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Elementos

Nova animação com os selos Pixar e Disney aposta em uma comédia romântica que traz o modo de lidar com as diferenças como tema principal

Texto por Carolina Genez

Foto: Pixar/Disney/Divulgação

Em Elementos (Elemental, EUA, 2023 – Pixar/Disney), somos jogados para dentro da metrópole Elemento, um local onde seres de terra, fogo, água e ar convivem entre si. O longa acompanha Faísca, uma garota de fogo que sonha em assumir a loja de seu pai mas não consegue manter a calma até conhecer Gota, um garoto de água.

Em seu 16º longa-metragem, a Pixar resolveu apostar em algo diferente e levar para as telas uma comédia romântica trazendo os mais conhecidos clássicos e clichês do subgênero. Os protagonistas são muito diferentes e tiveram criações distintas. A família da garota não gosta do rapaz e ainda por cima ela precisa cumprir com as expectativas dos seus pais. Tudo isso, porém, é apresentado da maneira Pixar, conseguindo, assim, fugir do enjoativo.

Apesar de se tratar da primeira animação da casa categorizada como comédia romântica, Elementos ainda tem muitos fatores em comum com outras obras da Disney e da Pixar, em principal Zootopia e Divertidamente. Assim como em Zootopia, aqui somos apresentados a uma sociedade que funciona de modo similar à nossa mas que ainda assim traz outros seres como habitantes – o que resulta em diversas reflexões. Neste novo longa são abordados diversos temas de maneira forte e bem colocadas dentro da história, como as diferenças, a imigração e o próprio preconceito, mostrado conscientemente através de metáforas e alegorias. Elementos, aliás, é de certa forma inspirado em uma história real: a história dos pais do diretor Peter Sohn, que deixaram a Coreia e se mudaram para os Estados Unidos sem saber o idioma inglês. 

Já em relação a Divertidamente, a relação é um pouco mais subjetiva e vem na maneira como os sentimentos são muito fortes dentro dos seres elementais e como eles são representados. Seja em Gota ou Faísca, os sentimentos são muito importantes dentro de ambos os protagonistas e dizem muito sobre suas personalidades e os próprios elementos da natureza. Além disso, o jeito como eles são demonstrados, principalmente os de Faísca, não só é bem resolvido como também ajuda o espectador a se conectar com os personagens e entender as respectivas angústias.  O longa também acaba lembrando outras produções mais recentes com os selos da Pixar e da Disney, como Red – Crescer é uma Fera ou Encanto, pela questão interna de Gota e Faísca. Isto é, a expectativa que os pais têm sobre eles e a pressão que sofrem por conta disso.

O roteiro de Elementos, então, traz uma trama que mistura comédia romântica e aventura, mostrando os dois personagens se apaixonando e também aprendendo um com o outro, assim passando por um desenvolvimento interior. As ideias e temas abordados são bons, porém peca-se em  querer abranger diversos assuntos e desenvolver uns em demasia e outros de menos. Lógico, o filme tem momentos ótimos dentro de sua história com metáforas extremamente claras. Ao final, contudo, deixa a sensação de que diversos temas tiveram resoluções fáceis e simples ou até mesmo não foram tão mostrados como poderiam. Um exemplo é a própria vida na cidade Elemento.

Em relação aos personagens, o destaque é Faísca. Ela traz problemas universais, querendo agradar seus pais mesmo que isso signifique fazer algo que ela não gosta (afinal ele se mudaram para a cidade grande em busca de condições melhores). A garota é carismática, cheia de personalidade e tem pouco jeito com outros seres, estando em estado de constante estresse. Já Gota possui alguns bons momentos embora, em geral, seja muito fraco e chato em comparação a Faísca, revelando-se tranquilo como a água e, com isso, um pouco sem graça.

Elementos também se destaca pelo aspecto técnico, que consegue trazer novamente às telas toda aquela magia da Pixar. A empresa, controlada pela Disney, tem como um de seus focos as técnicas de animação, que impressionam desde os primeiros curtas. Aqui não é diferente. Dentro do filme visitamos um mundo mágico elemental que traz as mais diversas formas e luzes, fazendo referência às próprias criaturas que ali habitam. 

