William Hurt, aos 71 anos de idade, de causas naturais. O ator norte-americano deixou uma extensa trajetória com seu nome nos créditos de interpretação de 106 filmes.
Para os brasileiros, o mais conhecido e importante foi, com certeza, O Beijo da Mulher Aranha. Na produção de 1985, com produção dividida entre Brasil e Estados Unidos e cenas dirigidas por Hector Babenco em São Paulo, sua presença em cena foi tão esfuziante que arrebatou o Oscar de melhor ator daquela temporada.
Em homenagem a Hurt, o Mondo Bacana enumera os oito trabalhos mais significativos de toda a carreira, marcada por uma série de grandes longas-metragens nos anos 1980, praticamente um emendado após o outro.
Corpos Ardentes (1981)
Lawrence Kasdan escreveu o roteiro de dois filmes marcantes do início dos anos 1980: O Império Contra-Ataca e Os Caçadores da Arca Perdida. O passo seguinte natural seria estrear como diretor e ele optou por fazer uma releitura de Pacto de Sangue, clássico filme noir dirigido em 1944 por Billy Wilder. Em Corpos Ardentes, acompanhamos o dia a dia de um advogado comum e sem ambições, Ned Racine, vivido por William Hurt. A vida dele se resume aos poucos clientes que defende e aos dois amigos com quem costuma beber no bar de uma quente cidade da Flórida. Certo dia, ele conhece Matty Walker, papel de estreia de Kathleen Turner, que diz para Ned: “Você não é muito esperto. Gosto disso em um homem”. Tem início um tórrido romance entre os dois que culmina na morte do milionário esposo de Matty. O diretor Kasdan, também autor do roteiro, revela um domínio absoluto de sua narrativa. Todo o elenco merece um destaque especial. Principalmente, Hurt e Turner, que exalam uma química arrebatadora quase sem igual no cinema. Preste atenção na participação de Mickey Rourke, em início de carreira. Corpos Ardentes é simplesmente imperdível.
O Reencontro (1983)
Em sua estreia como diretor, no drama noir Corpos Ardentes, Lawrence Kasdan tinha chamado a atenção da crítica. Ele resolveu, então, partir para uma história mais pessoal e introspectiva e realizou O Reencontro. O filme conta a história de um grupo de sete amigos que estudaram juntos na Universidade de Michigan. Dez anos depois da formatura, ele se reencontram em uma pequena cidade do interior da Carolina do Sul para o funeral de Alex, que se suicidou. Os outros seis: Sam (Tom Berenger), Michael (Jeff Goldblum), Nick (William Hurt), Harold (Kevin Kline), Chloe (Meg Tilly) e Sarah (Glenn Close) aproveitam o momento para fazer um balanço de suas vidas. Kasdan, que escreveu o roteiro junto com Barbara Benedek, inspirou-se em seus amigos dos tempos de faculdade. O Reencontro se desenrola praticamente todo em um mesmo cenário. As personagens falam sem parar e lavam bastante roupa suja. Parece filme francês, mas é americano. E dos bons. O elenco, hoje famoso, na época, em início de carreira, está excepcional. Duas curiosidades: 1) Kevin Costner fez o papel de Alex, mas as cenas de flashback foram cortadas na montagem final. Para compensar, o diretor o colocou em papel de destaque em seu filme seguinte, Silverado (1985); 2) Kasdan pediu ao elenco que ficasse junto antes das filmagens para que desenvolvessem aquela naturalidade comum em velhos amigos. O Reencontro foi indicado a três Oscar: filme, roteiro original e atriz coadjuvante (Glenn Close). Não ganhou nenhum. Ao invés disso, tornou-se cultuado por toda uma geração.
O Beijo da Mulher-Aranha (1985)
“Ela é… bem, ela é algo um pouco estranho. Isso é o que ela percebeu, que ela não é uma mulher como todas as outras. Ela parece toda envolta em si mesma. Perdida em um mundo que ela carrega fundo dentro de si”. É assim que Molina (William Hurt) começa a contar a história de uma mulher misteriosa para Valentin (Raul Julia). Ambos estão presos. O primeiro, é homossexual. O segundo, é um prisioneiro político. Molina adora cinema e para fugir daquela triste realidade, inventa enredos cinematográficos cheio de mulheres fatais, mistério e romance. Uma de suas heroínas é a Mulher-Aranha (Sonia Braga). Primeiro filme internacional dirigido por Hector Babenco, O Beijo da Mulher-Aranha é baseado no livro homônimo escrito pelo argentino Manuel Puig. Após o sucesso de Pixote (1981), Babenco teve as portas de Hollywood abertas e optou por uma trama próxima do universo narrativo com o qual ele estava acostumado. É curioso observar no desenrolar do filme a maneira como os estereótipos vão sendo trabalhados. Nem sempre o mais forte é o mais valente e muito menos o mais fraco se revela um covarde. Uma direção ao mesmo tempo seca e poética, característica marcante do cinema babenquiano. Além disso, estamos diante de um elenco estupendo e de William Hurt em estado de graça. Ele, que conquistou, merecidamente, o Oscar de melhor ator e também diversos outros prêmios de atuação naquele ano. Rodado em São Paulo, o filme teve uma excelente acolhida de crítica e público, o que possibilitou ao diretor outros trabalhos no exterior, mas sem o mesmo sucesso obtido por este.
