Movies, Music

Elvis

Oito motivos para não deixar de assistir à cinebiografia do ídolo do rock, escrita, produzida e dirigida por Baz Luhrmann

Texto por Abonico Smith

Foto: Warner/Divulgação

Nesta quinta-feira estreia em circuito nacional o primeiro longa-metragem em nove anos assinado pelo diretor, produtor e roteirista Baz Luhrmann. Elvis (Austrália/EUA, 2022 – Warner) chega aos cinemas simultaneamente a outros países da América latina, como México e Argentina – portanto, não dá para se cravar que a “coincidência” de data com a estapafúrdia ideia de se celebrar do Dia Mundial do Rock um dia antes (13 de julho). Por vários motivos, aliás. Primeiro, porque não existe um dia ou sequer um marco específico para se comemorar como o mais significativo para o gênero, que não brotou do nada, não foi inventado por ninguém em especial e foi formado graças a toda uma conjuntura de fatos históricos e sociais. Depois porque escolher 13 de julho por causa de realização do Live Aid em 1985, simultaneamente em dois continentes, é de uma tacanhice só em relação a toda a história do rock. Em relação à trajetória dos grandes festivais, aliás, todo mundo sabe da insignificância do Live Aid perante a antecessores como Woodstock (1969, o que levou mais gente na história), Monterey (1967, o realmente primeiro evento gigante do tipo) e ainda mesmo o nosso Rock In Rio (que, seis meses antes, colocou o Brasil na rota dos grandes festivais e ainda trouxe o Queen de volta aos palcos antes mesmo do Live Aid). Por fim, nada disso de Dia do Rock é mundial. A alcunha nasceu de um papo-furado inventado por uma estação de rádio paulistana para justificar um evento com vários shows com a participação de bandas de rock da cidade (e brasileiro adora acreditar em fake news!).

Mondo Bacana destrincha oito motivos pelos quais, apesar do tal do “Dia do Rock”, você não pode perder o filme que leva às telas um pouco da biografia daquele que não só foi um dos grande pioneiros do gênero, como também cravou seu nome no panteão dos maiores ícones musicais de todo o século 20.

Baz Luhrmann

Todo mundo sabe que os filmes do australiano são intimamente ligados à música. Sua estreia nas telas mundiais, em 1996, foi com a recriação da história shakespereana de Romeu e Julieta para o fim do século 20. Cinco anos depois, recriou o mundo de amor, boemia, sexo e drogas do salão de festas/bordel Moulin Rouge na Paris da virada do século 19 para o 20. Na releitura do clássico romance literário O Grande Gatsby, de 2013, mergulhou Leonardo DiCaprio na vida hedonista dos anos 1920. Para a Netflix, assinou a série The Get Down, com onze episódios com uma história de ficção passada no Bronx nova-iorquino com elementos históricos e alguns fatos reais ligados aos primórdios do hip hop. Por falar em rap, o ritmo-e-poesia – em peso igualmente dividido com o soul, a disco music, o rock e a música pop em geral – é algo valioso para as trilhas sonoras destas produções. Luhrmann também capricha demais nos cenários e figurinos, sempre exagerando em cores, brilhos, plumas, paetês, maquiagens e purpurinas. Sua montagem é ligeira e cheia de referências pipocando de tudo quanto é lado da tela, que fazem as histórias se parecerem com extensos videoclipes. Portanto, nada mais natural do que agora apostar em um nome de suma importância na música de todos os tempos: Elvis Presley. E com duração de 2h39min que passa voando!

Tom Parker

O filme se chama Elvis e se passa durante quase todo o tempo de carreira profissional do cantor. Entretanto, Luhrmann acerta em cheio ao mudar o ponto focal da narrativa contada nas telas. Presley vira o protagonista das lembranças daquele que foi seu grande empresário e criador artístico, Coronel Tom Parker. Vivido por Tom Hanks (foto abaixo), Parker mostra neste filme como usou suas habilidades de ilusionista – profissão que exercera antes de mergulhar na persona de poderoso chefão do entretenimento – para cravar seu pupilo na história da música do Século 20 e no coração de milhares de fãs. Hanks pode entregar uma atuação não muito com o seu brilho habitual, mas certamente seu personagem se revela uma peça fundamental para que o espectador compreenda de fato toda a mitologia que passou a cercar o artista dos anos 1950 para cá.

Sangue branco, coração negro

Elvis era um comportado menino de família de classe média baixa do interior dos Estados Unidos. Só que ele vivia na região de Memphis, cidade do estado Tennessee, onde, apesar do conservadorismo da região do Cinturão Bíblico, havia uma forte efervescência cultural dos negros. Quando criança, encantou-se não só com a sonoridade como também toda a performance do gospel. Depois, aos poucos, entrou em contato com o blues e o rhyhtm’n’blues da Beale Street, a rua boêmia que abrigava apresentações de cantores como Sister Rosetta Tharpe, Arthur “Big Boy” Cudrup, BB King e Little Richard. Aos poucos, foi pegando do repertório destes ídolos uma canção aqui e outra ali, modificava os arranjos acrescentando toques de country’n’western, apresentava-se sacolejando o quadril e “recebendo todos os santos possíveis” e montou um poderoso repertório inicial com mísseis como “Trouble”, “Hound Dog” e “Tutti-Frutti”. 

