Music

Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá – ao vivo

Turnê com repertório mais suave baseado em dois discos da Legião Urbana se encaixa bem em um teatro de Curitiba

Texto e foto por Abonico Smith

Primeiro elemento: ar. Confissão, entrega, espelho. Segundo: água. Amor, relacionamento, self. Terceiro: terra. Grandes êxitos. Quarto: fogo. Luta, mudanças, política. Na sequência dos quatro elementos da natureza dispostos em uma linha contínua, o complemento do ser humano. Quinto, então: espírito. Só o amor salva.

Foi seguindo esta continuidade que foi montado o repertório da nova turnê de Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, que desde 2015 percorrem o país todo celebrando as canções (que ajudaram a conceber) da Legião Urbana (banda da qual participaram ativamente e fizeram parte da formação fonográfica clássica). Legalmente não podem utilizar o nome. Mas, afinal, quem que é fã se importa? Por onde passam eles carregam velhos e novos admiradores que estufam o peito, cantam alto e em uníssono tudo de cabo a rabo e celebram hits e lados b do quarteto/trio que saiu de Brasília em meados dos anos 1980 para se tornar uma das marcas mais pungentes do rock brasileiro.

Nos dias 25 e 26 de agosto último de Dado, Bonfá, o vocalista convidado André Frateschi e os outros que compõem o competente trio de apoio dos instrumentistas passaram novamente por Curitiba – justamente a primeira capital, que lá nos idos de 1985, bancou a primeira passagem de avião da Legião para tocar fora do Rio de janeiro, onde o grupo já havia gravado o primeiro álbum e estabelecido moradia. A turnê se chama As V Estações, batismo que condensa os nomes do quarto e do quinto álbum da carreira (respectivamente As Quatro Estações e V, lançados em 1989 e 1991), que fornecem a base para a maior parte do atual set list. Ambos são justamente trabalhos que marcam uma transição profunda na trajetória da banda, então reduzida a trio com a saída do baixista Renato Rocha. A intensidade das letras compostas por Renato Russo para a ser mais reflexiva, quando não bastante melancólica. Foram a passagem para a maturidade sem volta do mundo adulto. Saíam de campo o perfil de rapaz punk pós-adolescente para dar lugar às angústias, responsabilidades, cuidados e outras coisas que vêm junto com os trinta anos. Também foi o período em que o vocalista assumiu publicamente ser gay e descobrir ser HIV positivo. Naquela virada dos anos 1990, sempre é bom lembrar, a sexualidade ainda era um assunto para lá de tabu na mídia e na sociedade brasileira.

O que justifica a costura temática deste repertório de 22 músicas da Legião Urbana. Por isso a apresentação no Teatro Guaíra, um local mais recatado e conservador do que uma casa noturna, caiu bem para esta terceira vinda de Dado e Bonfá como Dado e Bonfá. Quase nenhuma presença do repertório politizado mais explosivo. Clássicos como “Que País é Esse”, “Geração Coca-Cola”, “Perfeição”, “Fábrica” ou  “Baader Meinhof-Blues” foram estrategicamente colocados de lado desta vez. Nada de arriscar acender qualquer pavio de polarização política na plateia – ainda mais em se tratando de uma cidade que claramente (ainda) pende para o lado perdedor da última eleição presidencial. A questão ali, naquelas duas horas de show, era celebrar a comunhão do eu com o ambiente e o mundo ao redor. O espírito com o ar, a água, a terra e o fogo. Não a faísca para que o vermelho pudesse se chocar e gerar grandes atritos com o verde-e-amarelo – embora Frateschi tenha sido bastante aplaudido e incensado ao mudar sorrateiramente dois versos para incluir referencias a questões políticas atuais (“Não boto bomba em Congresso Nacional”, em “Faroeste Caboclo”, e “Somos soldados vendendo joias”,  em “Soldados”).