A animação dos quatro tipos de personagens também chama atenção, já que cada um deles carrega traços bem diferentes. A de Faísca e dos outros seres de fogo parece quase feita a lápis, mas ainda assim sendo cheia de movimento, visto o balançar constante das chamas. Já Gota tem um design mais cartunesco e arredondado, o que também diz muito sobre a personalidade tranquila e amigável do personagem de água.Ao final, Elementos entrega ótimas ideias, uma linda animação e uma grande protagonista. Só que esbarra em um resultado total previsível e algo que já fora apresentado em outras animações. 

Movies

A Pequena Sereia

Live action de clássica animação da Disney traz 52 minutos adicionais, novas canções e Halle Bailey impressionando como Ariel

Texto por Carolina Genez

Foto: Disney/Divulgação

Ariel é a filha caçula do Rei Tritão, governante dos sete mares. Por ser a mais nova, a pequena sereia vive sob regras extremamente restritas que em principal a proíbem de ir até a superfície e interagir com os humanos. Curiosa, magoada pelo pai e determinada a conhecer o mundo acima da água, ela é seduzida pelas promessas da bruxa Úrsula, que oferece pernas em troca da voz da garota.

A primeira adaptação do conto de Hans Christian Andersen produzida pela Disney em 1989 teve um grande peso dentro da empresa, sendo responsável por salvar o departamento de animações do Mickey Mouse, que estava passando por um período difícil depois de fracassos comerciais entre os anos 1970 e 1980. Com uma princesa muito carismática e músicas animadas, o longa abriu portas para outras produções como A Bela e a Fera e O Rei Leão e chegou inclusive a ser indicado a três estatuetas do Oscar, levando duas para casa. Por causa da relevância e da qualidade do seu antecessor, as expectativas em cima do live action anunciado para chegar aos cinemas em 2023 estavam altas.

Eis que estreia nesta semana a nova versão de A Pequena Sereia (EUA, 2023 – Disney), agora com atores. O roteiro de ambos os filmes são bem similares, contando inclusive com alguns mesmos diálogos. Porém, com 52 minutos adicionais, o live action consegue acrescentar momentos e músicas, alem de desenvolver melhor cada um dos personagens de uma maneira que melhora e complementa a história mas ainda mantém a essência que o desenho trouxe para a narrativa. Essas mudanças foram aprovadas não só pelos fãs da animação como também pela atriz Jodi Benson, que deu a voz à princesa Ariel no longa de 1989.

O filme de 2023 abre com uma citação do próprio Hans Christian Andersen (“Uma sereia não tem lágrimas, assim ela sofre muito mais”), que fica com o espectador do começo até o final, principalmente nas cenas mais dramáticas. As novas músicas também se destacam ao longo da história, sendo acrescentadas de maneira orgânica e trazendo muito para dentro da narrativa. A trilha sonora original foi escrita por Alan Menken. Já para o live action, o compositor recebeu a ajuda do talentosíssimo Lin Manuel-Miranda.

Outra das mudanças positivas foi o melhor desenvolvimento da personalidade de Eric. Aquele de 1989, comparado com os príncipes encantados das outras princesas da Disney, tinha bastante personalidade mas não o suficiente para os dias de hoje. Agora Eric não só ganha uma música para chamar de sua, como também somos apresentados aos seus sonhos e vontades, similares às de Ariel (louco para explorar o mundo embora sua mãe queira que ele fique na proteção de seu palácio). Esse acréscimo, apesar de simples, permite com que os espectadores também se conectem com o personagem e faz com que o amor entre os dois personagens seja mágico porém mais natural.

 O romance dentro do filme também foi bem desenvolvido com esses minutos adicionais. Na animação isso já fora bem executado – apesar da intensidade de amor à primeira vista, por ter cedido sua voz, Eric não reconhece Ariel e assim acaba se apaixonando “novamente” pela garota de maneira gradual ao longo da história. No live action o foco na relação é grande, com diversas cenas em que os personagens percebem o quanto têm em comum e aproveitam a companhia um do outro – o que torna a narrativa ainda mais envolvente, também pela química dos atores.

