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A Pequena Sereia

Live action de clássica animação da Disney traz 52 minutos adicionais, novas canções e Halle Bailey impressionando como Ariel

Texto por Carolina Genez

Foto: Disney/Divulgação

Ariel é a filha caçula do Rei Tritão, governante dos sete mares. Por ser a mais nova, a pequena sereia vive sob regras extremamente restritas que em principal a proíbem de ir até a superfície e interagir com os humanos. Curiosa, magoada pelo pai e determinada a conhecer o mundo acima da água, ela é seduzida pelas promessas da bruxa Úrsula, que oferece pernas em troca da voz da garota.

A primeira adaptação do conto de Hans Christian Andersen produzida pela Disney em 1989 teve um grande peso dentro da empresa, sendo responsável por salvar o departamento de animações do Mickey Mouse, que estava passando por um período difícil depois de fracassos comerciais entre os anos 1970 e 1980. Com uma princesa muito carismática e músicas animadas, o longa abriu portas para outras produções como A Bela e a Fera e O Rei Leão e chegou inclusive a ser indicado a três estatuetas do Oscar, levando duas para casa. Por causa da relevância e da qualidade do seu antecessor, as expectativas em cima do live action anunciado para chegar aos cinemas em 2023 estavam altas.

Eis que estreia nesta semana a nova versão de A Pequena Sereia (EUA, 2023 – Disney), agora com atores. O roteiro de ambos os filmes são bem similares, contando inclusive com alguns mesmos diálogos. Porém, com 52 minutos adicionais, o live action consegue acrescentar momentos e músicas, alem de desenvolver melhor cada um dos personagens de uma maneira que melhora e complementa a história mas ainda mantém a essência que o desenho trouxe para a narrativa. Essas mudanças foram aprovadas não só pelos fãs da animação como também pela atriz Jodi Benson, que deu a voz à princesa Ariel no longa de 1989.

O filme de 2023 abre com uma citação do próprio Hans Christian Andersen (“Uma sereia não tem lágrimas, assim ela sofre muito mais”), que fica com o espectador do começo até o final, principalmente nas cenas mais dramáticas. As novas músicas também se destacam ao longo da história, sendo acrescentadas de maneira orgânica e trazendo muito para dentro da narrativa. A trilha sonora original foi escrita por Alan Menken. Já para o live action, o compositor recebeu a ajuda do talentosíssimo Lin Manuel-Miranda.

Outra das mudanças positivas foi o melhor desenvolvimento da personalidade de Eric. Aquele de 1989, comparado com os príncipes encantados das outras princesas da Disney, tinha bastante personalidade mas não o suficiente para os dias de hoje. Agora Eric não só ganha uma música para chamar de sua, como também somos apresentados aos seus sonhos e vontades, similares às de Ariel (louco para explorar o mundo embora sua mãe queira que ele fique na proteção de seu palácio). Esse acréscimo, apesar de simples, permite com que os espectadores também se conectem com o personagem e faz com que o amor entre os dois personagens seja mágico porém mais natural.

 O romance dentro do filme também foi bem desenvolvido com esses minutos adicionais. Na animação isso já fora bem executado – apesar da intensidade de amor à primeira vista, por ter cedido sua voz, Eric não reconhece Ariel e assim acaba se apaixonando “novamente” pela garota de maneira gradual ao longo da história. No live action o foco na relação é grande, com diversas cenas em que os personagens percebem o quanto têm em comum e aproveitam a companhia um do outro – o que torna a narrativa ainda mais envolvente, também pela química dos atores.

Por falar em romance, durante o longa em diversos momentos é colocada de maneira clara a independência de Ariel, algo muito questionado ao longo dos anos. A princesa sempre quis conhecer a superfície e Eric e sua paixão foi apenas mais um motivo a mais. Dentro do filme, além de “Part Of Your World”, que já expressa as vontades da garota, a nova canção “For The First Time” mostra com perfeição a personalidade da sereia curiosa, determinada, querendo conhecer o novo mundo mas ainda assim assustada com as novidades. E tudo isso na voz potente de Halle Bailey.

