Music

Arnaldo Antunes + Vitor Araújo

Oito motivos para você não perder a chance de ver ao vivo o show em conjunto do cantor e compositor paulista e o pianista pernambucano

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Fevereiro de 2020. Mês de lançamento do décimo segundo álbum de estúdio de Arnaldo Antunes. O Real Resiste, como diz o próprio título (além dos versos que compõem a letra da faixa que o batizou, servia como um contraponto para o autor. Sob um clima de meia-luz, harmonizando teclas e cordas e dispensando a parte rítmica de percussão e bateria, era um pretexto para uma retomada de ar de toda a loucura na qual o país mergulhara no ano anterior, com todos os bichos escrtos que saíram dos esgotos sob o comando do inominável presidente.

Mas eis que veio a pandemia da covid e o Brasil parou. O mundo parou. Isolamento radical e a mais completa falta de possibilidade de seguir em frente no meio artístico e cultural. Arnaldo foi pego em cheio por este tsunami planetário. Estava preparado para estrear a turnê que divulgaria e espalharia por diversas cidades o disco novo. Ainda mais porque a empreitada traria uma novidade: em vez de estar acompanhado por uma banda no palco, haveria apenas um músico ao seu lado. E não qualquer músico. O escolhido havia sido o pernambucano Vitor Araújo, enfant terrible dos pianos, que alguns anos atrás despontara como uma grande revelação da música brasileira ao se propor a experimentar novos caminhos e sonoridades em seu instrumento, indo além da convencional exploração das teclas pretas e brancas com os pedais.

O novo show virou apenas lives (Sesc Pompeia, Inhotim) e gravação para documentários (Arnaldo 60). O entrosamento estava tão grande, porém, que Arnaldo voltou para o mesmo estúdio situado em uma fazenda do interior de São Paulo, levando Vitor para criar mais um disco. De lá saíram nove faixas (algumas inéditas, outras já lançadas antes por Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Itamar Assumpção, Titãs e o próprio Arnaldo em carreira solo) registradas  no período de uma semana. A temática compreende  as instabilidades emocionais tão pertinentes àqueles dias (distanciamento, saudade, comunicação ruidosa, fim de relacionamento) e a participação do jovem pernambucano não se limita à condição de mero coadjuvante musical. Vitor revela-se tão intérprete quanto Arnaldo, desdobrando o seu piano em muitas camadas e climas, dando a impressão de estar se ouvindo mais gente colocada ali no aquário do estúdio durante a gravação.

Aos poucos, depois do lançamento do álbum Lágrimas no Mar em setembro de 2021 (portanto, ainda naquele clima de incertezas vivido pelo lento arrefecimento do lockdown), Arnaldo e Vitor vão levando à estrada o show que a pandemia insistiu em adiar, agora com um repertório de canções ainda maior por conta do trabalho em conjunto. Nesta sexta, 17 de maio, é a vez de Florianópolis (clique aqui para mais informações sobre local, horário e ingressos). No sábado, a dupla se apresenta em Curitiba (clique aqui para mais informações sobre local, horário e ingressos). E o Mondo Bacana preparou abaixo oito motivos para você não perder a chance de assistir ao perfeito entrosamento entre Arnaldo Antunes e Vitor Araújo ao vivo.

Som do silêncio

Uma das ideias de Arnaldo ao apostar no formato de piano e voz ao vivo – ainda mais com as intervenções autorais de Vitor Araujo – foi justamente chamar a atenção para o momento das pausas. O intervalo, o interim, o pequeno espaço entre um som e outro, seja a sua voz ou de algum instrumento. Então, fazer a audiência poder desfrutar dos curtos instantes de silêncio também passa a ser um requinte que poder realçar o valor de uma canção – algo que seria quase impossível se estivesse ali com o vocalista uma banda inteira.

Piano autoral

A presença de um nome como Vitor Araújo significa perceber as canções – do próprio Arnaldo ou as releituras – de uma outra forma. O pernambucano assina o arranjo de todas as músicas para seu instrumento e se multiplica de uma forma pouco vista no terreno da música pop. Também apresenta ao gênero o piano preparado, que consiste na montagem de peças introduzidas entre as cordas, de modo que quando a pressão das teclas as fazem ressoar sejam produzidos efeitos sonoros inusitados e diferentes. Henry Cowell e John Cage são os principais nomes desta técnica.

