Movies

O Homem dos Sonhos

Thriller psicológico traz Nicolas Cage como um pacato professor que vira celebridade após invadir o cenário onírico de muita gente ao redor

Texto por Abonico Smith

Foto: Califórnia Filmes/Divulgação

Sonhar é enfrentar grandes enigmas a cada noite. Sem ter controle algum sobre o que vai acontecer, nos deparamos em muitas situações bastante estranhas, envolvendo gente estranha e com acontecimentos estranhos. Muitos nem chegam a lembrar de tudo o que ocorreu ao acordar. Outros tantos tentam encontrar significados escondidos para aquilo que passou durante o período de repouso corporal.

O jovem diretor e roteirista escandinavo Kristoffer Borgli parte de uma premissa desconcertante para fazer de seu O Homem dos Sonhos (Dream Scenario, EUA/Noruega, 2023 – Califórnia Filmes) um dos mais instigantes filmes da temporada: e se todo mundo (ou quase isso) passasse a sonhar frequentemente com uma mesma pessoa? E mais: e se esta pessoa for um desconhecido para muita gente e que só ficasse ali, de modo passivo, sem interferir no que acontece ou mesmo dizer qualquer coisa?

Como é comum o ser humano ter medo daquilo que desconhece, o pacato professor de biologia Paul Matthew se torna, sem qualquer culpa nisso, em uma grande ameaça ao seu redor. Seus alunos, pessoas do trabalho de sua esposa, as filhas e colegas delas da escola, muita gente passa a “receber a visita” de Paul, que inicialmente se torna uma celebridade nada digital e desperta o interesse de uma agência de publicidade para trabalhar com sua imagem em propagandas e ideias para lá de absurdas. Entretanto, aos poucos, o mesmo Paul passa ser visto como ameaça e, na vida real, os outros passam a evitar de chegar perto dele – o que, logicamente, passa a influir de maneira negativa nas aulas, no cotidiano e até mesmo na relação familiar, até culminar em um figurativo beco sem saída.

Ter Nicolas Cage na pele do professor é um ganho e tanto. Primeiro porque já faz algumas obras que o ator – sobrinho de Francis Ford Coppola e que começou como um ator cultuado nos anos 1980 – vem redimindo sua carreira de escolhas, papeis e filmes pavorosos e vexatórios realizados nas últimas décadas. Cage imprime a Paul uma aura completa inofensiva e muitas vezes confusa com tanta informação extra que passa a chegar a ele diariamente. No decorrer da trama, o contraste da timidez real com o nervosismo impresso pelo crescimento da proporção dos sonhos vai ficando cada vez mais incontrolável, como sua presença outrora onírica. Aos 60 anos de idade, se o ator for mesmo se aposentar depois de O Homem dos Sonhos como anda pregando informalmente por aí, será uma despedida e tanto.

A inteligência de Borgli ao desenvolver uma história teoricamente absurda de um modo que faça a audiência mergulhar na credibilidade até o final. O cineasta norueguês estreia em Hollywood com o pé direito e comanda um terror psicológico de primeira. A assinatura do badalado cineasta Ari Aster (autor de Hereditário e Midsommar) como um dos produtores da empreitada ainda é outro endosso da qualidade do longa, tal qual o selo da casa A24, que volta e meia despeja um filme para quem gosta de fugir do que é convencional.  E mais: quem conhece a trajetória de David Byrne no Talking Heads vai amar a referência à banda.

Movies, Music

A-ha: True North

Introspecção do novo disco do trio é antecipada nos cinemas com muitas imagens da natureza imponente e gélida do norte norueguês

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Cinemark Brasil/Divulgação

A long, long time ago, os oceanos eram cristalinos e azuis como a voz e os olhos de Morten Harket, o frontman do A-ha, banda originária da Noruega, país nórdico dos vikings, guerreiros que tinham fama de serem brutais e ferozes mas, contraditoriamente, permitiam o divórcio às mulheres. 

Neste país das maravilhas, as estátuas e barcos naufragados estão por toda parte. A felicidade está estampada no rosto das pessoas. A aurora boreal proporciona um espetáculo surreal. Enfim, a paz reina na Noruega. Nos museus, a História se solidifica. Contudo, não se pode dizer o mesmo das calotas polares do Círculo Ártico que derretem numa velocidade assustadora. Enfim, o meio ambiente vem sendo degradado a passos de troll

Justamente essa preocupação e a conexão tão rica com a mãe natureza serviram de pretexto para que Morten Harket, Pal Waaktaar-Savoy, Magne “Mags” Furuholmen, finalmente se reunissem para lembrar suas raízes e produzir um novo álbum de inéditas, depois de um hiato de sete anos desde o lançamento de Cast In Steel

O filme A-ha: True North (Reino Unido/Noruega, 2022 – Cinemark Brasil) deixa claro, sobretudo no behind the scenes, que essa foi uma ideia de Mags, ligado a causas ambientais assim como Morten. Como ele já tinha um punhado de músicas compostas, decidiu e conseguiu reunir os colegas para a nova missão. Mas, em vez de simplesmente lançar o álbum (previsto para chegar às plataformas digitais em 25 de outubro), o trio norueguês preferiu inovar e exibir ao público em primeira mão as novas composições nas telas do cinema.

