Nem problemas técnicos mancharam a segunda das três apresentações na capital paulista do beatle durante a passagem da Got Back Tour pelo Brasil
Texto por Fabio Soares
Foto: Marcos Hermes/Divulgação
O tempo passou e, sabemos, as últimas vezes estão cada vez mais próximas. Ver Paul McCartney em sua Got Back Tour em pleno 2023 é ter a certeza de que uma hora ou outra chegarão as despedidas, inevitáveis como leis da vida. Aceitar este fato é o máximo (e o melhor) que podemos fazer.
A data de 9 de dezembro amanheceu fria e chuvosa em São Paulo, contrariando o calor senegalês reinante na cidade nos dias anteriores. Evidenciando, talvez, uma apresentação diferente fosse pela forma, set list quase imprevisível (mesmo?) ou simplesmente pela sensação de coração apertado pelas últimas vezes, aquele sábado estava diferente dos demais. O início da performance de Paul, a segunda das três marcadas para capital paulista, provou exatamente isso.
Com 16 minutos de atraso (algo pouco usual em sua trajetória), o beatle adentrou o palco de um Allianz Parque completamente tomado por corações e mentes entregues ao sonho de ver um integrante dos Fab Four, fosse pela primeira ou última vez. Aliás, a audiência de Paul McCartney seja talvez a única do planeta a ostentar três ou quatro ou cinco gerações em um mesmo mesmo espaço.
“A Hard Day’s Night” abriu os trabalhos com a já tradicional catarse que lhe é peculiar. Entretanto, algo desagradável saltou aos olhos e ouvidos: a péssima qualidade de som apresentada nas canções iniciais. Não importa se a desculpa é que os técnicos de som são da equipe do artista. A verdade é que assistir a grandes concertos no Brasil é um teste de paciência (e cardíaco) a ouvidos mais exigentes. Aliás, nem tão exigentes assim, porque exigir um som bem equalizado diante um ingresso que custou quase o mesmo que um salário mínimo é o mínimo que se pode reinvindicar – sobretudo durante a execução de “Maybe I’m Amazed”, lá pelo meio do set, quando os vocais de Paul permaneceram quase inaudíveis. Um verdadeiro crime para uma das mais lindas pérolas de seu repertório.
Após a abertura, a trinca fornada por “Junior’s Farm”, “Letting Go” e “She’s a Woman mostrou um Paul econômico nos gestos (mais que natural!) mas não menos empolgado. Na primeira, o naipe de metais posicionado no pé de uma das arquibancadas laterais foi uma grande sacada da produção, dando uma espécie de “alargamento” do palco em comunhão com a massa. Visualmente bonito, aborrecidamente na audição por conta dos problemas técnicos.
A banda do artista permanece como um pilar a ser respeitado. Admirável sustentáculo que permite ao artista errar, desafinar e voltar ao eixo quase que de forma imperceptível, algo que foi notado nas execuções de “My Valentine” e “Nineteen Hundred and Eighty-Five”. É no talento do trio formado pelos guitarristas Rusty Anderson e Brian Ray e do baterista Abe Laboriel Jr que Macca se apoia. Um trio de zagueiros que deixa o astro do time livre para criar como em “Something”. quando McCartney sacou seu ukulele para os versos iniciais e completou o serviço ao piano. Antes dela, disse em português: “esta vai para meu ‘mano’ George”. Aliás, dizer gírias e expressões locais é uma marca desta turnê brasileira. Foi assim em Brasília e Belo Horizonte também. Certamente será em Curitiba e Rio de Janeiro, as próximas escalas no país.
Relembrar os ex-companheiros não foi algo apenas reservado a “Something”. Em “I’ve Got a Feeling”, a tecnologia permitiu um dueto com um John Lennon projetado nos telões, em imagens retiradas do documentário Get Back, de Peter Jackson. John também foi saudado na inesperada cover de “Give Peace a Chance”. No mais, a pirotecnia ainda se fez presente em “Live And Let Die”, com o público completamente entregue e envolto num momento de brilho de raios laser e fogos de artifício, numa espécie de batismo a novos fãs (a quarta e a quinta geração presentes e já citadas neste texto).
Fosse nos momentos de catarse coletiva (“Helter Skelter”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da” e na indefectível “Hey Jude”) ou nos mais introspectivos, as duas horas e quarenta de espetáculo voaram, Deixaram novamente extasiada uma plateia completamente entregue ante um espetáculo que jamais perderá sua beleza e ápice, mesmo com problemas técnicos de som.
No fim, a inexatidão de uma despedida marcou presença. Mesmo aos 81 anos, o responsável por grande parte da cultura pop que conhecemos tem ainda muita lenha a queimar. E que bom seria se esta fogueira fosse eterna. Mas quer saber? De certa maneira, ela é sim.
Set list: “A Hard Day’s Night”, “Junior’s Farm”, “Letting Go”, “She’s a Woman”, “Got To Get You Into My Life”, “Come On To Me”, “Let Me Roll It”, “Getting Better”, “Let’em In”, “My Valentine”, “Nineteen Hundred and Eighty-Five”, “Maybe I’m Amazed”, “I’ve Just Seen a Face”, “In Spite Of All The Danger”, “Love Me Do”, “Dance Tonight”, “Blackbird”, “Here Today”, “Give Peace a Chance”, “New”, “Lady Madonna”, “Jet”, “Being For The Benefit Of Mr. Kite!”, “Something”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Band On The Run”, “Get Back”, “Let It Be”, “Live And Let Die” e “Hey Jude”. Bis: “I’ve Got a Felling”, “I Saw Her Standing There”, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)”, “Helter Skelter”, “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End”.