As Quatro Estações e V  têm uma coisa em comum: são dois trabalhos que solidificaram a formação de trio da Legião e, por terem vindo na sequência de um período de muitas turbulências, serviram para colocar a banda nos trilhos e aquietar um pouco as coisas depois do estouro comercial e de toda a confusão vivida em 1988 no estádio Mané Garrincha, em Brasília, em uma frustrada “volta para casa após o sucesso”. No primeiro, a predominância do amor como a temática principal das canções se junta a citações do livro Tao Te Ching, da Bíblia, da literatura de Luís de Camões e a afirmação de que o caminho é um só. Fala sobre doença, aids, ditadura militar e morte mas procura trazer uma visão positiva no final. Já o posterior teve seu período de concepção abalado pelo confisco do governo Collor mais a descoberta do vírus HIV e um período de rehab de Renato. Isto se refletiu nas canções, mais lentas, sombrias, extensas e com um quê de rock progressivo, inclusive com referências à mitologia, natureza e temas que habitam o universo dos jogos de RPG e filmes/livros de fantasia.

Nove canções de As Quatro Estações, cinco do V. O que significa espaço restrito para o repertório dos outros discos. Muitos “lados B” (vale lembrar que o quinto álbum não teve single trabalhado nas rádios nem videoclipe feito para a MTV) e poucos hits. A sobra ficou para oito clássicos que não podem faltar em um show do grupo: “Faroeste Caboclo”, “Será”, “Tempo Perdido”, “’Índios’”, “Soldados”, “Eu Sei”, “Quase Sem Querer” e “Por Enquanto”. Canções que até hoje vivem sendo executadas em playlists radiofônicos, para o deleite dos mais velhos, e requisitadas nas demandas dos streamings dos mais novos. Esta configuração faz com que a atual turnê seja um pouco diferente das duas anteriores, dedicadas aos álbuns que fizeram a Legião Urbana, entre 1985 e 1988, explodir em onipresença nas rádios nacionais voltadas para o público jovem daquela época, quando o rock reinava soberano no mercado fonográfico nacional e ainda não havia sido solapado pela música sertaneja e pelo pagode.

Por ter um set list mais soft que as turnês anteriores, ter a ambientação em um teatro caiu bem para As V Estações. Poltronas para o público sentar em momentos de menor agito, horário camarada para uma noite de muito frio  em Curitiba (não era nem onze e meia da noite e o concerto já havia acabado). Telão de fundo com vídeos ilustrativos (e/ou abstratos) podendo ser bem visualizado de qualquer lugar. Boca de cena grande o suficiente para garantir boas performances de Frateschi e Dado (que chegam a encenar uma emocionante luta no intenso final de “Soldados”).

“Esta é a primeira vez que a gente levando esse show a um teatro”, comentou Dado em um determinado intervalo entre duas canções. Sinal dos tempos. O rock, gênero musical que nasceu da insatisfação e da vontade de ruptura com o status quo social distanciou-se demais de seu magnetismo perante a juvenília. Para a maior parte da geração de vinte e poucos anos restaram os grandes festivais que misturam musicalmente alhos com bugalhos e se preocupam em ser acima de tudo uma experiência, não uma finalidade musical. Restou a curiosidade de tentar imaginar como o imprevisível Renato Russo se comportaria (e o que falaria ali nos seus famosos discursos afiados ao microfone) se ali estivesse em carne e osso. Ainda mais em se tratando da terra de esmagadora maioria defensora da direita.

Set list: “Há Tempos”, “Meninos e Meninas”, “Sereníssima”, “Eu Sei”, “Quase Sem Querer”, “Eu Era um Lobisomem Juvenil”, “Sete Cidades”, “O Mundo Anda Tão Complicado”, “O Teatro dos Vampiros”, “Vento no Litoral”, “Por Enquanto/Heroes”, “Tempo Perdido”, “’Índios’”, “Será”, “Faroeste Caboclo/I Wanna Be Your Dog”, “1965 (Duas Tribos)”, “Soldados”, “Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar”, “Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto”, “Pais e Filhos” e “Monte Castelo”. Bis: “Metal Contra as Nuvens”. 

Music

Guns N’ Roses

Oito motivos para não perder o show desta nova passagem de Axl Rose, Slash e Duffy McKagan por terras brasileiras

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Divulgação

Prepare a sua bandana porque o Guns N’ Roses vem aí! Os norte-americanos trazem o rock “mais perigoso do mundo”, que estourou no final dos anos 1980, aproveitando a esteira de shows internacionais que desembarcaram no Brasil recentemente. 

A turnê, com o sugestivo nome Guns N’ Roses Are F’ N’ Back!, inclui 13 apresentações na América do Sul, passando por várias cidades brasileiras. Serão seis no total, em setembro. São elas: Recife, dia 4; Belo Horizonte, dia 13; Ribeirão Preto, 16; Florianópolis, 18; Curitiba, 21; e Porto Alegre, 26 (mais informações sobre locais, horário e compra de ingressos, clique aqui). Vale lembrar que o grupo também estará no Rio de Janeiro como um dos headliners do Rock In Rio no dia 8.