Spoken word

Além da música, Arnaldo sempre foi bastante ligado ao mundo da poesia, chegando a fazer instalações e brincadeiras visuais com palavras e letras de canções para algumas exposições. Quase despido da instrumentação convencional da música pop, encontra um terreno ideal para injetar a leitura de alguns poemas entre uma música e outra do set list. Mas não espere que haja só a declamação por meio de sua voz. Vitor o acompanha criando efeitos e sonoridades que transforma tudo em um breve happening, tão visceral quanto o momento das harmonias e melodias.

Duas vezes Titãs

Claro que aqui não poderia deixar de ter a presença de faixas assinadas por Arnaldo para o repertório de sua ex-banda. A tensão da harmonia de “O Pulso” combinada à lista quase declamada de doenças e distorções do corpo e da mente é um dos momentos mais vibrantes do show. O arranjo elaborado por Vitor dá um novo gás à canção que sempre foi uma das favoritas dos fãs dos Titãs e foi muito bem recebida no resgate da recente turnê de reunião de seus integrantes da formação clássica. Já “Saia de Mim” tem as dissonâncias harmônicas das teclas de Araújo muito bem casadas com o vocal raivoso e gritado de Arnaldo, que parece expelir, na hora de cantar, as excreções corporais relacionadas em sua letra (suor, peido, vômito, escarro, espirro, pus, porra, sangue, lágrima, catarro). Tudo para chegar ao fim com a exclamação “saia de mim a verdade”.

“Fim de Festa”

Na releitura deste blues de pura fossa de Itamar Assumpção, Arnaldo e Vitor injetam um certo ar soturno, com a exploração de timbres graves (a linha contínua do baixo mais o vocal-tenor quase falado do paulista) e uma repetição mântrica propícia para o pernambucano criar alguns barulhos estranhos no arranjo, manipulando diretamente as cordas do piano no interior da cauda. Vale lembrar que o resgate da canção é mais uma referência ao período da pandemia, quando vários casamentos e namoros chegaram ao fim por conta justamente da incompatibilidade de gênios, modos e pensamentos reforçada pela intimidade extrema do isolamento social. Outra curiosidade: a gravação original veio outro disco criado em parceria entre São Paulo (Itamar) e Pernambuco (Naná Vasconcelos), lançado em 2004, um ano após a morte do cantor e compositor. O videoclipe oficial da faixa registrada em Lágrimas no Mar tem Rubi, neta de Itamar, fazendo a performance de dança.

“Manhãs de Love”

Composta por Arnaldo Antunes e Erasmo Carlos gravada pelo Gigante Gentil no álbum que leva justamente seu segundo apelido como título, em 2014. Faz parte do renascimento artístico do Tremendão, com uma sucessão de álbuns nos quais ele abriu seu leque de parceiros, indo bem além do costumeiro amigo de fé e irmão camarada Roberto Carlos. Este movimento fez com que o artista se aproximasse de uma nova geração de fãs, algo que continuou até a sua morte há dois anos. Faz dupla com “Fim de Festa” na cota de momento bluesy de dor-de-cotovelo neste trabalho parceira com Vitor Araújo. O piano, executado de modo mais tradicional, acentua a melancolia da letra.

Como 2 e 2

Composta por Caetano Veloso, gravada originalmente por Roberto Carlos e também bastante conhecida na voz de Gal Costa, a canção foi recriada por Vitor e Arnaldo para o álbum Lágrimas no Mar. Feita durante o período de maior repressão da ditadura militar no Brasil, sua letra expressa, recorrendo à matemática e alterando metaforicamente as suas certezas (e, claro, fazendo referência direta ao estado totalitário imaginado por George Orwell para o clássico livro 1984), a imprevisibilidade das coisas, seja na expressão dos sentimentos de qualquer pessoa ou mesmo na vida perante a uma sociedade que muitas vezes se transfigura no horror ao qual não desejamos para a gente. A manipulação da verdade – aqui, no caso de somar dois e dois e dar cinco como resultado – anda bastante em voga hoje em dia, em um mundo cheio de distorções provocadas por uma enxurrada diária de fake news, grande imprensa bastante tendenciosa e um bando de políticos que agem e dizem tudo de acordo com seus interesses e conveniências.

