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Os Fabelmans

Autobiografia ficcionalizada de sua juventude, o novo filme de Steven Spielberg emociona ao mostrar toda a paixão de um garoto pelo cinema

Texto por Carolina Genez

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Sammy Fabelman é um jovem que se encanta pela sétima arte após assistir ao longa O Maior Espetáculo da Terra (1952). Desde então, ele passa a produzir seus próprios filmes. Mostrando seus altos e baixos, Os Fabelmans (The Fabelmans, EUA, 2022 – Universal Pictures) traz a infância, adolescência e começo da vida adulta de Sammy, abordando as dificuldades, descobertas, sonhos, paixão pelo cinema e, principalmente, a relação com seus pais.

Steven Spielberg leva às telas uma espécie de autobiografia ficcional. Sem usar nomes reais conta a história do início de sua carreira como cineasta. Isto é, sua trajetória anos antes de TubarãoE.T. e Jurassic Park irem às telas. O roteiro, escrito por Tony Kushner e pelo próprio Spielberg, é extremamente pessoal, intimista e funciona em completo equilíbrio, conseguindo com facilidade se conectar com os espectadores justamente por mostrar a paixão de Spielberg (ou Sammy) pelo cinema. O longa também, de certa forma, homenageia a sétima arte de uma maneira muito bonita, mostrando a importância das imagens em diversos pontos da vida do protagonista.

É muito interessante notar as diferentes maneiras como Sammy enxerga as coisas ao longo da vida. Durante a infância tudo é muito mágico. O diretor faz isso de uma maneira muito interessante com um jogo de luzes, que, inclusive, acompanha o filme do começo até o fim, até de certa forma fazendo referência aos projetores de cinema e à própria luz necessária na hora de gravar as imagens. Nestes momentos, a fotografia de Os Fabelmans brilha, entregando um trabalho fascinante e muito admirável, conseguindo trazer ainda mais magia para a história, engrandecendo diversos acontecimentos, principalmente aqueles relacionados ao cinema.

Também é marcante a maneira como são mostrados as obras caseiras e os próprios bastidores do cinema, apresentando os diferentes equipamentos e técnicas utilizados para fazer os filmes, a produção dos mesmos e as experiências ocorridas dentro do cinema e que facilmente conseguem trazer um sentimento de nostalgia para o espectador. Além disso, Spielberg mostra o poder e influência que as imagens possuem, vistos tanto nos momentos em que Sammy edita seus filmes, de certa forma podendo manipulá-los, como também nas reações dos outros personagens assistindo aos longas e a forma como cada um deles se choca com as imagens apresentadas.

Apesar de funcionar como um drama e focar bastante no relacionamento dos pais de Sammy e em como tal relacionamento o impactou e o moldou, o roteiro, bem abrangente funciona muitas vezes como um coming of age, conseguindo falar sobre diversos assuntos como o amor, o amadurecimento, o futuro e até mesmo o antissemitismo passado por Sammy em determinado ponto da história. A relação com seus pais muda bastante também ao longo do filme, tornando-se interessante não só pelo forte impacto que isso causou na vida do jovem mas também como é retratada no longa, já que por vezes o garoto está mais próximo da mãe e em outras do pai – o que revela ao espectador diversidade nos pontos de vista.

Além de Sammy, o clã dos Fabelmans traz integrantes bem interessantes. Seu pai é um inventor muito talentoso que apoia seu filho apesar de ter seus receios sobre Sammy seguir carreira com isso. Dano traz uma grande atuação interpretando a parte mais realista dentro do filme, evidenciando as dificuldades da vida, sendo mostrado como vilão em alguns momentos por ser o responsável por tomar as decisões difíceis. Ainda assim, o personagem de Paul Dano é essencial para o crescimento dos outros.

Dona de espírito livre, a mãe de Sammy é a sua maior apoiadora e uma das mais criativas dentro da família. Michelle Williams dá vida a uma mulher misteriosa, mágica e até mesmo fantasiosa. Ela funciona em diversos momentos como o coração da família, mantendo sempre um lar caloroso e alegre. Como sempre, Williams dá showde atuação, principalmente durante os momentos de tristeza. É quando vemos a verdadeira forma da personagem, já que mesmo demonstrando em diversos momentos seu amor por seus filhos, ela carrega uma enorme frustração consigo mesma.