Também pudera… Depois de um período pandêmico em que público e artistas ficaram trancafiados em casa, a partir deste ano de 2022 o lema é recuperar o tempo perdido. O tempo, aliás, chega a ser cruel com alguns rockstars. Principalmente aqueles que “enfiaram o pé na jaca”. Ou melhor, enfiaram o nariz e a boca em alguma substância nociva e abusaram disso sem qualquer moderação.

É este o caso de Axl Rose.  Ao contrário de alguns frontmen da mesma geração, como Morten Harket (que esteve mês passado no Brasil com o A-ha e parece ter se congelado nas geleiras do Polo Ártico para manter o físico e a voz cristalina diante dos seus quase 63 anos), o tempo não surtiu o mesmo efeito no nome maior do Guns N’Roses. Para Axl, outro sex symbol daquelas décadas que antecederam a virada do século, a lei da gravidade não foi tão generosa. Tanto é que, alguns anos atrás, quando ele se reuniu aos antigos integrantes para uma nova turnê, caiu nas garras da indústria dos memes e chegou a pedir para que suas fotos em que aparecia acima do peso fossem retiradas do ar.

A gente sabe. A voz de Axl não é mais a mesma. Seu corpinho também não comporta mais kilt. Os shortinhos de couro colados, então, não combinam num senhor que já chegou aos 60 anos. Mas o fato de Axl não manter a forma física extrapola o fator puramente estético. Isso prejudica consideravelmente não só sua performance de palco, mas o alcance das notas mais agudas. Ou seja, exercícios vocais não fazem milagre.

Mas quem entre os fãs se importa se o cantor precisa abandonar um show porque o excesso de drive o fez perder a voz? Por trás daqueles cabelos loiros ainda está a mente criadora de hits épicos que marcaram toda uma geração: do clássico “Sweet Child O’Mine”, lançado no primeiro álbum da banda, passando por ‘Patience”, “Paradise City”, “Welcome To The Jungle”, “You Could Be Mine” e “November Rain” e outras canções que embalaram a minha e a sua juventude (ou a de seus filhos e netos).

O GN’R foi a típica banda que levou ao pé da letra a tríade sexo, drogas e rock’n’ roll, como revelou uma reportagem de capa da revista Rolling Stone em 2007, quando o álbum de estreia, Appetite For Destruction, completava 20 anos. Por conta desse comportamento rebelde e a potência das músicas, levou o título de “the most dangerous band in the world”.

E como o apetite para a autodestruição era grande, a banda se desintegrou em 1993. Aí que o fator tempo entra novamente. Se a rotação da Terra não perdoa a queda de cabelo ou a falha na voz, pode, sim, amansar velhos desentendimentos. Em 2016, Axl Rose, o guitarrista Slash e o baixista Duff McKagan voltaram aos palcos, com passagem por Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski, e outras cidades de nosso país. E, agora, seis anos depois, eles retornam para a alegria das quarentonas, como eu. Da formação original segue o trio, junto há 37 anos e que conta agora com os reforços do guitarrista Richard Fortus, o baterista Frank Ferrer e os tecladistas Dizzy Reed (músico do GN’R desde 1990, aliás) e Melissa Reese.

Em ritmo de revival e torcendo para que Axl consiga terminar as 27 músicas que devem compor o set list em terras brasileiras, o Mondo Bacana cita oito motivos para não perder de jeito nenhum a nova turnê do GN’R.

Appetite For Destruction 35 anos

O Guns já entrou na cena rock estourando. Isso porque o début, lançado em 21 de julho de 1987, já trazia aquele que virararia o maior clássico da recém-formada banda californiana, “Sweet Child O’Mine”. E se você gosta de dar uma espiadinha no set list antes, já deve ter visto entre as canções programadas para esta turnê, boa parte delas (pelo menos oito por show) faz parte do primeiro álbum. 

Este álbum é icônico. Vendeu nada menos, nada mais do que 15 milhões de cópias somente nos Estados Unidos. Hoje, é considerado um dos discos de estreia de maior vendagem da história da música pop. 

