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Jethro Tull – ao vivo

Ao proibir o uso de celulares durante quase toda a noite, Ian Anderson leva à plateia de Curitiba bastante do clima de um concerto do início da carreira

Texto por Daniela Farah

Foto: Abonico Smith

Se Ian Anderson queria reproduzir um concerto dos anos 1970 para o público que está em plena temporada de 2024, ele conseguiu. Tanto para o bem quanto para o não tão bem assim. Na noite de 12 de abril, o artista trouxe sua performance de Jethro Tull para Curitiba, mais precisamente o Teatro Positivo. A escolha por ser um teatro determinou todo o contexto do show. Não pela casa em si, já que o local recebe diversos concertos, mas pela estrutura da apresentação – dividida em duas partes, com direito a um intervalo de 20 minutos.

Quem foi lá esperando um show de rock saiu de lá frustrado, assim como quem se deixou levar pela ansiedade causada pela dependência digital e a raiva pela obrigação de deixar o celular guardado. O uso do aparelho era expressamente probidio por Anderson e havia alguns seguranças para vigiar quem insistisse em ignorar a ordem e botar medo de uma possível exclusão do recinto. Por outro lado, quem se abriu e deixou-se levar pela proposta do escocês saiu de lá diferente. Anderson encarnou a experimentação, a arte, a mistura com a tecnologia do presente apenas no palco (toda canção tocada era acmpanhada por um vídeo recentemente produzido, cheio de efeitos digitais e aquele ritmo fragmentado típico do videoclipe) e sua personalidade forte para dar o tom da apresentação da RökFlöte Tour.

Essa mudança de show para performance artística se refletiu inclusive nos arranjos sonoros das principais músicas do Jethro Tull. Mas isso não pegou ninguém desavisado: após entrar ovacionado e tocar “My Sunday Feeeling”, Ian conversou com o público. “Bem-vindos para celebrar sete décadas de lançamentos de discos”, disparou.

O cantor comentou com uma tonalidade um tanto quanto jocosa a respeito do fato de “Hotel California” ser curiosamente parecido com a sua composição “We Used To Know”, criada em 1969. “Ela é dedicada aos Eagles, aquele grupo pop fabuloso dos Estados Unidos que surgiu com uma música pop brilhante em 1974. Você vai poder notar similaridades entre as canções. Esta é uma minha que eu escrevi anos antes, particularmente o solo de guitarra que Jack irá tocar”, disse Ian, só errando a data do megahit (a faixa foi gravada em 1976 e lançada em dezembro do mesmo ano, dando nome ao quinto álbum dos anericanos).

Anderson contou histórias de todas as suas obras apresentadas no Positivo, como a do catavento em forma de galináceo que vive no teto de sua casa (o “Sr. Weathercock”). Ele ainda trouxe o clima de Natal antecipado – porque nunca é cedo para comemorar o Natal, ainda mais para cantar canções do Jethro Tull. “Ela traz elementos de música de igreja e folk mais algumas coisas da minha própria criação. Nós chamamos essa de “Holly Herald” e Scott Hammond vai começar com os bongôs.”

O passado logo foi substituído pelo presente e uma música do RökFlöte, “Wolf Unchained”, chegou, enfim, ao set list. E como o grande contador de histórias da noite, Ian mostrou seu humor britânico (ou seria o particularmente escocês?) especialmente nessa aqui, que soa muito sério no começo e surpreende no final. “É sobre aquele barulhento lobo perverso chamado fenrir. Era um cachorro muito mau… e eu ficava dizendo a ele para não lutar contra o entregador da Amazon senão não iria ganhar presente de Natal”, disse o músico fazendo o público cair na gargalhada.

Depois de “Mine Is The Mountain” e “Bourrée In E Minor” (versão da obra de Johann Sebastian Bach), chegou ao fim a primeira metade. Depois foram 20 minutos de intervalo, importante para que todo mundo pudesse relaxar da tensão e poder esticar as pernas. Ou mexer nos próprios celulares e coisas assim.

Talvez pela dispersão da pausa, a segunda parte não empolgou tanto assim. Exceto, claro, por dois momentos muito importantes. Um deles foi “Aqualung”. O clássico dos clássicos do Jethro Tull protagonizou o clímax da noite e levou o público a se soltar na cadeira, dançar e gritar. Anderson parecia feliz em proporcionar essa alegria aos fãs. É tão bonito quando a gente vê um momento genuíno de troca entre artista e público, especialmente com uma música que ele tocou tantas vezes durante toda a extensa carreira.