Nos Bastidores da Notícia (1987)
Se James L. Brooks tivesse apenas produzido Os Simpsons, só isso já seria suficiente para que ele tivesse seu nome marcado na história da TV americana. Brooks, entretanto, fez muito mais do que isso. Ele é a mente criativa por trás de outras séries populares como Mary Tyler Moore e Taxi. Paralelo a seu trabalho na televisão, ele escreveu, produziu e dirigiu alguns filmes para cinema. Um deles trata justamente de um lugar que ele conhece muito bem: uma emissora de TV. Em Nos Bastidores da Notícia acompanhamos um triângulo amoroso-profissional que se estabelece entre as personagens de Tom (William Hurt), Jane (Holly Hunter) e Aaron (Albert Brooks). O filme é uma comédia romântica. Porém, mesmo sem se aprofundar nas questões propostas pelo roteiro, provoca uma discussão sobre ética jornalística e a espetacularização da notícia. Brooks é um ótimo roteirista e um excelente diretor de atores. É fácil comprovar isso pela maneira como o trio principal é apresentado no prólogo e a forma harmoniosa de interação em cena de todo o elenco.
O Turista Acidental (1988)
Existem aqueles que adoram viajar. Outros precisam por conta do trabalho. Alguns até viajam, mas gostam de se sentir em casa quando estão fora. Para este último grupo existe o guia do “turista acidental”. Este é o caso de Macon Leary (William Hurt), que detesta viajar e fazer qualquer coisa fora de sua rotina já programada. No entanto, o trabalho de Macon o “obriga” a viajar continuamente. Ele escreve guia de viagens para quem não gosta de viajar. Baseado no livro de Anne Tyler e adaptado e dirigido por Lawrence Kasdan, esse é o mote inicial de O Turista Acidental. Macon é metódico e vem de uma família igualmente metódica. Sua vida vira de cabeça para baixo quando uma tragédia familiar modifica completamente sua vida e motiva a separação de sua esposa, Sarah (Kathleen Turner), que não entende a aparente indiferença do marido. Um pequeno acidente doméstico faz com que ele conheça Muriel Pritchett (Geena Davis, no papel que lhe rendeu um Oscar de atriz coadjuvante). Kasdan, que iniciou a carreira como roteirista, sabe muito bem como estruturar uma história e faz isso com maestria neste tocante drama que tem seus bons momentos de “respiro” de humor, seja com a figura extrovertida de Muriel ou com a excêntrica família de Macon. E o elenco é de primeira.
Um Golpe do Destino (1991)
É comum ouvirmos dizer que os médicos se sentem como deuses. Muitos deles parecem insensíveis e não costumam estabelecer qualquer tipo de relação mais próxima com os pacientes. Pode até ser verdade, mas, em alguns casos, trata-se de um mecanismo de defesa. O doutor Jack MacKee (William Hurt) se enquadra perfeitamente nos dois grupos citados: sente-se um deus e sem compaixão alguma. Tudo, porém, muda em sua vida quando ele descobre-se um paciente também. Este é o mote deste filme dirigido em 1991 por Randa Haines. O roteiro, escrito por Robert Caswell, baseia-se no livro homônimo de Ed Rosenbaum. A diretora conduz sua narrativa “transitando” em uma tênue linha. Daquelas que têm todos os elementos para cair em melodrama carregado de clichês. Haines consegue escapar das armadilhas e tem em seu elenco o suporte necessário para manter a trama nos trilhos. Um Golpe do Destino fala de mudanças e superações. No entanto, o faz de maneira convincente, sem “forçar a barra”.
