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M8 – Quando a Morte Socorre a Vida

Racismo estrutural da sociedade brasileira é forte elemento de história em que o plano espiritual não é motivo de horror

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Paris Filmes/Divulgação

O racismo nem sempre é visível para os brancos, mas é sempre sentido pelos negros. A violência estrutural e velada da opressão racial é tema do filme M8 – Quando a Morte Socorre a Vida (Brasil, 2020 – Paris Filmes), do diretor e corroteirista Jeferson De. Com elementos sobrenaturais, a história acompanha a vida de um aluno negro de Medicina, Maurício (Juan Paiva), que tenta descobrir a história de um dos corpos do necrotério da faculdade. 

O filme é impactante e consegue trazer para a tela as sutilezas e as brutalidades vividas pelos negros no Brasil. Maurício é o único aluno negro do curso, ao mesmo tempo em que corpos pretos são maioria no necrotério. Esse questionamento é o estopim para a jornada do personagem que permeia o mundo social e o espiritual em uma trama feita para incomodar. 

Começar a história com “Ponta da Lança”, do rapper Rincon Sapiência, é um acerto e tanto. “Se a vida é um filme, meu Deus é que nem Tarantino, eu tô tipo Django”, ele rima. Aliás, a trilha sonora é um ponto alto da produção, sendo incluída como elemento de formação de Maurício. Em uma cena em que seus colegas dão carona para casa, ele apresenta as músicas do seu universo para eles. 

Mariana Nunes, que interpreta a mãe de Maurício, é uma força em cena. Seus diálogos com o filho rendem os melhores momentos do filme. Uma mulher, negra, solteira, técnica de Enfermagem, umbandista, essa é Cida. Outra figura maternal que figura no longa é a mãe de Suzana, colega do protagonista, que encara uma das cenas mais brutais de racismo. Mesmo com todas as posses e elegância, a mãe de Suzana não se importa com os estudos da filha. Do outro lado está Cida, preocupada com o desempenho acadêmico de seu filho. Dicotomia interessante.

O personagem Gustavo (Fabio Beltrão) é peça-chave para entender o preconceito diário, mascarado de piadas e críticas. Jeferson De consegue captar com maestria as “sutilezas” do racismo de forma a levar o espectador branco a realizar autocríticas e o espectador negro a se sentir visto e ouvido. “Já tem emprego garantido como açougueiro”, chega a dizer Gustavo a Maurício após o estudante realizar com sucesso uma dissecção.

O elemento paranormal presente em M8 – Quando a Morte Socorre a Vida não é uma assombração aterrorizante, como em muitos filmes. Muito disso, aqui, deve-se aos elementos da umbanda incorporados à trama. A cena em que o estudante está no terreiro e é avisado pela mãe-de-santo que o espírito do corpo M8 deseja se comunicar simboliza como a espiritualidade ajudou a montar uma história em que o plano espiritual não é motivo de horror. Diferentemente de histórias em que o catolicismo está em voga, em que o exorcismo e o medo dos mortos é regra, a religião de matriz africana permite a exploração do que vai além da vida e como isso afeta a vida terrena.

M8 – Quando a Morte Socorre a Vida é forte e traz reflexões importantes à tona. A cena final, de extrema delicadeza e emoção, coroa uma experiência cinematográfica que faz jus ao melhor do cinema nacional.