E assim nasceu o audiovisual que documenta dois dias de gravação na cidade de Bodø, ao lado da orquestra Arctic Philharmonic. A produção, no entanto, vai além de um mero registro do trabalho do grupo e das cenas de bastidores: funciona também como uma carta de amor à terra natal da banda. 

Dirigido pelo também norueguês Stian Andersen (fotógrafo oficial da última turnê do A-ha), True North foi exibido nos cinemas do mundo todo em 15 de setembro, um dia após o aniversário de 63 anos de Morten. No início, traz um dos singles do novo álbum e que serviu como uma espécie de teaser do filme. “I’m in” é canção de resiliência e empatia, serve de pano de fundo para narrar a história de uma família que perde um ente querido. E que, aliás, faz muito sentido nesse momento pandêmico (“Whatever you think you’re worth/ However much you hurt/ Whatever you have to believe/ I’m in/ Begin”). A mensagem se estende em sentido macro: nos lembra as baixas da covid e nos faz pensar sobre futuras perdas que teremos de contabilizar se medidas mais enérgicas não forem adotadas no sentido de cumprir os objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU.

Aliás, o filme se sustenta nas canções, bastante introspectivas. Portanto, não espere nenhum riff a la “Take On Me”. As apresentações da banda são intercaladas pelos depoimentos dos três integrantes, cobertos por takes aéreos que passeiam por paisagens deslumbrantes.

Fiordes, oceanos, orcas emocionam e intimidam pela beleza imponente e gélida. O frio de Bodø é tão avassalador que parece tomar conta da sala de projeção. E para mostrar essa exuberância natural, fria e magnífica, inclusive nas cenas de estúdio, o diretor optou por tons mais sombrios – que, aliás, é das características da banda, seja em muitas das composições ou em se tratando da convivência entre os três. Para quem vive nos trópicos e não é descendente de vikings, o calor humano é algo normal. Morten, Mags e Pal, entretanto, continuam sem trocar abraços, até mesmo quando posam para a foto oficial no estúdio.

As rugas e rusgas também não ficaram de lado neste filme (assim como ficaram explícitas no documentário A-ha: The Movie, produção pré-pandêmica, lançado seis meses atrás – leia mais sobre este filme aqui). No A-ha, Mags sempre faz questão de frisar que ele e Päl são os principais compositores. De qualquer forma, o tecladista declarou que não consegue imaginar outra voz interpretando suas músicas se não a de Morten. Por sua vez, o vocalista replicou em um de seus depoimentos que enaltece as criações dos parceiros mas também compõe, sim, embora prefira lançar suas canções em trabalhos solo. Ou seja, nem o aquecimento global derrete o gelo entre os três. De qualquer forma, Morten (antes de cortar as madeixas e com barba por fazer) foi devidamente brindado com lindos planos contra-plongée ao interpretar as canções do novo álbum.

Em termos de conteúdo, True North é construído em camadas que tentam mesclar não ficção e ficção em seu arco narrativo. Uma ficção, aliás, que se tornou realidade para muitos durante a pandemia: a morte.  Em termos de forma, é um híbrido de concerto, ficção e documentário. A questão ambiental é o fio condutor dos depoimentos, quase sempre sutis e polidos, sem desbancar para o tom político. Quem leu a autobiografia de Morten Harket sabe que sua forte conexão com a natureza vem da infância. No início, ele resume seu pensamento: “poluir a natureza é como poluir o útero”. Por isso, a contradição ainda impera. Líder em energia limpa, modelo a ser seguido na proteção do meio ambiente, e até então um dos maiores patrocinadores do Fundo Amazônia (verba que foi congelada), a Noruega é um dos principais exportadores de petróleo do mundo. Ou seja, para não enterrar o planeta Terra é preciso agir.

Em relação a isso, Mags não esconde sua decepção, mas também não cria expectativas nem obriga ninguém a levantar bandeiras. Segundo o tecladista, infelizmente podemos dizer para as próximas gerações que nós falhamos. A partir de agora, quem quiser contribuir para manter o mundo mais sustentável, que faça o seu melhor. Quem não quiser, ok. Que espere sentado no sofá, assistindo TV, o derretimento da sua própria vida, da vida de seus filhos, de seus netos.