Qual o motivo para ter feito tanto sucesso? Começa pelo faro musical da banda, que conseguiu mesclar o hard rockcomercial com uma crueza punk. Axl fazia questão de utilizar técnicas tradicionais, e, por isso, Appetite For Destruction é considerado um dos últimos grandes álbuns de rock “feito à mão”, aos moldes de Layla (Derek and The Dominos, 1970) e Abbey Road (Beatles, 1969). Este termo, aliás, foi usado pelo produtor e técnico de som do álbum, Mike Clink, em entrevista à Rolling Stone.

Slash

A gente sabe que Axl já não chama tanto atenção no palco. Ele ainda consegue correr de um lado a outro, mas sua performance não é mais a mesma. Seu corpinho, uma vez estonteante, não comporta mais aquelas roupas de couro justíssimas e o peitoral exposto, que era capaz de arrancar suspiros e gritos eufóricos até das moças mais recatadas.

Numa situação mais confortável, Slash soube envelhecer debaixo da sua cabeleira sempre vasta e pretíssima, da cartola mágica, dos óculos escuros e outras coisinhas mais. Aliás, o guitarrista revelou para o podcast Conan O’Brien Needs a Friend que sua primeira cartola fora roubada durante uma turnê do Guns N’ Roses em 1985.

O guitarrista, que já fez parte do grupo Velvet Revolver com outros membros do GN’R e tocou com Michael Jackson, completou 57 anos no último dia 23 de julho. No decorrer da carreira, ganhou fama por conta da sua habilidade de fazer solos incríveis, apesar de uma turma do contra dizer que ele só sabe mandar bem na escala pentatônica. Uma prova de que isso é um completo absurdo é um dos trechos do mais famoso solo dele, o de “Sweet Child O’ Mine”. Aqui, Slash usa a escala de mi menor harmônica e cala a boca de muita gente por aí. 

Aliás, em uma entrevista, Slash confidenciou que não suporta mais tocar “Sweet Child O’ Mine”…

Momento nostalgia

Curtir um show de rock depois de passar tanto tempo no isolamento de casa não tem preço. Ainda mais de uma banda que fez tanto sucesso e ainda continua com hits nos topos da parada, como o Guns N’Roses.

Basta acessar o túnel do tempo, fechar os olhos e lembrar daquele show apoteótico na segunda edição do Rock in Rio 1991, quando a banda estreou a turnê Use Your Illusion, que só terminou em julho de 1993 aqui do lado, na Argentina. Aquela edição do festival, por sinal trouxe ícones como George Michael e Prince, mais  bandas que estouraram na época como Faith No More, INXS e o trio norueguês A-ha – que se tornou headliner de um dos dias, atraindo um público de 200 mil pessoas, mas simplesmente fora esnobado pela imprensa.

O livro Guns N’ Roses – O Último dos Gigantes revela que, apesar de algumas estreias na formação da banda, aquele show representaria o fim do grupo como o público conhecia até então. Isso porque Axl passou a apresentar um comportamento cada vez mais problemático, o que potencializou sua relação com Slash, Duffy e Izzy Stradlin, que abandonariam o barco meses depois.

“Sweet Child O’ Mine”

Quem conhece a história desta música sabe que ela foi composta meio que por acidente. Slash, Duff e Izzy estavam sentados na sala de estar, onde Slash tocava a introdução da música. Axl se encontrava no andar de cima e ao ouvir aquele riff sensacional começou a escrever a letra, pensando em sua namorada. E assim, meio que numa inspiração de supetão, surgiu um clássico que voltou ao topo das paradas semanas atrás, por conta do lançamento do filme Thor: Amor e Trovão, da Marvel. 

O hit também fez aparições na trilha de outros longas, como a de Capitão Fantástico, numa versão acústica belíssima, interpretada pelos filhos do protagonista, vivido por Viggo Mortensen. Há ainda por aí diversas regravações, como a de Sheryl Crow e a do grupo de indie rock Luna.

“You Could Be Mine”

Outra canção icônica que você ouvirá nesta nova passagem por aqui é “You Could Be Mine”, que fez parte da trilha sonora do filme O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final, de 1991. Foi o próprio protagonista da franquia, Arnold Schwarzenegger, que solicitou à banda a inclusão da música no filme.

Segundo a revista Rolling Stone, o astro chamou Axl para jantar e pediu permissão do uso da faixa, que, até então, não havia sido lançada oficialmente. O ator, inclusive, aparece no clipe oficial da música, que rodava direto nas MTVs mundiais, inclusive a brasileira.