O Real Resiste

“Autoritarismo não existe/ Sectarismo não existe/ Xenofobia não existe/ Fanatismo não existe/ Bruxa, fantasma, bicho papão/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Na fumaça de um rojão/ É só ilusão, não, não/ Deve ser ilusão, não, não/ É só ilusão, não, não/ Só pode ser ilusão/ Miliciano não existe/ Torturador não existe/ Fundamentalista não existe/ Terraplanista não existe/ Monstro, vampiro, assombração/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Múmia, zumbi, medo/ Depressão, não, não/ Não, não/ Não, não, não, não/ Não, não, não, não/ Trabalho escravo não existe/ Desmatamento não existe/ Homofobia não existe/Extermínio não existe/ Mula sem cabeça, demônio, dragão/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Com um estrondo de um trovão/ É só ilusão, não, não/ Deve ser ilusão, não, não/ É só ilusão, não, não/ Só pode ser ilusão/ Esquadrão da morte não existe/ Ku Klux Klan não existe/ Neonazismo não existe/ O inferno não existe/ Tirania eleita pela multidão/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Lobisomem, horror/ Opressão, não, não/ Não, não/ Não, não, não, não/ Não, não, não, não”. Esta é a letra toda da canção criada durante o primeiro ano de desgoverno do inominável. É preciso dizer mais alguma coisa depois disso tudo?

Movies

A Pequena Sereia

Live action de clássica animação da Disney traz 52 minutos adicionais, novas canções e Halle Bailey impressionando como Ariel

Texto por Carolina Genez

Foto: Disney/Divulgação

Ariel é a filha caçula do Rei Tritão, governante dos sete mares. Por ser a mais nova, a pequena sereia vive sob regras extremamente restritas que em principal a proíbem de ir até a superfície e interagir com os humanos. Curiosa, magoada pelo pai e determinada a conhecer o mundo acima da água, ela é seduzida pelas promessas da bruxa Úrsula, que oferece pernas em troca da voz da garota.

A primeira adaptação do conto de Hans Christian Andersen produzida pela Disney em 1989 teve um grande peso dentro da empresa, sendo responsável por salvar o departamento de animações do Mickey Mouse, que estava passando por um período difícil depois de fracassos comerciais entre os anos 1970 e 1980. Com uma princesa muito carismática e músicas animadas, o longa abriu portas para outras produções como A Bela e a Fera e O Rei Leão e chegou inclusive a ser indicado a três estatuetas do Oscar, levando duas para casa. Por causa da relevância e da qualidade do seu antecessor, as expectativas em cima do live action anunciado para chegar aos cinemas em 2023 estavam altas.

Eis que estreia nesta semana a nova versão de A Pequena Sereia (EUA, 2023 – Disney), agora com atores. O roteiro de ambos os filmes são bem similares, contando inclusive com alguns mesmos diálogos. Porém, com 52 minutos adicionais, o live action consegue acrescentar momentos e músicas, alem de desenvolver melhor cada um dos personagens de uma maneira que melhora e complementa a história mas ainda mantém a essência que o desenho trouxe para a narrativa. Essas mudanças foram aprovadas não só pelos fãs da animação como também pela atriz Jodi Benson, que deu a voz à princesa Ariel no longa de 1989.

O filme de 2023 abre com uma citação do próprio Hans Christian Andersen (“Uma sereia não tem lágrimas, assim ela sofre muito mais”), que fica com o espectador do começo até o final, principalmente nas cenas mais dramáticas. As novas músicas também se destacam ao longo da história, sendo acrescentadas de maneira orgânica e trazendo muito para dentro da narrativa. A trilha sonora original foi escrita por Alan Menken. Já para o live action, o compositor recebeu a ajuda do talentosíssimo Lin Manuel-Miranda.