A atriz e cantora aqui entrega uma performance digna de longos aplausos, encarnando perfeitamente como Ariel e sendo o verdadeiro destaque dentro do filme. Bailey dá vida a uma protagonista muito corajosa e apaixonante, com muito da essência daquela de 1989, mas construindo a personagem à sua maneira. Desta maneira, impressiona e cativa desde o primeiro momento. E a voz potente da atriz engrandece todas as músicas do filme, desde aquelas que canta solo até as que acompanha em segundo plano. Halle também impressiona pela expressão corporal e performance nas cenas em que Ariel fica sem voz.

Assim como no primeiro filme, os coadjuvantes também não ficam para trás. Aqui a temida Úrsula é vivida pela carismática Melissa McCarthy, que traz uma performance exagerada (num bom sentido) e extremamente debochada. Sua atuação bem teatral fica perfeita para a personagem. Já os amigos de Ariel estão muito afiados, apesar de realistas demais. Linguado (Jacob Tremblay) é extremamente fiel a Ariel e traz divertidos momentos principalmente no começo do filme. Já Sebastião (o talentoso Daveed Diggs) é o braço-direito do rei Tritão e ajuda a princesa a sair de sua enrascada trazendo uma maravilhosa performance da música “Under The Sea”. Por fim, a dublagem de Sabichão acaba incomodando um pouco pela voz da atriz Awkwafina ser extremamente reconhecível. Ainda assim, traz engraçados momentos e recebe uma música só sua, “The Scuttlebutt”, com traços reconhecíveis das obras de Lin Manuel-Miranda.

A Pequena Sereia também ganha muito com os avanços tecnológicos e transporta os espectadores para um mundo mágico, tanto embaixo da água quanto na superfície. Sob o mar tudo é muito colorido e quase viciante de se olhar por causa de diversas criaturas e cenários maravilhosos. O CGI e a maneira natural como Ariel se movimenta também impressionam. Já em terra temos a chance de explorar mais do castelo e da cidade de Eric, ambos também recheados de cores e objetos interessantes. Isso faz entender ainda mais a curiosidade de Ariel.

Apaixonante, satisfatório e divertido, o novo filme consegue emplacar como uma das melhores adaptações feitas pela Disney nessa leva de live actions. Prende os espectadores do começo até o fim, melhorando a narrativa de 1989 e apresentando uma ótima performance de Halle Bailey.

Movies

Coração de Neon

Filme independente acerta ao fugir da Curitiba para turistas e levar às grandes telas a vida e as ruas periféricas do Boqueirão

Texto por Abonico Smith

Foto: IHC/Divulgação

Estreia nesta quinta-feira nos cinemas de Curitiba e outras capitais brasileiras mais uma produção feita por profissionais da área que são e vivem na capital paranaense. Coração de Neon (Brasil, 2023 – International House of Cinema), entretanto, corre o risco de ser o mais curitibano de todos os filmes que, recentemente, estão colocando a cidade no mapa nacional.

Misturando elementos de drama, comédia e ação, o filme foi rodado em 2019. Correu alguns festivais, ganhando inclusive prêmios em alguns destinados a produções iniciantes, e ganhou diversas matérias em televisões, sites e rádios locais a respeito do fato. A expectativa em torno de sua estreia chega ao fim no dia de hoje, quando muita gente da cidade – especialmente quem mora ou já morou no Boqueirão – pode se ver, enfim, representado na grande telas das salas de projeção.

Mondo Bacana dá oito motivos para você não perder a oportunidade de assistir à obra. Que não fala só de e para quem está na capital paranaense. Consegue transpassar a localização geográfica e contar uma história universal, mas sem abrir mão de pinceladas bem curitibanas. O que ainda é raro de se ver no cinema independente nacional.

Novo polo de cinema

Curitiba , claro ainda está distante do volume de produções de outras cidades brasileiras fora do eixo Rio-São Paulo, como Porto Alegre, Recife ou Brasília, claro. Mas já se começa a perceber uma movimentação mais frequente de produções feitas para cinema, streaming e internet por aqui. Realizadores como Aly Muritiba, Paulo Biscaia Filho, Gil Baroni, Ana Johann, Heloisa Passos, Willy e Werner Schumann volta e meia aparecem com alguma (boa) novidade. Muritiba, inclusive, chegou a quase disputar o Oscar por duas vezes. Agora é a vez do trabalho de estreia em longa-metragem de Lucas Estevan Soares chegar às salas de projeção. Para uma grande cidade que possui boas opçòes de graduação e pós em cinema, é fundamental que se crie um mercado constante de trabalho para profissionais da área

Faz-tudo

Lucas Estevan Soares é quase onipresente na ficha técnica de Coração de Neón. Ele não é apenas o diretor do filme. Assina também produção executiva, roteiro, montagem e trilha sonora, cantando e compondo várias das músicas feitas para esta produção. Não bastasse se virar feito o Multi-Homem dos Impossíveis do desenho animado de Hanna-Barbera, ele ainda é o protagonista da história. Rapaz de versatilidade e talentos distintos.