“You Could Be Mine”, que integra o álbum duplo Use Your Illusion II, surge em algumas cenas principais etambém  nos créditos finais do filme. 

Versões famosas

O GN’R foi responsável por revisitar canções em versões não deixam nada a desejar para as originais. Um exemplo é a cover de “Live and Let Die”.

Lançada, em 1973, pelos Wings, banda de Paul e Linda McCartney, foi regravada por Axl e companhia para a trilha do filme de mesmo nome da franquia de James Bond. Quase 20 anos depois do clássico do ex-beatle, a versão na voz de Axl entrou no álbum duplo Use Your Illusion I e integra o set list da banda até hoje. Apesar de ter ficado incrível, a versão da banda só alcançou o número 33 na parada da Billboard americana.

E sabe o que o Paul achou da releitura? Questionado em 2016, durante uma entrevista ao jornal New York Times, Macca aprovou a homenagem e ainda revelou um fato curioso. Quando a música foi lançada, seus filhos estavam na escola e diziam que era composição do pai. Os coleguinhas retrucavam: “De jeito nenhum. Ela é do Guns”. 

Por falar em versões famosas, o repertório desta turnê ainda traz a versão do clássico do Bob Dylan, “Knockin’ On Heaven’s Door”, que integra Use Your Illusion II. Aliás, o sucessor desses dois álbuns duplos de 1991 álbum foi o disco The Spaghetti Incident?, de 1993.  Aqui o grupo colocou a sua assinatura em canções clássicas de nomes como Stooges, T. Rex, Soundgarden e Johnny Thunders.

Clássicos reunidos

Para esta décima vez que a banda vem ao Brasil (a última passagem foi no São Paulo Trip, em 2017, com ingressos esgotados) os fãs podem esperar um concerto repleto de clássicos. Se levarmos em conta o set list dos últimos anos, desfrutaremos dos hits e canções lendárias que marcaram a melhor fase da banda, entre 1987 e 1991. 

Do primeiro álbum, a gente pode esperar no mínimo oito músicas: “It’s So Easy”, “Mr. Brownstone”, “Welcome To The Jungle”, “Rocket Queen”, “Sweet Child O’ Mine”, “My Michelle”, “Nightrain” e “Paradise City”.  Além dos outros clássicos posteriores como “Don’t Cry”, “November Rain”, “You Could Be Mine” e “Patience”. 

Material inédito

Por conta da pandemia, a banda parou com os shows. Por isso, há uma enorme expectativa para esta nova turnê, que só foi vista nos EUA e marcará essa lendária retomada por aqui.

O público deve ficar atento também para algumas novidades. Desde Chinese Democracy (2008), a banda californiana não lançava material inédito e o novo EP Hard Skool, que conta com a faixa “Absurd”, é só uma amostra do que pode pintar por aí.

Slash, em recente entrevista, avisou que estão preparando mais uma ou duas músicas, que podem ser incluídas nestes shows vindouros.

Movies

Cruella

Live action inspirado na clássica animação 101 Dálmatas conta a trajetória da vilã com embates fashionistas e estética punk rock

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Disney/Divulgação

Duas Emmas travam um embate fashionista retrô com fundo de vingança e estética punk rock na mais nova versão da vilã Cruella (EUA, 2021 – Disney). Ao contrário do que possa parecer, não há plumas no filme adaptado do clássico 101 Dálmatas, escrito pela britânica Dodie Smith em 1961, exibido nos cinemas abertos mundo pandêmico afora e agora chega à plataforma de streaming Disney+. 

O tecido que envolve a silhueta da trama mescla poliéster e algodão. É sustentável e as peles são sintéticas. Pode-se dizer que Craig Gillespie acertou a mão com sua câmera ágil para costurar a origem de Cruella. A protagonista surge como a garotinha Estella (Tipper Seifert-Cleveland), dona de uma personalidade fragmentada – rebelde e genial – refletida no tom de seus cabelos bicolores. Sua metade preta traz à tona a raiva, o ódio, o desejo de vingança. Sua metade branca revela uma menina inteligente, criativa e, por que não, doce. Essa dualidade pode até significar uma resposta ao debate filosófico entre Rousseau-Hobbes-Locke sobre a natureza humana. Afinal, o ser humano já vem ao mundo egoísta; nasce bom e somos corrompidos pela sociedade; ou chegamos aqui como uma folha em branco, a tal tábula rasa? E a genética, qual sua parcela de “culpa”?

