Movies

A Pequena Sereia

Live action de clássica animação da Disney traz 52 minutos adicionais, novas canções e Halle Bailey impressionando como Ariel

Texto por Carolina Genez

Foto: Disney/Divulgação

Ariel é a filha caçula do Rei Tritão, governante dos sete mares. Por ser a mais nova, a pequena sereia vive sob regras extremamente restritas que em principal a proíbem de ir até a superfície e interagir com os humanos. Curiosa, magoada pelo pai e determinada a conhecer o mundo acima da água, ela é seduzida pelas promessas da bruxa Úrsula, que oferece pernas em troca da voz da garota.

A primeira adaptação do conto de Hans Christian Andersen produzida pela Disney em 1989 teve um grande peso dentro da empresa, sendo responsável por salvar o departamento de animações do Mickey Mouse, que estava passando por um período difícil depois de fracassos comerciais entre os anos 1970 e 1980. Com uma princesa muito carismática e músicas animadas, o longa abriu portas para outras produções como A Bela e a Fera e O Rei Leão e chegou inclusive a ser indicado a três estatuetas do Oscar, levando duas para casa. Por causa da relevância e da qualidade do seu antecessor, as expectativas em cima do live action anunciado para chegar aos cinemas em 2023 estavam altas.

Eis que estreia nesta semana a nova versão de A Pequena Sereia (EUA, 2023 – Disney), agora com atores. O roteiro de ambos os filmes são bem similares, contando inclusive com alguns mesmos diálogos. Porém, com 52 minutos adicionais, o live action consegue acrescentar momentos e músicas, alem de desenvolver melhor cada um dos personagens de uma maneira que melhora e complementa a história mas ainda mantém a essência que o desenho trouxe para a narrativa. Essas mudanças foram aprovadas não só pelos fãs da animação como também pela atriz Jodi Benson, que deu a voz à princesa Ariel no longa de 1989.

O filme de 2023 abre com uma citação do próprio Hans Christian Andersen (“Uma sereia não tem lágrimas, assim ela sofre muito mais”), que fica com o espectador do começo até o final, principalmente nas cenas mais dramáticas. As novas músicas também se destacam ao longo da história, sendo acrescentadas de maneira orgânica e trazendo muito para dentro da narrativa. A trilha sonora original foi escrita por Alan Menken. Já para o live action, o compositor recebeu a ajuda do talentosíssimo Lin Manuel-Miranda.

Outra das mudanças positivas foi o melhor desenvolvimento da personalidade de Eric. Aquele de 1989, comparado com os príncipes encantados das outras princesas da Disney, tinha bastante personalidade mas não o suficiente para os dias de hoje. Agora Eric não só ganha uma música para chamar de sua, como também somos apresentados aos seus sonhos e vontades, similares às de Ariel (louco para explorar o mundo embora sua mãe queira que ele fique na proteção de seu palácio). Esse acréscimo, apesar de simples, permite com que os espectadores também se conectem com o personagem e faz com que o amor entre os dois personagens seja mágico porém mais natural.

 O romance dentro do filme também foi bem desenvolvido com esses minutos adicionais. Na animação isso já fora bem executado – apesar da intensidade de amor à primeira vista, por ter cedido sua voz, Eric não reconhece Ariel e assim acaba se apaixonando “novamente” pela garota de maneira gradual ao longo da história. No live action o foco na relação é grande, com diversas cenas em que os personagens percebem o quanto têm em comum e aproveitam a companhia um do outro – o que torna a narrativa ainda mais envolvente, também pela química dos atores.

Por falar em romance, durante o longa em diversos momentos é colocada de maneira clara a independência de Ariel, algo muito questionado ao longo dos anos. A princesa sempre quis conhecer a superfície e Eric e sua paixão foi apenas mais um motivo a mais. Dentro do filme, além de “Part Of Your World”, que já expressa as vontades da garota, a nova canção “For The First Time” mostra com perfeição a personalidade da sereia curiosa, determinada, querendo conhecer o novo mundo mas ainda assim assustada com as novidades. E tudo isso na voz potente de Halle Bailey.

A atriz e cantora aqui entrega uma performance digna de longos aplausos, encarnando perfeitamente como Ariel e sendo o verdadeiro destaque dentro do filme. Bailey dá vida a uma protagonista muito corajosa e apaixonante, com muito da essência daquela de 1989, mas construindo a personagem à sua maneira. Desta maneira, impressiona e cativa desde o primeiro momento. E a voz potente da atriz engrandece todas as músicas do filme, desde aquelas que canta solo até as que acompanha em segundo plano. Halle também impressiona pela expressão corporal e performance nas cenas em que Ariel fica sem voz.

