Movies, Music

Eduardo e Mônica

Clássico da Legião Urbana ganha versão para o cinema mas esbarra na transposição dos porquês e comos da letra de Renato Russo

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: Downtown/Paris Filmes

Quem está na faixa de 40 a 50 anos conheceu “Eduardo e Mônica” ouvindo rádio em 1986, a partir daí, comprando um exemplar de Dois, da Legião Urbana, em LP. Quem veio depois não passou incólume à canção que foi escrita por um Renato Russo cronista do cotidiano, então vivendo sua pele de Trovador Solitário numa Brasília do início dos anos 1980, sob resquícios da ditadura militar. É difícil – ainda que possível – encontrar alguém que se interesse por música pop que não conheça ou já tenha ouvido a história do casal improvável narrada por Russo, uma moça que estuda e se forma em Medicina, que se apaixona por um rapaz mais jovem, que, a partir do relacionamento, amadurece e encontra meios para viabilizar a relação entre ambos.

Ainda que pareça fácil lidar com uma história que muita gente conhece, é um desafio imenso transpor tais fatos para a telona, amarrá-los num roteiro convincente e, mais que isso, encontrar atores que consigam encarnar estas personagens com desenvoltura. Em meio a tantas questões e exigências, chega à telona com grande expectativa Eduardo e Mônica (Brasil, 2022 – Downtown/Paris Filmes), dirigido pelo mesmo Rene Sampaio, que adaptou para o cinema outra canção de Russo, Faroeste Caboclo, em 2013.

Se compararmos os filmes, pura e simplesmente, Faroeste Caboclo se sai melhor e a razão é bem simples: o roteiro. Renato também deu uma mãozinha para os escritores, formando personagens com mais cores na quilométrica canção, também da fase do Trovador Solitário, lançada em disco em 1987. Nos versos de Eduardo e Mônica, só era possível saber, além das características dos dois, que eles viviam na mesma Brasília do início dos anos 1980 e mais nada.

Aí reside o problema. Para caracterizar Eduardo, vivido competentemente por Gabriel Leone, a tarefa não era tão árdua. Construir um moleque de 16 anos, boa praça, de bom coração, vivendo com seu avô uma vidinha de classe média normal não é algo do outro mundo. Quem não conhece ou nunca conheceu um “Eduardo”? Pois bem. Aqui o roteiro (feito a dez mãos por Gabriel Bortolini, Jessica Candal, Michele Frantz, Claudia Souto e Matheus Souza) constrói o personagem com competência. Leone, bom ator, tira de letra. O problema gravíssimo está na Mônica que foi dada para Alice Braga interpretar. Problemática, difícil, estranha e “madura”, a versão da menina do filme é chata e banal. As questões familiares que o roteiro lhe impõem são rasas e genéricas. Alice, atriz carismática mas apenas regular, não consegue dar uma dimensão humana à Mônica, deixando-a estereotipada e forçada.

O problema maior está no que é mágico na canção. A letra de Russo nos apresenta um amor impossível (ou melhor, improvável), no qual duas pessoas sem características em comum e com uma diferença razoável de idade, se apaixonam e decidem viver juntas apesar de todas as dificuldades que encontrarem. O filme pula essa parte, deixando o espectador tentando entender como aquelas duas pessoas podem se apaixonar, mesmo vivendo vidas tão distintas e distantes. Pois bem, a gente coloca isso na conta da magia da canção, mas o roteiro novamente não ajuda, mostrando que Eduardo é muito mais ponderado, centrado e maduro do que a Mônica, a despeito da carga maior de conhecimento que ela traz, que acaba se diluindo em citações e easter eggs primários, deixados para fãs nível Show do Milhão darem conta.

A direção de Rene Sampaio até que é correta. Ele usa bem algumas sequências, mas poderia ter aproveitado muito mais os cenários brasilienses, além de ter inserido o casal numa turma de amigos em comum, algo que parece insinuado pela letra da canção de Russo. E nessa brecha entra uma surpresa do elenco: Vitor Lamoglia, humorista de ofício, vive Inácio, o amigo do coprotagonista, e se sai muito bem como alívio cômico, com algumas tiradas bem feitas e uma bela cena em que ele e Eduardo estão num ônibus, mais para o fim do filme. Há ainda outros dois ótimos atores no elenco: Otávio Augusto, subaproveitado como o avô de Eduardo, e Juliana Carneiro da Cunha, quase ignorada como a mãe de Mônica

Enfim, falta profundidade, falta veracidade, falta fidelidade ao espírito da canção – repito, isso é algo complexo de ser feito, mas merecia um resultado melhor. Como filme, Eduardo e Mônica segue sendo uma das grandes canções da Legião Urbana. Pena!