Cinema de guerrilha

Não foi só Lucas a função de coringa neste filme. Por trás das câmeras, houve um trabalho hercúleo de apenas doze pessoas envolvidas no set de filmagem, o que exigiu acúmulo de funções técnicas. Isso fez com que Lucas cunhasse para a obra o status de “cinema de guerrilha”. Orçamento baixo (R$ 1,6 milhão, segundo o autor), bem verdade, mas diante das condições econômicas do país nos últimos quatro anos (leia-se o período em que houve desgoverno em Brasília e um intencional corte de apoio às artes) foi feito o possível para conseguir a verba necessária para a produção e a pós-produção. Sem falar no fato de que nenhuma grana de captação de qualquer lei de incentivo foi usada aqui. Mas o que poderia se tornar um grande empecilho, na verdade, tornou-se trunfo para Coração de Neonbrilhar na tela imbuído num total espírito punk. Do it yourself no talo, concebido com o que se tinha na mão, muitas vezes recorrendo ao uso da criatividade para driblar a adversidade.

Muito além do olhar do turista

Qual é a imagem que a capital paranaense transmite a quem não vive nela? Curitiba é encarada além de suas fronteiras como uma cidade exemplar, que contrasta com muitas outras regiões e localidades do país. Certo? Não. Jardim Botânico, Ópera de Arame e outros pontos turísticos podem ser muito belos aos olhos de quem vem de fora e anda pelo ônibus verde double decker, mas a cidade não é só isso. Vai bem além e, por isso, mostra-se uma decisão acertadíssima de Soares mostrar o que está na periferia. Para começar, a história se passa toda no bairro do Boqueirão, onde tudo também foi filmado e de onde vieram as origens familiares de Lucas Estevan Soares – muito do que se vê vem de parte da história da própria vida dele. Neste long estão as casas simples de famílias de classe média da região, a torcida organizada e para lá de fanática pelo futebol amador, as furiosas brigas desses torcedores em estações-tubo e terminais de ônibus, as mensagens de amor transmitidas por chamativos carros coloridos, o garoto sonhador que gosta de rock e tem cabelos compridos, o pai empreendedor, a guria casada que leva uma pacata vida de dona de casa, o vendedor de algodão doce que caminha tranquilamente pela rua do bairro e ainda o carro dos sonhos (de comer, claro).

Trilha sonora

Se o filme fala sobre o Boqueirão, claro que não poderia faltar rap nele. E dos bons. O canto falado dos MCs não estampa somente a frente de algumas das camisetas mais bacanas do figurino utilizado por Dinho, o coadjuvante que ancora as ações do protagonista Fernando. Tem também duas faixas incluídas na trilha sonora que dão peso e um charme todo especial a momentos-chaves da trama. Uma delas vem embalada pelas vozes dos irmãos gêmeos PA & PH. A outra é trazida pela libertação feminina cantada em versos e rimas pela brasiliense Belladona. A cantora pode não ser de Curitiba, mas sua canção “Coração de Neon” não apenas se encaixou como uma luva na narrativa como também acabou dando nome ao filme. Ela inclusive veio ao Boqueirão para rodar o videoclipe para a música sob a direção de Soares (que também participa das imagens como ator e ainda empresta o carro carinhosamente chamado de Boquelove em várias cenas). Como já disse Karol Conká – que, por sinal, também veio do Boqueirão, é do gueto ao luxo, do luxo ao gueto.