Outra das mudanças positivas foi o melhor desenvolvimento da personalidade de Eric. Aquele de 1989, comparado com os príncipes encantados das outras princesas da Disney, tinha bastante personalidade mas não o suficiente para os dias de hoje. Agora Eric não só ganha uma música para chamar de sua, como também somos apresentados aos seus sonhos e vontades, similares às de Ariel (louco para explorar o mundo embora sua mãe queira que ele fique na proteção de seu palácio). Esse acréscimo, apesar de simples, permite com que os espectadores também se conectem com o personagem e faz com que o amor entre os dois personagens seja mágico porém mais natural.

 O romance dentro do filme também foi bem desenvolvido com esses minutos adicionais. Na animação isso já fora bem executado – apesar da intensidade de amor à primeira vista, por ter cedido sua voz, Eric não reconhece Ariel e assim acaba se apaixonando “novamente” pela garota de maneira gradual ao longo da história. No live action o foco na relação é grande, com diversas cenas em que os personagens percebem o quanto têm em comum e aproveitam a companhia um do outro – o que torna a narrativa ainda mais envolvente, também pela química dos atores.

Por falar em romance, durante o longa em diversos momentos é colocada de maneira clara a independência de Ariel, algo muito questionado ao longo dos anos. A princesa sempre quis conhecer a superfície e Eric e sua paixão foi apenas mais um motivo a mais. Dentro do filme, além de “Part Of Your World”, que já expressa as vontades da garota, a nova canção “For The First Time” mostra com perfeição a personalidade da sereia curiosa, determinada, querendo conhecer o novo mundo mas ainda assim assustada com as novidades. E tudo isso na voz potente de Halle Bailey.

A atriz e cantora aqui entrega uma performance digna de longos aplausos, encarnando perfeitamente como Ariel e sendo o verdadeiro destaque dentro do filme. Bailey dá vida a uma protagonista muito corajosa e apaixonante, com muito da essência daquela de 1989, mas construindo a personagem à sua maneira. Desta maneira, impressiona e cativa desde o primeiro momento. E a voz potente da atriz engrandece todas as músicas do filme, desde aquelas que canta solo até as que acompanha em segundo plano. Halle também impressiona pela expressão corporal e performance nas cenas em que Ariel fica sem voz.

Assim como no primeiro filme, os coadjuvantes também não ficam para trás. Aqui a temida Úrsula é vivida pela carismática Melissa McCarthy, que traz uma performance exagerada (num bom sentido) e extremamente debochada. Sua atuação bem teatral fica perfeita para a personagem. Já os amigos de Ariel estão muito afiados, apesar de realistas demais. Linguado (Jacob Tremblay) é extremamente fiel a Ariel e traz divertidos momentos principalmente no começo do filme. Já Sebastião (o talentoso Daveed Diggs) é o braço-direito do rei Tritão e ajuda a princesa a sair de sua enrascada trazendo uma maravilhosa performance da música “Under The Sea”. Por fim, a dublagem de Sabichão acaba incomodando um pouco pela voz da atriz Awkwafina ser extremamente reconhecível. Ainda assim, traz engraçados momentos e recebe uma música só sua, “The Scuttlebutt”, com traços reconhecíveis das obras de Lin Manuel-Miranda.

A Pequena Sereia também ganha muito com os avanços tecnológicos e transporta os espectadores para um mundo mágico, tanto embaixo da água quanto na superfície. Sob o mar tudo é muito colorido e quase viciante de se olhar por causa de diversas criaturas e cenários maravilhosos. O CGI e a maneira natural como Ariel se movimenta também impressionam. Já em terra temos a chance de explorar mais do castelo e da cidade de Eric, ambos também recheados de cores e objetos interessantes. Isso faz entender ainda mais a curiosidade de Ariel.

Apaixonante, satisfatório e divertido, o novo filme consegue emplacar como uma das melhores adaptações feitas pela Disney nessa leva de live actions. Prende os espectadores do começo até o fim, melhorando a narrativa de 1989 e apresentando uma ótima performance de Halle Bailey.

