Movies

Godzilla vs Kong

Filme garante bons momentos de porrada no encontro dos mostrengos mas peca na história e na apresentação dos personagens

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Warner/Divulgação

No mundo dos monstros gigantes, quem tem tecnologia é rei. O CGI é capaz de transformar tudo em realidade, inclusive a batalha entre dois dos maiores monstrengos do cinema. Godzilla vs Kong (Godzilla vs. Kong, EUA/Austrália/Canadá/Índia, 2021 – Warner) é grandioso, uma mescla de ação e ficção científica que surpreende pela capacidade técnica. Mas deixa a desejar na história. 

Kong está vivendo em um santuário seu calmo cotidiano de macaco gigante. A sequência inicial, com trilha sonora e tom jocoso, mostra por alguns instantes um lado diferente do famoso monstro. A humanização de Kong já aponta um certo favoritismo inicial na aguardada briga. Ele ganha feições mais expressivas e um arco emotivo com a introdução da personagem Jia (Kaylee Hottle). 

Godzilla vs Kong, entretanto, aposta em duas narrativas paralelas. A primeira acompanha a saga dos doutores Nathan Lind (Alexander Skarsgård) e Ilene Andrews (Rebecca Hall) para levar o gorila de volta para sua casa na Terra Oca. A segunda é uma confusa história de conspiração envolvendo o realizador de podcast  Bernie Hayes (Brian Tyree Henry) e a adolescente inconsequente Madison Russell (Millie Bobby Brown). 

A estranha maneira de dividir enredos é uma frustrada tentativa de trabalhar os dois monstros que dão título ao longa separadamente. Enquanto o Time Kong é liderado por cientistas em uma história de aventura, o Time Godzilla encontra-se uma narrativa de alívio cômico e ficção científica. O último infiltra-se na Apex, empresa cujo dono contrata Nathan Lind para a expedição na Terra Oca. Tirando essa pequena coincidência, os dois grupos encontram-se apenas no final, quando tudo já está bem. É como se fossem dois filmes passando simultaneamente. No primeiro, de fato ocorre a luta entre Godzilla e King Kong; Já o segundo traz vibe Sessão da Tarde em que “uma turma muito atrapalhada” tenta descobrir os segredos de uma gigante da tecnologia. Essa escolha narrativa favorece o esquecimento: entre cortes de cena não lembrar o que estava acontecendo com o outro grupo não é algo difícil.  

Se tivesse sido feito vinte anos atrás Godzilla vs Kong não teria o mesmo valor. A tecnologia permitiu uma extravagância visual com direito a explosões, prédios sendo destruídos e belas paisagens de tela verde. Na hora em que a grande batalha chega, os ânimos já estão altos e ela não decepciona. Para quem gosta de ação, é um prato cheio. Para quem gosta de ação com monstros gigantes, é um banquete. Só que a introdução do mechagodzilla é um erro. O personagem poderia ser melhor apresentado como vilão em outro filme. Seus dez minutos de tela até tem justificativa, mas o robô imortalizado na mente das crianças dos anos 1970 é muito mal aproveitado. 

Godzilla vs Kong entrega o que promete: porrada. Como um bom cavalo de Tróia, dá de presente adolescentes viciados em podcasts. O resultado é mediano. Quem estava ansioso para a tão aguardada briga dos dois icônicos monstros, vai sair satisfeito. Quem queria algo a mais vai continuar querendo. 

Music

Criolo convida Nelson Sargento – ao vivo

Celebração, protesto e muita reverência marcam a fria noite em que a Ópera de Arame se transforma na casa do samba em Curitiba

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Texto por Abonico R. Smith

Foto de iaskara

Um show de Criolo é sempre mais do que um show. Mesmo quando ele se desnuda do lado rapper e engata um repertório de samba. Mesmo quando ele faz um downsizing na banda de apoio e sobe ao palco acompanhado de apenas três músicos (cavaco, percussão e violão de sete cordas). Mesmo quando ele convida um dos maiores nomes da música brasileira e faz uma solene reverência a ele, inclusive reservando metade do set list para ouvi-lo cantar alguns dos grandes clássicos compostos por ele e amigos de rodas de décadas e décadas atrás.

E foi tudo isso o que aconteceu na Ópera de Arame no último dia 14 de outubro. De volta a Curitiba para uma versão pocket da turnê do mais recente disco, Espiral de Ilusão, Criolo chamou Nelson Sargento para dividir o palco e fazer de uma noite fria e chuvosa na capital paranaense uma calorosa noite de celebração, resistência e protesto. O público lá presente sabe muito bem que Criolo é o seu pastor e, com ele, nada lhes faltará. Sua fala é sempre mansa. O tom da voz, baixo e calmo. De sua boca saem palavras de conforto, carinho e amor, nunca de guerra, violência ou ódio. Mesmo quando o momento é de apreensão ou desespero.