Violência contra a mulher

Arte é entretenimento mas também pode cumprir uma função bem maior quando possível. Deve servir para questionar e transformar o mundo ao redor. Coração de Neon acerta em cheio ao incluir como cerne de sua trama um dos eventos infelizmente ainda muito corriqueiros na sociedade brasileira: a violência contra a mulher. A cada dia o noticiário da vida real conta a história de muitos feminicídios. Na ficção curitibana, o companheiro ultraviolento, armado e sem o mínimo de equilíbrio emocional no trato com outras pessoas (especialmente se forem do gênero feminino) está presente levando a tensão necessária para várias sequências mostradas em tela. Lógico que a trama gira ao redor de seus atos, que ainda são engrossados por um coro de machismo e misoginia que corrobora com a triste situação. 

Elenco com caras novas

Este não é apenas o filme de estreia de Lucas Estevan Soares. Quase todo o elenco também faz sua primeira participação cinematográfica. São atores vindos do palco curitibano, que sempre foi muito feliz em revelar grandes nomes para a dramaturgia nacional. Se na última década a cidade exportou para as produções de TV, cinema e teatro do eixo Rio-São Paulo, a renovação de bons nomes vem sendo feita para que uma nova geração de qualidade não deixe passar em branco a condição de celeiro que a capital paranaense sempre teve. Tanto que todo ano um grande festival movimenta intensamente os palcos daqui por duas semanas cheias. No caso de Coração de Neon, deve-se prestar atenção aos nomes de Ana de Ferro (que interpreta Andressa, a jovem agredida pelo companheiro com quem divide a casa), Wenry Bueno (o guarda noturno que rivaliza com o trio de personagens centrais da história) e Wawa Black (Dinho, o amigo de fé e irmão camarada de Fernando). Mesmo atuando em poucas cenas, Paulo Matos (Lau, o pai de Fernando e criador do carro que leva as mensagens de amor pelas ruas do Boqueirão) também se destaca.

Iconografia curitibana

Quando se fala em Curitiba é impossível não pensar no Oil Man visto só de sunga pelas ruas mesmo no frio extremo do inverno. Ou no super-herói Gralha. Ou então na capivara, bicho comum nas redondezas do Parque Barigui que se tornou o animal-símbolo da cidade. Agora esta galeria iconográfica ganhou mais um integrante: o antigo corcel azul customizado por Lau e Fernando, carinhosamente chamado por este último como Boquelove. Tanto que Lucas agora leva o automóvel para onde pode, sempre no intuito de chamar a atenção para o filme em eventos pela cidade.

Series, TV

The Last Of Us

Série adaptada de cultuado videogame empolga ao falar de relações humanas em tempos de solidão e desesperança pós-apocalíptica

Texto por Taís Zago

Foto: HBO Max/Divulgação

A primeira versão de The Last Of Us, uma série de jogos de videogame desenvolvidos para o console PlayStation da Sony, surgiu em 2013 e foi agraciada com uma chuva de prêmios e um extenso fã-clube, chegando a ganhar a eleição de um dos melhores jogos já desenvolvidos. O sucesso abriu o caminho para uma franquia que acompanhou todas as novas versões da plataforma PS desde então e que agora também está sendo lançada para Windows e Xbox. Além dos jogos, foram originados também um comic book em 2013 e um live show em 2014. Agora veio a adaptação para o streaming. Fica claro que a pressão e as expectativas em torno do resultado da série roteirizada por Neil Druckmann, que é o próprio criador do jogo original, e por Craig Mazin, que assina o roteiro para Chernobyl (2019), não eram poucas.   

O arco da história pós-apocalíptica de The Last Of Us (EUA, 2023 – HBO Max) é aparentemente simples. Praticamente da noite para o dia grande parte da humanidade é dizimada via pandemia por um fungo da família do gênero Cordyceps – que realmente existe, mas no mundo real se limita a ser um endoparasita de artrópodes e que não chega a contaminar mamíferos, muito menos pessoas (até agora!). Os contaminados ou pessoas mordidas por contaminados perdem rapidamente a autonomia e passam a fazer parte de uma rede que serve a ele, que tem a única pretensão de se espalhar e sobreviver. Com isso os afetados se tornam uma espécie muito agressiva de zumbis canibalistas com mutações que lembram cogumelos pouco apetitosos e colônias do dito fungo. 

