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Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1

Início do novo capítulo da franquia proporciona uma intensa experiência cinematográfica aos fãs dos filmes de ação


Texto por Carolina Genez

Foto: Paramount/Divulgação

Ethan Hunt (Tom Cruise) e sua turma entram em mais uma perigosa aventura em que precisam localizar uma poderosa arma que ameaça a humanidade e impedir que ela caia nas mãos erradas. A equipe entra, então, em uma corrida contra o tempo ao redor do mundo enquanto enfrenta a própria IMF, que quer prender Hunt e um inimigo misterioso do passado dele.

Missão: Impossível é uma das poucas franquias cinematográficas que conseguem melhorar sua qualidade, tanto de narrativa quanto de aspectos técnicos, conforme o tempo passa. O novo filme tem roteiro e direção assinados por Christopher McQuarrie, que também foi responsável pelas direções dos últimas dois títulos e também fez parte do roteiro de Missão: Impossível – Protocolo Fantasma Top Gun: Maverick. Dessa maneira, o cineasta não só já tem uma conexão com a saga, permitindo algumas conexões passadas como a personagem de Vanessa Kirby, como também já entende como funciona e como melhor aproveitar toda a dedicação que Tom Cruise tem com a obra.

Em Acerto de Contas Parte 1 somos jogados para uma narrativa atual, com uma das principais temáticas sendo a inteligência artificial. Aqui há uma arma tecnológica que detém muito poder e funciona quase que de maneira invisível, estando em todo lugar e ao mesmo tempo em lugar nenhum e constantemente prevendo ações dos personagens. É a tecnologia online deixando de ser confiável, um cenário interessante dentro dos longas de Missão: Impossível, visto as diversas bugigangas que os personagens usam desde o primeiro, como a própria forma de comunicação durante as tais missões. Essa sensação é passada até pelos planos inclinados utilizados por McQuarrie, que remetem a confusão e paranoia.

O roteiro traz uma narrativa muito maior do que a vista nos últimos filmes, visto que a Inteligência Artificial, nomeada de Entidade, também é valiosa para todas as nações do mundo – ao mesmo tempo que é poderosa, esse controle traz consigo muitos inimigos poderosos. Com riscos maiores, portanto, a história acaba sendo maior e assim dividida em dois lançamentos (o outro chegará em 2024). Nesta primeira parte, acompanhamos basicamente uma caçada com diversas reviravoltas em busca de duas chaves que servirão para controlar a arma. A história é interessante e instigante. Consegue prender a atenção com facilidade muito por conta do envolvimento dos atores e das cenas de ação.

Não resta dúvida de que as cenas de ação fazem este MI7AC1 digno ser visto dentro das salas de cinema. Depois de escalar um prédio e se pendurar em um avião a cinco mil pés de altura, Tom Cruise se arrisca novamente em cenas de tirar o fôlego que merecem ser vistas na maior e melhor tela possível. A dedicação de Cruise em estar na tela sem utilizar dublês é um dos fatores que faz Missão: Impossível ser tão bom, aumentando o realismo das cenas e nos fazendo acreditar ainda mais naquele perigo que os personagens vivem. Além das cenas de acrobacias do ator, as de perseguição são muito bem conduzidas, conseguindo manter o espectador na ponta de sua cadeira. Por sua vez, as de luta apresentam boas coreografias e também prendem por completo a atenção.

Se aqui o perigo é maior do que o dos outros filmes da franquia, também temos um vilão mais pessoal, garantindo assim relances sobre o passado de Ethan e sua vida antes da IMF (e que provavelmente serão melhor explorados no próximo Acerto de Contas). E a solidão, a perda e dor presentes dentro do ofício de ser um espião acabam ganhando mais destaques no roteiro.