Por falar em romance, durante o longa em diversos momentos é colocada de maneira clara a independência de Ariel, algo muito questionado ao longo dos anos. A princesa sempre quis conhecer a superfície e Eric e sua paixão foi apenas mais um motivo a mais. Dentro do filme, além de “Part Of Your World”, que já expressa as vontades da garota, a nova canção “For The First Time” mostra com perfeição a personalidade da sereia curiosa, determinada, querendo conhecer o novo mundo mas ainda assim assustada com as novidades. E tudo isso na voz potente de Halle Bailey.

A atriz e cantora aqui entrega uma performance digna de longos aplausos, encarnando perfeitamente como Ariel e sendo o verdadeiro destaque dentro do filme. Bailey dá vida a uma protagonista muito corajosa e apaixonante, com muito da essência daquela de 1989, mas construindo a personagem à sua maneira. Desta maneira, impressiona e cativa desde o primeiro momento. E a voz potente da atriz engrandece todas as músicas do filme, desde aquelas que canta solo até as que acompanha em segundo plano. Halle também impressiona pela expressão corporal e performance nas cenas em que Ariel fica sem voz.

Assim como no primeiro filme, os coadjuvantes também não ficam para trás. Aqui a temida Úrsula é vivida pela carismática Melissa McCarthy, que traz uma performance exagerada (num bom sentido) e extremamente debochada. Sua atuação bem teatral fica perfeita para a personagem. Já os amigos de Ariel estão muito afiados, apesar de realistas demais. Linguado (Jacob Tremblay) é extremamente fiel a Ariel e traz divertidos momentos principalmente no começo do filme. Já Sebastião (o talentoso Daveed Diggs) é o braço-direito do rei Tritão e ajuda a princesa a sair de sua enrascada trazendo uma maravilhosa performance da música “Under The Sea”. Por fim, a dublagem de Sabichão acaba incomodando um pouco pela voz da atriz Awkwafina ser extremamente reconhecível. Ainda assim, traz engraçados momentos e recebe uma música só sua, “The Scuttlebutt”, com traços reconhecíveis das obras de Lin Manuel-Miranda.

A Pequena Sereia também ganha muito com os avanços tecnológicos e transporta os espectadores para um mundo mágico, tanto embaixo da água quanto na superfície. Sob o mar tudo é muito colorido e quase viciante de se olhar por causa de diversas criaturas e cenários maravilhosos. O CGI e a maneira natural como Ariel se movimenta também impressionam. Já em terra temos a chance de explorar mais do castelo e da cidade de Eric, ambos também recheados de cores e objetos interessantes. Isso faz entender ainda mais a curiosidade de Ariel.

Apaixonante, satisfatório e divertido, o novo filme consegue emplacar como uma das melhores adaptações feitas pela Disney nessa leva de live actions. Prende os espectadores do começo até o fim, melhorando a narrativa de 1989 e apresentando uma ótima performance de Halle Bailey.

Movies

Não! Não Olhe!

Jordan Peele volta à telas com um thriller recheado de suspense e reflexões sobre a perversidade da indústria do entretenimento

Texto por Carolina Genez

Foto: Universal/Divulgação

O longa-metragem acompanha os irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) no vale Santa Clarita, nos arredores de Los Angeles. Os dois vivem em um rancho herdado do pai Otis Haywood Sr (Keith David), que trabalhava como domador de cavalos que eram utilizados pela indústria cinematográfica. Eles querem continuar com os negócios, porém enfrentam muitos desafios, inclusive tendo de vender diversos animais para conseguir manter a propriedade. Até que um dia OJ e Emerald se deparam com fenômenos inexplicáveis que passam a acontecer por lá. Tentando sair da crise financeira, querem filmar e registrar esse mistério com estratégias cada vez mais elaboradas.

Assim como os irmãos, Ricky “Jupe” Park (Steven Yeun), também se interessa em lucrar em cima desses eventos estranhos. Jupe é dono do rancho vizinho dos Haywood, o Jupiter’s Claim, que é um parque temático no estilo da Corrida de Ouro da Califórnia. Ele ficou conhecido por ter sido astro mirim, mas teve sua carreira marcada por uma tragédia que ocorrera em uma série da qual participava. 

