Music

Ronnie Spector

Oito motivos para lembrar sempre a cantora que ficou marcada na história da música pop como o principal nome do trio Ronettes

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

A morte de Ronnie Spector, aos 78 anos de idade, foi anunciada pela família no site oficial da cantora no último dia 12 de janeiro. “Nosso amado anjo da Terra deixou este mundo pacificamente hoje após uma breve batalha contra o câncer. Ronnie viveu sua vida com um brilho nos olhos, uma atitude corajosa, um senso de humor perverso e um sorriso no rosto. Ela estava cheia de amor e gratidão”, dizia o texto publicado.

Mondo Bacana lista abaixo oito motivos para relembrar sempre a cantora, que deixou seu nome gravado na história da música pop ao liderar o grupo vocal Ronettes durante os anos 1960.

Diva dos girl groups

Se existe alguém que pode concorrer em pé de igualdade com Diana Ross (das Supremes) pelo posto de grande diva dos grupos vocais femininos que marcaram a música pop dos anos 1960, esse alguém se chama Veronica Yvette Bennett, apelido Ronnie, sobrenome Spector adquirido oficialmente após casar-se com o produtor e midas das gravações sonoras daquela época Phil Spector. Nascida em Nova York e descendente de irlandeses, africanos e indígenas, Ronnie foi descoberta por Spector quando, formando o trio Ronettes ao lado da irmã mais velha Estelle e da prima Nedra Talley, já era uma artista bastante popular em Manhattan quando Phil assinou com o grupo para a sua gravadora em 1963 e logo gravou “Be My Baby”, aquele que não só seria o grande hit como também a música que mudaria o curso da música radiofônica ao longo daquela década. Com a separação do grupo em 1967 e o subsequente casamento com Phil no ano seguinte, Ronnie continuou depois sua carreira (solo e com uma nova e breve tentativa de resgatar o nome do trio, com novas integrantes) que, se não foi tão impactante quanto antes, ao menos serviu para continuar catequisando novas gerações de fãs.

Be My Baby

Para muitos, apesar de bastante simples tanto nos versos quanto na progressão harmônica, esta é a canção mais perfeita de todos os tempos da música pop. Começa com uma batida simples, básica, minimalista, bumbo-caixa, que foi copiada pelas décadas seguintes por gente como Jesus & Mary Chain, Manic Street Preachers, Bat For Lashes, Billy Joel, Four Seasons, Meatloaf, Camila Cabello e Taylor Swift. Em julho de 1963, Phil Spector utilizou em estúdio músicos profissionais com quem costumava realizar suas sessões em Los Angeles, entre eles poderosos backing vocals como Darlene Love, Sonny Bono e uma então desconhecida Cher. Do trio nova-iorquino Ronettes, recém-contratado pelo produtor para o elenco de sua própria gravadora Philles, apenas Ronnie, com apenas 19 anos de idade, participou, cantando os versos de puro amor juvenil (Estelle Bennett e Nedra Talley sequer pegaram o avião para cruzar o país). O wall of sound construído neste arranjo inclui castanholas e orquestração, até então algo inédito nas faixas registradas por Spector. Quem criou a música – lançada em compacto em agosto do mesmo ano – foi o casal formado por Jeff Barry e Ellie Greenwich, uma das mais famosas duplas do Brill Building (são deles outros grandes hits daquele mesmo ano, como “Da Doo Ron Ron”, “Leader Of The Pack”, “Do Wah Diddy” e “Hanky Panky”). Phil abiscoitou um quinhão desta parceria por ter sido o grande amálgama da grandiosa sonoridade no estúdio (e também o dono da bola e do campinho!).

Baby, I Love You

Em time que está ganhando não se mexe. A máxima do futebol nada moderno se aplicou ao sucesso de “Be My Baby”. Com a música nas paradas, Phil Spector encomendou outra musiquinha ingenuamente romântica ao casal Barry e Greenwich para manter em alta o nome das Ronettes. O arranjo segue a mesma linha, repetindo até mesmo as castanholas. A letra é de melado só (“Baby, I love you only/ I can’t live without you/ I love everything about you”). De novo, presente no estúdio de Phil em Los Angeles para gravar os vocais estava apenas Ronnie – desta vez, Estelle e Nedra estavam na estrada com a substituta temporária Elaine, outra prima de Veronica, para cumprir agenda de shows e apresentações em TV. Entre os músicos contratados estavam os vocalistas de apoio Cher, Sonny Bono e Darlene Love e o então pianista iniciante Leon Russell integrando o time dos instrumentistas da Wrecking Crew. Saía em novembro de 1963 mais um hit certeiro das Ronettes em compacto, com ótimo alcance nas paradas anglo-americanas e que entraria no primeiro e único álbum da carreira do grupo, lançado no ano seguinte. A canção voltaria a ficar conhecida quase duas décadas depois quando os Ramones fizeram uma cover dela no álbum End Of The Century, de 1980.