Galã em duas frentes

Quando James Dean bateu seu carro e morreu aos 24 anos de idade, no dia 30 setembro de 1955, Hollywood perdeu o ator em quem apostava todas as suas fichas para ser o maior galã pronto para ser consumido pela juventude daquela década. A lacuna entretanto, não demorou muito a ser preenchida. Em janeiro de 1956, já sob o comando de Parker e com seu passe comprado pela gigante RCA do pequeno selo local Sun Records, Elvis, com seus 21 anos recém-completados, lançava seu álbum de estreia e mal poderia prever o futuro estrondoso que logo viria a atropelar sua vida. Charmoso, estiloso (com seu topete e até mesmo um impecável terno cor-de-rosa), bonito e, o principal, com um gogó invejável, capaz de confundir muita gente que, sem conhecer sua imagem, achava se tratar de um cantor negro. O terreno não tardou a ser preparado para que o grande amante do cinema também perseguisse o reconhecimento na carreira de ator. Em virtude da voracidade financeira do Coronel, houve uma overdose de Elvis cantando e atuando em longas-metragens – muito por causa de um prévio trabalho de antecipação para ocupar o vazio provocado pelo seu afastamento dos holofotes nos dois anos em que serviu o exército americano em uma base alemã. Tudo um amontoado de história descartável mas feito sob medida para manter o mito em voga e colocar a caixa registradora tocando sinos com a entrada de muitos dólares em caixa. No filme de Luhrmann, a velocidade com que se passa a fase hollywoodiana de Elvis dá um belo exemplo de quanto tudo isso no fundo foi esquecível para sua carreira na música.

Dores de amores

Interpretado pelo iniciante Austin Butler, o Elvis Presley retratado por Baz Luhrmann é um sofrido ser que sofre de amor o tempo todo. Amor pela música, pelo extenso fã-clube, pela mãe Gladys (foto abaixo), pela namorada/esposa Priscilla, pelos primos e amigos inseparáveis da Máfia de Memphis e até mesmo por aquele que viria a tornar o maior algoz de sua vida pessoal, seu empresário. Sempre aparece em cena sofrendo, perseguindo alguma satisfação por completar um eterno vazio interior. Por isso mesmo acaba se jogando de cabeça em tudo e talvez receba como consequência uma frustração nunca devidamente trocada por recompensas e prazeres. Esta é uma visão humanizada do ídolo fornecida pelo roteiro escrito pelo diretor em parceria com outros três nomes, o que acentua a carga dramática na história contada e com certeza garante uma proximidade emocional com muito espectador sentado na poltrona do cinema.

Narrativa pela música

Um dos pontos fortes do roteiro fica no uso da trilha sonora como ligação para as cenas seguintes, com determinados trechos de canções clássicas gravadas por Elvis e usadas na trilha de forma remixada, até mesmo com a voz (e versos inéditos) de outros artistas contemporâneos. Duas delas, depois da metade do filme, despertam bastante atenção: “Can’t Help Falling In Love” (ligada a questões pessoais) e “Suspicious Minds” (sobre as dificuldades encontradas após a retomada da carreira musical em 1968, após um badalado/polêmico especial feito para a TV). Quanto a esta última, Luhrmann martela à beça os dois versos iniciais (We’re caught in a trap/ I can’t walk out”) para reforçar a deterioração da relação com o mentor que o levou à fama e fortuna.

Trilha sonora estupenda

Filme com a assinatura de Baz Luhrmann é uma festa só na trilha sonora. Literalmente. Neste além de algumas tradicionais canções cantadas por Elvis são incluídas novidades remixadas com a participação de gente como Jack White, Tame Impala, Diplo, Doja Cat, Nardo Wick, Pnau, Swae Lee e Stuart Price mais samples de trechos gravados por Presley e alguns contemporâneos. Há também outras faixas em que o próprio Austin Butler se arrisca nos vocais sem fazer feio ao personagem que interpreta. Por sua vez, profissionais da música (Gary Clark Jr, Yola, Shonka Dukureh) também aparecem no filme na pele e no gogó de artistas como Arthur “Big Boy” Cudrup, Sister Rosetta Tharpe e Big Mama Thornton, respectivamente. De quebra, aparecem também nomes como Chris Isaak, Steve Nicks, Kacey Musgraves, Eminem, Cee-Lo Green e Måneskin.

Contundência na fase Las Vegas

A imagem de um Elvis inchado, quase sem mobilidade e sempre de indumentária de pedrarias e gosto duvidoso marcou os anos em que o cantor tinha residência em Las Vegas (foto acima). Exatamente por isso, é sempre vista como piada e aquela pálida sombra do que um dia o ídolo fora e representara para a juventude. Luhrmann escancara em seu filme os porquês dessa caricatura grotesca. (Atenção: aqui não há spoiler porque tudo isso faz parte da mais do que conhecida biografia de Presley). Imigrante ilegal, o holandês Andreas Cornelius Van Kujik criu uma naturalidade falsa de estadunidense e assumiu a identidade de Tom Parker – o que, claro, fazia com que não tivesse passaporte e não pudesse mais sair do país. Com a retomada da carreira musical e a fama levada para o resto do mundo por causa dos filmes, Elvis começou a pressionar o empresário para fazer turnês no exterior, especialmente pela Europa e inclusive arrumou um produtor para cuidar disso. Para não perder de vez sua mina de ouro (os contratos assinados com o hotel-cassino lhe garantiam o perdão das altas dívidas contraídas com o vicio na jogatina), usou seu todo o seu poder de persuasão e truques de ilusionista (que sempre tira o foco do público de onde realmente se faz as manobras na cena) para ludibriar Elvis e convencê-lo a trocar o giro por outros países por algumas cidades americanas e realizar um show no Havaí transmitido via satélite para o resto do planeta, o que permitiria – quando toda a tecnologia disponível para isso era cara e ainda pouco acessível ao ramo do entretenimento – as fãs de todo lugar ver um concerto seu. Para garantir o controle total de Presley, fez um médico colar no astro e receitar boletas contra a exaustão, ansiedade e depressão. Este é o momento de maior drama de todo o filme, aliás.