O outro grande momento foi a última música “Locomotive Breath”. Aqui, Ian Anderson foi genial. Como já estava no bis, ele permitiu que todo mundo pegasse seus celulares e câmeras e filmasse e fotografasse tudo o que quisesse. O público entrou em frenesi e milhares de celulares foram apontados para o palco praticamente a canção inteira. Assim distraídos, ninguém pode perceber a falta que a guitarra de Martin Barre (habilidoso membro da formação original que brigou com Anderson em 2011 e passou a excursionar com uma banda própria sem deixar de tocar os clássicos do Jethro Tull) fazia, especialmente nessa música.

Set list: Parte 1 – “My Sunday Feeling”, “We Used To Know”, “Heavy Horses”, “Weathercock”, “Roots To Branches”, “Holly Herald”, “Wolf Unchained”, “Mine Is The Mountain” e “Bourrée In E Minor”. Parte 2 – “Farm On The Freeway”, “The Navigators”, “Warm Sporran”, “Mrs Tibbets”, “Dark Ages”, “Aquadiddley” e “Aqualung”. Bis: “Locomotive Breath”.

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Jethro Tull

Oito motivos para não perder a apresentação da icônica banda liderada por Ian Anderson em sua nova passagem pelo Brasil

Texto por Daniela Farah

Foto: Divulgação

Seven Decades é o nome oficial da nova turnê. Pode parecer muito. E, de fato, é. Pode parecer erro de cálculo, já que o vocalista e fundador, o escocês Ian Anderson, vai completar 77 anos de vida no próximo mês de agosto. Mas, de fato, não é. O Jethro Tull foi fundado em 1967, quando o músico ainda estava saindo da adolescência. Portanto, o período em atividade compreende justamente sete décadas, dos anos 1960 aos anos 2020. Mesmo com alguns pequenos períodos de pausa, provocada por afastamento entre os principais integrantes e remanescentes, certo é que a carreira permanece seguindo em frente.

A boa notícia para os fãs brasileiros é que esta turnê volta a trazer Anderson e seus músicos para o Brasil. Serão quatro apresentações nesta semana e a rota de escalas compreende Belo Horizonte (dia 9 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui), Porto Alegre (dia 10 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui), Curitiba (dia 12 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui) e São Paulo (dia 13 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui). O repertório trará grandes sucessos espalhados pela longeva trajetória com a adição de faixas do mais recente álbum de estúdio, RökFlöte, lançado há exatamente um ano.

Para celebrar a nova vinda de Anderson e seus asseclas para cá, o Mondo Bacana discorre sobre oito motivos para você não deixar de ver a banda em ação novamente aqui.

Raiz folk

Ainda que Ian Anderson tenha passado boa parte da sua vida na Inglaterra (mudou-se aos 12 anos), ele nunca deixou de lado suas raízes escocesas. Isso reverberou na sonoridade do Jethro Tull. Anderson achava que faltava algo que desse uma cara mais europeia para o seu som e foi buscar isso em suas raízes inglesas e escocesas. Vem daí, dessa vontade de ter seu ambiente representado na sua arte, que surgiu a pitada celta que faltava para completar o Jethro Tull. Diga-se de passagem, aliás, que essa proposta bucólica até combina muito bem com o nome, inspirado em um agricultor famoso. A banda ficou conhecida por levar essa representatividade da musicalidade celta para o mundo. Ou seja, é a possibilidade de assistir cara a cara o folk britânico em sua mais pura raiz criativa. E de uma maneira bem divertida!

Performance de palco

Ian Anderson é, por si só, uma figura controversa. Um escocês, apaixonado por blues, que resolveu fazer rock tocando flauta. E fez isso tão bem que em 1989, o Jethro Tull abocanhou o Grammy de Melhor Performance Hard Rock/Metal, tirando-o das mãos do Metallica e seu aclamado álbum … And Justice For All. Ian tem uma presença de palco cativante. Entrega tudo e um pouco mais, seja através de seus olhos que parecem interpretar cada nota da flauta, por suas danças peculiares, tocando em uma perna só ou dando pequenos pulos enquanto canta.