Cortina de Fumaça (1995)
“Se você não puder dividir seus segredos com seus amigos, então que tipo de amigo é você?”, pergunta Auggie para Paul. Este responde: “exatamente… a vida não valeria a pena”. Cortina de Fumaça tem como cenário principal uma tabacaria. Muitos dos diálogos do filme giram em torno de cigarros e charutos. Mas isso, como o próprio título nacional já anuncia, isso é apenas uma distração. O filme, dirigido por Wayne Wang, um chinês radicado nos Estados Unidos, a partir de um roteiro do escritor nova-iorquino Paul Auster, é uma ode à amizade. Auggie Wren (Harvey Keitel), é gerente de uma tabacaria no Brooklyn, em Nova York. Seu melhor cliente é o escritor Paul Benjamin (William Hurt), alterego de Auster. Ao redor dos dois orbitam diversas outras personagens e histórias. Auggie, todos os dias, no mesmo horário, bate uma foto da esquina de sua loja. Ele faz isso há anos. Paul precisa escrever um conto de Natal para uma revista e pede ao amigo que lhe conte uma história. É difícil descrever um longa como Cortina de Fumaça. As coisas acontecem de maneira sutil e envolvente. Sem pressa, o roteiro de Auster e a direção de Wang nos conduzem pelas vidas dessas pessoas que, de início, não conhecemos. Quando o filme termina, eles se tornaram nossos melhores amigos. Diálogos inspirados e personagens bem construídas são uma combinação infalível. De cara, você já aprende como medir o peso da fumaça. E no final, ao som da bela “Innocent When You Dream”, cantada por Tom Waits, somos brindados com um belo conto de Natal. E olha que ainda toca uma das melhores versões de “Smoke Gets in Your Eyes”, na voz de Jerry Garcia. Vencedor do Urso de Prata do Festival de Berlim de 1995, Cortina de Fumaça é daqueles filmes para se ter em casa e rever e rever e rever, sempre. Em tempo: logo após as filmagens, Paul Auster dirigiu junto com Wayne Wang, a partir de improvisos dos atores e de alguns outros convidados, uma continuação chamada Sem Fôlego (1995), que é legal, mas não tem o mesmo brilho. O DVD lançado no Brasil pela Editora Europa traz os dois filmes.
A Vila (2004)
Nem sempre é bom quando um artista chama muito a atenção em seus primeiros trabalhos. Quando o cineasta americano de origem indiana M. Night Shyamalan realizou O Sexto Sentido (1999), foi apontado como gênio e por conta da grande surpresa daquele filme criou-se uma enorme expectativa em relação aos seus trabalhos seguintes. De certa forma, Shyamalan, que é um diretor de muito talento, ficou estigmatizado. Não foi diferente com A Vila, lançado cinco anos depois. Aqui, acompanhamos o dia a dia de uma pequena e isolada aldeia que vive sob a contínua ameaça de criaturas que habitam seus arredores. Existe uma espécie de pacto entre os aldeões e os seres estranhos que moram na floresta. Um dos jovens moradores da vila, Lucius Hunt (Joaquin Phoenix), decide explorar a região além da floresta e essa ação provoca uma ruptura no tênue acordo existente. Mais uma vez Shyamalan desenvolve sua história como uma parábola e faz desta história um espelho da sociedade americana. Munido de um elenco dos sonhos, o diretor-roteirista-ator (ele faz uma ponta no filme!) discute, metaforicamente, a violência urbana e questões como segurança, relações familiares e choque de gerações. Conduz sua trama com habilidade e sutileza e nos reserva boas “surpresas”, que funcionam muito bem. Principalmente se o espectador não criar expectativas grandes demais e esperar ver um novo O Sexto Sentido.
Quem já teve a oportunidade de ver o uruguaio Jorge Drexler no palco costuma dizer que cada apresentação é diferente da outra. Atmosfera, conceito, proposta. Tudo se transforma, assim como o título de uma de suas canções mais conhecidas.
No ano passado, o compositor colecionador de prêmios, considerado um dos grandes nomes da música latino-americana, esgotou os ingressos na Ópera de Arame acompanhado de sua banda. Foi uma extensa e intensa tour do álbum Salvavidas de Hielo: cem shows, dezessete países, treze meses de duração, mais de 150 mil pessoas na audiência. O disco foi indicado a um Grammy e levou três Grammy Latino.
Desta vez, Drexler veio a Curitiba para encerrar a turnê de Silente (“silencioso”, em português). E mostrou que ele se basta. Sua voz, sua guitarra com os pedais e o violão a tiracolo são as personagens do show. O protagonista contracena com um cenário minimalista composto por três telas e holofotes que dialogam poeticamente com as canções, num jogo de luzes e sombras incrível.