O roteiro evoca esse dilema moral/científico da protagonista –  lembrando por vezes Coringa – durante toda a trama, destacando ora o lado “estelar” da vilã, ora o lado cruel. Na infância, a desajustada Estella/Cruella, que sonha em ser estilista de moda, é expulsa da escola. E não foi por conta do seu Converse All Star, não. Estella aprendeu desde cedo a revidar ofensas, a não deixar quieto e levar desaforo pra casa. 

A mãe da garota decide, então, ir a Londres para tentar uma vida melhor e proporcionar um futuro digno para a filha. Antes, porém, é preciso acertar as contas com a Baronesa (Emma Thompson), a estilista mais arrogante e conceituada da paróquia (chega a ser mais arrogante que a Miranda de O Diabo Veste Prada). Durante a parada, no meio do caminho, Estella é “atropelada” por uma tragédia. 

“Acidentes” mudam a vida, diz a anti-heroína. Da noite para o dia, a garota se vê órfã. Sozinha diante da fonte do Regent’s Park com seu único amigo: um cachorro. Aqui já temos uma diferença na construção da personagem. A vilã assume uma postura, digamos, mais politicamente correta do que aquela interpretada por Glenn Close nos anos 1990, que adorava desfilar com seus casacos de pele de dálmata. 

A história, então, segue seu momento Oliver Twist, quando Estella passa a conviver com dois guris, batedores de carteira, Jasper e Horace. Joel Fry e Paul Walter Hauser entregam boas interpretações, apesar de algumas piadinhas sem graça bem ao estilo inglês (culpa do roteiro). O longa, aliás, é sustentado pela ótima escolha dos coadjuvantes, como John McCrea que interpreta o dono de brechó cuja androginia se inspira em David Bowie. 

Estella e seus amigos vivem de furtos e conseguem sobreviver por conta própria. Mas num salto de dez anos, somos apresentados à protagonista em sua fase adulta. O cabelo bicolor se esconde sob uma peruca ruiva. A nossa anti-heroína usa seu dom para criar modelitos usados nos mais diversos delitos. Quando consegue emprego na boutique mais chique de Londres, sua vida se transforma: vira empregada da todo-poderosa esnobe Baronesa e, aos poucos, à medida que as reviravoltas acontecem, a persona Cruella de Vil vai se manifestando.

Por isso, nada melhor que a estética punk dos anos 1970 para narrar a origem dessa personagem às novas gerações que, se não conheciam Blondie ou Stooges, agora conhecem. Essa é uma das razões, aliás, pelas quais os remakes são feitos: adaptar clássicos à contemporaneidade.

A trilha retrô, assinada pelo premiado Nicholas Britell é repleta de canções das décadas de 1960 e 1970, incluindo Supertramp, Bee Gees, Doors, Nina Simone e, claro, os punks por natureza Clash. A inserção sonora acaba dando a impressão de que as sequências se transformam em videoclipes. Se para os ouvidos parece uma overdose, para os olhos o filme é um deleite. O tom noir (o cartaz de Cruella até lembra Sin City) glamouroso é fascinante especialmente para quem se interessa por moda: o figurino excêntrico, com seus vestidos de cetins e lamês; a maquiagem carregada sobretudo nos batons cor de carne, e os penteados extravagantes são, de fato, impecáveis. É uma organza total!

Emma Stone está de parabéns ao incorporar sua personagem estilosa que referencia Vivienne Westwood (a estilista do punk!). A atriz não precisa botar um ovo na boca para inventar seu sotaque britânico e consegue a proeza de pilotar uma motocicleta com salto 12. Genuinamente inglesa, Emma Thompson também brinda o espectador com uma antagonista que há muito tempo estava nos seus planos interpretar. As duas Emmas deverão ainda se reencontrar num futuro não muito distante. Bem ao estilo Marvel, o final dos créditos sugere uma nova adaptação de 101 Dálmatas em formato live action. Mais um spin off à vista!