Music

A-ha – ao vivo

Abismo na relação entre os três músicos deixa o show dedicado ao álbum de estreia morno e aquém da devoção dos fãs brasileiros

Textos por Abonico Smith (Curitiba) e Fabio Soares (São Paulo)

Foto: Abonico Smith

Se existe uma plena certeza no mundo da música pop ela se encontra na implacabilidade do tempo. Para o bem e para o mal. No primeiro caso, ele corrige injustiças e acaba vir a determinar que um disco ou artista que porventura tenha passado meio em branco no passado seja descoberto e passe a se tornar algo bem influente para as gerações posteriores. Tom Zé e, mais recentemente, Kate Bush são bons exemplos disso. No segundo, o tempo age para desgastar a química inicial que deu certo e encantou muita gente lá no inicio. Acontece quase sempre com bandas. Quando há duas ou mais pessoas envolvidas na mesma carreira, é bem provável que no decorrer dos anos comecem a aparecer conflitos de interesse, mudanças de percepções e divergências de vontades. Fora da música, é como se distanciar daquelas amizades de infância e adolescência que sempre habitaram a nossa memória. Você pode lembrar as pessoas com carinho só que a dureza da vida adulta e a transformação das personalidades faz tudo esfriar de um jeito que voltar atrás e continuar aquela proximidade de outrora é tão impossível quanto parar os ponteiros do relógio.

Com o A-ha foi exatamente isso o que ocorreu. Com quase quarenta anos de trajetória nas costas, o trio norueguês conquistou o sucesso com um punhado de músicas gravadas nos primeiros quatro álbuns, espalhados no intervalo de meia década (entre 1985 e 1990). De lá para cá vieram mais alguns discos, muitas brigas e desavenças internas, duas separações acompanhadas por projetos solo e o retorno à manutenção da marca por meio de viagens pelo mundo. A última delas, que somou passagens por seis cidades brasileiras e sete apresentações ao vivo, foi determinante para que se revelasse em cima do palco toda a distância que hoje existe entre Morten Harket (vocais), Magne Furuholmen (teclados e violão) e Pal Waaktaar-Savoy (guitarras e violão). Em Curitiba, escala final da turnê que comemorava os 35 anos do álbum de estreia Hunting High And Low (na verdade, a vinda ao nosso país estava marcada para o segundo semestre de 2020, mas dois adiamentos aconteceram por conta da extensão da pandemia da covid-19), fico mais do que evidente esse abismo todo entre os três. O documentário A-ha: The Movie, lançado agora nos cinemas europeus e exibido em junho pelo festival In-Edit Brasil, já entregava que os camarins são separados e os três raramente aparecem na mesma cena durante entrevistas e flagrantes de imagens de bastidores. Na capital paranaense, ele mal se falavam ou olhavam em cima do palco montado atrás de um dos gols da Arena da Baixada. Também não se abraçaram. Nem no encerramento, durante o agradecimento ao público, o que costuma ser algo corriqueiro quando se trata de um grupo de rock.

Juntar os três em uma mesma fotografia não era algo tão fácil em virtude da logística montada no estádio do Athlético Paranaense. De qualquer maneira, a melhor saída para ilustrar este texto seria não cometer injustiça com qualquer um dos músicos. Deixar um ou dois deles fora de cena se equivaleria a não reconhecer que o A-ha só sobrevive hoje pela unidade que se forma quando todas as peças musicais do quebra-cabeças norueguês se juntam. Afinal, a qualidade e o peso das letras, melodias, riffs e arranjos são igualmente distribuídos aos três. Morten, Mags e Pal sabem que são fortes juntos, mesmo que por anos precisem se tolerar amistosamente para manter a engrenagem chamada A-ha em ação. Tudo isto significa a sobrevivência no mercado musical, apesar de não haver muita renovação de plateia – o que se viu na arquibancada da Arena foi um maciço desfile de fãs acima dos 40 anos de idade.

Ter deixado alguns hits de fora do set list para poder abrigar em seu miolo o repertório integral de Hunting High And Low pode ter desagradado muita gente que estava por lá na expectativa de ouvir uma live version de “You Are The One”, “Stay On These Roads” ou “Touchy!”, por exemplo. O fato de muitas faixas mais obscuras do primeiro álbum, por melhores que sejam em estúdio, não ganharem o brilho necessário quando executadas ao vivo também não foi tão relevante assim. Só que o que mais pesou muito no cômputo final para o saldo de quase duas horas de um show morno, muito morno, foi mesmo a falta de química entre os três integrantes. As principais canções são boas e incendeiam qualquer público de qualquer faixa etária. Os três são excelentes músicos, cada qual em seu instrumento predominante – o já sessentão Morten, sobretudo, não deixa nada a dever no alcance de oitavas mais agudas pelo qual se tornou famoso desde “Take On Me”, apesar de todo mundo saber que o avanço da idade acaba impondo certas dificuldades e limitações vocais a qualquer pessoa que canta. Só que precisão técnica e profissionalismo extremo não fazem engrenar um show de rock em sua totalidade. Rock é e sempre foi pegada, energia, pulsação, dinâmica, ímpeto, víscera, explosão. O resto ainda pode ser música das boas, claro, mas não coloca fogo em um show de rock tal qual o concebemos desde os anos 1950. 

