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Destino das Sombras

Longa nacional de terror mostra que uma boa e assustadora história também pode ser baseada em problemas sociais do nosso dia a dia

Texto por Frederico DiLullo

Foto: Moro Filmes/Divulgação

Sim, já é uma realidade: o terror emerge como uma vertente ousada no cenário cinematográfico brasileiro contemporâneo. Com uma rica diversidade cultural como pano de fundo, essa categoria tem conquistado espaço e admiradores, revelando-se uma poderosa ferramenta para a expressão de temores e angústias do dia a dia.

Essa diversidade está presente em Destino das Sombras (Brasil, 2023 – Moro Filmes), que estreia no próximo dia 10 em algumas capitais. Com direção de Klaus’Berg, doutor em Comunicação Social e cofundador do canal virtual de humor TV Quase, o longa conta a história dos amigos Sérgio e Marcos, que decidem passar um fim de semana em um sítio para se afastarem dos problemas familiares que abatem o segundo e a sua pequena filha, Eduarda.  No entanto, eles logo descobrem que o lugar possui uma história obscura, onde o real e o subconsciente começam a se misturar. O que é real, afinal? E o que é fantasia? Esse contexto ainda é marcado por misteriosos casos de desaparecimento de crianças na região. 

Incertos sobre a veracidade dos relatos sobrenaturais contados pelas poucas pessoas que vivem ali, os amigos acabam enfrentando ameaças reais ocultas pela escuridão. Conforme a trama vai se desenrolando, as linhas temporais do passado e do presente se fundem numa só, onde algumas respostas sobre desparecimento de crianças começam a ser revelados.

Um outro ponto interessante é a trilha sonora envolvente, que conduz a narrativa de forma evocativa cada situação. E todos esses axiomas levam o filme a ser uma narrativa de horror e suspense que parte do grande medo social que é o desaparecimento infantil. Esse trauma real exibe uma tríade junto ao psicopatológico e o sobrenatural.

Destino das Sombras é um bom filme de terror, vai agradar aos fãs do gênero. Carrega uma história interessante e atmosfera de suspense bem construída. De quebra, também consegue ser assustador sem recorrer a clichês ou sustos fáceis. 

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Virgens Acorrentadas

Diretor curitibano Paulo Biscaia Filho acerta a mão na sátira à vertente slasher das histórias de horror em sua primeira empreitada norte-americana

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Moro Filmes/Divulgação

O que fazer quando você envia o roteiro de um filme para várias empresas e todas elas retornam com uma resposta negativa somada a uma desculpa esfarrapada qualquer? O jeito é se desvencilhar das expectativas e frustrações e partir para o empreendimento próprio, bancando e produzindo a própria obra. É o que faz o personagem Shane em Virgens Acorrentadas (Virgin Cheerleaders In Chains, EUA/Brasil, 2017 – Moro Filmes), produção independente americano com pitadas brasileiras que estreia hoje, de forma hercúlea, em quase duas dezenas de salas comerciais nacionais.

Na verdade, VCIC é o nome do filme que Shane, sua namorada e seus colegas começam a fazer dentro do filme. A história dentro da história. Metalinguagem. Surge de sonhos frequentes que o roteirista e agora produtor de si próprio anda tendo. Segue a vertente do slasher (também conhecida entre os fãs do horror como torture porn, por misturar imagens de sugestão sexual e violência gráfica). Então, a turma segue para uma chácara afastada, escolhida como locação. Seus moradores são gente estranha. E, claro, como não poderia deixar de acontecer em um filme de horror, a coisa toda começa a desandar quando espirram as primeiras gotas de sangue.

Só que, de uma certa forma, a história desenvolvida neste longa-metragem também é o que aconteceu ao norte-americano Gary Gannaway. Desiludido com os sucessivos não tomados diante do roteiro escrito para VCIC, resolveu ele mesmo tomar a frente da produção e financiar o projeto com a ajuda de alguns benfeitores e vaquinha de colaboradores. Para dividir a direção, convocou o curitibano Paulo Biscaia Filho, de quem havia se tornado amigo em 2012, quando os dois estiveram dando um rolê pelo NOLA Horror Film Fest, o festival de cinema de horror realizado na cidade de New Orleans. O diretor e cabeça da companhia Vigor Mortis de teatro e filmes topou a empreitada e embarcou para a cidade de Austin, no Texas, para rodar as filmagens com atores locais em um período de três semanas.

Saber que o nome de Biscaia está no projeto significa que este está longe de ser um filme slasherconvencional. Pelo contrário. Diretor e roteirista aqui afinam sua parceria para exibir um humor inteligente e mordaz. Volta e meia os diálogos satirizam o mercado cinematográfico em geral, suas batidas fórmulas comerciais (enem sempre eficazes, diga-se de passagem), as condutas de seus profissionais. Em uma hora, a namorada de Shane, a co-produtora Chloe, solta a pérola de que “o recurso da “metametalinguagem” fica algo meio impossível para ser utilizado na trama. Ao mesmo tempo, porém, brindam o espectador com algo em comum à dupla: o amor pelo cinema, algo que move alguém a fazer um filme com orçamento irrisório (segundo o próprio Biscaia, algo que não chega a uma fração representativa do budget mais barato das produções mais baratas de estúdios norte-americanos) e, ainda assim, entregar uma obra com qualidade, paixão e, o principal, inteligência para nunca subestimar o espectador.

VCIC também atira farpas nos clichês do estabilishment cultural dos Estados Unidos. Já começa pela inclusão do símbolo da cheerleader sendo preso em correntes e massacrado fisicamente – por sinal, a adaptação do título para o português tirou a palavra exatamente por esta não ter tradição no Brasil. Questões econômicas (o pai que banca o filho empreendedor), profissionais (a aspirante a atriz que, para pagar as contas, trabalha num inferninho à noite fazendo pole dance e strip tease) e das drogas (o irmão de Shane, envolvido no fumacê constante e que às vezes costuma ter sacadas melhores que o profissional da área).

VCIC é um típico representante metaslahser, capaz de entreter sem dispensar questionamentos e críticas ao subgênero do horror pelo qual o próprio enredo segue. O melhor é que o roteiro vai surpreendendo quem está sentado na cadeira da sala de projeção durante todo o desenrolar da história. Por fim, vão duas dicas importantes. Não pisque durante nenhum segundo até a cena final do filme e, sobretudo, não confie principalmente em quem mais parece ser uma pessoa ingênua e inocente ali.

PS: Sim, assim como fizera em longas anteriores (Morgue Story: Sangue, Baiacu e Quadrinhos e Nervo Craniano Zero), Biscaia faz uma rápida aparição em VCIC. Agora gastando o inglês na frente das câmeras apenas para esbanjar bom humor em uma reunião de executivos do mundo do cinema.