Depois de vinte anos, os poucos sobreviventes se dividiram em facções, cada qual com seus interesses específicos e formas de poder. Em comum, todos têm a hostilidade em relação a “intrusos” ou a intransigência na organização de suas comunidades. Ao momento da temporada – que já está chegando ao derradeiro capítulo – já fomos apresentados a alguns desses grupos. Os que mais se destacam são o FEDRA (Federal Disaster Response Administration, que se considera parte do governo dos EUA, tomou o controle como uma espécie de “milícia” após o desastre e se autointitula a principal autoridade em zonas de quarentena), o Firefly (Vagalumes em português, que é uma milícia antigovernamental surgida em resposta às ações autoritárias da FEDRA e que tenta encontrar uma cura para a infecção através de uma vacina) e os Contrabandistas (um grupo desorganizado que comanda o contrabando de materiais e suprimentos).

Joel (Pedro Pascal) e Tess (Anna Torv) fazem parte desse último grupo até receberem uma missão muito especial de alguns infiltrados dos Vagalumes: levar a menina Ellie (Bella Ramsey) até o grupo que busca a vacina, pois Ellie, aparentemente, é a única humana com clara imunidade ao fungo. Além disso, Joel ainda decide ir atrás do irmão Tommy (Gabriel Luna), que abandonara os Contrabandistas para se juntar aos Vagalumes, mas, sem explicação aparente, também largou esse segundo grupo. Joel, Tess e Ellie, iniciam então uma jornada de perigos entre humanos e não humanos.

Admito: apesar de já ter tido o PS 3 e 4, nunca tinha escutado falar do jogo The Last Of Us, pois meu interesse fica mais em torno de jump and runs coloridos com temas infantis. Então, contive minha empolgação ao iniciar a série mesmo sob a chuva de elogios emocionados do fã-clube. Invariavelmente minha primeira reação foi uma comparação imediata com as boas temporadas de The Walking Dead (2010-2022), a série produzida pela AMC, da qual me tornei uma fã fervorosa a ponto de possuir todos os volumes já lançados dos comics de Robert Kirkman e abandonei lá pela oitava temporada extremamente chateada após o roteiro da série desviar drasticamente do rumo do roteiro dos quadrinhos. 

Em The Last Of Us o nosso Rick Grimes é o Joel de Pedro Pascal. Pedro, que já é o nosso Mandalorian (outra série, iniciada em 2019, da franquia Star Wars da Disney+), aparentemente é a encarnação atual do lonely Soldier que Hollywood tanto adora: um sujeito com um pé no crime, sem amigos, carrancudo e amargo, mas que no fundo tem um coração de ouro e sabe atirar como ninguém. Ou seja, o novo Clint Eastwood ou o novo Charles Bronson do faroeste moderno pós-apocalíptico. Entretanto, de forma alguma menciono isso de forma pejorativa – a atuação de Pascal como Joel é impecável e a relação pai-filha que ele constrói aos poucos com a sapeca Ellie, interpretada com muita competência por Ramsey, já é uma promessa de momentos futuros espetaculares.

Outro ponto que não pode ser ignorado é a qualidade dos conflitos mostrados, bastante distantes da mera carnificina de monstros. Vemos relações reais e perigosas entre humanos. O comportamento de diferentes tipos humanos sob pressão, medo ou raiva. Um estudo sociológico de microcosmos inseridos num macrocosmo de uma catástrofe arrasadora. Temos até capítulos inteiramente dedicados ao backstory de personagens, como o maravilhosamente bem-produzido terceiro episódio, onde Nick Offerman como Bill e Murray Bartlett como Frank protagonizam um dos segmentos mais belos e sensíveis da série até agora. Aqui, excepcionalmente, não há o protagonismo da catástrofe, mas o dos sentimentos e das relações desenvolvidas em tempos de solidão e desesperança. A flor que renasce na terra devastada.

Se a qualidade for mantida, prevejo várias temporadas fervorosamente agradadas pelos velhos e também pelos novos fãs – aqui já me incluo – do complexo universo de The Last Of Us.

festival, Music

Knotfest Brasil 2022 – ao vivo

Festival criado e encabeçado pelo Slipknot ganha sua primeira edição no país com doze atrações e shows de qualidade

Slipknot

Texto por Bruno Eduardo (Rock On Board)

Fotos por Rock On Board (Vinicius Pereira: Slipknot; Rom Jom: Judas Priest, Mt Bungle, Bring Me The Horizon e Sepultura)

No último dia 18 de dezembro foi realizada a primeira edição do Knotfest Brasil, em São Paulo. O festival, idealizado pelo Slipknot, reuniu naquele domingo doze bandas em dois palcos e teve todos os seus ingressos esgotados. Cerca de 45 mil pessoas estiveram no local para acompanhar bons shows, incluindo medalhões e bandas da nova geração. 