Essa apresentação do A-ha na Arena da Baixada, na noite de 25 de julho, estava mais para um concerto de câmara de música pop. No palco, uma miniorquestra de seis integrantes. Havia três músicos de apoio, também vindos da Noruega, de exímio talento nos sintetizadores, contrabaixo e bateria. E havia os outros três, os astros principais da noite, procurando ser tão precisos quanto um relógio (mesmo com pequenos deslizes e erros de notas durante justamente o gran finale com “Take On Me”) em respeito aos fãs e ao atraso de dois anos na vinda ao nosso país. Só que um relógio funciona com uma engrenagem mecânica. Sem sentimentos, sem emoções, sem arroubos. Tique-taque depois de outro tique-taque, tão somente. Do início ao fim era perceptível que havia muito mais brilho no olho em quem estava pelas arquibancadas inferior e superior – embora valha ressaltar todo o esforço do tecladista Mags ao se apresentar naquela noite depois de ter passado horas de apuro na cidade por causa de um violento piriri.

Em virtude de tamanha devoção do público brasileiro, o A-ha costuma volta e meia tocar aqui no país. Tomara que sobrevivam internamente às turras até a próxima oportunidade de voltarem para cá e se acertem em todas as suas diferenças. Com o repertório e a técnica que eles têm (e são dois elementos que fazem falta a muitas bandas por aí mundo afora), as chances de Morten, Mags e Pal protagonizarem uma noite bem mais quente e devolverem à altura toda a energia que sai de casa para ir vê-los em uma segunda-feira à noite. Ficaria não apenas mais justo no fim das contas, mas também mais propício para o que se entende por um show de rock. (AS)

***

Nos primeiros minutos do documentário A-ha: The Movie, o entrevistador dirige um questionamento simples e objetivo ao tecladista Magne Furuholmen.

– Ainda tem vontade de gravar material inédito com a banda?

– Não!

– Não?

– Não.

– Por quê?

– Porque, a esta altura do campeonato, seria uma máquina de moer cérebros e não quero passar por este processo novamente.

Anos após a declaração acima, a previsão de Magne não se concretizou por um único motivo: o tecladista não suporta o vocalista Morten Harket , tampouco o guitarrista Pal Waaktaar-Savoy. Mas negócios são negócios e quando há cifras milionárias envolvidas, abre-se uma exceção.

O A-ha já pisou em solo brasileiro por umas 635 vezes. Chegou inclusive a se apresentar na Festa do Peão de Barretos, no ano de 2002. Tantas vezes, porém, não fez diminuir a idolatria que o público brasileiro sente pelo trio. Muito pelo contrário. E foi com este espírito de “karaokê de terça à noite” que um público aficcionado e carente de shows (a simples execução de “Everybody Wants To Rule The World”, do Tears For Fears, fez parte da plateia entoar sua melodia a plenos pulmões antes da banda norueguesa vir ao palco) dirigiu-se no último 19 de julho ao antigo Espaço das Américas, em São Paulo, que atualmente empresta seu nome a um renomado plano de saúde.

Desta vez, porém, a proposta era diferente. Com o pretexto de “comemorar” os trinta e cinco anos de lançamento do début Hunting High And Low (de 1985), a banda executou na íntegra seu álbum de estreia. Boa idéia? Talvez. Funcionou ao vivo? Não. Com uma modorrenta quadra de canções incidentais (incluindo a inédita (e fraquíssima) “Forest For The Trees, que será parte integrante de True North, novo album do trio a ser lançado agora em outubro, somente após quase meia hora de apresentação Hunting High And Low é revisitado com “Train Of Thought”. A categoria dos músicos permanece ilibada após quase quatro décadas de carreira, incluindo o alcance vocal de Harket, atingindo inimagináveis falsetes às vésperas de completar 63 anos de idade. 

Claro que a devoção da plateia brasileira é um auxílio luxuoso que não pode ser desprezado. Coube ao público cantar os versos da faixa-título do álbum, executada inicialmente em formato semi-acústico. Já na tríade “The Blue Sky”, “Living a Boy’s Adventure Tale” e “The Sun Always Shines On TV”, as onipresentes texturas de sintetizadores de Magne fazem a “cama sonora” funcionar. O público, completamente entregue, pouco importou-se com Pal isolar-se na extremidade direita do palco como um funcionário de cartório, em plena sexta-feira, rezando para o ponteiro do relógio chegar às cinco da tarde.

Após a execução da íntegra do primeiro álbum, coube a “Cry Wolf” e a espetacular “I’ve Been Losing You” prepararem a atmosfera para um bis curto, direto e com gosto de fim de feira. “Take On Me” é a “With Or Without You” do A-ha. Clássico obrigatório mesmo que seus integrantes queiram execrá-la.