Idade avançada

Para os fãs é sempre uma benção ter a oportunidade de seguir acompanhando seus ídolos lançando novidades e realizando concertos e turnês. Entretanto, também chega a ser cruel pensar que a cada temporada que se vai, menos tempo resta para aproveitar as suas presenças neste plano. Para quem mora no Brasil, então, chega a ser pior quando o assunto são os grandes deuses do rock de todos os tempos. Já são bem menores as chances de todas as turnês chegarem à América do Sul por questões financeiras, de logística e de maior percurso territorial a ser enfrentando sobretudo para quem mora longe dos grandes centros urbanos para onde as datas dos concertos acabam sendo marcadas. Ian Anderson está com 76 anos e é um poucos pilares do rock dos anos 1960 e 1970 ainda em plena atividade, compondo, criando, gravando, tocando ao vivo, correndo o mundo.

Confusão de gêneros

É hard rock, heavy metal ou rock progressivo? Qualquer fórum de discussão sobre música na internet (os melhores!) possui um tópico sobre a sonoridade do Jethro Tull. A diversidade é tanta que fica difícil encaixar em uma só gavetinha. Mesmo que os mais xiitas (ou troo) concordem que o grupo não entra na categoria metal, é uníssono que o Jethro Tull é uma das bandas que exerceu uma influência muito forte nas principais bandas do gênero que vieram depois. A experimentação foi tanta (hard rock, blues, folk, clássico, etc) e deu tudo tão certo que estamos aqui falando deles em pleno ano de 2024. A questão é que vale a pena sair de casa por uma lenda como essa, que transformou, inspirou tantos músicos (dos quais você provavelmente é muito fã!) a seguir suas carreiras. Inclusive, Ian Anderson participa em quatro músicas do novo álbum do Opeth. Então, nada como beber diretamente da fonte, não é mesmo?

“Aqualung” (a música)

Se você acha que não conhece Jethro Tull, pare tudo o que está fazendo neste momento e coloque os primeiros minutos da música “Aqualung”. Ela soa familiar? A indústria do entretenimento usou e abusou bastante dessa introdução dos Simpsons aos Sopranos. E com razão: ela é genial. “Aqualung” fazia parte do álbum homônimo lançado pelo Jethro Tull em 1971. Nada convencional, como tudo que remete à banda. A letra, repleta de realismo, fala de um homem que é morador de rua e observa o mundo a partir de um banco de parque. “Aqualung”, tocada e cantada pelo próprio Ian Anderson, é o tipo de coisa que faz a gente querer sair de casa. Sempre.

“Locomotive Breath”

“Locomotive Breath” também faz parte do histórico álbum Aqualung e que também faz parte do repertório da atual turnê. A letra é pura loucura filosófica. Segundo Ian, lá em 1971, estávamos num trem de crescimento populacional e ninguém sabia onde ele iria parar. Mas a sonoridade, essa é para aplaudir de pé. As guitarras criadas de Martin Barre são um espetáculo à parte, provavelmente para descrever a velocidade do trem e a pressão contidas na narrativa. Não é à toa que bandas de metal como WASP e Helloween lançaram suas versões para essa música.

RökFlöte

Após ficar anos e anos  sem lançar material novo, Jethro Tull tem um novo álbum, seu 23º. Ian Anderson criou a sua versão sobre o Ragnarok, da mitologia nórdica, em RökFlöte. Desta vez ele contou com David Goodier (baixo), John O’Hara (teclados), Scott Hammond (bateria) and Joe Parrish James (guitarra). Mesma banda que vem com ele ao Brasil, exceto o guitarrista Joe, substituído por Jack Clark. E, sim, eles vão tocar músicas do novo trabalho ao vivo.

Sete décadas em um concerto

Sete é rico em simbolismos. Sete são as notas musicais e as figuras de tempo na música. O número também é o símbolo da vida eterna no Antigo Egito; e, se a numerologia considera um número divino, a aritmética o considera feliz. Mas sete décadas é um número absurdo. Chega a ser até impensável o quanto o mundo mudou nesse tempo. Só para citar os suportes do mercado fonográfico: vinil, fita cassete, compact disc, DVD, MP3 player, pendrive, streaming… E o Jethro Tull tem a árdua missão de trazer um pouco dessas décadas de criação e ação em um só show. A vantagem é que suas músicas continuam a fazer sentido mesmo com toda a passagem de tempo. Por isso é excepcional quando uma banda que atravessou todo este período se apresenta nos dias de hoje. Não é só música, é História.