As atuações também impressionam, principalmente as de Tom Cruise, Rebecca Ferguson e Hayley Atwell. Tom reprisa mais uma vez o personagem Ethan Hunt, o qual parece conhecer cada vez mais, trazendo ainda mais intimidade ao protagonista. Ao contrário de outros personagens de Cruise, Hunt é mais sério e quer acima de tudo fazer o que é certo, algo debatido até mesmo dentro deste novo filme. Ferguson reprisa seu papel como Ilsa, nome inspirado no clássico Casablanca. Traz uma personagem misteriosa, argilosa e inteligente, mas que conquista os espectadores com facilidade. E Atwell interpreta a controversa nova personagem Grace, que funciona quase como uma divertida anti-heroína, trabalhando pensando em seu próprio interesse. Atwell e Cruise formam uma dupla interessante cheia de química e carisma.

Assim como o título anterior estrelado por Tom Cruise, Top Gun: Maverick, este Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 é mais um acerto recente do gênero ação. Novamente o público fica propenso a aceitar mergulhar em uma intensa experiência cinematográfica.

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Doutor Sono

Sequência da história de O Iluminado se equilibra entre a fidelidade ao livro de Stephen King e o universo criado nas telas por Stanley Kubrick

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Texto por Janaina Monteiro

Foto: Warner/Divulgação

Stephen King demorou 36 anos para lançar a sequência de O Iluminado, livro que originou um dos mais clássicos filmes de terror, dirigido pelo inigualável Stanley Kubrick e lançado em 1980. O tal iluminado do título é o garotinho de cabelo tigelinha Danny Torrence, de cinco anos de idade, que se muda com os pais Jack (Jack Nicholson) e Wendy (Shelley Duvall) para o Hotel Overlook, nas montanhas do Colorado, onde o pai vai trabalhar de zelador. Por conta de seus poderes paranormais, Danny vive rodeado por fantasmas que habitam o lugar e tem um amigo imaginário chamado Tony. No decorrer do filme, Jack fica completamente transtornado, a ponto de colocar a família em risco.

Além da atmosfera de suspense kubrickiana, o êxito de O Iluminado se deve a uma interpretação espetacular de Jack Nicholson. Quase quarenta anos depois, a sequência, Doutor Sono (Doctor Sleep, EUA, 209 – Warner), estreia nos cinemas com a assinatura de Mike Flanagan, que dirigiu, escreveu o roteiro e também editou o longa. Flanagan já havia trabalhado com a obra de King na adaptação de Jogo Perigoso e é uma espécie de faz-tudo. É cria do gênero de terror, e tem em seu currículo filmes como A Maldição da Residência Hill (2018) e Ouija: Origem do Mal (2016). Doutor Sono recebeu o consentimento de King, mas ele pediu para ler o roteiro antes de Flanagan rodar o filme.

O rei do terror já havia revelado seu desgosto com a adaptação… digamos… mais fria de Kubrick (segundo ele, faltou o viés familiar!). É bem possível que tenha escrito a continuação para dar respostas sobre O iluminado e consertar erros do passado. Flanagan deve estar rindo à toa, pois King simplesmente amou o resultado. Em sua conta no Twitter – bastante ativa, por sinal – o escritor não se cansa de elogiar as críticas favoráveis à adaptação: “DOCTOR SLEEP: Mike Flanagan é um diretor talentoso, mas ele também é um excelente contador de histórias. O filme é bom. Você gostará dele se você gostou de O ILUMINADO, mas você também gostará se você gostou de UM SONHO DE LIBERDADE. É imersivo”, tuitou King no útlimo dia 23 de outubro.