Fim da apresentação. luzes acesas e uma certeza: Hunting High And Low segue como um dos mais importantes discos de estréia dos últimos 40 anos. Só que mas executá-lo na íntegra em um único show torna a apresentação burocrática e modorrenta, transformando o trio numa espécie de Imperatriz Leopoldinense da música pop, com desfiles extremamente técnicos para vencer campeonatos porém, longe (mas muito longe mesmo) de empolgar uma arquibancada. (FS)

Set list: “Sycamore Leaves”, “The Swing Of Things”, “Crying In The Rain”, “Forest For The Trees”* ou “You Have What It Takes”*, “Train Of Thought”, “Hunting High And Low”, “The Blue Sky”, “Living a Boy’s Adventure Tale”, “The Sun Always Shines On TV”, “And You Tell Me”, “Love Is The Reason”, “I Dream Myself Alive”, “Here I Stand And Face The Rain”, “The Blood That Moves The Body”, “We’re Looking For Whales”, “Cry Wolf”, “I’ve Been Losing You” e “The Living Daylights”. Bis: “Take On Me”.

* As duas músicas se revezaram nesta posição durante esta turnê pelo Brasil

Movies, Music

A-ha

Documentário antecipa a vinda do trio para sete shows no Brasil e o lançamento de um disco gravado ao vivo no extremo norte da Noruega

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Seria o A-ha a banda mais subestimada do mundo? Esta é uma das suposições levantadas pelo cineasta Thomas Robsahm em seu mais recente trabalho. O documentário de longa-metragem A-ha: The Movie acaba de ser lançado no continente europeu e, aqui no país, exibido neste mês de junho em uma disputada sessão presencial pelo In-Edit Brasil (festival dedicado a filme não ficcionais voltados à temática musical). Por quase duas horas, o norueguês dá uma geral na trajetória de quase quarenta anos de Morten Harket (vocais), Pal Waaktaar-Savoy (guitarra, violões e vocais) e Magne Furuholmen (teclados, violões e vocais) por meio de muitos depoimentos dos três e de pessoas próximas a eles (como produtores e esposas) mais imagens de bastidores colhidas por alguns anos acompanhando os músicos nos bastidores da última turnê. De quebra, ainda reúne uma invejável coleção ide footages da época do auge do sucesso – imagens gravadas pela própria banda no intervalo de tempo dos quatro primeiros álbuns, lançados entre 1985 e 1990, que ainda permaneciam inéditas ao público.

Robsahm, que antes de partir para a carreira no audiovisual fez parte de uma banda pós-punk tal qual o A-ha (só que com sonoridade mais sombria e próxima da turma gótica britânica), acha que Morten, Mags e Pal são injustamente tidos por muita gente como one-hit wonder justamente por causa do estrondoso sucesso de “Take On Me” e seu inesquecível videoclipe. Para o diretor, mesmo não tendo o alcance estrondoso do primeiro single da carreira, outras músicas são tão importantes quanto na trajetória – não só no álbum de estreia, Hunting High and Low, como também nos seguintes. E esta percepção também pode ser compartilhada entre o público brasileiro, que faz justamente esses escandinavos serem adorados por estas bandas. Volta e meia rádios pop executam suas músicas até hoje. Na discografia do trio, o ano de 1989 marca o lançamento de duas compilações feitas com exclusividade pela Warner local para o nosso mercado. On Tour In Brazil, que junta material gravado ao vivo durante a primeira passagem do trio pelo país, alcançou vendagem de platina (na época, mais de 250 mil cópias). Já Best In Brazil, que chegou ao disco de ouro (100 mil), reúne os grandes hits das rádios tupiniquins antes mesmo do lançamento da primeira coletânea oficial feita em sincronia para o resto do mundo (Headlines and Deadlines: The Hits Of A-ha, de 1991). Não bastasse, a mesma Warner local soltou depois um EP de cinco faixas batizado A-ha Tour Brazil 2002, com quatro faixas extraídas de discos oficiais da carreira (“Take On Me”, “You Are The One”, “Crying In The Rain” e “Forever Not Yours”) mais um raro take ao vivo de “Hunting High and Low”, gravado em Oslo e durando sete minutos. Detalhe: o encarte traz a grafia errada do guitarrista, como seu nome fosse na língua inglesa (“Paul”).

São ao todo sete passagens de Morten, Pal e Mags pelo Brasil. A mais marcante foi em 1991, quando o trio tocou diante 200 mil pessoas no Rock In Rio – o festival daquele ano também trouxe headliners como Guns N’Roses (na primeira de muitas vindas para cá), Prince e George Michael (ambos em únicas e marcantes apresentações em nosso país). Este concerto pode ser achado na íntegra no YouTube e aparece brevemente citado em imagens no documentário de Robsahm. Em 2015, os escandinavos voltariam à Cidade do Rock, em concerto debaixo de forte chuva feito antes de Katy Perry fechar a última noite, e aproveitariam para estender a turnê a outras cinco localidades (Brasília, Recife, Fortaleza, São Paulo e Curitiba). Para o calendário de 2020 estava previsto um retorno ao país, que acabou adiado duas vezes por causa da pandemia da covid-19. Agora, em julho, serão enfim realizados estes sete shows em seis cidades (Olinda, dia 13; Salvador, 15; São Paulo, 18 e 19; Rio de Janeiro, 21; Belo Horizonte, 22; e Curitiba, 25) – mais informações sobre os locais, preços, horários e como comprá-los, clique aqui para ir ao site da Livepass). Para quatro deles (PE, SP, RJ), não há mais ingressos disponíveis. Portanto, como se conclui, já são quase quarenta anos de adoração em verde e amarelo pelo A-ha.