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Frozen 2

Princesas que se tornaram o símbolo do empoderamento feminino nas animações da Disney voltam em história de encher os olhos

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Texto por Flavio St Jayme (Pausa Dramática)

Foto: Disney/Divulgação

Seis anos atrás a Disney lançou aquele que seria um marco entre suas animações. Frozen trazia duas princesas protagonistas (nenhuma delas buscando seu príncipe encantado!) e uma mensagem atual de poder feminino que até então não tinha sido mostrada em suas produções. Anna e Elsa se tornaram ícones, Olaf derreteu corações pelo mundo e a canção “Let It Go” torturou pais e virou hino de libertação.

Agora, depois de muita especulação e espera, chega aos cinemas Frozen 2 (Frozen II, EUA, 2019 – Disney), que vai além de ser uma mera continuação da história das irmãs. Este segundo filme ressignifica muito do que aprendemos no primeiro e se torna, por diversas razões, melhor que o longa de 2013. Desta vez, Anna e Elsa precisam partir para um lugar desconhecido em busca de um segredo do passado que pode salvar ou condenar a todos no reino de Arendelle. Ao seu lado, Kristoff, Olaf e Sven acabam formando praticamente uma equipe de super-heróis em um filme dos Vingadores, onde cada um tem sua habilidade e seu momento de brilhar. Com muito mais aventura e mais momentos dramáticos, Frozen 2 potencializa o primeiro filme. Mas também nos mostra um novo mundo e mais sobre quem são na verdade Anna e Elsa.

Se alguns anos atrás criar água em animação era um desafio, o longa deixa bastante claro que isto foi superado. As sequências envolvendo o mar são de encher os olhos, tecnicamente perfeitas. Também mostram o poder de elevar o primeiro filme. Tudo aqui tem mais brilho, mais textura, mais movimento.

Anna e Elsa vão de meras princesas a super-heroínas de botas e calças, cavalgando e enfrentando sozinhas perigos até então desconhecidos. Novos números musicais pontuam o filme carregando na emoção e o “momento Let It Go” não decepciona. Algumas cenas incríveis de Frozen 2 ficam por conta de seus coadjuvantes: a sequência em que Olaf faz um recap do primeiro longa é impagável e o momento boy band de Kristoff, com direito até a referências a “Bohemian Rhapsody”, do Queen, merece ser visto e revisto (além de deixar a música grudada na cabeça!).

O novo longa estreia no dia 2 de janeiro no Brasil, após já ter quebrado recordes de bilheteria nos EUA e como fortíssimo candidato ao Oscar de melhor animação. Ainda que a briga seja dura entre ele, Toy Story 4 Como Treinar Seu Dragão 3, que nosso amor por Woody, Buzz e Banguela seja imenso e ainda que todos eles tragam histórias emocionantes, Frozen 2 está algumas cavalgadas à frente de seus concorrentes.

Movies

It: Capítulo Dois

Clássica trama de Stephen King ganha sequência na qual amigos de adolescência voltam a enfrentar o palhaço Pennywise 27 anos depois

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Texto por Janaina Monteiro

Foto: Warner/Divulgação

Enfrentar medos, lutar contra fobias e espantar traumas que muitas vezes nos impedem de arriscar e mudar o rumo da vida são os maiores desafios do ser humano. As cicatrizes deixadas por casos de bullying, desamparo ou frustração, sobretudo na infância, moldam nosso caráter e personalidade e assombram a mente, como se fôssemos perseguidos eternamente por monstros.

Em It – A Coisa, todos esses medos e sequelas do passado, conscientes e inconscientes, personificam-se numa figura ambígua e que de engraçada não tem nada: o terrível palhaço Pennywise, do clássico de mais de mil páginas escrito pelo mestre do terror Stephen King. O livro foi publicado em 1986 e ganhou a primeira adaptação no formato de telefilme em 1990. Três décadas depois, a história reapareceu desmembrada em dois capítulos a fim de cativar desde a geração X até os millennials que já nasceram na era dos efeitos especiais computadorizados.