Em Não! Não Olhe! (Nope, EUA/Japão, 2022 – Universal) Jordan Peele volta a surpreender o espectador em seu terceiro longa. Depois do sucesso de Corra! (2017) e Nós (2019), o diretor e roteirista apresenta mais uma vez com um thriller recheado de tensão. Apesar dos três filmes terem características marcantes do diretor e roteirista, as obras são muito diferentes entre si. Dessa vez, explora o território da ficção científica e traz reflexões sobre a indústria do entretenimento, o espetáculo envolvido na mídia e toda violência e oportunismo presente na área. 

E uma das formas mais claras dessa violência do showbiz é o próprio personagem Jupe, que, mesmo traumatizado por seu passado, vê na sua tragédia exposta exacerbadamente em tabloides uma forma dele mesmo lucrar, criando uma espécie de museu sádico. Com isso, o filme também traz críticas aos consumidores desses tipo de conteúdo “espetacular”, já que a maioria das ações dos personagens são justificadas pelo retorno, já que eles sabem que tal tipo de mídia rende muita visibilidade. 

Ainda nesta questão, o longa critica à própria exploração desse meio em relação às pessoas e principalmente aos animais – essas “criaturas” são constantemente humilhadas e destratadas para garantir entretenimento. a crítica fica ainda mais forte nas ações de Jupe com OJ. O primeiro enxerga os animais como objetos, talvez refletindo a forma que o mesmo era tratado quando ator-mirim, quando o lucro era visado acima de qualquer outra coisa. Já o segundo, de fato, cria uma relação com cada um dos animais, tendo cuidado e respeito com os bichos.

Uma das características em comum com as obras anteriores de Peele é a construção da tensão feita de forma impecável, realmente trazendo o espectador para dentro da trama e dando a ele a oportunidade de sentir o mesmo que os personagens, prendendo a atenção do começo até o fim graças ao suspense em tela. Parte disso é gerada pelo resgate da essência dos blockbusters vintage, trazendo uma história que à primeira vista parece simples e explorando-a de forma compreensível, interessante e de certa forma trazendo um novo ponto de vista e algo cheio de aventura. Não à toa que o filme lembra muito Contatos Imediatos de Terceiro Grau, feito em 1977 por Steven Spielberg, construindo o suspense em cima do medo do desconhecido também por parte do público. 

Essa sensação de aventura também é intensificada na trilha sonora. As músicas fazem referências aos grandes filmes de faroeste do passado mas ainda assim apresentam melodias sinistras, que conseguem arrepiar e assustar. Além disso, os movimentos de câmera e enquadramentos também impressionam. Peele, embora se utilize de técnicas já costumeiras dos filmes de terror, aposta em uma fotografia mais colorida (tais cores se destacam na vastidão do deserto em que a trama se passa) e grandes espaços abertos durante o dia (quesito que lembra muito o assustador Midsommar), conseguindo trazer o medo de maneira palpável para o público. E, completando esses aspectos, a imersão fica ainda mais completa pelo uso da tecnologia IMAX.

As atuações, apesar de não serem o principal destaque do filme, também impressionam. Keke Palmer e Daniel Kaluuya tem uma dinâmica muito interessante agindo de forma convincente como irmãos. Os personagens também são muito reais e verdadeiros com suas ações que não só são condizentes com suas personalidades, mas também com a própria realidade. Suas reações muito naturais que, embora engraçadas às vezes, condizem com o que a audiência sente no mesmo instante, o que os torna ainda mais humanizados aos olhos de quem os acompanha na tela. 

Kaluuya dessa vez vivendo um personagem mais quieto, trabalhador e introspectivo, ao estilo Clint Eastwood. Muito bondoso e descolado, OJ tem um carinho enorme pela empresa montada pelo pai e está disposto a fazer de tudo para manter o legado. Já Palmer traz alguém muito informal, divertida e falante, quase o completo oposto do irmão e o que rende as cenas mais engraçadas do longa. Sua Emerald é muito carismática e consegue com facilidade conquistar a empatia do público.