O que os apaixonados brasileiros não veem, entretanto, é que existe uma constante tensão nos bastidores entre os três integrantes. Tensão esta descortinada por Robsahm em seu documentário e cada vez mais crescente com a longevidade da banda. Mags, Pal e Morten estão bem longe de serem os melhores amigos da face de Terra. No filme, os três raramente são flagrados na mesma cena se não estiverem no palco. Nos bastidores de turnê, frequentam camarins separados. Mesmo com o acordo de que tudo o que o grupo fizer precisa ser aprovado pelos três vértices, os músicos deixam mais do que claro em seus depoimentos de que há sempre um deles em estado de descontentamento muitas vezes tácito. Harket se queixa de ser visto até hoje como o “cara à frente da banda”. Ele também revela insatisfação nas longas passagens de som e após os concertos, já que, segundo ele, as performances sempre ficam aquém de reconhecido poder de extensão de seu gogó. Sobre a divisão de direitos autorais das músicas do início de carreira, há queixas constantes do tecladista, criador de vários riffs e não creditado como autor final da obra. O mesmo Mags é explicitamente contrário à decisão de se reunir em estúdio para gravar um novo álbum – aliás, o intervalo entre os trabalhos fica justamente espaçado pela dificuldade de se chegar de modo fácil a acordos no decorrer do processo criativo. Furuholmen e Waaktaar-Savoy, inclusive, já estão bem longe daquela amizade adolescente que fez com que a dupla fundasse o A-ha e se mudasse de Oslo para Londres em 1981, vislumbrando a continuidade da carreira artística.

Por duas ocasiões, inclusive a banda chegou a separar, com o fim das atividades oficialmente anunciado em apenas uma. Decisões tomadas, aliás, para que os três pudessem ser mais feliz em projetos pessoais. Morten gravou um disco solo. Pal montou com a esposa uma banda batizada com o sobrenome da família. Mags dedicou-se algum tempo às pinturas. Só que, assim como a concordância entre o tripé é condição sine qua non para a existência do grupo, também fica claro na obra assinada por Robsahm de que o A-ha só existe exatamente quando a magia musical acontece durante a reunião dos três. O sucesso pleno não seria atingido com um deles longe dos outros dois, como conclui o cineasta. Por isso, os divórcios não duraram muito.

Tudo bem que o visual adotado por eles nunca ajudou muito desde a segunda metade dos anos 1980. O início pareceu promissor, com dois videoclipes estilosos e criativos assinados pelo badalado diretor britânico Steve Barron (“Take On Me” e “Hunting High and Low”, ambos marcados por efeitos especiais inovadores para a época). Contudo, nos anos iniciais da carreira, apareciam sempre em fotos e entrevistas como aqueles garotos “colírio” da revista Capricho após um banho de loja de roupas de grife mauricinha e belo trato poser nos cabelos curtos. O videoclipe de “Touchy!”, então, chega a ser o cúmulo do que se fazer de errado para trabalhar a imagem de uma banda que sempre quis ser levada a sério (e isso é mostrado com ironia durante o documentário!). Nos dias de hoje, com os músicos já sessentões, o desleixo com o estilo também não chega a ser muito diferente. Morten – com aquela cara eterna de professor de matemática – pode ser um excelente vocalista, mas sua performance de palco chega a ser quase zero, preocupando-se mais em brigar com o ponto eletrônico que todas as bandas profissionais do exterior usam nos palcos para poder se ouvir. Só que a música do A-ha sempre acabou falando mais alto do que isso tudo, como pode provar uma lista de sucessos que inclui títulos como “Take On Me”, “Hunting High and Low”, “The Sun Always Shines On TV”, “Train Of Thought”, “I’ve Been Losing You”, “Cry Wolf”, “The Living Daylights” (criada sob encomenda para ser música-tema do filme homônimo de James Bond), “The Blood That Moves The Body”, “Stay On These Roads”, “Touchy!”, “You Are The One”, “Sycamore Leaves” e a releitura de “Crying In The Rain” (clássico dos Everly Brothers no começo dos anos 1960).

Para completar a temporada, está previsto para ser lançado em outubro um novo disco da banda, o primeiro em sete anos. True North, entretanto, não é uma novidade tradicionalmente concebida em estúdio. Foi gravado durante uma apresentação feita em novembro de 2021 pelo trio (que ao vivo conta com mais três instrumentistas de apoio, sendo dois deles pinçados de projetos locais de jazz e black metal) no extremo norte do país da banda, na cidade de Bodø, com a participação da Arctic Philarmonic norueguesa. O repertório, que reflete na sonoridade a atmosfera megagelada do ártico, traz um punhado de novas composições. A faixa “I’m In”, criada ao piano e violão, já foi lançada como o primeiro single do trabalho, inclusive ganhando um dramático videoclipe. Outras duas, as não menos belas “Forest For The Trees” e “You Have What It Takes”, já vinham figurando no set list dos concertos mais recentes e serão executadas nesta vinda ao Brasil.