Movies

O Escândalo

História sobre os assédios sexuais que derrubaram recentemente o CEO da Fox News chega aos cinemas de forma confusa

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Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Paris Filmes/Divulgação

O escândalo Bombshell estourou em 2016, em pleno período eleitoral (quando Donald Trump chegou à presidência norte-americana), e envolveu estrelas do maior canal de TV conservador dos Estados Unidos. Nele, âncoras da Fox News, bem como diversas outras mulheres, acusaram o diretor e CEO Roger Ailes de abuso sexual. Entre elas, Gretchen Carlson e Megyn Kelly, duas das maiores apresentadoras da emissora.

Em O Escândalo (Bombshell, EUA/Canadá, 2019 – Paris Filmes), filme dirigido por Jay Roach e escrito por Charles Randolph, acompanhamos a trajetória dessas mulheres, desde o momento em que Gretchen (Nicole Kidman) entra em litígio com Ailes (John Lithgow) até o momento em que aceita o acordo judicial, que conta com um pedido de desculpas oficial da Fox. No entanto, não é Gretchen a protagonista – a história foca no conflito interno da jornalista Megyn Kelly, que demorou a se pronunciar a respeito do escândalo, mostrando também a pressão produzida dentro do quadro de funcionários da Fox News, condenando seu inicial silêncio. Ainda, há Kayla (Margot Robbie), uma jovem evangélica que acredita nos ideais do canal mas torna-se a mais recente vítima do CEO. As três “protagonistas” têm pouco tempo de tela compartilhado, suas tramas são solitárias e pouco se entrelaçam.

Este é um filme fortemente necessário, que traz luz a um caso seríssimo de assédio sexual no ambiente de trabalho, demonstrando com crueza a dinâmica opressora entre patrão e empregadas. Mais obras com a mensagem de O Escândalo devem surgir, visibilizando o comportamento deplorável de homens em posição de poder. No entanto, é uma pena que uma história tão rica e impactante tenha sido conduzida de uma maneira tão confusa como esta.

A direção de Roach, que está em seu terceiro drama, com um passado de comédias pastelão como Austin Powers, Entrando Numa Fria e Os Candidatos, é confusa e bastante inquieta. Com exposição despejada num rompante nas cenas iniciais, com quebras inconstantes da quarta parede e câmeras na mão, com muito zoom e montadas em uma justaposição estranha, O Escândalo começa num conflito de estilos radicalmente divergentes, buscando sua estética num emaranhado de ideias que, a partir do segundo ato, são abandonadas em prol de uma abordagem mais comercial. Há cenas em que a quebra da quarta parede chega a ser incômoda, por ser súbita, breve e um caso isolado – uma das personagens o faz uma única vez; outra, duas ou três; e a última não chega a tanto.

No entanto, Roach busca um hiperrealismo que, apenas na trama de Kayla, é eficaz. Grande parte do mérito é de Margot Robbie, que interpreta muito bem uma millennial de extrema direita com certas nuances – incluindo sua sexualidade. Seu texto não é dos melhores, o que cria uma personagem por vezes estereotipada, mas que se redime quando Robbie rouba a cena.

A montagem, assinada por Jon Poll, é, no máximo, eficiente. Contudo, erra a mão em momentos que quebram o ritmo do longa, com uma sensação de estranhamento terrível. A maquiagem é ótima em Charlize Theron, que também atua muito bem, porém causa um leve desconforto em Nicole Kidman, que parece um pouco imobilizada pelas próteses.

Por mais necessário que seja, o longa afasta o espectador com sua indecisão, que cria momentos desnecessários e desconfortantes, em especial o início de sua trama. Sinto que, nas mãos de outro diretor e com melhor cuidado de desenvolvimento de personagens, a fim de evitar unidimensionalidade das protagonistas e coadjuvantes, O Escândalo poderia alcançar resultados muito mais impactantes que com a equipe escalada. Uma história tão importante não deveria, de forma alguma, se tornar esquecível – e é isso que ocorre aqui.