Por tudo isso, Não! Não Olhe! é um dos grandes lançamentos do cinema em 2022. É um thriller que, como as outras obras do diretor e roteirista, provoca medos e reflexões, deixando o espectador à beira do assento durante os 130 minutos de duração.

Movies, Music

Eduardo e Mônica

Clássico da Legião Urbana ganha versão para o cinema mas esbarra na transposição dos porquês e comos da letra de Renato Russo

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: Downtown/Paris Filmes

Quem está na faixa de 40 a 50 anos conheceu “Eduardo e Mônica” ouvindo rádio em 1986, a partir daí, comprando um exemplar de Dois, da Legião Urbana, em LP. Quem veio depois não passou incólume à canção que foi escrita por um Renato Russo cronista do cotidiano, então vivendo sua pele de Trovador Solitário numa Brasília do início dos anos 1980, sob resquícios da ditadura militar. É difícil – ainda que possível – encontrar alguém que se interesse por música pop que não conheça ou já tenha ouvido a história do casal improvável narrada por Russo, uma moça que estuda e se forma em Medicina, que se apaixona por um rapaz mais jovem, que, a partir do relacionamento, amadurece e encontra meios para viabilizar a relação entre ambos.

Ainda que pareça fácil lidar com uma história que muita gente conhece, é um desafio imenso transpor tais fatos para a telona, amarrá-los num roteiro convincente e, mais que isso, encontrar atores que consigam encarnar estas personagens com desenvoltura. Em meio a tantas questões e exigências, chega à telona com grande expectativa Eduardo e Mônica (Brasil, 2022 – Downtown/Paris Filmes), dirigido pelo mesmo Rene Sampaio, que adaptou para o cinema outra canção de Russo, Faroeste Caboclo, em 2013.

Se compararmos os filmes, pura e simplesmente, Faroeste Caboclo se sai melhor e a razão é bem simples: o roteiro. Renato também deu uma mãozinha para os escritores, formando personagens com mais cores na quilométrica canção, também da fase do Trovador Solitário, lançada em disco em 1987. Nos versos de Eduardo e Mônica, só era possível saber, além das características dos dois, que eles viviam na mesma Brasília do início dos anos 1980 e mais nada.

Aí reside o problema. Para caracterizar Eduardo, vivido competentemente por Gabriel Leone, a tarefa não era tão árdua. Construir um moleque de 16 anos, boa praça, de bom coração, vivendo com seu avô uma vidinha de classe média normal não é algo do outro mundo. Quem não conhece ou nunca conheceu um “Eduardo”? Pois bem. Aqui o roteiro (feito a dez mãos por Gabriel Bortolini, Jessica Candal, Michele Frantz, Claudia Souto e Matheus Souza) constrói o personagem com competência. Leone, bom ator, tira de letra. O problema gravíssimo está na Mônica que foi dada para Alice Braga interpretar. Problemática, difícil, estranha e “madura”, a versão da menina do filme é chata e banal. As questões familiares que o roteiro lhe impõem são rasas e genéricas. Alice, atriz carismática mas apenas regular, não consegue dar uma dimensão humana à Mônica, deixando-a estereotipada e forçada.

O problema maior está no que é mágico na canção. A letra de Russo nos apresenta um amor impossível (ou melhor, improvável), no qual duas pessoas sem características em comum e com uma diferença razoável de idade, se apaixonam e decidem viver juntas apesar de todas as dificuldades que encontrarem. O filme pula essa parte, deixando o espectador tentando entender como aquelas duas pessoas podem se apaixonar, mesmo vivendo vidas tão distintas e distantes. Pois bem, a gente coloca isso na conta da magia da canção, mas o roteiro novamente não ajuda, mostrando que Eduardo é muito mais ponderado, centrado e maduro do que a Mônica, a despeito da carga maior de conhecimento que ela traz, que acaba se diluindo em citações e easter eggs primários, deixados para fãs nível Show do Milhão darem conta.