Muito mais do que três seres que apenas se suportam e se toleram em nome da mera manutenção de uma marca musical que gera um bom dinheiro até hoje, Morten, Mags e Pal mostram que, apesar das turras e pequenas desavenças constantes, ainda mantêm a chama criativa que fez, lá atrás, o mundo se apaixonar por uma expressãozinha universal de três letras que denota surpresa positiva diante de uma descoberta. O mote da atual turnê, inclusive, pode ser os 35 anos de lançamento do primeiro álbum (que, graças aos atrasos pandêmicos que estão sendo devidamente cumpridos, hoje já chegou nos 37). Mas a expressão hunting high and low (que pode ser livremente traduzida para o português como “procurando por todos os lugares”) ainda cai como uma luva para a trinca. Do calor tropical às geleiras do Polo Norte, todos ainda querem o A-ha. E o A-ha ainda tem muita coisa boa a oferecer. Mesmo sem se livrar da pecha de banda de um hit só.

Movies

Thor: Amor e Trovão

Deus do Trovão volta às telas em aventura solo tresloucada e que foge da zona de conforto habitual dos filmes da Marvel

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

Uma lição valiosa transmitida em Deadpool 2 (2018) e que é reiterada por Thor (Chris Hemsworth) no novo filme protagonizado pelo Deus do Trovão é “jamais conheça seus heróis”. No primeiro caso, a constatação rendeu tiradas geniais de Deadpool (Ryan Reynolds) a respeito do Fanático (também interpretado por Reynolds). Já Thor: Amor e Trovão (Thor: Love and Thunder, EUA, 2022 – Marvel/Disney) gera uma sequência impagável trazendo Russell Crowe no papel de um afetado Zeus. Mas essa está longe de ser a única passagem antológica do longa dirigido por Taika Waititi que, antes, já havia comandado Thor: Ragnarok (2017), o único dos exemplares dos filmes solo do Thor a ser elogiado por público e crítica em igual proporção. O cineasta mostra, com efeito, que é possível escapar da fórmula consagrada pela Marvel Studios sem perder a essência que define os filmes da empresa. As liberdades concedidas pelos produtores ao realizador são limitadas, é fato. Mesmo assim, Taika não hesita em meter o pé na porta o máximo que pode (e que o estúdio permite). O resultado é um filme ousado, dinâmico, ágil, com sequências de ação eletrizantes e muito bem executadas, além de um entretenimento altamente divertido que abusa do humor nonsense.

A trajetória do Deus do Trovão começou de maneira bastante irregular nos cinemas. Primeiramente com um filme de origem (Thor, 2011) que não se destacava entre seus pares. Não se revelava algo exatamente burocrático, mas estava distante de uma produção satisfatória – era até competente e nada muito além disso. Com Thor: O Mundo Sombrio (2013), o herói conheceu a fúria de fãs e especialistas que não hesitaram em tecer severas críticas ao longa que, até hoje, após o lançamento de quase trinta filmes, é considerado um dos piores exemplares do MCU. A solução para alavancar o personagem nas telonas veio com a contratação de Waititi e o lançamento de seu Thor: Ragnarok, garantindo sucesso comercial e artístico para a empreitada. Isso fez com que fez com que o cineasta se sentisse confortável o suficiente em manter o tom de Ragnarokem Amor e Trovão. Sem preocupação em situar a narrativa em um contexto mais próximo da realidade, a nova produção aposta em uma fantasia tresloucada aliada ao humor absurdo. O diretor não se limitou a repetir a façanha, como amplificou conceitos trabalhados no filme anterior e que tão boa aceitação tiveram junto ao público.

A produção começa contando a origem do vilão Gorr (Christian Bale) que, posteriormente, passa a ser conhecido como o Carniceiro dos Deuses. Os antagonistas quase sempre representam o ponto fraco dos longas da Marvel, pois são, em sua maioria, um genérico do mal dos heróis, sendo descartáveis no todo, salvo exceções pontuais. Gorr, por outro lado, tem um passado de sofrimentos que, em sua mente vingativa e insana (após todas as tragédias que presenciou e viveu, diante do absoluto desdém pela vida dos discípulos demonstrado pelo deus a quem ele costumava adorar), justifica seu propósito: o da completa extinção dos deuses. Aqui já percebemos uma pequena evolução neste filme em relação aos predecessores. A narrativa se importa mais com a construção de personagens e também em estabelecer e se aprofundar nas relações entre eles. Após o prólogo que narra o surgimento do vilão, vemos que Thor continua lutando ao lado dos Guardiões da Galáxia (em participação especial quase imemorável) e a cientista Jane Foster (Natalie Portman) recebe um diagnóstico de câncer. 