Para uma plateia majoritariamente composta pela turma do #EleNão e que sabia de cor todas as letras dele, o artista estava mais do que em casa. “La Vem Você” foi o abre-alas para uma grande sequência de uníssonos entoando versos que parecem simples e quererem dizer uma coisa, mas que se você analisar bem notará que servem como uma boa metáfora para as duras entrelinhas da vida. Servem como exemplo disso a faixa-título do álbum (“Como você dorme com isso? Com você dorme tranquilo?”), “Boca Fofa” (“Boca fofa é uma tendência assim tão global/ Quando um nào tem verdade boca fofa é fenomenal”), “Hora da Decisão” (“O tempo fechou na favela/ É fera engolindo fera/ Quem não tem proceder já era/ Quero ver uem vai ter coragem/ Ou peito pra interferir/ Se a falange do mal tá pronta/ E a paz teve que sair”) e, claro, “Menino Mimado” ( “Eu não quero viver assim, mastigar desilusão/ Este abismo social requer atençãoo/ Foco, força efé, já falou meu irmão/ Meninos mimados não podem reger a nação”. Como ponte entre uma canção e outra, muita troca de energia entre plateia e artista mais preces a respeito de fé, crianças, professores e guerra. No final, uma canção mais antiga, “Fermento Pra Massa”, sobre greve do transporte coletivo e o reflexo caótico que um movimento como este provoca na grande metrópole.

Para a segunda parte foi reservada toda a majestade do samba clássico dos morros cariocas. Os gritos fervorosos de #EleNão puderam se emudecer para que entrassem emoção, choro e muita entrega. Até uma bandeira da Estação Primeira de Mangueira surgiu do meio da plateia e foi solenemente levada até Criolo, que a estendeu com as mãos por trás de seu convidado, sentado na cadeira de seu praticável sem perder o bom humor e a humildade de agradecer ao rapper paulistano pela oportunidade de estar em Curitiba por mais uma vez e pela experiência enriquecedora de cantarem juntos.

Estavam todos diante de Nelson Sargento, 94 anos de samba “de raiz” correndo pelas veias e pura sabedoria na hora de discursar (“faça exatamente o inverso do contrário”). E compor também, como é o caso de “Falso Amor Sincero” (“O nosso amor é tão bonito/ Ela finge que me ama e eu finjo que acredito/ O nosso falso amor é tão sincero/ Isso me faz bem feliz. Ela faz tudo que eu quero/ Eu faço tudo o que ela diz/ Aqueles que se amam de verdade/ Invejam a nossa felicidade”), “Agoniza Mas Não Morre” (“Samba, inocente, pé-no-chão/ A fidalguia do salão/ Te abraçou, te envolveu/ Mudaram toda a sua estrutura/ Te impuseram outra cultura/ E você nem percebeu”) e “Sinfonia Imortal” (“Quando o amor desafina/ As notas que predominam/ Saudade e desilusão/ Mas se o maestro é de fato/ Põe na pauta um pizzicato/ Resolve a situação/ O que eu desejo afinal/ É fazer das nossas vidas/ Uma sinfonia Imortal”).

Do parceiro e amigo Cartola – com quem dividiu a autoria de “Sinfonia Imortal”, mandou também “Alvorada no Morro” e as indispensáveis “As Rosas Não Falam” e “O Mundo é um Moinho”. De Nelson Cavaquinho, entoou a também não menos clássica “Folhas Secas”. E tudo, enfim, terminou com “A Voz do Morro”, de Zé Keti mas que pode ser emprestada para ser usada como biografia dos maiores bambas do samba carioca.

Nelson Sargento também é o samba, a voz do morro, o rei dos terreiros. Ele e seu discípulo Criolo fecharam o show com os versos, hoje bastante necessários, que finalizam esta canção (“Mais um samba, queremos samba/ Quem está pedindo é a voz do povo de um país/ Pelo samba, vamos cantando/ É pra melodia de um Brasil feliz”). Com os olhos marejados de lágrimas o público se despediu dos dois artistas. Criolo ainda retornou brevemente ao palco para bisar brevemente o recado de “Menino Mimado” e incendiar mais um coro de #EleNão. Pelo menos, naquela noite de domingo, todos os corações voltaram mais aquecidos e confortados para casa.

Set list: Parte 1: “La Vem Você”, “Boca Fofa”, “Dilúvio de Solidão”, “Menino Mimado”, “Filha do Maneco, “Espiral de Ilusão”, “Hora da Decisão”, “Nas Águas” e “Fermento Pra Massa”. Parte 2: “Falso Amor Sincero”, “Alvorada no Morro”, “Sinfonia Imortal”, “Agoniza Mas Não Morre”. “As Rosas Não Falam”, “O Mundo é um Moinho”, “Folhas Secas” e “A Voz do Morro”. Bis: “Menino Minado”.