Gabriel LaBelle, que interpreta Sammy durante a adolescência, também entrega uma atuação extraordinária e muito convincente com um personagem muito humano e de fácil identificação. O ator mergulha fundo em todos os sentimentos do seu personagem de uma maneira ímpar e sem esforços, muitas vezes apenas pelo olhar e seus jeitos. 

Além do bom elenco principal, o filme conta com um parceiro de longa data de Spielberg. John Williams compôs uma trilha sonora que complementa e engrandece perfeitamente o longa. Essa magia faz ainda mais sentido quando vemos que a música dentro do filme está conectada com a personagem da mãe de Sammy.

Divertido, memorável e emocionante, Os Fabelmans – que já ganhou o Festival de Toronto e o Globo de Ouro de melhor filme – é uma boa pedida para os amantes do cinema. Com roteiro, atuações, direção, fotografia, montagem e trilha sonora impecáveis, essa novidade de Spielberg já está no rol dos mais importantes filmes da carreira do diretor. Tudo por conseguir, de maneira muito pura, expressar todo o amor e paixão que o cineasta tem com a sétima arte e transpassar isso para o espectador sentado na poltrona da sala de cinema.

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Um Lindo Dia na Vizinhança

Na pele de um famoso e carismático apresentador de programa infantil da TV americana, Tom Hanks rouba a cena mesmo como coadjuvante

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Texto por Ana Clara Braga

Foto: Sony Pictures/Divulgação

Tom Hanks é conhecido por ser um dos caras mais legais de Hollywood. O papel de Fred Rogers parece ter sido feito sob medida para ele. O apresentador conhecido por seu programa infantil, que deu nome a este filme, não é protagonista da história, mas Hanks e seu carisma criam a sensação de que o filme gira em torno apenas dele.

A história de Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beautiful Day In The Neighborhood, China/EUA, 2019 – Sony Pictures), acompanha o cético jornalista Lloyd Vogel (Matthew Rhys) na missão de entrevistar o astro Mr. Rogers. Cheio de conflitos internos, o repórter acaba passando por uma transformação ao conhecer mais a fundo o sempre doce apresentador.

Um Lindo Dia na Vizinhança ganha, (e muito) pela presença de Hanks no elenco. Certeiro, o ator consegue cativar em um personagem de muitas nuances. As conversas entre Lloyd e Rogers são delicadas e humanas, de longe os pontos altos do filme. Destaque especial para quando os dois dividem uma refeição em um restaurante sob olhares curiosos.

O filme apropria-se do cenário do programa infantil para realizar transições e inclusive uma cena de epifania do jornalista. Esse artifício rico traz dinâmica a história, inserindo quem está do outro lado da tela ao mundo colorido e lúdico construído por Mr. Rogers.

Tom Hanks segura o quanto pode, mas a história água com açúcar acaba por perder o embalo por vezes. Quando o ator ganhador do Oscar não está na frente das câmeras, nem sempre dá paral manter o foco. Lloyd não é carismático o suficiente para prender em seus momentos solo. É fácil entender sua raiva e sua dor, mas é mais fácil ainda entendê-la quando Mr. Rogers o auxilia.

Dirigida por Marianne Heller, a história cai em um lugar comum ao render-se a um dramalhão nas partes derradeiras. Claro, é bonito ver o desfecho do protagonista, mas e Mr. Rogers? É possível ver o final feliz de um personagem secundário? O filme, principalmente em sua última cena, atiça a curiosidade de entender mais sobre a vida e os sentimentos de Fred e não de Lloyd. Por isso, Um Lindo Dia na Vizinhança torna-se uma agridoce reflexão sobre a beleza e a complexidade dos sentimentos. Não é culpa do ator escalado para ser o protagonista, mas nesse caso competir com Tom Hanks não foi justo.

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O Primeiro Homem

Menino-prodígio de Hollywood, Damien Chazelle volta a assombrar na cinebiografia do primeiro homem a pisar na lua

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Damien Chazelle Chegou em Hollywood metendo o pé na porta. Nos últimos quatro anos, o diretor e roteirista – atualmente com apenas 33 anos – fez dois filmes e conquistou a condição de menino-prodígio da indústria cinematográfica dos Estados Unidos. Em 2014, fez Whiplash – Em Busca da Perfeição, um filme de suspense sobre música e a dedicação intensa de um baterista (tal qual ele havia sido para ser o melhor do mundo em sua profissão). De cara, o filme levou cinco indicações para o Oscar, incluindo a de melhor longa-metragem, e arrebatou três estatuetas. Dois anos depois voltou às telas com La La Land: Cantando Estações, musical sobre o sonho de atores, músicos e cantores iniciantes de entrar para a indústria do entretenimento e ganhar a fama em suas carreiras. Concorreu em treze categorias ao Oscar, igualando o recorde de A Malvada (1950) e Titanic(1997). Perdeu a principal, mas ganhou em seis delas. Já no Globo de Ouro, ganhou todos os sete prêmios aos quais concorria.