O cantante – que cursou Medicina e se especializou em otorrinolaringologia – entra no palco de mansinho, sem cerimônia, sem cortina vermelha, após uma canção de fundo como introdução, cuja voz soa familiar. Usa blazer e tênis brancos, como um doutor em música (a música e a medicina, aliás, vêm de família: o pai é médico aposentado e sobrevivente do holocausto, o que explica o sobrenome). A plateia do Teatro Guaíra neste sábado 8 de junho, que já entra no clima silencioso, descobre mais tarde que a voz da canção introdutória é de Pablo, um de seus filhos.
Com um chocalho, ele dá boa noite ao som de “Transporte” e se encanta com a acústica do teatro, aproveitando para explicar a temática do concerto (“nos intervalos dos sons, podemos ouvir o silêncio, que é o tema desta nova turnê”). Este é o fio condutor do show.
Aplausos, silêncio, música: “Eco”, “Estalactitas”, “Guitarra y Vos”. E Drexler baixa a voz para dar lugar ao coral afinado do teatro. No intervalo das canções, o cantor conversa com o público como se estivesse em casa. Pergunta qual a playa en Uruguay da qual a plateia mais gosta. Conta histórias sentado. Banquinho e violão com maestria, a la João Gilberto.
Faz confidências e volta ao passado. Ao dia em que apresentou sua primeira composição – a milonga “La Aparecida” – ao seu professor de harmonia (que tinha um pôster de Lênin na parede) e teve como resposta “vai ser um sucesso na Argentina”. E Drexler se tornou um sucesso mundial, principalmente depois do Oscar. Quem não se lembra de seu ato de protesto ao receber a estatueta pela canção original do filme Diários de Motocicleta (dirigido pelo brasileiro Walter Salles Júnior), a primeira em língua espanhola a faturar o prêmio. “Al Otro Lado del Río” foi interpretada na cerimônia de 2005 pelo ator Antonio Banderas, já que Drexler era até então desconhecido por aquelas bandas.
Mas isso é passado. Hoje o carismático e generoso cantor agradece o público pela recepção da sua língua emendando um causo no outro. De forma descontraída, relata o momento em que Chico Buarque ouviu pela primeira vez a obra-prima de Tom e Vinícius que o fez largar o curso de Arquitetura e se enveredar pela música. E começa a dedilhar “Chega de Saudade” – o marco da bossa nova – no ritmo regional da milonga.
Em poucos minutos, o médico-músico dá uma aula de ciências. Senta-se ao lado de um pêndulo de Newton, que é usado como instrumento percussivo em “Abracadabras”. Explica o surgimento do objeto da mecânica, viajando de Galileu, Newton, até chegar a Lavoisier, o criador da lei da conservação das massas (“na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”). Então, todos decifram a próxima canção: “Todo se Transforma” (aquela em que cita Salvador, a capital da Bahia). E emenda “Disneylândia”, canção dos Titãs sobre a multiculturalidade da América Latina, que regravou em 12 Segundos de Obscuridad tendo a participação de Arnaldo Antunes.
Com o espetáculo se dirigindo ao fim, o silêncio passa a ser incontrolável. No momento mais político do show, o público se manifesta quando o cantor defende a educação pública e arranca aplausos antes da hora. “Deixem eu terminar”, pede o professor à plateia. Silêncio novamente para ouvir o mestre.
Drexler ainda usa voz distorcida para cantar a belíssima “La Edad del Cielo”, que tem versão de Paulinho Moska. E guarda uma surpresa para final: foge do roteiro e chama ao palco Tiago Iorc para cantar de chinelos a premiada “Al Otro Lado del Río (que não fora executada nas demais apresentações desta turnê). Foi uma espécie de retribuição ao fato de Tiago tê-la incluído no show que fizera com Milton Nascimento. Recentemente, o uruguaio também participou da gravação do Acústico MTV de Iorc, ainda sem data de lançamento.
Foi um final digno de prêmio para quem estava lá no Guaíra.
Set List: “Transporte”, “Eco”, “Estalactitas”, “Deseo”, “Guitarra y Vos”, “La Aparecida”, “Salvapantallas”, “Chega de Saudade”, “Abracadabras”, “Todo Se Transforma”, “Disneylândia”, “Asilo”, “La Vida és Más Completa de lo que Parece”, “Soledad”, “La Edad del Cielo”, “A la Sombra del Ceibal”, “Pongamos que Hablo de Martínez”, “Sea”. Bis: “Movimiento”, “Silencio” e “Al Otro Lado del Río”.