A Christmas Gift For You

Fazer álbuns com canções natalinas é, até hoje, uma grande tradição no mercado fonográfico norte-americano. Em 1963, ainda surfando na onda do sucesso extremo das Ronettes, Phil Spector reuniu rapidamente em estúdio o trio e mais alguns nomes do elenco de sua gravadora (Darlene Love, Crystals, Bob Soxx & The Blue Jeans) para fazer o mesmo. Distribuiu para cada artistas três musiquinhas de Natal e o resultado é até hoje o mais belo – e diferenciado, em questões estéticas e sonoras – trabalho do gênero já realizado. Na capa de A Christmas Gift For You, os cantores, vestindo predominantemente as cores verde e vermelha nas roupas, saem de caixas de presente. Nos ouvidos, o wall of sound refinado do produtor embeleza as tradicionais e já conhecidas melodias de fim de ano. Aqui, as Ronettes cantam “Frosty The Snowman”, “Sleigh Ride” e a sapeca “I Saw Mommy Kissing Santa Claus”. Na faixa final, todos os artistas se juntam a Spector para entoar o hino gospel “Silent Night”.

Presenting The Fabulous Ronettes Featuring Veronica

O único álbum da carreira das Ronettes veio em 1964 e já ressaltando nominalmente sua principal e mais famosa integrante – de quebra, namorada do dono da gravadora, na época ainda casado com outra. Considerado pela lista de 2004 da revista americana Rolling Stone como um dos 500 maiores álbuns de todos os tempos (ficou na posição de número 422), o disco veio a reboque do estouro de “Be My Baby” e “Baby, I Love You” e não tardou a emplacar três outras faixas nas paradas: “Walking In The Rain”, “Do I Love You?” e “(The Best Part Of) Breaking Up”. Por mais parecer uma compilação de singles, com direito a releituras do doo-wop ”I’m So Young” (que logo também ganharia regravação dos Beach Boys) e do r&b “What’d I Say”(hit de ray Charles), o álbum não teve sucessor. Depois daqui, Spector só voltou a lançar música nova de Ronnie, Estelle e Nedra em compactos de sete polegadas.

Feminismo

Nos últimos anos, Ronnie foi uma grande defensora do movimento #metoo, que balançou as estruturas dos bastidores do entretenimento nos Estados Unidos e serviu como um grito de basta dado pelas mulheres para os desmandos e abusos dos homens no poder deste setor econômico. Mas também foi um dos símbolos que quebraram o monopólio dos homens nas formações dos grupos vocais, um dos pilares da música pop negra norte-americana desde a segunda metade dos anos 1950. Depois do estouro das Ronettes nas paradas, ficou bem mais fácil para o grande público conhecer nomes como Supremes, Martha & The Vandellas, Shirelles e Shangri Las.

Abuso atrás de abuso

Publicado em 1990, Be My Baby: How I Survived Mascara, Miniskirts, and Madness já está sendo adaptado para o cinema, com estreia prevista para os próximos anos e Zendaya fazendo o papel de Ronnie. Neste livro de memórias com subtítulo cheio de empoderamento, ela conta sem meias palavras todo o clima de terror vivido durante o auge de sua carreira com as Ronnettes e ao lado do namorado/marido/produtor Phil Spector. De personalidade possessiva, controladora e violenta, Phil tocou o terror físico e psicológico pra cima da jovem estrela, chegando a realizar várias tentativas de sabotar a sua carreira como performer e proibi-la de cantar e se apresentar ao vivo. Em 1974, após ser oficializado o divórcio, ele chegou a ameaçá-la de morte, dizendo que iria contratar um homem para matá-la. Exatamente um ano atrás Phil morreu na prisão, aos 81 anos de idade. Desde 2009 ele cumpria pena pelo assassinato da atriz Lana Clarkson, alvejada por ele na madrugada de 3 de fevereiro de 2003.

Fãs famosos

O que tem em comum Johnny Ramone, Jesus & Mary Chain, Amy Winehouse, Yeah Yeah Yeahs e Raveonettes? Todos estes nomes formam parte de uma grande turma de músicos que cresceu ouvindo e idolatrando o trabalho de Ronnie – tanto que, de uma maneira ou de outra, acabaram incorporando em suas sonoridades a influência doce e melódica de Ronnie e das Ronettes.