Mesmo gerando algumas críticas por parte do público, os palcos localizados em cada extremo do Anhembi até que funcionaram bem na questão de mobilidade entre os shows. Com as atrações alternadas entre o KnotStage e o Carnival Stage, os fãs precisavam se deslocar de um lado ao outro do sambódromo assim que terminava uma apresentação, para poder assistir à seguinte. O deslocamento durante o evento até que aconteceu de forma bem tranquila, com exceção do período da tarde, onde uma enorme quantidade de pessoas aglomerou-se em frente a um telão instalado no meio do Anhembi, para assistir à final da Copa do Mundo, entre França e Argentina.

Outro fator que vale registro é que embora o Knotfest tenha suas ativações para experiências como qualquer outro grande festival, como por exemplo, o Slipknot Museum e estúdios de tatuagem, ele se diferencia por seguir um modelo mais old school, no qual os shows são o maior atrativo – algo que caracteriza bastante o público amante do metal, que vai aos festivais principalmente para assistir às bandas.

Não é sempre que temos um festival, onde podemos dizer que praticamente todos os shows foram realmente bons ou interessantes. O destaque, é claro, ficou para os donos da festa (Slipknot), que fecharam o festival de forma sublime, mostrando o porquê é hoje um dos melhores grupos de rock para se assistir ao vivo. A banda contou com um som de alto nível, além de toda a estrutura cênica, com labaredas, fogos de artifício e telão de qualidade. Levaram os fãs ao delírio por uma hora e meia de um repertório praticamente de grandes sucessos e um Corey Taylor – que já pode ser considerado um dos maiores frontmen da História – inspirado. Essa foi certamente uma das melhores passagens da banda pelo Brasil, perdendo apenas (na opinião deste jornalista) para a antológica apresentação do Rock in Rio em 2011.

Judas Priest

Em um line up bem diversificado, tivemos também um grande show do Judas Priest, que comemora 50 anos de carreira. Surpreendeu pela ótima forma de Rob Halford, que veio com seus agudos preservados, mesmo aos 71 anos de idade. O set list também foi de respeito, já que a banda priorizou o preferido da casa, Screaming For Vengeance, que completou 40 anos em junho. Ao todo, foram cinco canções do álbum de 1982.

Outro show que deu o que falar e reuniu um grande público interessado foi o tributo ao Pantera, que contou apenas com apenas Phil Anselmo da formação original, já que o baixista Rex Brown cancelou sua participação por ter contraído covid-19. Com Zakk Wylde (Ozzy Osbourne/Black Label Society) e Charlie Benante (Anthrax), foram prestadas homenagens aos dois integrantes e irmãos fundadores, os falecidos Vinnie Paul e Dimebag Darrell. Num repertório baseado nos dois álbuns mais bem sucedidos do finado grupo (Vulgar Display Of Power Far Beyond Driven), o tributo agradou a grande maioria dos presentes.

Mr Bungle

Contando com menos apelo e interessados, outros nomes também saíram do festival com novos fãs. O Mr Bungle, banda liderada por Mike Patton (mais conhecido pelo trabalho com o Faith No More) se apresentou com sua nova formação, que traz dois ícones do thrash metal: o baterista Dave Lombardo (ex-Slayer) e o guitarrista Scott Ian (Anthrax). Num repertório baseado em sua primeira demo, relançada em 2020, o Bungle fez uma ode ao thrash, com canções longas e riffs matadores. Abusando do português, Patton homenageou a campeã Argentina, xingou o já ex-presidente Bolsonaro e convidou no palco Andreas Kisser e Derrick Green do Sepultura para uma versão de “Territory”.

Outra banda que estreou no Brasil foi o Vended, que tem dois filhos de integrantes do Slipknot. O vocalista Griffin Taylor, filho de Corey Taylor, e o baterista Simon Crahan, filho de Shawn “Clown” Crahan. O som do grupo pode ser considerado um subproduto do Slipknot, com foco na fase mais embrionária, onde o nu metal ainda é referência – basta ouvir o último single deles, “Overall”. Com o rosto pintado, Griffin comandou o show com muita energia e boa performance. A banda, formada apenas em 2018, ainda não possui um full álbum e apresentou músicas de seus EPs lançados nos últimos anos.

