Series, TV

The Last Of Us

Série adaptada de cultuado videogame empolga ao falar de relações humanas em tempos de solidão e desesperança pós-apocalíptica

Texto por Taís Zago

Foto: HBO Max/Divulgação

A primeira versão de The Last Of Us, uma série de jogos de videogame desenvolvidos para o console PlayStation da Sony, surgiu em 2013 e foi agraciada com uma chuva de prêmios e um extenso fã-clube, chegando a ganhar a eleição de um dos melhores jogos já desenvolvidos. O sucesso abriu o caminho para uma franquia que acompanhou todas as novas versões da plataforma PS desde então e que agora também está sendo lançada para Windows e Xbox. Além dos jogos, foram originados também um comic book em 2013 e um live show em 2014. Agora veio a adaptação para o streaming. Fica claro que a pressão e as expectativas em torno do resultado da série roteirizada por Neil Druckmann, que é o próprio criador do jogo original, e por Craig Mazin, que assina o roteiro para Chernobyl (2019), não eram poucas.   

O arco da história pós-apocalíptica de The Last Of Us (EUA, 2023 – HBO Max) é aparentemente simples. Praticamente da noite para o dia grande parte da humanidade é dizimada via pandemia por um fungo da família do gênero Cordyceps – que realmente existe, mas no mundo real se limita a ser um endoparasita de artrópodes e que não chega a contaminar mamíferos, muito menos pessoas (até agora!). Os contaminados ou pessoas mordidas por contaminados perdem rapidamente a autonomia e passam a fazer parte de uma rede que serve a ele, que tem a única pretensão de se espalhar e sobreviver. Com isso os afetados se tornam uma espécie muito agressiva de zumbis canibalistas com mutações que lembram cogumelos pouco apetitosos e colônias do dito fungo. 

Depois de vinte anos, os poucos sobreviventes se dividiram em facções, cada qual com seus interesses específicos e formas de poder. Em comum, todos têm a hostilidade em relação a “intrusos” ou a intransigência na organização de suas comunidades. Ao momento da temporada – que já está chegando ao derradeiro capítulo – já fomos apresentados a alguns desses grupos. Os que mais se destacam são o FEDRA (Federal Disaster Response Administration, que se considera parte do governo dos EUA, tomou o controle como uma espécie de “milícia” após o desastre e se autointitula a principal autoridade em zonas de quarentena), o Firefly (Vagalumes em português, que é uma milícia antigovernamental surgida em resposta às ações autoritárias da FEDRA e que tenta encontrar uma cura para a infecção através de uma vacina) e os Contrabandistas (um grupo desorganizado que comanda o contrabando de materiais e suprimentos).

Joel (Pedro Pascal) e Tess (Anna Torv) fazem parte desse último grupo até receberem uma missão muito especial de alguns infiltrados dos Vagalumes: levar a menina Ellie (Bella Ramsey) até o grupo que busca a vacina, pois Ellie, aparentemente, é a única humana com clara imunidade ao fungo. Além disso, Joel ainda decide ir atrás do irmão Tommy (Gabriel Luna), que abandonara os Contrabandistas para se juntar aos Vagalumes, mas, sem explicação aparente, também largou esse segundo grupo. Joel, Tess e Ellie, iniciam então uma jornada de perigos entre humanos e não humanos.

Admito: apesar de já ter tido o PS 3 e 4, nunca tinha escutado falar do jogo The Last Of Us, pois meu interesse fica mais em torno de jump and runs coloridos com temas infantis. Então, contive minha empolgação ao iniciar a série mesmo sob a chuva de elogios emocionados do fã-clube. Invariavelmente minha primeira reação foi uma comparação imediata com as boas temporadas de The Walking Dead (2010-2022), a série produzida pela AMC, da qual me tornei uma fã fervorosa a ponto de possuir todos os volumes já lançados dos comics de Robert Kirkman e abandonei lá pela oitava temporada extremamente chateada após o roteiro da série desviar drasticamente do rumo do roteiro dos quadrinhos. 

Em The Last Of Us o nosso Rick Grimes é o Joel de Pedro Pascal. Pedro, que já é o nosso Mandalorian (outra série, iniciada em 2019, da franquia Star Wars da Disney+), aparentemente é a encarnação atual do lonely Soldier que Hollywood tanto adora: um sujeito com um pé no crime, sem amigos, carrancudo e amargo, mas que no fundo tem um coração de ouro e sabe atirar como ninguém. Ou seja, o novo Clint Eastwood ou o novo Charles Bronson do faroeste moderno pós-apocalíptico. Entretanto, de forma alguma menciono isso de forma pejorativa – a atuação de Pascal como Joel é impecável e a relação pai-filha que ele constrói aos poucos com a sapeca Ellie, interpretada com muita competência por Ramsey, já é uma promessa de momentos futuros espetaculares.

Outro ponto que não pode ser ignorado é a qualidade dos conflitos mostrados, bastante distantes da mera carnificina de monstros. Vemos relações reais e perigosas entre humanos. O comportamento de diferentes tipos humanos sob pressão, medo ou raiva. Um estudo sociológico de microcosmos inseridos num macrocosmo de uma catástrofe arrasadora. Temos até capítulos inteiramente dedicados ao backstory de personagens, como o maravilhosamente bem-produzido terceiro episódio, onde Nick Offerman como Bill e Murray Bartlett como Frank protagonizam um dos segmentos mais belos e sensíveis da série até agora. Aqui, excepcionalmente, não há o protagonismo da catástrofe, mas o dos sentimentos e das relações desenvolvidas em tempos de solidão e desesperança. A flor que renasce na terra devastada.

Se a qualidade for mantida, prevejo várias temporadas fervorosamente agradadas pelos velhos e também pelos novos fãs – aqui já me incluo – do complexo universo de The Last Of Us.