Music

Jonnata Doll & Os Garotos Solventes – ao vivo

“Alienígenas” incendeiam noite fria e chuvosa com performance arrebatadora em noite de lançamento do novo disco

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Texto e foto por Fábio Soares

A sexta-feira do dia 6 de setembro anoiteceu fria, chuvosa e carrancuda em São Paulo. Atmosférico convite para permanecer em nossos lares maratonando séries, ficar debaixo de edredons ou simplesmente hibernar até o dia seguinte. Na zona oeste da capital, porém, um “interplanetário” evento ocorria no lendário palco da choperia do Sesc Pompeia. Com uma tríade de lançamentos no currículo, a trupe cearense Jonnata Doll & Os Garotos Solventes promovia o lançamento de seu novo álbum de estúdio, chamado Alienígena. Com recém-completados dez anos de estrada, os Solventes encararam a temporada de 2019 como uma final de campeonato. Alienígena é o disco de afirmação do grupo, carregando a missão de elevar seu patamar de promessa alternativa para um dos grandes nomes da atual cena do rock brasileiro.

Às 21h30, os Solventes surgiram ao palco em vestimentas brancas contrastantes com o “tom de boate” do ambiente. Edson Van Gogh (guitarra), Léo BreedLove (guitarras e teclados), Felipe Popcorn Maia (bateria), Joaquim Loiro Sujo (baixo) e Jonnata Araújo (vocais) tinham a companhia da cantora sergipana Marcelle nos hacking vocals e iniciaram a apresentação com “Filtra Me”, poderoso stoner rock de letra urgente (“Sou um ruído que sempre sujou a imagem crua que você nunca mostrou”). “Edifício Joelma”, por sua vez, não é apenas uma singular descrição do lendário prédio consumido por uma tragédia incendiária em 1974. É uma crônica musicada sobre este mesmo centro de São Paulo com suas idiossincrasias.

Já “Baby”, confirma ao vivo o que já se ouviu em disco. Esta é séria candidata a faixa do ano. Flerta com o iê-iê-iê, narrando os perrengues de um jovem casal que decide morar junto na selva de pedra. Perrengues estes que são explicitados em “TRABALHO TRABALHO TRABALHO”. Carro-chefe de Alienígena e grafada integralmente em maiúsculas, a canção (que já possui um clipe) narra a rotina de um sujeito à beira de um colapso nervoso com transporte público lotado, salário baixo e falta de reconhecimento no emprego. Sua execução tão caótica quanto (no bom sentido da palavra!) contou com o trompetista Guilherme Guizado, que também participou da canção seguinte, “Vale do Anhangabaú”, mais uma das inúmeras faixas que tem o centro paulistano como cenário.

“Crocodilo”, do homônimo álbum lançado em 2016, foi um dos pontos altos da apresentação. É justamente nela que o grupo usa seu “supertrunfo” com maestria: a performance de Jonnata Araújo. Incansável no palco, o vocalista incorporou o personagem insano que tantas vezes habitou o imaginário de fãs de Iggy Pop e Lux Interior. Dando um bico nos fundilhos do convencional, desceu à plateia seminu, subiu nas mesas, beijou bocas masculinas e ofereceu seu microfone aos presentes num improvável karaokê em versão pocket. Após quase oito minutos de “insanidade”, até parecia que o vocalista sairia dali direto para a UTI mais próxima. Só que o show tinha de continuar.

Clemente Nascimento (Inocentes, Plebe Rude) deu o ar de sua graça em “Volume Morto” e “Matou a Mãe”. Esta última, um arrasa-quarteirão de dois minutos beirando o hardcore, foi a responsável por rodas de pogo na plateia. Estas mantiveram a atmosfera elevada para a derradeira “Cheira Cola”, mais uma canção de Crocodilo. Punk rock em estado bruto que chacoalhou as estruturas da choperia.

A banda não retornou para o bis e nem era preciso. O recado de Alienígena já havia sido muito bem passado. Os Solventes falam grosso e reivindicam, com razão, um lugar de destaque em festivais Brasil afora. Muito cedo para dizer que explodirão em breve? Não. Após quatro discos (um é ao vivo), o caminho está muito bem pavimentado tanto por terra quanto pelo ar. Afinal, alienígenas voam. Melhor: teletransportam-se.

Set list: “Filtra Me”, “Edifício Joelma”, “Baby”, “TRABALHO TRABALHO TRABALHO”, “Vale do Anhangabaú”,  “Derby Azul”, “Vai-Vai”, “Música de Caps”, “Pássaro Azul”, “Crocodilo”, “Volume Morto”, “Matou a Mãe” e “Cheira Cola”.