A primeira parte do remake estreou em 2017, trazendo para as telas a história de sete amigos (Bill, Richie, Stan, Mike, Eddie, Ben e Beverly, que formaram o Clube dos Losers) e enfrentaram na virada para os anos 1990 o palhaço devorador de criancinhas. A continuação desta trama assustadora chegou nesta quinta aos cinemas brasileiros. Em It: Capítulo Dois (It: Chapter Two, EUA/Canadá/Argentina, 2019 – Warner) os amigos da adolescência fazem jus ao pacto de sangue e revivem os traumas e medos do passado ao se reencontrarem, 27 anos depois, para lutar contra o mesmo fantasma – ou melhor, o mesmo palhaço dos balões vermelhos. A criatura é tão horripilante que talvez só outro palhaço seja capaz de desbancá-lo em bilheteria e terror: o Coringa encarnado por Joaquin Phoenix, que chega no mês que vem aos cinemas.

Em se tratando de Stephen King é desnecessário informar que o filme é longo, com quase três horas de duração. Mas nada que um roteiro e direção sintonizados garantam uma experiência agradável e prazerosa, apesar de aterrorizante, como uma sessão de psicanálise. Para adaptar um “catatau” do rei Stephen só mesmo um roteirista expert em filmes de terror (Gary Dauberman, de A Freira, A Maldição da Chorona Annabelle) e a parceria impecável com o diretor portenho Andy Muschietti. A dupla consegue manter uma sincronia especial para segurar o público na poltrona até o fim, mesmo quando aborda clichês como a cena de início do filme, ambientada num parque de diversões. Lá é onde o medo e a diversão se encontram. Em vez de um casal heterossexual, a história já coloca de cara dois namorados sofrendo o ataque homofóbico de uma gangue de valentões.  O roteiro também se preocupa em situar aqueles que não assistiram ao primeiro capítulo de It, através de uma série de flashbacks muito bem coordenados na trama e que por diversas vezes retomam a narrativa de forma até poética.

Nesta segunda parte, a aventura revivida pelos amigos, agora adultos, traz um ar nostálgico, um misto de Goonies com Indiana Jones e Stranger Things (um dos membros do grupo teen é vivido por Finn Wolfhard, que também está no elenco da série da Netflix) ao som de New Kids On The Block. A escolha dos atores e a construção das personagens, por si só, garantem a empatia do público. Difícil não se identificar com o perfil deles, que acumulam defeitos como todo loser. Ben (Jay Ryan), que sofria bullying pelos quilinhos a mais, virou atleta mas ainda tem o pensamento estereotipado de “gordinho”. A doce Beverly (que na fase adulta é interpretada pela ruivíssima Jessica Chastain) casou-se com um marido possessivo, bem aos moldes de seu pai, e precisa ser durona para enfrentar as agressões. Outro exemplo, Bill (James McAvoy), tornou-se escritor e roteirista de cinema mas é mestre em fazer finais ruins, porque assim é a realidade, repleta de finais infelizes.

Dos sete, apenas um componente do Clube dos Losers permaneceu em Derry, a cidade fictícia que fica no estado de Maine e onde se passa a trama. E quem é fã do “iluminado” Stephen King sabe que o cenário de suas histórias só pode ser onde o escritor de 71 anos mora até hoje. Maine é marca registrada da obra do rei do terror, estado que abriga suas cidades fictícias, com atmosfera nebulosa, como Chamberlain de Carrie, a Estranha, ou Ludlow, de Cemitério Maldito.

O Capítulo 2 de It tem início quando Mike (Isaiah Mustafa) monitora uma série de mortes atribuídas a Pennywise (Bill Skarsgård). A partir disso e por 2h49 para ser precisa (por isso, um conselho: vá ao banheiro antes da sessão começar), assistimos a um thriller psicológico que mistura humor negro e pitadas de melancolia que só a mente fértil de King é capaz de proporcionar.

A trama é recheada de cenas sangrentas, obviamente explícitas, nuas e cruas. Quando Pennywise ataca as criancinhas, babando de fome, ele abocanha sem dó nem piedade. E a direção não poupa esse choque e escancara a violência, nos levando a tomar sustos mas não ao ponto de pular da poltrona – mesmo porque já estamos habituados a ver coisas semelhantes nos telejornais diários.

Outras cenas um tanto trash trazem diálogos tão bem-humorados e criativos que, em vez de medo, instigam o riso. Resta saber quem vai rir por último dessa vez: Pennywise ou os amigos da adolescência?