TV

O Livro de Boba Fett

Personagem “ressuscitado” em The Mandalorian volta ao Universo Star Wars em nova série feita para o streaming

Texto por Tais Zago

Foto: Disney+/Divulgação

Como sou uma fã (às vezes) controlada do Universo Star Wars, eu estava guardando a série O Livro de Boba Fett (The Book Of Boba Fett, 2021 – Disney+) para devorar inteira quando chegassem todos os capítulos. E foi somente quando o sétimo episodio foi ao ar, em 9 de fevereiro, eu imediatamente peguei minha bacia de pipoca e um litrão de guaraná e estacionei na frente da TV para uma longa maratona. 

O personagem Boba Fett, criado por George Lucas, recebeu seis minutos (e uns quebrados) de espaço na trilogia “original” de Star Wars. Apareceu primeiro em Episode V – The Empire Strikes Back (1980), prendeu Han Solo, teve umas quatro falas e foi devorado pelo verme gigante Sarlacc durante Episode VI – Return Of The Jedi (1983). Antes disso, apareceu brevemente no especial para a televisão feito em 1978. Mas o personagem não é apenas o que os filmes brevemente mostraram – um mero bounty hunter crime lord com uma armadura de Mandalorian e a serviço de Jabba The Hutt. A história do jovem Boba começa a ser mostrada em Episode II – Attack Of The Clones (2002), onde ele é um menino, um clone de Jango Fett, criado e treinado como seu filho. Após o filme, sua história continuou sendo contada na animação feita para TV Star Wars: The Clone Wars (2008).

Em 2010, Lucas já planejava uma série para detalhar alguns dos planetas apresentados na primeira trilogia e seus personagens. O projeto somente tomou forma em 2019 com a parceria com o ator, produtor e diretor Jon Favreau, que resultou no sucesso The Mandalorian, o primeiro live action do USW criado pela Lucasfilm para a plataforma de streaming Disney +. Temporalmente, os acontecimentos tanto em The Mandalorian como The Book Of Boba Fett ocorrem cinco anos após Episode VI – Return Of The Jedi. Portanto, entre os episódios 6 e 7 dos filmes da saga.

Favreau “ressuscitou” o mercenário Boba no final da segunda temporada de The Mandalorian (2020). Supostamente, ele sobreviveu à “digestão” do Sarlacc e se juntou à tribo dos Tusken, onde viveu por cinco anos no deserto. Interpretado por Temuera Morrison (que também fez Jango Fett), Boba ressurge das cinzas para colaborar com o mandaloriano Din Djarin, personagem de Pedro Pascal, junto a uma sidekick e também (ex-)bounty Hunter chamada Fennec Shand (Ming-Na Wen). O spin-off já estava planejado e quem assistiu até o encerramento dos créditos do último episódio da segunda temporada de The Mandalorian sabia disso – ali descobrimos que Boba e Fennec continuariam sua parceria.

Finalmente paz entre os mundos. Boba assume o posto de Jabba The Hutt em Tatooine e tem Fennec como sua fiel escudeira. No começo, ele é recebido com receio e desconfiança pela população, mas aos poucos se fortalece. Seria tudo perfeito se não fosse pela corrupção dos outros senhores do crime do planeta, em sua condescendência enquanto traficantes usam Tatooine como rota de Spice, uma substância ilícita, com aparência de um pó dourado e requisitada em toda a galáxia. 

Um enredo simples, mas também com espaço para absolutamente tudo acontecer (e os diretores, junto com Jon Favreau, não fazem segredo disso). Estamos diante de um space western da melhor qualidade com a digital clara de Robert Rodriguez. Uma mostra disso são os três (1/3/9) episódios dirigidos por ele nessa primeira temporada. Rodriguez adora o absurdo e o exagero do badass, do mocinho com atos espetaculares que beiram o caricato, gosta de cor, tem senso de humor. Robert não é um dead serious devoto da sagrada saga, apesar de ser fã confesso. Ele já tinha sucumbido à tentação de dirigir um episódio de The Mandalorian e depois de negar muitos convites se rendeu ao poder do canal de streaming

Para nossa grande satisfação, somos agraciados com antigos e novos personagens, novos monstros, VFX de qualidade e uma trilha sonora maravilhosa. Já as atuações são medianas, o que na balança final conta pouco diante do tanto de peso estético. Como nada é perfeito, temos a polêmica em torno do episódio onde Luke Skywalker aparece “rejuvenescido” digitalmente com o uso de deepfake, um dublê de corpo e uma voz produzida no Respeecher. O nome de Mark Hamill aparece nos créditos mas é discutível aqui o caminho que se traça ao atender à nostalgia dos fãs sacrificando o trabalho do ator nesse processo.

Fora isso, The Book Of Boba Fett, assim como The Mandalorian é um entretenimento de primeira, muito bem pesquisado, com todos os elementos que gostamos do conhecido USW e com o plus da grana da Disney. Portanto, o céu não é mais o limite onde a aventura percorre o infinito do universo com outlaws como (anti-)heróis. Ah! E pra quem sentiu saudades tem Pedro Pascal nos dois últimos episódios, tem Grogu e até The Machete, Danny Trejo (em uma participação num episódio dirigido pelo Robert Rodriguez, claro!). The Book The Mandalorian se desenrolam paralelamente, o que abre aqui a possibilidade de troca-troca entre personagens de uma ou outra serie. É um truque já bem antigo, mas efetivo, pra fazer o fã-clube consumir tudo do multiverso SW. E as próximas series já apontam no horizonte: Obi-Wan Kenobi já entrou em pós-produção e Ahsoka também está encaminhada. E ainda teremos a terceira temporada de The Mandalorian em 2022. Mais uma caixa de pandora foi aberta.