Assim como no primeiro filme, os coadjuvantes também não ficam para trás. Aqui a temida Úrsula é vivida pela carismática Melissa McCarthy, que traz uma performance exagerada (num bom sentido) e extremamente debochada. Sua atuação bem teatral fica perfeita para a personagem. Já os amigos de Ariel estão muito afiados, apesar de realistas demais. Linguado (Jacob Tremblay) é extremamente fiel a Ariel e traz divertidos momentos principalmente no começo do filme. Já Sebastião (o talentoso Daveed Diggs) é o braço-direito do rei Tritão e ajuda a princesa a sair de sua enrascada trazendo uma maravilhosa performance da música “Under The Sea”. Por fim, a dublagem de Sabichão acaba incomodando um pouco pela voz da atriz Awkwafina ser extremamente reconhecível. Ainda assim, traz engraçados momentos e recebe uma música só sua, “The Scuttlebutt”, com traços reconhecíveis das obras de Lin Manuel-Miranda.

A Pequena Sereia também ganha muito com os avanços tecnológicos e transporta os espectadores para um mundo mágico, tanto embaixo da água quanto na superfície. Sob o mar tudo é muito colorido e quase viciante de se olhar por causa de diversas criaturas e cenários maravilhosos. O CGI e a maneira natural como Ariel se movimenta também impressionam. Já em terra temos a chance de explorar mais do castelo e da cidade de Eric, ambos também recheados de cores e objetos interessantes. Isso faz entender ainda mais a curiosidade de Ariel.

Apaixonante, satisfatório e divertido, o novo filme consegue emplacar como uma das melhores adaptações feitas pela Disney nessa leva de live actions. Prende os espectadores do começo até o fim, melhorando a narrativa de 1989 e apresentando uma ótima performance de Halle Bailey.

Movies

Encanto

Nova animação da Disney troca o universo dos contos de fada pelo realismo mágico com protagonista latina feminina

Texto por Flavio Jayme (Pausa Dramática)

Foto: Disney/Divulgação

Muito já se falou sobre Encanto (EUA, 2021 – Disney), a sexagésima animação dos estúdios Walt Disney que estreou no dia 25 de novembro nos cinemas brasileiros e agora chega em streaming no Disney+. Da locação inspirada na Colômbia às origens latinas, da diversidade e representatividade às músicas compostas por Lin Manuel-Miranda. Mas nada do que você tenha lido te prepara para a beleza estonteante da aventura protagonizada por Mirabel Madrigal.

Centrado na pequena vila que dá nome ao filme, Encanto conta a história da família Madrigal: como eles foram parar ali, como ganharam os dons de que tanto de se gabam e como fizeram do lugar e de todos à sua volta uma enorme família. No centro da ação está Mirabel (voz original de Stephanie Beatriz, de Em Um Bairro de Nova York), a única da família que não possui um dom. Entre irmãs e primas capazes de criar flores por onde passam ou donas de força extrema, tios que podem prever o futuro ou fazer chover e uma mãe que cura qualquer doença ou ferimento com arepas mágicas (um tipo de pão tradicional da América Latina feito com farinha de milho), a garota de 15 anos é a única que “não tem nada de especial”.

Mirabel, então, decide descobrir o motivo dela ser a única sem um dom e esbarra em um mistério da família: o tio Bruno. Desaparecido há muito tempo, ele previa o futuro mas desagradava a todos com as previsões (que realmente se concretizavam). Para silenciá-lo, a família quase o obrigou a fugir. E é nele que Mirabel acredita estar a resposta para sua pergunta. 

E aqui insiro uma nota particular de piada interna que talvez eu tenha sido o único a perceber: o personagem Bruno acaba por falar demais quando faz suas previsões e sua fuga é um meio de silenciar sua voz. Eu fui o único que pensou em “Silêncio, Bruno!”… de Luca?

Em meio ao visual arrebatador cheio de cor e movimento da vila de Encanto e da Casa Madrigal e dos inúmeros e carismáticos personagens da história, é fácil para nós, adultos, percebermos a real lição por trás daquela trama: não devemos passar a vida nos preocupando em atender às expectativas dos outros e escondendo o que queremos de verdade. Não devemos ter medo de sermos quem quisermos ser.

Com uma trama que flui de maneira fácil e rápida, números musicais incríveis que soam modernos e internacionais e uma personagem tão verdadeira que é quase de carne e osso, Encanto transmite sua lição mais para os pais que para as crianças. Estas vão se deliciar com os animais, as cores e as piadas do filme. Ao abrir mão dos contos de fada e aportar no realismo mágico, a Disney produz um longa de emocionar.