Movies

Falling – Ainda Há Tempo

Viggo Mortensen estreia na direção com uma tocante história baseada em sua própria experiência com a demência em família

Texto por Abonico Smith

Foto: Califórnia Filmes/Divulgação

Ver um filme pode ser uma experiência catártica, sobretudo se a história for um grande drama. Muitas vezes, por se identificar bastante com quem o protagoniza, sua história, seu sofrimento e seus percalços, espectadores descarregam tudo em lágrimas ou gatilhos interiores acessados. Só que fazer um filme também pode significar a mesma coisa. Viggo Mortensen que o diga com seu Falling – Ainda Há Tempo (Falling, Reino Unido/Canadá/Estados Unidos, 2020 – Califórmia Filmes), no qual assina direção, roteiro mais boa parte da trilha sonora, além de interpretar um dos dois protagonistas.

Boa parte da história começou a ser escrita logo após o funeral de sua mãe. Ela, assim como também o pai de Viggo, passou alguns anos sofrendo de demência. Algumas das histórias sobre a doença e o convívio entre a/o paciente e os familiares que a/o cuidam, ouvidas pelo ator naquele momento, não saíram mais de sua cabeça até sua estreia como diretor se concretizar para ser exibida nas grandes telas.

E Viggo consegue transmitir delicadeza mesmo em tempos difíceis entre uma relação mantida às turras entre pai e filho. Na verdade, o pai Willis nunca mudou o jeito bronco de ser. Fazendeiro do norte do estado de Nova York, satisfaz-se em ser desagradável a todos ao redor somente pelo fato de ser desagradável, de contrariar pedidos e expectativas alheias, desde que seus dois filhos (John e Sarah nasceram). Não aceita as transformações sociais trazidas com o tempo, torce o nariz para a homossexualidade do filho (e também para o seu casamento de anos com o pai de sua enteada), tem rejeição pelo fato de Barack Obama ter sido o primeiro presidente preto eleito pelos Estados Unidos para governar a Casa Branca e não pensa duas vezes antes de provocar confusões com verborragias e atitudes. Ao mesmo tempo, Willis não entende que, por causa do avanço da demência, precisa ser (pacientemente) cuidado pelo primogênito John. Não quer mudar-se para a “progressista” Califórnia por ali ser “uma terra de bichas”. Não aceita a morte da dedicada e pacata Gwen (a mãe dos meninos) ao passo que tem alucinações sexuais com a segunda esposa Jill, aparecendo sempre em sua mente como uma voluptuosa ruiva seminua mesmo em meio de uma nevasca ao ar livre. Por tudo isso, o veterano Lance Henriksen (cujo currículo traz filmaços históricos como Um Dia de Cão O Exterminador do Futuro) entrega uma performance intensa e monstruosa como o indomável octogenário.

O vai e vem do passado, aliás, é um trunfo constante da narrativa e vai ajudando o espectador a montar o quebra-cabeça da conturbada relação entre pai e filho. Desde pequeno, John (Mortensen, que a princípio relutava em atuar em seu próprio filme) é criado por Willis a ser um típico exemplar de macho como ele. O menino – que aparece em distintas fases de sua infância e adolescência – já aprende, bem cedo, que as situações devem ser dribladas com pacifismo, condescendência e, sobretudo, muita, muita paciência. O que poderia se tornar uma armadilha para a trama, porém, revela-se um ganho para Viggo. Não somente esses flashbacks se misturam como lembranças abruptas de uma parte quanto de outra, como também pequenos sinais externos às cenas de ontem e hoje vão sendo delicadamente distribuídos ao espectador para que ele faça a sinapse e descubra de quem é aquele lampejo naquela hora do aqui e agora.

Quando chega ao final, o “novato” diretor também revela outros dois pontos altos de seu filme. Primeiro é a engraçada (se é que durante todo o drama intenso poderia, de fato, haver espaço para algo com um ligeiro toque de humor) participação especial de David Cronenberg. O cultuado cineasta – dono de uma obra marcada pelo horror corporal – aqui é um mero médico que vai realizar o temido (pelo machão Willis, claro) exame de próstata. Por fim, quando começam a subir os créditos, Viggo mostra ao mundo a aposta nas multi-istrumentistas irmãs postiças que formam o Skating Polly, uma fofíssima dupla (trio se contar a participação do irmão de uma delas na bateria e na guitarra) formada por elas em 2009, então aos 9 e 14 anos de idade, e que conta com (já) cinco álbuns de carreira e apadrinhamento de grandes ícones do rock alternativo americano, como Exene Cervenka (vocalista da lendária punk X e primeira esposa de Mortense), Flaming Lips, Babes In Toyland, Band Of Horses, Veruca Salt, Deerhof, Mike Watt e Garbage. A canção “A Little Too Late” não só gruda de imediato na cabeça como é uma incrível força lírica e melódica que anda faltando por aí nas programações das rádios, playlists de internet e escalações de grandes festivais.