Bring Me The Horizon

Dos nomes que já passaram por aqui, o Bring Me The Horizon vai mostrando um crescimento de sua legião de fãs no Brasil. O grupo carregou um bom público para o palco principal (Knotstage) e fez a galera cantar alguns de seus sucessos. Assim como aconteceu no Rio de Janeiro, o grupo também foi um dos primeiros a utilizar bem os telões, com imagens e efeitos visuais criados especificamente para as canções. Ainda rolou um pedido do público para “Sleepwalking”.

Primeira banda gringa a tocar neste Knotfest, o Trivium se apresentou debaixo de um sol escaldante. O destaque ficou para o carismático Matt Heafy, que além de usar uma blusa do Brasil falou o tempo inteiro com o público. A banda não priorizou nenhum álbum específico. Eles resolveram fazer um apanhado de toda carreira e funcionou bem no festival. A verdade é que o grupo agradou sem precisar fazer muito esforço.

Dos nacionais, o Sepultura fez um show já bastante conhecido por aqui. No entanto, eles aproveitaram as atrações do Knotfest para incluir convidados em sua performance. Scott Ian apareceu no palco em “Cut Throat”. Matt Heafy foi outro que colaborou tocando “Slave New World”. Phil Anselmo emprestou sua voz ao clássico “Arise”. No final, os hits “Ratamahatta” e “Roots Bloody Roots” encerram o set com nível elevado.

Sepultura

Aquecendo o público no início do festival, tivemos três boas apresentações nacionais. Não existiria melhor nome para iniciar o festival de uma forma tão intensa quanto o Black Pantera. A banda já parece veterana em cima do palco, mostrando cada vez mais à vontade em festivais dessa envergadura. Além de carregar um repertório de letras contundentes, o grupo não deixa de se posicionar contra todo tipo de preconceito. Tanto que não foram poucas vezes que o vocalista Charles Gama mandou seu recado (“White Power é o caralho!”), referindo-se ao tema polêmico envolvendo Phil Anselmo, que se apresentara mais tarde.

Já o Project 46 promoveu uma ode às rodas de pogo numa apresentação impecável para um festival de metal. Agitando sem parar, o vocalista Caio MacBeserra usou e abusou – no bom sentido – dos berros e dos agudos, mostrando o porquê de ser um dos melhores cantores do gênero no cenário nacional. O público, já bem numeroso, respondeu ao show do grupo de maneira catártica, com mosh, palmas e energia lá em cima. A banda saiu de palco consagrada pela galera.

Em show dividido em primeiro e segundo tempo, Jimmy & Rats e Oitão agitaram o público que chegava aos poucos no Anhembi. As bandas abriram o palco Carnival Stage e não deixaram a intensidade baixar. Destaque para o bom repertório de Jimmy & Rats que basearam o show em seu ótimo album, Só Há Um Caminho a Seguir, comprovando a efetividade da fórmula musical entre fãs de metal em geral.

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Meu Policial

Harry Styles encabeça elenco de triângulo amoroso que enfrenta o tabu dos relacionamentos gays que havia até 1967 no Reino Unido 

Texto por Taís Zago

Foto: Amazon Prime/Divulgação

Filme dirigido por Michael Grandage, Meu Policial (My Policeman, Reino Unido/EUA, 2022 – Amazon Prime) é baseado no romance de Bethan Roberts publicado em 2012, que, por sua vez, foi, fortemente influenciado pela história real do relacionamento de 40 anos entre o autor britânico EM Forster e um policial casado chamado Robert Buckingham. O triângulo amoroso entre Forster, Buckingham e sua esposa May, uma enfermeira, inspirou tanto a obra de Roberts que fica difícil separar a realidade da ficção. Pessoalmente, acho que o certo seria até mesmo categorizar a obra como semibiográfica – claro que sem tirar o mérito criativo de Roberts no processo.  O roteiro ficou a cargo de Ron Nyswaner, que, assim como Grandage, tem uma forte queda por dramas de época.