A direção de Rene Sampaio até que é correta. Ele usa bem algumas sequências, mas poderia ter aproveitado muito mais os cenários brasilienses, além de ter inserido o casal numa turma de amigos em comum, algo que parece insinuado pela letra da canção de Russo. E nessa brecha entra uma surpresa do elenco: Vitor Lamoglia, humorista de ofício, vive Inácio, o amigo do coprotagonista, e se sai muito bem como alívio cômico, com algumas tiradas bem feitas e uma bela cena em que ele e Eduardo estão num ônibus, mais para o fim do filme. Há ainda outros dois ótimos atores no elenco: Otávio Augusto, subaproveitado como o avô de Eduardo, e Juliana Carneiro da Cunha, quase ignorada como a mãe de Mônica

Enfim, falta profundidade, falta veracidade, falta fidelidade ao espírito da canção – repito, isso é algo complexo de ser feito, mas merecia um resultado melhor. Como filme, Eduardo e Mônica segue sendo uma das grandes canções da Legião Urbana. Pena!

Music

Sisters Of Mercy – ao vivo

Andrew Eldritch e sua banda vivem de um passado cada vez mais distante mas os fãs nem ligam para a ausência de qualquer novidade

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Textos de Abonico Smith e Fábio Soares

Fotos: Abonico Smith

A discografia do Sisters Of Mercy é extremamente curta. Primeiro foram lançados dois EPs entre 1983 e 1984. Depois vieram três álbuns entre 1985 e 1990. Nos anos seguintes alguns singles e, enfim, duas coletâneas em 1992 e 1993. Depois mais nada. Neca de pitibiriba. O modelo de negócios do mercado da música mudou do vinil ao compact disc e depois à compressão digital do MP3 e nada de Andrew Eldritch se animar em compor algo novo.

Em 2016, um pouco antes da banda desembarcar pela primeira vez em Curitiba para uma apresentação, ele me disse por telefone que se sentia confortável com essa questão. Não havia planos de lançar material inédito. Três anos se passaram e o Sisters Of Mercy veio de novo à capital paranaense como uma das escalas de nova turnê pela América do Sul. E tudo continua da mesma maneira, com o repertório ao vivo passeando pelos dez anos fonográficos por uma hora e meia de show.

O que muda de tempos em tempos são os integrantes que o acompanham. Agora, na mesma Ópera de Arame, Eldritch trocou um dos guitarristas – o australiano Dylan Smith faz dobradinha com o veterano Ben Christo nas seis cordas. Um cara fica mais recuado comandando os computadores que detonam as bases pré-gravadas de baixo e bateria e lá atrás da plateia, junto ao operador das mesas de som e luz, um quinto músico incógnito se divide entre mais um computador e um teclado de cor laranja (?!?!) e de pendurar nos ombros que parece ter saído da uma típica banda tecnopop dos anos 1980.

Como já faz quase três décadas que Eldritch não faz a mínima questão de desovar material inédito do Sisters Of Mercy, todo o repertório é calcado em cima de velhos conhecidos do público. Não chegam a ser exatamente hits, mas para os fãs cada música que compõe o set list é um clássico. Recebido com urros, cantado em uníssono a plenos pulmões. A voz de Eldritch é bem grave. Não há backings, apenas o acompanhamento de todos os versos pela plateia. As guitarras de Ben e Dylan somente tecem camadas e mais camadas de riffs e harmonias que se somam ao peso dançante da cozinha que já vêm alto e direto dos computadores.

Com os músicos todos de preto e fazendo jogos coreográficos que aproveitavam-se da penumbra como o único elemento cênico, o som que o Sisters Of Mercy despejou na Ópera de Arame foi o convite perfeito para uma festa na antessala das trevas, com uma pista de dança exorcizando em passos lentos todas as suas angústias, melancolias e (por que não?) desejos ardentes e flamejantes.