As diferenças entre os dois filmes são muitas, começando pelo fato de que a história de O iluminado se passa quase exclusivamente dentro do hotel macabro. Já na primeira hora de Doutor Sono viajamos por um punhado de estados americanos. O garotinho Danny se transformou em Dan, um adulto alcoólatra, assim como o pai, e que se mudou para a Florida para fugir da neve que tanto o traumatizou na infância. O ator escocês Ewan McGregor, que interpreta o protagonista, surge na tela bem ao estilo Trainspotting, de ressaca ao lado de uma prostituta com quem passou a noite. Os inimigos na trama são um grupo de ciganos, meio vampiros meio hippies, que se alimentam do “vapor” de crianças especiais, fazendo com que eles vivam “eternamente enquanto dure”. Com essa informação, você consegue adivinhar o que esse bando, chamado de Verdadeiro Nó e liderado pela bruxa Rose The Hat (a atriz sueca Rebecca Ferguson), é capaz de fazer com as pobres criancinhas.

Em outro estado americano mora Abra Stone (a atriz-mirim Kyliegh Curran em seu primeiro grande papel). Paranormal, a garotinha se torna a única apta a derrotar os vilões. Aconselhado pelo guia imaginário Dick Hallorann (ex-chefe de cozinha do Hotel Overlook em O Iluminado), Dan viaja a Frazier, cidade de New Hampshire, decidido a se reabilitar do vício e a se reconciliar com seu dom de prever as coisas (chamado na história de shining). Começa a frequentar o Alcoólicos Anônimos (assim como fizeram também na vida real Ewan, que largou o álcool, e o próprio Stephen King) e recebe a oferta para trabalhar como enfermeiro num hospital cuidando de pacientes terminais, onde recebe o apelido de Doutor Sono – pois é capaz de adivinhar quem vai morrer, assim como o gato do hospital.

O tempo passa e Dan se torna mentor de Abra. Como ambos têm o poder da telepatia, eles mantêm uma conexão através de uma parede, onde escrevem um pro outro (parece coisa de tabuleiro ouija!). Durante boa parte do filme, Rose tenta encontrar Abra numa história de cão e gato, recheada de cenas de terror trash que nos anos 1980 fariam mais sentido do que na era do cinema digital. Como na sequência em que o bando sequestra um garotinho após uma partida de beisebol – e que remeteu ao filme O Campo dos Sonhos.

Os efeitos sonoros são um dos destaques do filme e por vezes simulam a respiração e batimentos cardíacos, reforçando o clima de tensão. O longa também traz referências a O Iluminado. O número da casa onde Abra mora é 1980. Na parte final, o quarto de hotel número 217 também reaparece, quando Dan retorna ao Overlook, com seus carpetes coloridos, corredores intermináveis e o buraco na parede feito pelo machado de Jack.

Fato é que muitos fãs de King gostaram do livro e dizem que o escritor conseguiu entregar uma sequência à altura, com uma história bem amarrada. Na telona, o filme parece ter sido bastante fiel à publicação e ainda faz várias referências ao filme de Kubrick. E justamente essa fidelidade, a obrigação de entregar o que King queria, pode ter engessado Flanagan. A continuação nas telas se torna arrastada – com mais de meia hora a mais do que o primeiro – e tem personagens deslocadas, interpretações medianas dos coadjuvantes, cenas grotescas de homicídio e uma dose de suspense a conta-gotas.

Mas o que importa é que o diretor, montador e roteirista conseguiu entregar um filme com a chancela do rei do terror, que tem o incrível poder de escrever sobre temas pesados, como o alcoolismo destruidor de famílias, de uma forma que entretém e não faz ninguém cochilar na poltrona.

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O Rei do Show

Hugh Jackman se transforma no criador do conceito do circo moderno em musical que fica longe de pegar fogo