Normal que, depois de tanto hype e celebração, muitos se perguntassem para onde iria a carreira do jovem cineasta depois desta arrancada inicial fenomenal. A resposta não tardou a vir. Dois anos depois ele entrega um terceiro filme tão sensacional quanto os anteriores. E diferente. E criativo.

O Primeiro Homem (First Man, EUA, 2018 – Universal Pictures) é baseado no livro homônimo sobre a vida de Neil Armstrong, astronauta da Nasa e o primeiro homem a pisar na lua. Poderia ser adaptado às telas do cinema como tantas outras cinebiografias produzidas incessantemente pelos grandes estúdios hollywoodianos: com narrativa histórica linear, escalando bons atores para viverem seus protagonistas na esperança de abocanhar algo na temporada de premiações e apostando na instigação ou memória afetiva provocada por estes mesmos retratados no coração de quem assiste aos filmes. Contudo, O Primeiro Homem vai muito além disso. Não se prende ao convencional. Tudo porque é o nome de Chazelle quem está por trás da condução das quase duas horas e meia de projeção.

Damien, agora se restringindo apenas à direção, fez a escolha de colocar a câmera na mão, como um personagem no local da ação, com muitos travellings trepidantes e zooms. Deste modo, ora ela faz a função subjetiva de ser os olhos do protagonista ora convida o espectador a se sentir in loco junto com Armstrong, sua família, seus colegas de trabalho na Nasa e ainda na imensidão do espaço. A questão de voltar a trabalhar com Ryan Gosling – com quem fizera La La Land – também traz outro ponto positivo. A tão ressaltada falta de expressividade facial do ator cai como uma luva para as cenas que exigem um Armstrong frio diante de situações adversas ou ainda sem saber muito o que fazer diante de algo novo em sua vida ou que pode vir a dar errado. Também tem quem interprete a carência de Gosling neste quesito como uma chance para que quem esteja assistindo ao filme possa projetar as suas próprias emoções em sua cara de nada.

O recorte temporal foi outro acerto. Todo mundo já conhece o ápice da história: no dia 20 de julho de 1969, a nave Apollo 11 finalmente pousa em solo lunar e o primeiro tripulante a sair dela é Armstrong. A cena dele descendo a escada e fincando a bandeira no chão virou um ícone da cultura pop e transformou-se até em logomarca de vinhetas da MTV e troféus do Video Music Awards, promovido todo ano pela emissora norte-americana. Só que isso é o que menos importa – embora Chazelle consiga fazer o espectador se sentir o próprio Armstrong na cena. O que vale, no roteiro assinado por Josh Singer (ganhador do Oscar pelo trabalho em Spotlight – Segredos Revelados) é toda a trajetória vivida por ele, desde os tempos em que era piloto de caça, nos anos 1950, até a fama mundial pelo feito. Assistimos ao início da transformação em astronauta, provocado pela morte da filha pequena, até os perrengues passados em testes e posteriormente malfadadas tentativas do programa aeroespacial dos EUA pra fazer o ser humano pousar no satélite natural da Terra. Paralelamente à obstinação profissional, o roteiro mostra ainda a vida em família, sobretudo as tentativas da esposa Janet (a atriz britânica Claire Foy, em excelente atuação) de se manter equilibrada entre o apoio à nova carreira do marido e os abalos emocionais ao entender que, a qualquer momento, um erro pode ser fatal e fazê-la ficar viúva.

Os estímulos auditivos também se agigantam no decorrer do filme. A trilha sonora original, assinada por Justin Hurwitz, também parceiro em La La Land e vencedor do Oscar por este trabalho, é espetacular e se dá ao luxo de usar até um inusitado theremin. O Primeiro Homem também, desde já, surge como favorito para o Oscar da categoria Mixagem de Som (na qual ruídos e efeitos sonoros são colocados na pós-produção, depois de gravadas e montadas as cenas).

Por tudo isso, resta sair do cinema com uma nova pergunta martelando a cabeça. Afinal, até onde irá Damien Chazelle?