O que, naquela noite em especial, tornou-se algo ainda mais curioso porque exatamente do lado da Ópera, na Pedreira Paulo Leminski, acontecia um evento cristão. Mais precisamente um concerto de canções de louvor e adoração sob o comando do grupo Hillsong United, formado há duas décadas pela união dos ministérios de uma gigantesca congregação carismática australiana chamada Hillsong. Enquanto a luz estava ali pertinho, Andrew Eldritch fazia nas sombras uma nova celebração gótica tão aguardada havia três anos. Para almas aflitas e torturadas não era preciso ter qualquer ineditismo. Vampiros, afinal, vivem por séculos e séculos e não fazem lá muita questão de novidades. (ARS)

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O que esperar de um show do Sisters Of Mercy em 2019? Quanto a você, eu não sei. Mas para mim um mínimo de dignidade a este expoente do dark não seria de todo mal. E foi com este ceticismo que me dirigi ao Tom Brasil no último sábado (9 de novembro). A plateia “quarentona” – como era de se esperar – não lotou o espaço por completo. Também é inexato rotular os fãs do Mercy com a simples alcunha de “gótico”. São seguidores fiéis. Um exército vestido de preto que acompanhará a banda tantas vezes ela pisar por aqui.

Calcado na onipresente figura de seu decano Andrew Eldritch, o grupo retornou a São Paulo com uma econômica formação com o eterno escudeiro Ben Christo e o novo guitarrista Dylan Smith. Para os efeitos de baixo e bateria, esqueça a seminal aura da Doktor Avalanche, histórica drum machine imortalizada pela banda nos anos 1980. O Sisters Of Mercy versão 2019 conta com um par de iBooks operados por um anônimo quarto integrante e que nem de longe faz lembrar o peso da engenhoca sisteriana.

“More” abriu os trabalhos na noite paulistana e o etéreo clima de um show dos Mercy mostrou que permanece com o passar dos anos: muita fumaça, iluminação à contraluz e Eldrich fazendo seu peculiar jogo de gato e rato com a plateia. Surge no centro do palco e desaparece. Ressurge no lado direito para novamente sumir em meio à fumaça no lado esquerdo. A dupla de guitarristas também procura preencher o resto como dá. Porém a proposital falta de iluminação do palco que deveria evidenciar a voz do frontman ressalta o óbvio. Com 60 anos de idade recém-completados, Eldritch tem extrema dificuldade em sustentar os tons graves de voz que os clássicos da banda exigem. Dificuldade esta explicitada em “Doctor Jeep/Detonation Boulevard”, na maravilhosa (no disco!) “Dominion” e na quase constrangedora interpretação de “Marian”. O público pouco importou-se para tal e tratou de reverenciar a figura do pai do dark enquanto pôde. Porém, a falta de punch nas programações de baixo e bateria trouxe um ar taciturno a cada canção. Uma chatíssima execução instrumental beirando os sete minutos e de nome desconhecido marcou a reta final da primeira parte da apresentação.

Parafraseando Mauro César Pereira, comentarista dos canais ESPN, o bis teve um início pífio, pragmático e resultadista com “Lucretia My Reflection” sendo executada sem a sua histórica linha de baixo. É isso mesmo o que você está lendo. “Lucretia My Reflection” sem a sua indefectível linha de baixo é o mesmo que Buchecha sem Claudinho. E cá estava eu a xingar três gerações antepassadas da Família Eldritch quando o par de ases final salvou a apresentação de um naufrágio histórico. “Temple Of Love” e “This Corrosion” foram executadas como se deve: com peso, batidas marciais e atmosfera de catarse coletiva. Ao final de noventa minutos, houve quem saiu de alma lavada, houve quem achou mais ou menos e teve este aqui que vos escreve. No fim das contas, esta apresentação só serviu mesmo para eu dizer que, um dia, vi um show dos Sisters of Mercy. Nada mais, nada menos… (FS)

Set list (SP e Curitiba): “More”, “Ribbons”, “Crash And Burn”, “Doctor Jeep/Detonation Boulevard”, “No Time To Cry”, “Alice”, “Show Me”, “Dominion/Mother Russia”, “Marian”, “Better Reptile”, “First And Last And Always”, (Unknown), “Something Fast”, “I Was Wrong”, “Flood II”. Bis: “Lucretia My Refletion”, “Vision Thing”, “Temple Of Love” e “This Corrosion”.