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Fox/Divulgação

Se o circo foi excelência no sinônimo de entretenimento popular durante quase todo o Século 20, isto se deve ao misto de teimosia e perseverança do norte-americano Phineas Taylor Barnum. De origem pobre e apaixonado pela garota Charity, filha do patrão de seu pai e com quem viria a se casar antes mesmo de completar cinte anos de idade, Barnum insistiu no seu sonho de provocar sorrisos de felicidade, espanto e admiração no rosto de grandes plateias, mesmo que por um efêmero período de tempo. Primeiro tentou a sorte com um museu de cera. Depois conheceu os primeiros passos da fama gerenciando um show que apresentava esquetes artísticos protagonizados por seres com as maiores bizarrices humanas já vistas. Na sequência, somou a este fio condutor números musicais, a presença de animais selvagens treinados e domesticados e mais um público grandioso disposto em semicírculo em um amplo espaço coberto por uma lona. Isso tudo, vale a pena ser ressaltado, ainda em meados dos anos 1800. E mais: atravessando crises financeiras provocadas por falências, incêndios criminosos, acusações de fraudes e ainda uma forte campanha pública contra sua iniciativa de “exposição pública” de anões, gêmeos siameses, obesos mórbidos, mulheres barbadas, fortes homens tatuados e todo gênero de outsider humano daquela época em virtude de questões físicas – que, por sua vez, passaram a formar uma grande família e começavam a se ver representados com justiça e dignidade perante uma sociedade com alto teor discriminatório

Lógico que a história de vida de PT Barnum cai como uma luva para a realização de uma obra cinematográfica que se baseie nela. É nisto que se ancora O Rei do Show (The Greatest Showman, EUA/Austrália, 2017 – Fox), estreia de peso nos cinemas brasileiros nesta última semana do ano. Protagonizado por dois atores versáteis e respeitados pela crítica – Hugh Jackman e Michelle Williams – e marcando a estreia em longas do australiano Michael Gracey, mais conhecido por trabalhos publicitários e com efeitos visuais, o filme é uma visão bastante romanceada da trajetória inicial deste polêmico entrepeneur. Vai de sua luta para provar ao então futuro sogro seu amor por Charity, passa pelos árduos primeiros anos de vida a dois e quase sem um tostão no bolso, enfrenta as chuvas e trovoadas ocorridas durante a formação de seu show de horrores e vai até a consolidação do conceito de circo que o mundo passou a conhecer durante boa parte do século passado.

Até aí, mesmo suavizando os tons biográficos deste misto de herói, vilão e anti-herói, a produção poderia ir bem. O figurino de época é apuradíssimo, além como a cenografia e a fotografia também são caprichadas. O problema está justamente… no fato do filme ser um musical. Não que as canções sejam ruins – aliás, “From Now On” gruda na cabeça e a balada “This Is Me”, cantada na história pela mulher-barbada (interpretada por Keala Settle, vinda do circuito de musicais da Broadway), está entre as possíveis indicadas ao Oscar em sua categoria. Não que Michelle Williams e Hugh Jackman não saibam cantar – aliás, a única indicação dada pela Academia ao australiano foi justamente como ator de outro musical, Os Miseráveis. Não que coadjuvantes de luxo como Rebecca Ferguson, Zac Efron e Zendaya (os dois últimos crias da Disney e ela responsável por dispensar o uso de dublês em suas cenas de trapézio) também não estejam eficientes. Só que o problema é justamente o de ser um filme musical. De uma hora para a outra os atores para suas falas e performances de cena… para continuar tudo com voz empostada, passos coreografados, mais o uso de palavras desenhadas em linhas melódicas sobre acordes harmônicos. Sem falar que os arranjos são repletos de grooves com timbres instrumentais pasteurizados e ritmos temporalmente bem distantes da época de Barnum. Ok, pode até se apelar para a eterna desculpa de “licença poética” mas o fato é que definitivamente a escolha pelo formato “não ornou”. Não convenceu. Não só não faz a produção decolar como ainda coloca um elemento desnecessário à narrativa – é justamente nos trechos sem as canções que O Rei do Show se revela melhor.

Na história contada nas telas, o sonho construído por Barnum desaparece em questão de instantes, com cinzas e escombros restando após o incêndio. Só que, para o espectador, o circo está longe de pegar fogo. O Rei do Show, ao contrário do que teima em afirmar o título do filme (especialmente no seu original em inglês), é um espetáculo bem morninho.