Não tão dramático quanto Frozen ou Raya e o Último DragãoEncanto consegue, sem o perdão do trocadilho, encantar de maneira fácil ao encher nossos olhos com aquele visual de cair o queixo e nos deixar com uma importante lição: seja quem você quiser ser. Este, aliás, pode ser o seu maior dom.

Movies, Music

tick tick… Boom!

Performance cheia de dor e desespero de Andrew Garfield é o melhor desta viagem rumo à mente do criador do musical Rent

Texto por Flavio Jayme (Pausa Dramática)

Foto: Netflix/Divulgação

Todo fã de musical conhece Rent. Uma das obras mais inovadoras do gênero e um dos maiores sucessos dos palcos da Broadway revolucionou a forma como se faz e se vê os musicais. Mas embora muitos de nós (os fãs de musicais) sejamos apaixonados pela criatura, a ópera-rock que retrata tão absurdamente a juventude no final dos anos 1980, poucos são os que conhecem seu criador.

Jonathan Larson era uma força da natureza. Hiperativo, ansioso, mais alto que o normal e obcecado por suas criações, Jon era daquelas pessoas capazes de compor sobre qualquer coisa e de passar horas fazendo isso sem ver o tempo passar. De fato, vivia como se corresse contra uma contagem regressiva. E tick, tick… Boom! (EUA, 2021 – Netflix) nos leva pra dentro da mente deste compositor.

No longa, primeira vez de Lin Manuel-Miranda na direção (compositor de músicas de filmes e peças como HamiltonEm Um Bairro de Nova YorkMoanaEncanto e A Jornada de Vivo), somos catapultados pra dentro da mente de Jon. Por meio do musical autobiográfico que Larson mesmo compôs para expor sua vida e seu processo criativo, o diretor nos leva por um caminho nada fácil sobre como é ser criativo demais, ser à frente de seu tempo, ser incompreendido, ser soterrado pela mediocridade. E esperar a vida acontecer, nem sempre com um final feliz.

Com muitas referências a Rent tanto no estilo das músicas compostas por Larson quanto em cenas e ambientação, tick, tick… Boom! é uma viagem pra dentro de um homem que nunca encontrou seu espaço no mundo. Jon nunca conseguiu ver seu próprio sucesso: ele morreu de um aneurisma aos 35 anos no dia da estreia de Rent, em 1996. O musical permaneceu em cartaz por 12 anos (e até hoje tem montagens pelo mundo, incluindo no Brasil) e teve mais de 5000 apresentações na Broadway. Em 2005 ganhou sua versão para os cinemas, dirigida por Chris Columbus (de Harry Potter e a Pedra FilosofalUma Babá Quase PerfeitaO Homem Bicentenário e Esqueceram de Mim, entre outros), contando a história de um grupo de amigos na virada de 1989 para 1990 às voltas com ambições, sonhos e a ascensão do HIV.

tick, tick… Boom! serve como prequel de Rent, mostrando o processo criativo de Larson e os amigos que serviram de inspiração para os personagens do musical que viria a ser chamado como “definição de uma geração”. E prova que, ao impor um ritmo eufórico e ansioso ao filme e à história de seu protagonista, Lin Manuel-Miranda não é apenas um excelente compositor mas também um diretor seguro que sabe o que está fazendo.

Um dos melhores filmes do ano, tick, tick… Boom! vem criando buzz para as premiações do ano que vem, especialmente pela performance sensacional de Andrew Garfield como seu protagonista. É impossível não se sentir ansioso, perdido e desesperado como ele na tela. Sua dor é real e, ao transmiti-la, Garfield nos pega pela mão e nos leva com ele. Para o céu ou para o fundo do poço.

PS: se você é fã de musicais, vai reconhecer alguns rostos na cena de “Sunday” no Moondance Café. Estão ali nomes como Bernadette Peters, Chita Rivera, Joel Grey, Brian Stokes Mitchell, André de Shields, Renée Elise Goldsberry e Phillipa Soo (de Hamilton), Adam Pascal e Daphne Rubin-Vega, do elenco original de Rent. Manuel-Miranda disse que a ideia foi recriar de forma viva aquele cenário onde as lanchonetes possuem pôsteres de ícones como Amy Winehouse lanchando ao lado de Elvis e Madonna: “eu quis reproduzir aquela ideia de lendas de épocas diferentes conectadas em um único cenário. É como se Jon estivesse em um sonho, com pessoas que ele nem conheceu ainda, mas que hoje são lendárias”.