Já quase sem esperanças, ela parte para uma vila situada na Noruega e habitada pelo povo remanescente do original reino de Asgard após sua dizimação. Além de abrigar os sobreviventes, entretanto, a Nova Asgard se tornou atração turística: recebe visitas de grupos de pessoas que vão até o local para assistir às lendas do extinto planeta sendo recontadas em forma de peças teatrais, além de conferir de perto artefatos e outros itens que fazem parte da história e da memória da extinta localidade. A Nova Asgard é governada por Valkyrie (Tessa Thompson), bastante entediada com o novo ofício e que não vê a hora de se aventurar em nova batalha sangrenta. Jane chega ao local em busca do martelo de Thor, o Mjölnir, que se encontra aos pedaços. Como Thor fez o martelo prometer que tomaria conta de Jane quando ambos ainda estavam em um relacionamento, ela possui uma ligação com o artefato, o que a faz transformar-se na Poderosa Thor. Apesar do caráter mais intimista que o arco de Jane Foster ganha a princípio, a narrativa assume descaradamente a megalomania, seja no plano conduzido por Gorr de matar todos os deuses ou na transformação de Jane, que assume o manto e o Mjölnir da Poderosa Thor – e até em outros aspectos flagrantes como efeitos especiais, edição de som e até mesmo na seleção de músicas que integram a trilha sonora.

Taika Waititi acerta no tom novamente, abusando das liberdades que lhe foram concedidas pelo estúdio em diversos departamentos e sem medo de errar. O humor quase assume a galhofa e a fantasia ocorre em um nível de total absurdo. Mesmo os momentos emotivos e sentimentais descambam propositadamente para a pieguice, o que funciona dentro do contexto proposto. A paleta cromática adotada aproxima mais a trama de um tom cartunesco, das páginas de uma graphic novel. Já a trilha sonora acertada, composta de diversos clássicos dos farofeiros Guns N’ Roses, acentua a grandiosidade das sequências de ação e, assim como diversos mecanismos visuais e narrativos utilizados ao longo da produção, está lá para dizer ao público que este não é um filme que deve ser levado demasiadamente a sério. Bem montado, o longa jamais perde o ritmo ou chega a ponto de enfadar o espectador. Muito pelo contrário, Thor: Amor e Trovão diverte do início ao fim.

O retorno de Natalie Portman é a constatação de que a Marvel deveria ter valorizado mais a personagem desde o início. Além de cientista brilhante, que estampa capas de diversas publicações no segmento em que atua, Jane também se destaca como uma ótima heroína de ação. Waititi interpretando Korg (o alienígena de pele rochosa) é puro deleite. Inclusive, o fato de ser este o personagem a narrar as lendas do poderoso Thor, de modo a situar o público quanto a eventos da vida do herói (ao invés de usar a defasada técnica de flashbacks básicos) é outro dos artifícios que funciona muito bem e corresponde ao estilo e estética do longa. Gorr é interpretado por um extraordinário Christian Bale com uma caracterização assombrosa e abusando de trejeitos e caretas. Quanto a Chris Hemsworth, o ator se mostra cada vez mais confortável no seu personagem e ainda se divertindo muito, mesmo após onze anos no papel.

A Marvel Studios foi certeira ao estabelecer uma fórmula responsável por consagrar a grife nos cinemas, fazendo com que o público sempre retorne às salas multiplex para conferir suas novas empreitadas – seja por hábito; para não se perder na cronologia; por fanservice ou para caçar easter eggs. Para o público em geral, os longas da casa se tornaram garantia de entretenimento saudável e divertido, o que, por sua vez, garante retorno ao estúdio com produções que sempre se provam lucrativas nas bilheterias. Mesmo os exemplares mais frágeis do MCU são carregados de boas intenções. E, ainda que alguns lançamentos de filmes solo de personagens soem como pura questão mercadológica a princípio, pois não acrescentam muito ao todo e ficam bem aquém dos grandes crossovers como Vingadores: Guerra Infinita (2018) e Vingadores: Ultimato (2019), não tem como acusar a Marvel de caça-níquel quando ela emula o universo dos quadrinhos, fazendo o que sempre fez em sua mídia de origem: lançando aventuras solo triviais protagonizadas pelos heróis da casa, que existiam apenas para preparar o terreno para que todo o time se reunisse futuramente em uma grande e marcante saga.

Isso fez com que a Marvel aderisse ao chavão seguro “em time que está ganhando não se mexe”, produzindo longas com estéticas, temáticas, formas e conteúdos que não se diferenciam muito uns dos outros. Mas com Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022), graças a um diretor como Sam Raimi, tivemos a oportunidade de ver um filme quase autoral. Agora, com Thor: Amor e Trovão, vemos que o estúdio se permitiu ousar e fugir um pouco da zona de conforto, graças a um cineasta audaz como Taika Waititi. Vamos torcer para que estes não sejam pontos fora da curva e que a Marvel nos proporcione experiências cinematográficas futuras cada vez menos básicas e mais ousadas.