Em O Mestre dos Gênios (2016), Grandage já havia abordado o tema dos tabus sociais britânicos em torno de relações homossexuais. Até 1967, a homossexualidade era considerada crime no Reino Unido: os grupos LGBT+ eram alvo de verdadeiras caças às bruxas, com penas de prisão severas e desproporcionais, além de assédio, ataques violentos e maus tratos mesmo sob a tutela do Estado.

Meu Policial começa em uma Brighton dos anos 1990, com a chegada de Patrick (Rupert Everett) à casa de seus amigos Marion (Gina McKee) e Tom (Linus Roache). Patrick se recupera de um AVC que o deixou praticamente incomunicável e sem autonomia. Por isso, Marion decide assumir os cuidados com sua saúde, aparentemente, a contragosto de Tom. O clima entre os três não poderia ser mais gélido e protocolar. Tom nem sequer aparece para receber Patrick: ele passa seus dias fora de casa passeando com o cachorro na praia. Ao ler antigos diários de Patrick, Marion começa a relembrar o passado doloroso que envolve os três. É nessa hora que voltamos no tempo para 1957, quando Patrick conhece Tom e Tom se envolve com ele e com Marion, criando um triângulo amoroso cheio de mentiras e ressentimentos.

O jovem Tom é interpretado por Harry Styles, em sua segunda atuação em 2022 como protagonista. O papel de Marion é incorporado por Emma Corrin e David Dawson faz o jovem Patrick. Corrin e Dawson são espetaculares, mesmo nos pequenos detalhes de suas atuações – um olhar, um gesto, uma lágrima nos comunicam mundos inteiros de sentimentos encapsulados pelas palavras. Isso, novamente, não favorece Styles. Apesar de sua aparente entrega a esse papel, o cantor pop ainda não consegue atingir o nível de excelência dos seus coprotagonistas.

Harry já estreia em papeis importantes no cinema rodeado de excelentes atores, produções milionárias e um assédio midiático contínuo. Para ser possível se sobressair nessas circunstâncias, teria de ser um talento nato, muito acima da média. Não é o que ocorre. Principalmente nas cenas com mais diálogos, a sua inexperiência fica evidente, e, por fim, acaba prejudicando o resultado final. Corrin, entretanto, é excepcional como Marion. Sentimos na personagem todo o desgosto, o recalque e o sofrimento de quem não desiste de lutar por uma batalha perdida. Dawson, por sua vez, entrega um Patrick comovente, resignado aos limites do seu amor proibido por Tom.

Visualmente opulento, Meu Policial peca na montagem. Os flashbacks frequentes entre os anos 1950 e 1990 acabam por se tornar um banho de água fria. Quando começamos a nos envolver de verdade no drama do passado, o “presente” dos personagens surge nos inundando com uma monotonia desnecessária. Enquanto em 1958 o trio vive intensamente, em 1990 as cenas se repetem – Tom passeia na praia, Marion fuma olhando pela janela e Patrick segue imóvel (por questões óbvias). Bastaria apenas iniciar e encerrar o filme com os desdobramentos do presente e deixar todo o miolo para o drama do passado, para que a dinâmica mudasse completamente e a monotonia fosse em boa parte espantada dessa produção.

Outra questão muito levantada pela crítica e pelo público (principalmente LGBTQIA+) é a necessidade, de mais uma vez, contar a história macabra dos maus tratos, preconceitos e finais trágicos dos relacionamentos amorosos homossexuais de outrora. Um assunto já bastante abordado em diversas produções das últimas décadas. Por outro lado, me pergunto: existem limites para relembrarmos o passado como um cautionary tale daquilo que não queremos que se repita no presente ou no futuro? Pessoalmente, acho que não.

A questão aqui, entretanto, seria mais a qualidade do resultado do que a repetição do tema. Meu Policial falha, principalmente com Styles, no quesito credibilidade e profundidade, mas acerta no objetivo de nos levar a refletir, mais uma vez, sobre injustiça e preconceito. Por fim, vale acrescentar: o triângulo real de Forster, Buckingham e May não teve um final tão trágico quanto o das suas representações nesta película.

>> Leia aqui a resenha de Não se Preocupe, Querida, o outro filme protagonizado por Harry Styles em 2022

>> Leia aqui oito motivos para não perder um dos concertos da turnê de Harry Styles, que passa pelo Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba) neste início de dezembro