Ao realizar todas as etapas de Falling – Ainda Há Tempo, o ator, roteirista, músico e diretor Viggo Mortensen também parece ter exorcizado toda a dor passada durante seus dramas familiares – tanto que dedica o filme a seus dois irmãos mais novos, com quem dividira a turbulência enfrentada duas vezes contra a demência. Por ser um projeto autoral/pessoal em demasia, acaba se tornando uma peça verdadeira de arte e ainda imprime maior veracidade àqueles espectadores que porventura possam vir a se identificar com o sofrimento vivido por John e Sarah desde o nascimento até a meia-idade. Exibido publicamente pela primeira vez no festival de Sundance em 2020, o longa-metragem chega agora aos cinemas brasileiros, com um certo atraso provocado por causa da pandemia da covid-19. Aos mais desavisados, pode até ser algo chocante de se ver e duro de se acompanhar. Entretanto, não deixa de ser uma obra de extrema sensibilidade e que passa bem longe de tender ao tom melodramático.

Music

Billie Joe Armstrong

Vocalista do Green Day aproveita o isolamento da quarentena para gravar sozinho em casa um álbum recheado de clássicos pop das décadas passadas

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Divulgação

É preciso ter muita atitude punk pra regravar clássicos de décadas passadas, principalmente dos frutíferos anos 1980, que nos brindaram com uma enxurrada de canções pop deliciosas e um tanto cafonas. Em meio à quarentena, a Plebe Rude ressurgiu com uma versão corajosa de “P da Vida”, sucesso da boy band Dominó. A canção original é do italiano Lucio Dalla, que foi traduzida para o português pelo músico Edgar Poças, pai da cantora Céu. A cover tupiniquim se transformou em música de protesto e, tirando alguns versos (“We are the world lá nas paradas”, por exemplo), continua atualíssima. Os jogos de dados ainda seguem combinados e o povo anda muito p*** da cara. Só que “P da vida” também ficaram alguns fãs da banda de Brasília, que torceram o nariz, principalmente por conta da parceria do ex-Dominó Afonso Nigro com o guitarrista e vocalista Philippe Seabra.

Outro ícone do punk rock, só que dos anos 1990, o americano Billie Joe Armstrong também resolveu ousar e aproveitou o isolamento social e a pausa forçada na turnê para refletir sobre sua vida. Como forma de descontrair o momento, o frontman do Green Day lançou em março o projeto No Fun Mondays, disponibilizando em todas as segundas (ou quase todas) no canal da banda no YouTube uma versão despretensiosa de canções que formaram seu repertório musical desde a infância.

No site do grupo, o guitarrista, de 48 anos, explicou. “Enquanto todos estamos em quarentena, eu venho refletindo sobre os fatos que mais importam na minha vida. Família, amigos e música, claro. Penso que se todos temos que passar este tempo em isolamento que pelo menos façamos isso sozinhos mas juntos”.  A brincadeira rendeu um disco literalmente solo lançado agora pela Warner com 14 covers, muitas delas improváveis e com vocais originais femininos – como a primeira faixa do disco, a versão de “I Think We’re Alone Now”, gravada em 1987 pela afinadíssima cantora Tiffany. Com o perdão do trocadilho, a música se transformou numa verdadeira joia na pegada roqueira melódica de Billie Joe, que a apresentou ao vivo, ao lado dos filhos Jakob e Joseph, no talk show de James Corden.

A trilha sonora da vida de Billie Joe continua com “War Stories”, de 1979, da banda irlandesa de power pop Starjets, e “Manic Mondays”, composta por Prince e que ficou conhecida por meio das Bangles, donas dos hits oitentistas “Eternal Flame” e “Walk Like An Egyptian”. Inclusive, a vocalista Susanna Hoffs, esbelta no alto de seus 61 anos (e que recentemente também gravou com a banda escocesa Travis), participa do vídeo dessa música com o guitarrista.

Outras surpresas do álbum ficam por conta de “That Thing You Do!”, tema principal do filme The Wonders – O Sonho Não Acabou; “Kids In America”, gravada por Kim Wilde em 1981; “Gimme Some Truth”, de John Lennon; e “Amico”, de Don Backy, cantada num italiano macarrônico. Billie, aliás, chegou a pedir desculpas pela pronúncia da língua, mas o molho ficou delicioso.

Agora um punk pode se deleitar e cantar esses clássicos das paradas pop sem medo de ser feliz.